sábado, 16 de janeiro de 2021

carta náutica portuguesa anónima de Circa 1471

Uma carta náutica portuguesa anónima de Circa 1471.  Está guardada, com mais três, num estojo circular de cartão, na Biblioteca Estense, de Modena. As quatro Cartas, com várias outras. pertenciam ao fundo de Cartas geográficas do Palácio Ducal .de Modena, donde foram subtraídas em 1859, no momento da passagem da antiga à nova ordem de coisas. Recuperou-as o Dr. Giuseppe Boni, que em 1870 as doou à Biblioteca Estense . Está desenhada em pergaminho, muito bem iluminada; posteriormente foi montada, com as pontas -dobradas sobre a face superior. A Carta portuguesa mede 752 X 650 mm., e representa a costa atlântica da Europa e da África ocidental. desde a Normandia (França) ao Rio do Lago (Golfo da Guiné), com os Açores, a Madeira, as Canárias e as Ilhas de Cabo Verde, e ainda uma grande parte do Atlântico Norte oriental, entre Este. e ESE. da Bretanha tem a Carta -desenhada a Ilha Donayda, que representa uma das Ilhas Legendárias, místicas, do Atlântico Norte.
2 - O Atlântico está absolutamente limpo de desenhos, que possam impedir o seu rápido emprego para a navegação; e nos continentes não se vêem os de animais ·e outros, que se admiram em muitas Cartas quinhentistas, nem tão pouco qualquer designação toponímica. As costas estão bem providas de toponímia genuinamente portuguesa, a qual se estende igualmente às ilhas Atlânticas, além disso, as 'costas mediterrânicas terminam no Sul da Espanha e no Cabo das Três Forcas (Marrocos). A letra da nomenclatura é do tipo cursivo das escritas portuguesas do século XV. De maneira que não pode existir a menor dúvida quanto a Carta náutica, destinada à navegação nacional para Marrocos, e para as costas africanas e ilhas atlânticas pelos nossos já então descobertas: aquelas costas vão do Bojador ao Rio do Lago, estas ilhas compreendem as dos Arquipélagos dos Açores, da Madeira e de Cabo Verde. Esta Carta náutica é pois portuguesa, tendo sido desenhada por um cartógrafo anónimo. É de aceitar que seja cópia da Carta padrão de el-rei dos armazéns da Casa da África, de Lisboa. Quanto ao ano da sua feitura inclino-me para Circa 1471, ano este, em que foi descoberto o Rio do Lago, término da nomenclatura da sua costa africana; desta forma a Carta, na frase feliz de Almagià: «é síncrona dos Descobrimentos portugueses». 

3 - Rumagem. - O ,centro de construção  da Carta é no encontro .do meridiano de Faro com o paralelo da Gran Canária. Fica este ponto no interior da África e marca-o uma artística rosa-dos-ventos, muito bem iluminada. É ele igualmente o centro da rumagem da Carta, o qual está circundado por dezasseis rosas-dos-ventos secundárias, seis das quais são também artisticamente iluminadas. As sete rosas iluminadas tem ao Norte a tradicional «flor de liz». Devo notar que uma das secundárias, a mais meridional, tem a Oeste mais outra «flor de liz» para o que não encontro qualquer explicação: seria engano do cartógrafo? O sistema de rumagem vem das Cartas mediterrânicas: mas o emprego .das 32 linhas dos rumos, correspondendo às 32 quartas da agulha, deve-se aos portugueses, que o iniciaram, conjunta ou seguidamente a terem principiado a bordo a prática das observações astronómicas para a determinação da altura do pólo (latitude). 

4-Escalas. - Não tem a Carta qualquer escala de latitudes ou de longitudes. Não tem traçado o ,Equador, o que não admira porque o seu limite inferior o não atinge, nem tão pouco o trópico de Câncer. Ignoro o que possam significar um paralelo, que está traçado ao Sul do Cabo das Palmas, e um pedaço dum meridiano, que quase margina a parte inferior direita da Carta . . ':tem aos cantos .da esquerda duas escalas das léguas, colocadas na direcção dos meridianos, com doze grandes divisões  troncos das léguas - a de cima, ·e quinze a debaixo; ambas são coloridas e estão deformadas por motivo do encarquilhamento do pergaminho. Alguns dos troncos das léguas contêm ainda subdivisões cada um. O comprimento de cada tronco é em média de 107/10 mm. O trópico de Câncer não está traçado, como disse, mas passa na Angra dos Cavalos, 24º Norte (arredondamento de 23º 27' Norte), ao Sul do Bojador, segundo Pacheco Pereira, a latitude do Cabo das Palmas é 4° Norte. à diferença de 20°, entre estas latitudes, correspondem na Carta 310 mm. ou 29 troncos das léguas. Não pode admitir-se que o grau fosse de 16 2/3 léguas  que os portugueses usavam quando iniciaram no mar a prática da determinação da latitude pelo Norte (Polar) e pelo Sol - porque então aos 20 graus de diferença de latitudes corresponderiam 333 1/3 léguas, e ao tronco 11 1/2 léguas ( 333 1/3), dimensão abstusa, como o dr. Duarte Leite já concluíra para a Carta de Cantino.

De forma que o grau era já de 17 1/2 léguas: correspondendo os 20 graus a 350 léguas, o tronco a 12 léguas, e a subdivisão a 2 2/5 léguas. Como a Carta de Cantino emprega o mesmo tronco de 12 léguas, e ambas as Cartas foram copiadas das Cartas padrões de el-rei, segue-se que o tronco de 12 léguas devia ser o oficial quando as duas Cartas foram confeccionadas. Como 20°, cerca de 2.222 quilómetros, estão representados na Carta náutica por 310 mm., a escala é muito aproximadamente de 1:7.500.000

5 -Bandeiras. - Nove bandeiras iluminadas ornam a Carta: duas portuguesas, uma bretã e seis diversas. As portuguesas estão colocadas em África: uma na Ilha de Arguim, onde já existia uma fortaleza feitoria, ·e outra no local de a Mina do Ouro, local em que se estabelecera o resgate do ouro pouco antes da Carta ser desenhada. A bretã está situada na Bretanha, então ducado independente. As outras seis, todas colocadas em África, devem pertencer a chefes indígenas locais. 

6-Igrejas.- O ignorado cartógrafo desenhou três igrejas na sua Carta. A primeira na Bretanha, sendo possível que simbolize qualquer importante igreja do ducado. A segunda, em frente de Lisboa, representa a Sé da Capital. A terceira, em terra de Marrocos, deve indicar a da Santa Maria de África, de Ceuta. 

Só raríssimas Cartas fixam alguns nomes, muito poucos, de descobridores, seus descobrimentos e até os respectivos anos em que os efectuaram. A Carta náutica, existente em Modena, não pertence a essas raríssimas Cartas, mas é ela a melhor Fonte portuguesa para a denominação, localização e sua consequente identificação dos Descobrimentos marítimos da costa africana, com D. Henrique -até 13 de Novembro de 1460- do Bojador à Serra Leoa; e com D. Afonso V -até 1471- da Serra Leoa ao Rio do Lago.  Poucas são as Fontes coevas para o estudo dos Descobrimentos marítimos até 1471.


O Planisfério de Cavério Maiollo, de 1504


O PLANISFÉRIO DE MAIOLLO DE 1504.

 De :ROBERTO LEVILLIER

Nova prova do itinerário de Gonçalo Coelho-Vespúcio, à Patagónia, na sua viagem de 1501-1502 (*).

(*) . Texto espanhol traduzido pela Lic. Sónia Aparecida Siqueira (Nota da Redacção).

Ao entrar na exposição vespuciana de Florença, em princípios de Julho de 1954, fiquei admirado à vista do conjunto cartográfico.

Ir além dos cinco mapas que formam o grupo de 1502, directamente derivado da viagem que comento, encontrava-se entre eles, ocupando lugar de honra, um planisfério que uma etiqueta oficial indicava ser de Maiollo, datado de 15(3?)4. Procedia da Biblioteca Federiciana de Fano. Já à distância, havia reconhecido no perfil atlântico do hemisfério austral, grande semelhança com Kunstmann II, Pesaro e Hamy. Pude verificar, aproximando-me, que a nomenclatura da região atlântica meridional concordava com a de Kunstmann II, Cavério e Waldseemüller, desde o Cabo de Santa Cruz, ao Norte, até Cananor, ao Sul, (estamos a informar àcerca da costa Leste da América do Sul).  Numa vitrina vizinha, estava a única cópia existente da edição de 1507 de Waldseemüller, com o título: América.

Em frente ao Maiollo exibia-se o planisfério de Cavério. Dum lado, Salviati e Juan Vespúcio. Faltava apenas Juan de la Cosa para encontrarem-se reunidas os fac-similes de Hamy, Cantino e Juan de la Cosa (que chegou depois da inauguração), as mais  importantes imagens do Novo Mundo, associadas à viagem austral. Essas peças únicas e originais, pertencem às bibliotecas italianas e  estrangeiras.

Foi estranho ver que o mapa de Maillo  surpreendesse, pois nunca havia sido reproduzido. No grande salão do Palazzo Vecchio levei tempo estudando-o, medindo-o e fazendo-o fotografar, até conseguir uma boa cópia do hemisfério meridional, do mesmo tamanho do modelo. No mês de Agosto em Veneza,  procurei e encontrei na Biblioteca do Convento de São Marcos a respectiva bibliografia, e em começos de Outubro entreguei à Revista L'Universo do Instituto Geográfico Militar de Florença, um breve estudo sobre o mapa de Maiollo, antes um conjunto de reflexões de um historiador de viagens austrais, que a análise técnica de um cartógrafo. Este  publicou com o título de Il Maiollo di Fano alia mostra vespucciana Deixando de lado os problemas de projecção e de construção do mapa, consagrei-me somente a quatro pontos:

1.°) a configuração do hemisfério austral;

2.°) a toponímia da costa dessa região;

3.°) a legenda que marca a data e a assinatura do autor, e

4.°) o sentido da legenda Tera de Gonçalvo Coigo vocatur Santa Croxe, ou seja: Terra de Gonçalo Coelho chamada Santa Cruz (2).

Vista a bibliografia conclui-se que o mapa era 'conhecido pelo menos há um século, mais pelo nome do que alguma vez tivesse sido analisado. Uzielli e Amat de San Filippo (3) registam-no em catálogo como sendo de 1504, numa 'simples anotação, baseada no elenco das cartas geográficas reunidas na exposição de Veneza em 1881. Harrisse (4) e Nordens-lciold (5) já não puderam encontrá-lo e declararam perdido o que acreditam ser um atlas. Por essa razão provavelmente, e por estar arquivado na biblioteca duma pequena povoação adriática, passou despercebido até que o Prof. Sebastián Crino o descrevesse  num curto estudo, em 1907, sem reproduzi-lo (6) . Sabe-se que o sr. Luigi Massetti o havia doado à Biblioteca de Fano em 1862. Cita as três legendas principais sem delas tirar conclusão histórica, calculada a escala em 1:20.000.000 que sugere a data de 1534. A razão que dá para atribuir ao mapa-múndi essa data, parece lógica, mas não era a exacta. O reputado polígrafo Desimoni  descobriu um convénio subscrito por Maiollo nesse ano, no qual se comprometia a entregar antes de 1535 ao editor Lomellini uma carta náutica do mundo (7), e o prof. Crino deduziu dessa circunstância que

"essendo stata composta da carta in esame Giug no 15 4, due mesi dopo cioe dell'atto notarile su ricordato se la cifra mancante tra il 5 e il 4 come non senta verosimiglianza puo supporsi, sia un 3 completamente obliterado". Várias razões, que se verá mais adiante, se opõem a esta conjectura. A que formulará depois o Prof. Giuseppe Caraci é igualmente infundada. Num artigo em que se ocupa de outros mapas de Maggiolo, dedica algumas linhas a este, à sua data e aos que o haviam precedido no exame ou menção do planisfério (8). Com tal ênfase generalizadora de que soe usar, rejeita sem dar razão alguma, a data de 1504, e assevera: "La data dei atlante (ainda acredita ser um atlas) e senza dubbio piu tarda; l'equivoco fu possibili perche nella sotoscrizione la terza cifra del milesimo e illegibile e fu credeta un zero". Notará o leitor que o senza dubbio tem, como o equivoco, tão pouca justificação como aquilo de que "il piu antico lavoro finora conosciuto di Vesconte resta il notissimo atlante del 1511".

(1)— Revista do Instituto Geográfico Militar. Ano XXXIV, no 6, Novembro ou Dezembro, 1954. Florença.

(2)— Na referida legenda nota-se com facilidade a região do Norte do Brasil.

(3) Studi biografici e bibliografia sulla storia della geografia in Itallta. Roma, 1882.

(4)— The Discovery of North America. Londres, Paris, 1892.

(5)— Periplus. Estocolmo, 1897. 

(6)— Notizie sopra una carta de navigare di Visconte Maiollo. Boletim da Sociedade Geográfica de Roma, t. III, 1907.

(7) — Elenco di certa et atlanti nautici di autora Genovesa. Giornale linguistico, lige 1875

(8)-Di un atrante poco noto di Vesconte Maggiolo (1549) . Bibliofilia, Florença, janeiro-fevereiro 1951.

O exame do hemisfério austral de Maiollo e sua comparação com as outras representações já citadas do novo mundo, oferece sólidos fundamentos para associar este planisfério à primeira cartografia derivada do périplo de Gonçalo-Coelho-Vespúcio de 1501-1502 e autoriza assim mesmo a fixar-lhe a data de 1504.

Enviou-me uma fotografia do planisfério, que não utilizei por parecer-me que as obtidas em Florença, tanto do conjunto como das partes que me interessavam, eram mais pormenorizadas e claras.

O mapa de Maiollo tem  1,40 m de comprimento por 0,895 m de altura, uma espessura do bordo direito e do esquerdo 0,915 m .

Carece de graduações de latitude e longitude, não está incluída a ilha de Cuba,  somente chega até a Índia pelo Oriente.

A forma 'da costa atlântica americana ao Sul do Equador, é a mesma de Pesaro, Hamy e Kunstmann II, sobretudo a deste último, pela sua inflexão SSO. Termina uns graus mais ao Sul de um estuário ou golfo denominado por Kunstmann II e Cavério, e mais tarde Waldseemüller: Rio Jordán, este é o nome que Maiollo também lhe dá, enquadrando-o, como os anteriormente citados, entre Pináculo Detentio (Pináculo de Tentación) ou seja o cerro 'de Montevidéu e Rio Santo António.

Já se demonstrou em América la bien llamada e em El Nuevo Mundo (9) com uma vasta cartografia, que essa enseada representa o sítio do primeiro nome cristão do Rio da Prata, chamado até então Paranaguazú ou Huruay pelos índios .

Cavério, mapa assinado, Kunstmann II, sem as Di un atlante sconoschno di Vesconte Maiollo (1548) . "L'Universo", Setembro de 1926.

(9)— 2 vols. Kraft. Buenos Aires, 1948 e Editorial Nova, Buenos Aires, 1951 sinatura, mas datado de 1502 pelos mais eminentes cartólogos se unem a Maiollo, datado e assinado, para certificar que ao redor ,de 1502 e 1504 foi atingido e descoberto o Rio da Prata.

E os três planisférios assim (10) Waldseemüller marcam também a presença em sua nomenclatura de Cananor, como extremo fim da expedição descobridora da Patagónia .

Do ponto de vista da toponímia, Maiollo é muito satisfatório (11) . Quanto à configuração, se conserva a inflexão SSO de Pesaro, Kunstmann II e Hamy, não leva a costa atlântica até a alta latitude de Cananor. Possivelmente por má informação diminui duns 10 graus ao Norte da latitude do Cabo Agulhas, se é que não há demasiada extensão Norte-Sul do continente africano. Cavério e Hamy são, entre os mapas citados de 1502, os únicos que marcam latitudes, e o segundo o faz com características curiosas.

Publiquei Hamy, fazem anos, na parte que mais interessava ao meu estudo (12) . Reproduzi a África também, para demonstrar que a costa atlântica descia frente ao continente negro, algo mais ao sul que o Cabo Agulhas (35°) mas a graduação da escala .acabou ilegível na cópia fotográfica, e a imprensa a devolveu pedindo que se aclarasse. Um desenhista o fêz, sem reparar no facto realmente insólito de que esse mapa apresenta duas linhas equinociais. Uma começa no Oriente e termina pelo meridiano de Alexandria, e a do Ocidente termina na costa oriental da África, cinco graus ao sul da anterior.

O paralelo marcado 35°S na escala oriental, passa com toda exactidão pelo cabo terminal da África, mas na mesmíssima altura, na escala ocidental, se  lê: 30°.

Segundo Gallois, a linha que vem de Este a Oeste é a de Ptolomeu, e a que vai de Oeste a Este a dos navegantes modernos. O desenhista ao esclarecer as cifras, que são claras na escala oriental, utilizou as mesmas para a ocidental, alterando, sem direito, um conceito do autor do mapa.

De toda maneira, não favorece essa inadvertência à prova de  que originalmente ia utilizando o mapa de Hamy, conjuntamente com Pesaro, Kunstmann II, Cavério e Cantino, todos de 1502.

Os cinco mapas, uns pela sua configuração, outros pela sua toponímia, outros pela extensão de sua costa, demonstram com esses testemunhos, e não com suas. latitudes escritas, que o Rio da Prata e o litoral patagónio estavam descobertos desde 1502, por uma expedição que só podia ser a de Gonçalo Coelho-Vespúcio. Maiollo corrobora esta verdade de forma concludente.

(10). — Ocuparam-se de Cavério, considerando-o de 1502, Gallois, Kretschmer Marcel, Nordenskiold, Harrisse, Ruge, Phillips, Lowery, Stevenson, Vignaud Winter, Tomaschek, Revelli, Almagia, Magnaghi e muitos outros. Com  Kunstmann II se especificaram aceitando a data dada por P. Kunstmann: Kohl, Peschel, Ruge, Kretschmer, Nordenskiold, Harrisse, Stevenson, Winter, Uzielli, Philips, Lowery, Almagia, etc. (11)— Veja-se a toponímia comparada no quadro anexo. (12) — América la bien Ilamada, vol. II, págs. 8, 9 e 10.

Se a costa atlântica apresenta um perfil quase idêntico ao de Hamy, Kunstmann II e Pesaro, a do Caribe oferece uma característica igual a que dão Juan de la Cosa (1500), Kunstmann II e Hamy. Nesses três mapas, como pode ver o leitor na América la bien llamada (13), se interrompe de repente a linha do litoral, prolongando-se esse corte ao ponto de fazer desaparecer toda a terra compreendida entre o Maranhão e o Rio Grande do Mar Doce (Amazonas) e também esses dois rios.

Esta singular omissão ocorre também em Maiollo indicando parentesco de época. O desenhista italiano inspirou-se num modelo análogo ao de Kunstmann II, ao qual está ligado por outros indícios de contemporaneidade. A toponímia de alguns destes mapas é um deles. Veja o leitor o quadro no qual aproximamos os nomes da costa atlântica Sul de Kunstmann II, Cavério, Maiollo e Waldseemüller.

Pouco falta para que sejam idênticos, desde Santa Cruz até Cananor.

Estes indícios concordantes permitem também afirmar que Maiollo pertence à cartografia derivada das viagens caribeanas, de Colombo a Vélez de Mendonza, que reflecte, como os cinco mapas citados, as viagens atlânticas de Cabral e Gonçalo Coelho-Vespúcio.

0 que foi dito já está muito bem provado.

Não obstante ampliarei os testemunhos para que o Q.E.D. seja concludente. Passarei à data.

A legenda em que ela consta provê somente três cifras, apresentadas assim: 1.5.4.

À primeira vista poderia ser 1534, 1524, 1514 ou 1504. Os antecedentes enunciados tendem a demonstrar que é 1504. Acrescentarei razões pelas quais se deve eliminar qualquer outra data. Indiquei, há anos, a série de nomes mal situados por Maiollo, na costa atlântica de seu mapa de 1519 (14). Acreditava que o cartógrafo os havia transposto nessa representação. Descubro agora '11  que não fêz mais do que reiterar seu errado encolhimento da costa de 1504, ficando outra vez uma série de lugares fora do sítio.  Leva Cananor, Santo António, Pináculo Detentio e Rio Jordão, da jurisdição castelhana à portuguesa, colocando esses nomes por São Paulo. Além de que, atribui a essa região uma altura de 19 e 20°, em vez da correcta; 23°30'. Comete outro erro, ao marcar o cabo de Santa Maria por 28° em vez de 34°45'. - (13)- Op. cit., vol. 1, 92: vol. II, 'págs. 8 e 10. (14) --, Op. cit., vol. II, págs. 72 e 73.  A abundância da toponímia neste mapa de 1519, em comparação com as cartas geográficas citadas, indica uma época mais avançada e a utilização de novas viagens, cada uma das quais deixou atrás de si, baptismos sem precedentes. Maiollo 1519 é, pois, posterior ao que ocasiona este estudo, e com muito maior razão deve afastar-se a suposição de que pudesse ser de 1524. Por seu lado, o planisfério de 1527 torna inadmissível a data de 1534.

Inteirado o cartógrafo da viagem de Magalhães, marca todo o litoral e o estreito, e acrescenta o nome de São Cristóvão (posto pelo nauta lusitano ao Rio da Prata) ao de Jordán, resultante da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio. Vai corrigindo erros de 1504 a 1519 e aproximando-se da realidade topográfica do litoral (15). E seria verosímil que  sete anos depois, ou seja, 1534, aparecesse um mapa seu de tão breve costa e tão primitiva nomenclatura? E' bem sabido que surgiram a miúdo na cartografia do século XVI, surpreendentes recúos, mas raramente entre os italianos. Eles sempre souberam informar-se e foram entre os primeiros a fazê-lo, graças ao seu contacto mediterrâneo com as potências descobridoras e a actividade subtil dos núncios, diplomatas e agentes comerciais, prevalecentes em Lisboa, Burgos e Sevilha. Basta para concretizar, escrever aqui os nomes de Martir de Angleria, Pascualigo, Trevisano, Cantino, Affaitadi, Cretico, Ca-Masser, Rondinelli, Priuli, Sanuto, Empoli, Marchioni, Vespúcio mesmo (16) . Todos escreviam mostrando que sabiam.

O segredo das chancelarias interessadas era um mito. Demonstram-no mapas italianos de 1502, 1504, 1519 e 1527; 1536, 1543 e 1553.

As abelhas sugavam seu mel onde e como podiam. Dar ao Maiollo de Fano, conhecendo o de 1527, a data de 1534, seria uma extravagância. Tão pouco é aceitável 1514. O corte na costa norte, semelhante ao de Juan de la Cosa de 1500, Hamy e Kunstmann II de 1502 é explicável numa época em que os pilotos de Espanha e os desenhistas de Portugal não tinham segurança de acertar na indicação das jurisdições. Omitir, também podia ser uma astúcia; mas em 1514, os nautas de Castela haviam percorrido muitas vezes a costa norte, e descoberto o Mar do Sul. Um mapa como o de Maiollo, nessa data seria um anacronismo. Ao aparecer este artigo en L'Universo, em Dezembro de 1954, enviei um exemplar ao meu eminente amigo Heinrich Winter, cartólogo alemão de grande autoridade e autor de muitos trabalhos de valor, como The false Labrador and the Oblique meridian, Francisco Rodrigues Atlas of 1513; The true position of Hermann  Wagner in the controversy of the Compass Chart, A circular map in a .Ptolemaic mss, etc., pedindo-lhe sua opinião sobre a interpretação da data de Maiollo de Fano. Sua resposta de 2 de Fevereiro de 1955, ratifica, por uma excelente razão, a conclusão formulada de::

1504. Publicamo-la em inglês, tal como a recebemos. (15). Op cit., vol. II, págs. 108 a 110. (16)— Veja-se op. cit., vol. I, págs. 182 a 199, Veja-se op. cit., vol. I, págs. 182 a 199, meus comentários à extravagante "política de segredo", do senhor Jaime Cortesão, publicada pela primeira vez sob o título de "O sigilo nacional sôbre os descobrimentos" na revista "Lusitânia" de janeiro de 1924. O mesmo conceito é repetido com maior extensão na Histria de América de A. Ballesteros, em 1947 "As to the date of Maiollo, certainly it was inevitable to refute the readings : 1534, 1524, 1514. But there is another reason for favoring 1504. At the end of the 15th century one changed from semigothic letiers to latin ones and vice versa from latin numbers to sernigothic ones, and after 1500 there was a new situation: one pronounced one (thousand) Eive (hundred) and four = 1.5.4, so, having only thrce unities. The refore one was not obliged to put in a zero, as far as, the 3 unity was an independent word, not composed as thirteen, fourteen, etc. Therefore 1.5.4. is not a lapse. And even the same Maiollo uses the last possibility for such writing (3 unity twelve) on his portulan chart in New York: "Vesconte maiolo composuy hanc cartam in neapoly de anno dny. 1.5.12. dic 2 Juny,, still with three unities for writing as for speaking". Pensamos que esta grata lição, saída da realidade histórica,.servirá para consignar ao planisfério de Maiollo uma poderosa ratificação de Hamy-Pesaro-Kunstmann II-Cavério-Cantino, como grupo cartográfico e reflexo da viagem de Gonçalo-Coelho-Vespúcio ao Rio da Prata e à Patagónia em 1501-1502. Uma circunstância visível no próprio mapa, empresta à referida data um poderoso apoio. Numa legenda escrita em caracteres maiúsculos, aparece no alto do mapa:

TERÁ DE GONZALVO' COE (G?) (L?) O VOCATUR SANTA CROXE.

Maiollo interpretou erradamente o nome e o sobrenome Gonzalo Coelho. Escreveu-os mal, e nele não eram raros tais descuidos. Anota por Santo António: San Antogno; Cristóvão Colombo: Cristof a Colombo; Santa Croce: Santa Crusis, e Magalhães: Maçaianes.

A legenda evidencia a intenção de uma homenagem ao capitão-mor da expedição descobridora: das terras meridionais da América, percorridas por Gonçalo Coelho,.com Vespúcio, em 1501-1502, desde .o cabo São Roque no Brasil, até Cananor na Patagónia .

Muito se discutiu, particularmente entre os brasileiros e na época do Império, se ele foi o chefe, ou se esse cargo correspondeu a André Gonçalves (17) . Os quatro historiadores brasileiros de renome do século XIX: Caetano da Silva, Varnhagen, Mendes de Almeida e Capistrano de Abreu, firmaram o peso de sua autoridade em favor do primeiro, e ante os motivos alegados por eles, sustentei em América la bien llamada; El Nuevo Mundo, e vários artigos de polémica publicados na Revista de História, de São Paulo, que deveria ter sido Gonçalo Coelho(18) A legenda até então nunca apreciada (1954) corrobora de maneira decisiva essa tese. (17) . Veja-se Varnhagen A., História Geral do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio, 1883  Vespúcio, a quem um profissional da quimera, e, mais tarde, seus corifeus, pretenderam atribuir o comando da viagem de 1501-1502,  nunca escreveu ter sido capitão-mor de nenhum périplo, e quando foi capitão de uma caravela, afirmou-o claramente. Em todas as suas cartas predomina seu interesse pelas questões cosmográficas, astronómicas, etnográficas geográficas, sobre os problemas náuticos. Sua hierarquia a bordo das três primeiras viagens, sobretudo na terceira, deve ter sido a de assessor científico. Refere que o Conselho de Oficiais lhe confiou em 15 de Fevereiro a orientação do périplo, que ele dirigiu até 50° de latitude Sul. Em 7 de Abril, o capitão-mor retomou a direcção para voltar a Portugal. Noutro parágrafo alude à morte dum grumete e ao impulso da tripulação de vingar-se dos indígenas, o que o capitão-mor proibiu. Não pretendia, pois, ser o Chefe. Veja-se Varnhagen A., História Geral do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio, 1883. A legenda de Maiollo tira toda a dúvida sobre o tão discutido ponto; foi Gonçalo Coelho o capitão-mor da expedição de 1501-1502. A Vespúcio coube o mais importante, descobrir sob sua direcção o Brasil Meridional, o Rio da Prata, o Cerro de Montevidéu e a Patagónia. Isto não é tudo. Esta terra foi também sua fonte de inspiração. Ao bordejar pelo litoral interminável, inteirou-se do carácter de continentalidade. A essa compreensão feliz se deve pela primeira vez na história o uso dos termos Mundus Novus, Continente e Quarta Parte Mundi, foi um uso exacto. A viagem de tão fecundos resultados repercutiu sobre o capitão-mor, provocando a homenagem lusitana de Tera de Gonçalo Coelho, provavelmente inscrita no modelo utilizado por Maiollo. Desse precioso testemunho evidencia-se que a viagem, o planisfério, e a legenda são simultâneos,  agregam-se  as seguintes conclusões:

1) O mapa de Maiollo de Fano, incorpora-se, por sua configuração ao grupo dos três planisférios de 1502, de inflexão SSO;

2) a concordância de sua toponímia com a de Kunstmann II, Cavério e Waldseemüller, é evidente no quadro anexo, associa-o igualmente à família cartográfica derivada da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio de 1502;

3) em razão dos conhecimentos obtidos em viagens posteriores, resumidos nos mapas de Maiollo de 1519 e 1527, não é aceitável que o de Fano seja de 1514, 1524 ou 1534;— Veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de História, de São Paulo, n.° 16 de 1953. Boletin de la Real Sociedad Geográ-fica de Madrid, n.o 333, de 1954.

4) estes (18) fundamentos acrescentados a indícios da época, como a interrupção da costa no litoral Norte do Brasil (em concordância  com outros mapas de 1502)  a lembrança da memória de Gonçalo Coelho, impõem a data de 1504 ao planisfério de Maiollo da Biblioteca de Fano;

5) a explicação dada pelo sr. Winter sobre a maneira de numerar em princípios do século XVI, é definitiva para solução do problema de data . (18) - veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de História, de São Paulo, nº 16 de 1953. Boletim de la Real Sociedad geográfica de Madrid, nº 333, de 1954.