( em actualização......)
Artigo da autoria do Dr. Manuel Luciano da Silva, foi editado em
Setembro de 1974 no seu livro " Os pioneiros Portugueses e a Pedra de
Dighton". Refere-se à "Era dos Descobrimentos Marítimos
Portugueses":
Muitos historiadores têm por vezes empregado erradamente o verbo
"descobrir", considerando a descoberta uma rua de sentido único, que
não é:
Descoberta: implica movimento nos dois sentidos.
Se o navio parte da Europa com o fim determinado de descobrir terras
desconhecidas e nunca mais regressa, nada foi descoberto.
Na hipótese de alcançar as novas terras e a sua tripulação viver ali a
salvo mas não ter possibilidades de regressar à Europa para dar parte do seu
achado, na realidade não houve nenhum descobrimento.
Correntes marítimas do Atlântico
Tivemos sempre a possibilidade de observar a Lua e os outros planetas, até
há pouco tempo, mas não havia meio de os descobrir por não possuirmos os meios
de lá mandar um astronauta para os explorar e regressar à Terra para informar.
Por exemplo: há provas arqueológicas dos Fenícios, Romanos ou Vikings terem um
dia vivido nas Américas. Não há contudo, provas do seu regresso.
Consequentemente, não podemos considerar que tenha havido descoberta.
Descobrir - isto é, partir e voltar para contar - representa uma força de
civilização que pela primeira vez se empreendeu cientificamente com a Escola
Náutica do Infante D. Henrique.
Ninguém deveria aventurar-se a falar de descobrimentos náuticos sem antes
estudar a fundo as correntes marítimas e o registo dos ventos do Atlântico
Como se sabe, a Corrente das Canárias tem a sua origem no
promontório de Sagres onde o Infante D. Henrique instalara a sua Escola, e
segue ao longo da costa africana, continua ao Norte do Arquipélago de Cabo
Verde, transforma-se na Corrente Equatorial do Norte ou dos
Ventos Alíseos, atravessa o Atlântico paralelamente ao Equador e desaparece no
Mar das Caraíbas.
O coração do Atlântico Norte tem nome
português: Mar dos Sargaços
Depois, a Corrente
do Golfo, semelhante a um rio enorme, corre para a Europa, e na altura dos
Açores divide-se em Corrente do Atlântico Norte e Corrente
das Canárias.
Durante milhares de anos não se alterou esta dança do Atlântico. Todas
estas correntes estabeleceram limites à volta da vasta área de sargaço, um mar
sem costas, que constitui o coração do Atlântico, ao qual os portugueses
chamaram Mar do Sargaço, nome por que é internacionalmente
conhecido.
A corrente do Golfo mandada traçar por
Benjamim Franklin, em 1769
Benjamim Franklin foi quem, pela primeira vez, depois dos Portugueses,
reconheceu a importância das correntes atlânticas na navegação. Na qualidade de
Correio-mor delegado das Colónias, Franklin interessou-se pelas correntes que
poderiam contribuir para aumentar a velocidade dos veleiros do correio
destinado à Europa.
Para este fim, mandou levantar a primeira carta da corrente do Golfo em 1769.
Todavia, foi o Príncipe Alberto do Mónaco (1885-1887) quem fez os primeiros
estudos oceanográficos das correntes e dos ventos do Atlântico. Mandando lançar
em diversos pontos do Atlântico Norte garrafas e barris de diferentes tamanhos,
demonstrou que todos esses objectos davam a volta ao Mar do Sargaço e
todos eles eram impelidos na direcção do Continente Americano pelos ventos
alísios ou pela Corrente Equatorial do Norte.
Demonstrou também que nenhum desses objectos atravessou o Equador em direcção
ao Atlântico Sul. As conclusões do Príncipe Alberto de Mónaco foram confirmadas
pelo Instituto Oceanográfico de Words Hole, de Massachusett.
A Corrente do Golfo sempre levou, do Novo Mundo, objectos
estranhos até às costas dos Açores e de Portugal. Substâncias vegetais, troncos
de pinheiro (não havia pinheiro nos Açores) e canoas serviam para mostrar aos
navegadores a existência de terras desconhecidas lá para o Ocidente.
AS VOLTAS DA NAVEGAÇÃO
Um método fundamental para navegar à vela é fazê-lo dando uma volta ou um
grande círculo.
Durante o primeiro período (1416-1434), os navegadores portugueses tinham
receio de aventurar-se para o mar alto, até que em 1434 dobraram o Cabo Bojador
na costa ocidental de África. Partir de Lisboa em direcção à costa africana era
relativamente fácil porque seguiam a Corrente das Canárias e os ventos.
Para regressarem a Portugal, viam-se obrigados a dar uma volta a considerável
distância da costa. Em cada viagem, navegavam cada vez mais para ocidente no
Atlântico aproveitando os ventos dominantes nas Canárias, agora à sua direita
(primeira parte da volta), indo depois apanhar a Corrente do Golfo em direcção
a Portugal Continental (segunda metade da volta).
Com esta técnica os navegadores continuavam a executar uma série de voltas cada
vez mais largas fixando as actuais rotas marítimas convencionais.
1 - Volta da Mina ( actual Gana )
2 - Volta dos Açores
3 - Volta do Mar do Sargaço
Em 1537, Pedro Nunes, navegador e matemático português, deu à publicidade
os primeiros pormenores àcerca das voltas da navegação ou rotas em círculo
amplo.
A descoberta do Mar do Sargaço e das ilhas mais ocidentais dos Açores fez-se no
regresso de viagens à África.
Os navegadores portugueses em breve descobriram ser muito mais fácil navegar no
alto mar do que ao longo das costas onde as correntes marítimas e os ventos não
tinham regime fixo.
A Madeira, os Açores, as Canárias e Cabo Verde tornaram-se estações
interplanetárias, pontos de partida para a descoberta dos continentes
desconhecidos.
Os conhecimentos adquiridos pelos Portugueses durante as primeiras viagens
através do Atlântico Norte deu-lhes a chave com que, de descoberta em
descoberta, com método e perseverança, puderam também abrir as portas do
Atlântico Sul.
Foi o mestre caraveleiro Bartolomeu Dias quem dobrou a Cabo da Boa Esperança em
1487 por ter verificado ser-lhe impossível navegar contra a Corrente da Guiné,
em vez do que resolveu seguir a rota de Sudoeste (Corrente do Brasil, num
grande arco, à procura de vento mais favorável.
A sua viagem veio a constituir no Atlântico Sul a imagem invertida da Rota do
Sargaço no Atlântico Norte.
Navegar em arco já resolvera muitos problemas no Atlântico Norte no tempo do
Infante D. Henrique. No regresso, Bartolomeu Dias seguiu a Corrente de
Benguela, paralela à costa ocidental africana, seguindo em direcção ao
Equador, continuando pela Rota Convencional Sargaço - Açores até
Lisboa.
A sua grande façanha foi ter sido ele o primeiro a completar a gigantesca rota
marítima em forma de oito abrangendo os dois Atlânticos.
Ainda hoje, muitos estudiosos que nada sabem da ciência náutica, ficam
espantados ao saber que Vasco da Gama, na sua primeira viagem à Índia, seguiu a
corrente do Brasil, corrente que constituiu o arco de Sudoeste da
rota marítima em forma de oito que levou ao Oceano Índico.
Os navegadores Corte Reais eram familiares com a técnica de navegar em arco
muito antes de Bartolomeu Dias ou Vasco da Gama, desde 1472, quando João Corte
Real voltou da descoberta da Terra Nova, pela qual ele recebeu, em prémio, o
governo de metade da Ilha Terceira, empregando a família Corte Real todas as
suas energias na busca da passagem de noroeste para a Índia.
Assim, a partir da Ilha Terceira, os navegadores portugueses chegaram à América
do Norte fazendo um arco a Noroeste, que cortava a Corrente
do Golfo. Na viagem de regresso entravam no corpo central da Corrente do
Golfo que os levava directamente aos Açores.
Quanto mais se conhece as forças oceânicas - correntes marítimas e ventos - que
um dia impeliram as caravelas através do Atlântico - mais convencidos se
fica de que a descoberta da rota marítima para a América - do Norte e do Sul -
foi feita à força pelos navegadores portugueses e portanto a mais fácil de
todas as descobertas.
Convém acentuar que, enquanto a Europa se encontrava "entretida" ou
envolvida em guerras políticas e religiosas - Portugal, durante mais de 70 anos
(1415-1492) fazia sozinho a descoberta do Atlântico. Quando as outras nações da
Europa tomaram consciência da importância dos feitos dos Portugueses, tentaram
entrar em competição na corrida dos descobrimento, mas nunca puderam
ultrapassar a experiência nem apagar a vantagem que os marinheiros portugueses
tinham adquirido durante os seus muitos anos de exploração marítima.
Quando os Portugueses dobraram o Cabo da Boa Esperança em 1487, tinham já
obtido tal aperfeiçoamento na arte de navegar no mar alto, que nenhuma outra
nação pode alcançar o seu alto nível de ciência de navegar.
Arco de navegação da Terra Nova das
rotas dos Corte Reais
Não só Portugal tinha pilotos para as suas próprias necessidades como
também para os ceder a outrem. Para poderem levar a cabo as suas empresas
marítimas, outras nações viram-se obrigadas a recrutar pessoal entre os
experimentados me0stres portugueses ( Estêvão Gomes, Fernão de Magalhães e João
Cabrilho, por exemplo),
Basta dizer que cinco dos navios espanhóis da armada de Magalhães eram
pilotados por navegadores portugueses.
A navegação contra o vento, ou em ziguezague, faz-se muito melhor com a vela latina
Quando se pensa que quase dois terços do Mundo foram descobertos pelos
Portugueses, tem-se o dever de começar o estudo de qualquer descoberta
controversa com a seguinte advertência; " Foi descoberto pelos Portugueses
até se provar o contrário ".
Fonte:
Lusitanian
Express
Cabo das
Tormentas 1488
luis.d.lopes
Desde
o século XIV que os marinheiros portugueses navegavam ao longo da costa
africana até ao arquipélago das Canárias, já então sobejamente conhecido.
Quanto mais para Sul se navegava mais complicada era a viagem de regresso pois
quer os ventos quer as correntes eram contra
É
fácil deduzir que o descobrimento da Madeira (1418) e dos Açores (1425) está
directamente relacionado com o regresso das expedições portuguesas das viagens
de exploração do Norte de África, nomeadamente as que se dirigiam às Canárias.
Com o passar dos anos foi naturalmente aumentando o conhecimento sobre os
ventos e as correntes e percebeu-se que o regresso a Portugal seria muito mais
fácil através de uma volta de mar (que mais tarde iria dar origem à Volta da
Mina) que levasse as embarcações para Oeste até à longitude dos Açores, navegando
então para Norte até alcançar a latitude deste arquipélago e daí navegando para
levante até se atingir a costa de Portugal.
Em
1434 Gil Eanes dobra o Cabo Bojador e as voltas de mar cada vez se fazem mais
ao largo, conforme mais se navegava para Sul, chegando esta volta eventualmente
a atingir os 40º Oeste de longitude.
É
interessante notar que em 1452 as ilhas das Flores e do Corvo são descobertas,
o que nos permite concluir que por essa altura os processos de navegação
associados à volta pelo largo já estavam sobejamente amadurecidos. Convém
também referir que o povoamento dos Açores (Santa Maria) só se iniciou em 1439
apesar de ter sido descoberto doze anos antes, mostrando claramente a
dificuldade em navegar de forma rotineira para este arquipélago. A solução
passava seguramente por viagens iniciadas com rotas para o Sul, eventualmente
até com escala na Madeira.
Tendo
em consideração a passagem do Cabo Bojador em 1434 e o início do povoamento dos
Açores em 1439, podemos então com muito segurança estabelecer que a meio do
século XV as viagens pelo largo, de regresso a Portugal, já eram uma prática
normal na época.
O
esforço inicial português na exploração da costa africana teve participação
apreciável dos genoveses, especialmente no que respeita às expedições às
Canárias.
As agulhas de marear utilizadas nas nossas embarcações seriam seguramente
genovesas, com ferros ferrados fora da flor-de-lis por um ângulo provavelmente
igual a meia quarta visto a declinação em Génova ser cerca de seis graus Leste.
Na
viagem de regresso a Portugal, a volta pelo largo que os portugueses introduziram,
nomeadamente quando se atingia o limite em termos de longitude, as proas dos
navios várias vezes seriam na direcção de Norte. Nas singraduras em que as
proas fossem exactamente Norte (360º), um piloto mais atento, através de
simples observação visual, teria notado que o Norte da agulha (ou a
flor-de-lis) não coincidia com a estrela Polar (mesmo não tendo em conta o seu
regimento). De facto, nas proas para Norte, a declinação magnética seria nula
ou mesmo de Oeste pelo que a diferença entre a proa (360º) e o Norte geográfico
poderia ser quase igual a uma quarta.
Vejamos
um quadro muito resumido, de comparações de rumos de agulha com rumos
verdadeiros, de uma hipotética viagem da Lisboa às Canárias com regresso a
Lisboa por volta pelo largo, utilizando uma agulha genovesa com um factor de
correcção igual a 6º.
A
flor-de-lis e os ferros fariam um ângulo entre si igual a seis graus, que é o
valor estimado da declinação em Génova para a época (séc. XV),
Agulha Genovesa com compensação para seis graus leste
(séc. XV)
Em
Lisboa, após instalada a agulha a bordo, utilizando a mesma como referência,
podia ser observado o seguinte:
Agulha Genovesa com compensação para seis graus leste (séc. XV), em
Lisboa
Tendo
como referência a flor-de-lis poderíamos observar que a Polar
(norte geográfico) culminava ligeiramente à direita, e a ponta norte da agulha
apontava ainda mais para a direita (devido ao factor de correcção incorporado
em Génova, seis graus).
Agulha Genovesa com compensação para seis graus leste (séc. XV), em
Lisboa
Nas
proas a norte, quando a declinação era nula ou mesmo de Oeste (dependia da
longitude atingida na volta pelo largo), o rumo verdadeiro afastava-se da
agulha cerca de 8 graus, cerca de ¾ de quarta. Estando a Polar a uma altura
situada no intervalo [20º, 40º], de acordo com a latitude, seria muito fácil
observar visualmente que a Polar se encontrava por estibordo quase uma quarta.
(ângulos
exagerados para facilidade de leitura)
Agulha Genovesa com compensação para seis graus leste (séc. XV), a 40º
Oeste de Longitude, latitude dos Açores, navegando para Norte, declinação 2º
Oeste
Mesmo
considerando que fosse ignorado pelos pilotos que a Polar não estava
exactamente situada no norte geográfico, o ângulo de afastamento da Polar (do
Norte Geográfico) face à proa navegada seria sempre possível de ser observado.
É evidente que este processo de avaliação visual seria mais correcto, quanto às
conclusões alcançadas, se fosse conhecido o momento da passagem meridiana da
Polar, isto porque em termos práticos a Polar descrevia um círculo no céu, em
torno do Norte Geográfico, com um raio aproximadamente igual a 3.5 graus. Como já foi dito, esse facto só foi considerado nos cálculos
náuticos com o aparecimento dos regimentos da Polar. São conhecidos diversos
Regimentos do século XVI, mas não se conhece qualquer referência ao assunto em
textos anteriores ao mesmo século. Apesar deste facto, podemos afirmar que a
utilização de regimentos da Polar é seguramente muito anterior ao século XVI.
Claro
que através da passagem meridiana do Sol seria também possível obter uma ideia
muito concreta sobre a variação da agulha mas a utilização do Sol na navegação
astronómica só deverá ter começado no último quartel do século XV, portanto uns
trinta ou quarenta anos depois do início da utilização das voltas pelo largo. A
vantagem de observar a Polar quando a embarcação navegava para norte (ou para
sul) residia no facto de ser um processo muito simples, expedito, visual, sem
recurso a cálculos ou conhecimento mais apurado.
A
constatação que a Polar não estava alinhada com a proa (direcção) da embarcação
quando esta supostamente navegava para norte, numa primeira instância teria
sido efectuada de forma inadvertida, mas certamente que se terá transformado
num processo corrente através de sucessivas e continuadas observações. Mais
tarde, com a introdução dos regimentos da Polar, os pilotos passariam a ter um
processo mais rigoroso que lhes iria permitir, através de continuadas
observações da Polar, concluir pela existência de um afastamento angular entre
as agulhas e o Norte geográfico, variável de acordo com o local de observação.
Parece-nos
correcto afirmar que seguramente vários pilotos terão observado este fenómeno,
que era mais evidente quanto mais para oeste fosse efectuada a volta pelo
largo.
Em
conclusão, diremos que o fenómeno da existência da declinação magnética
poderá ter sido observado pelos pilotos portugueses de forma evidente e
consistente a partir de 1440 com a introdução da volta pelo largo, isto cerca
de 50 anos antes de Colon [Colombo], a quem usualmente é atribuído o primeiro
testemunho sobre o fenómeno (o noroestear e nordestear das
agulhas).