segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Tráfico de Escravos na Bacia do Congo

 

Este texto é uma resposta ao vídeo “Kony 2012” que com mais de 100 milhões de visualizações em apenas seis dias, tornou-se o maior viral da história. Um comentarista pediu que antes que se fizesse qualquer julgamento sobre o assunto é necessário conhecer como era o sistema de vida dos africanos antes do contacto com os brancos e indicou o seguinte texto:

The Slave Trade in Congo Basin

Um artigo de 1890, escrito por E. J. Glave, um dos oficiais pioneiros do jornalista explorador, Henry Morton Stanley, atesta que os negros não foram simplesmente arrancados mas resgatados da África.

Este artigo foi publicado originalmente no “The Century Magazine” em Abril de 1890. Todas as ilustrações são do artigo original

A região do coração da África está a ser rapidamente despovoada em consequência da enorme lista de mortos causada pelo bárbaro comércio de escravos.

Não é apenas a servidão que a escravidão implica clamando o interesse do mundo civilizado, mas  o derramamento de sangue, a crueldade e a miséria que isso envolve.

Durante a minha residência na África Central, por várias vezes viajei pelas aldeias ao longo do Rio Zaire ou Congo e dos seus quase desconhecidos afluentes. Nas  aldeias por onde passei,  testemunhei evidências da terrível natureza do mal.

Não porque tivesse procurado testemunhar os sofrimentos que o tráfico transmite à humanidade, mas pela crueldade encontrada por todos os lugares,  que visitava  e inevitavelmente a presenciava.

Não são apenas  os árabes os únicos que praticam raides escravistas na África Central.

O limite ocidental dessas práticas é o rio Aruwhimi, pouco abaixo das cataratas de Stanley. O esclavagismo inter-tribal existe a partir desse ponto, atravessa todo o Congo em direcção ao Oeste, alcançando o Oceano Atlântico.

Durante os seis anos que residi na região do Rio Congo, vi poucos árabes.

Neste relatório divulgarei apenas as minhas experiências relacionadas com “o assunto da escravatura entre os próprios nativos”.

Fui para o Congo em 1883. Viajei sem parar com destino ao interior. Ao chegar a Stanley Pool, recebi ordens de meu chefe, Mr. Henry M. Stanley para acompanhá-lo no seu pequeno barco En Avant.

Naqueles dias, Stanley estava envolvido no estabelecimento de alguns postos de observação em pontos estratégicos e importantes juntos às margens do alto Congo.

Lukolela, mil e duzentos e quarenta quilómetros interior adentro, foi uma das escolhidas.

Tive a honra de ser seleccionado por ele para ser o chefe desse posto. Como nunca houve um homem branco vivido nesse lugar, comecei por ter um imenso trabalho para me estabelecer.

O local escolhido do nosso futuro acampamento seria uma densa floresta, que até ao momento estava mais familiarizado com o trombetear dos elefantes e do rugido do leopardo do que dos seres humanos.

De início os nativos se opuseram à minha permanência, e rapidamente passaram a questionar Stanley.

Disseram :

"Nós prometemos-te aceitar um homem branco aqui, mas voltamos a falar sobre o problema, e concluímos que seria melhor  instalar o homem branco noutro lugar. Nós os chefes,  reunimos e conversamos. Chegamos à conclusão de que não é desejável ter uma criatura tão terrível na região".

Stanley disse: "Porque razão? O que tem ele de mau por  vocês se oporem? Se nunca o viram!!". (Ainda não tinha desembarcado, porque estava muito enjoado e incapaz de sair do barco). Eles disseram: "Não, nós não o vimos, mas já ouvimos falar dele".

Stanley então disse: "O que você ouviu sobre ele?".

Eles responderam: "Ele é metade leão e metade búfalo, tem um olho no meio da testa, e vem armado com dentes afiados e pontiagudos, e está continuamente a abater e devorar seres humanos, é verdade?"

Stanley respondeu-lhes: "Não sabia que ele era uma criatura tão terrível, mas  vou chamá-lo, e deixar que vocês façam seus próprios julgamentos".

Após a minha presença, essa ilusão imediatamente foi dissipada, afinal, após vários dias de sofrimento por essa doença aguda,  realmente essa criatura não parecia muito formidável e sanguinário.

Ali vivi durante vinte meses, o único homem branco, de modo que  tive todas as oportunidades para estudar o carácter e os costumes dos nativos. 

VIDA DOS NATIVOS

Para colocar diante do leitor um retrato da vida selvagem, intocada pela civilização, basta esboçar uma aldeia típica de Lukolela da maneira que  intimamente conheci. O distrito contém cerca de três mil pessoas, a terra ocupada por eles se estende ao longo da margem por três quilómetros, as aldeias pontilham esta distância em grupos de cinquenta ou sessenta casas. As casas são construídas em ambos os lados de uma rua comprida ou em praças. São cobertas com folhas de palmeira ou grama, sendo as paredes feitas de bambu rachado ao meio. Algumas dessas moradias contêm dois ou três compartimentos, com apenas uma entrada; enquanto outras são estruturas longas, divididas até dez ou doze quartos, cada uma tem uma entrada independente. Na parte de trás das habitações possuem  grandes plantações de bananeiras, enquanto por cima delas se vêem  altas e imponentes palmeiras cobrindo as ruas e as cabanas com sua própria  sombra.

É no frescor da manhã que a maior parte dos serviços da aldeia é executada. A maior parte das mulheres, depois das seis horas, vai às suas plantações, trabalhar até o meio-dia. Outras  permanecem na aldeia para cuidar da culinária e outros assuntos domésticos. Grandes caldeirões de barro contendo peixes, bananas, ou mandiocas, ficam a ferver  sobre fogueiras, em torno das quais se agrupam os meninos e, meninas e também  idosos aproveitando o calor, até que os raios quentes do Sol da manhã apareçam.

Enquanto isso, os pescadores juntam suas armadilhas. Coam as suas armas, remam em direcção aos  locais de pesca. Os caçadores preparam suas lanças, arcos e flechas e saem à procura das trilhas de suas caças. O ferreiro da vila acende o fogo, o enxó (desbastador de madeira) do carpinteiro ocupado no trabalho é ouvido; as redes de caça e pesca são desenroladas e examinadas, o curandeiro está ocupado gesticulando com seus feitiços.

Conforme o Sol se eleva no horizonte, a azáfama tornar-se-á  mais  animada. O calor do fogo é descartado, todos os departamentos dessa indústria se enchem de vida - o cenário  rende-se alegremente aos rostos felizes e sorridentes dos pequeninos que correm aqui e ali, entretidos nas suas brincadeiras.

Ao meio dia o calor sufocante do Sol tropical obriga a uma parada do trabalho. Uma quietude preguiçosa prevalece em todos os lugares. Todos os recantos sombreados da vila são ocupados pelos grupos que dormem, outros iniciam uma conversa, outros passam o tempo a cuidar dos cabelos ou participam na ajuda dos problemas da higiene pessoal conforme o seu costume nativo, como por exemplo raspar as sobrancelhas ou arrancar os cílios -  cuidam também de todos os pêlos da face, excepto os do queixo, que são trançados sob a forma da cauda de rato.

Quanto mais rentes forem cortadas as unhas das mãos melhor, ficam mais  elegantes e vistosas. Até à ponta do dedo, a unha fica cortada até à polpa, se  alguém quiser  postar de belo ou de bela sempre tem alguma graça as unhas das mãos ou dos pés inteiramente aparadas.

À hora de almoçar, a aldeia assume um ar de calmaria, quebrada apenas por ocasionais risadas de grupos que discutem os méritos do vinho nativo.

Toda a gente tem a mesma fraqueza de exigir, a maior parte das vezes, bebidas mais fortes que a água. A natureza providenciou ao africano o suco de palmeira, uma bebida muito palatal, que quando fresca se assemelha a uma soda limonada bem forte, mas embriagante nos seus efeitos.

É obtida da seguinte forma: os aldeões encarregados dessa indústria particular sobem à árvore, aparam algumas dos ramos com folhas, e de seguida, fazem três ou quatro furos de meia polegada de diâmetro no pé da copa até o cerne da árvore.

De cada um destes furos fluirão a cada dia cerca de meio litro de suco, uma pequena cabaça é colocada para recolher o líquido. O conteúdo destas cabaças é recolhido  todas as manhãs. A bebida é denominada pelos nativos como malafu, bem conhecida por todos os viajantes europeus, como vinho de palma.

Entre três e quatro horas da tarde a vila novamente retoma o seu ar de actividade, que é mantido até o anoitecer. Nesta região, perto do Equador, o Sol se põe às seis horas. Todas as ferramentas são deixadas de lado, o trabalho é suspenso. As fogueiras são novamente acesas, tapetes são levados para fora e espalhados ao redor, e a principal refeição do dia é saboreada, depois os nativos se reúnem em torno do fogo para conversar sobre os acontecimentos do dia e os planos para o futuro. Os jovens vão para os terreiros e se embalam em suas danças nativas até meia-noite.

Esta dança à noite é um espectáculo para ser lembrado. Os artistas se organizam em círculos e dançam no ritmo da batida dos tambores, seu único acompanhamento, e só ocasionalmente cantam suas canções nativas. A paisagem tropical em volta permanece delineada em forte contraste, as árvores mais próximas, às vezes, reflectem a sensacional luz das fogueiras, que também atinge os corpos reluzentes dos dançarinos, criando um contraste violento de luz e sombra, e toda a cena se faz impressionante pela música selvagem, porém harmoniosa.

À meia-noite, quando todos os moradores já se retiraram para suas cabanas, reina o silêncio, quebrado, às vezes, pelo piado de um estranho pássaro, o rugido de um leopardo rondando por ali, ou algum outro animal selvagem, e os variados sons dos insectos tropicais.

O EFEITO ESCRAVIDÃO

Este é um retrato fiel do dia a dia da vida levada em uma centena de aldeias do Congo, e se não fosse pela existência da escravidão, isso atravessaria de um ano ao outro sem nenhum distúrbio. É a presença do escravo na aldeia que brutaliza uma comunidade ora inofensiva e pacífica. É a influência venenosa, que um homem recebe por seu poder de vida e morte sobre o infeliz que ele comprara, e que estimula seu instinto selvagem para derramar, durante as execuções e cerimónias, o sangue vivo do homem, mulher ou criança que ele obteve - talvez em troca de algumas barras de latão, alguns metros de pano de Manchester. Aqui em Lukolela, por exemplo, mal tinha se estabelecido em meu acampamento, quando fui apresentado a uma daquelas cenas horríveis de derramamento de sangue que ocorrem com frequência em todas as aldeias ao longo do Congo, e que será apregoada enquanto a vida de um escravo for contada como nada, e o derramamento do seu sangue contar tanto quanto o de uma cabra ou de uma galinha.

Neste caso particular a mãe de um chefe tinha morrido, foi decidido, como de costume, comemorar o evento com uma execução. No primeiro sinal da madrugada a batida lenta e compassada de um grande tambor anunciava a todos o que iria acontecer, e avisava ao pobre escravo, que haveria de ser a vítima, que seu fim está próximo. Havia muita evidência que algo incomum estava prestes a acontecer, e que o dia seria dedicado a alguma cerimónia. Os nativos se reuniram em grupos e começaram cuidadosamente a preparar suas vestes, vestir seus alegres panos de ombro, e enfeitar suas pernas e braços com pulseiras de metal brilhante, e sempre se deliciando com gestos e risadas selvagens quando discutem o evento. Após tomarem uma leve refeição, trouxeram de suas casas todos os instrumentos musicais disponíveis. Os tambores são fortemente batidos, enquanto grupos de homens, mulheres e crianças formam-se em círculos e animadamente desempenham danças, que consistem em contorções violentas dos membros, acompanhadas com cânticos selvagens e com repetidos toques das cornetas de guerra feitas de chifre, cada bailarino tentando superar seu companheiro na violência do movimento e na força do pulmão.

Por volta do meio-dia, por pura exaustão combinada com o calor do sol, eles são forçados a parar, quando grandes jarros de vinho de palma são apresentados e começam as rodadas embriagantes, aumentando o entusiasmo geral, mostrando sua natureza selvagem em cores marcantes. O pobre escravo, que todo esse tempo ficou deitado no canto de alguma cabana, com os pés e as mãos algemados, sendo vigiado de perto, sofrendo a agonia e o suspanse que este tumulto selvagem sugere a ele, é agora levado para alguma parte proeminente da aldeia, onde vai receber as vaias e zombarias da multidão embriagada de selvagens. Os assistentes do carrasco, depois de terem seleccionado um local adequado para a cerimónia, trouxeram um toco de madeira  de mais ou menos um palmo e meio, onde o escravo é então colocado sentado sobre isso, suas pernas são esticadas em linha recta para frente, seu corpo é amarrado a uma estaca por detrás, cuja altura chega próximo dos ombros. E uma estaca é colocada por baixo de cada axila para escorar o corpo, onde seus braços são firmemente amarrados; outras amarrações são feitas em pequenas estacas cravadas no chão, perto dos tornozelos e joelhos.

Uma vara é agora fincada em frente da vítima numa distância de três metros, no topo estão amarrados vários cordões, que estão presos pela outra ponta, a um anel de bambu. A vara é então curvada como uma vara de pesca, e o anel é fixado ao pescoço do escravo, o qual se mantém rígido e imóvel pela tensão. Durante esse preparo, as danças são retomadas, agora mais selvagem e brutal ao extremo pela condição de embriaguez do povo. Um grupo de dançarinos cercam a vítima e começam a imitar as contorções do seu rosto que a dor causada por esta tortura cruel a obriga a mostrar. Mas ela não deve esperar nenhuma simpatia deste bando impiedoso.

Nesse momento, a certa distância, se aproxima duas linhas de jovens, cada um segurando uma folha de palmeira, de modo que um arco é formado entre eles, por onde o carrasco é escoltado. A procissão passa num passo lento, mas dançante. Ao chegar perto do escravo condenado, todas as danças, cantos e tambores cessam, e a turba embriagada toma seus lugares para testemunhar o último acto do drama.

Um silêncio sobrenatural acontece. O carrasco usa um capacete feito de penas negras de galo, o seu rosto e pescoço estão escurecidos com carvão, excepto os olhos, cujas pálpebras são pintadas com gesso branco. Suas mãos e braços até o cotovelo, e os pés e pernas até o joelho, também estão escurecidos. Suas pernas estão profusamente adornadas com largas tornozeiras metálicas, e ao redor da cintura possui peles de gato selvagem amarradas. Então ele executa uma dança selvagem em torno de sua vítima, de vez em quando faz uma finta com a faca, um murmúrio de admiração acontece vindo da multidão reunida. Ele se aproxima e faz uma marca de gesso fino no pescoço do homem predestinado. Depois de duas ou três gingadas de sua faca para obter o balanço certo, ele prepara o golpe fatal, e com um golpe de sua arma super-afiada, ele separa a cabeça do corpo.

A visão de sangue traz um clímax de frenesi aos nativos: alguns deles furam selvaticamente com suas lanças o tronco ainda tremendo, outros o cortam com suas facas, enquanto o restante entra numa luta medonha pela posse da cabeça, que foi arremessada para o ar pela tensão liberada da vara. Quando aquele que consegue segurar o troféu é perseguido pela turba embriagada, o horrível tumulto se torna ensurdecedor; um lambuza a face do outro com sangue, e como resultado sempre surgem brigas, onde facas e lanças são utilizadas livremente. A razão dessa ansiedade em possuir a cabeça é esta: o homem, que ficar com a cabeça contra todos os concorrentes até o pôr do Sol, receberá um presente do chefe da aldeia pela sua bravura. É dessa maneira que eles testam os bravos da aldeia, e eles dirão com admiração, em relação ao herói local, "Ele é um homem corajoso, ele manteve duas cabeças até o anoitecer".

Quando o gosto por sangue tem sido de certa forma satisfeito, eles novamente voltam ao seu canto e dança enquanto outra vítima é preparada, e a mesma chocante exibição é repetida. Às vezes até vinte escravos são abatidos  num único dia. A dança e o tumulto geral dos bêbados continua até meia-noite, quando mais uma vez reina o silêncio absoluto, em contraste ao abominável tumulto do dia.

Eu frequentemente ouço os nativos se vangloriarem da habilidade de seus carrascos, mas duvidava da sua capacidade de decapitar um homem com um único golpe da faca que usam, feita com um metal mole. Imaginava que seriam obrigados a dar golpes para separar a cabeça do corpo. Quando testemunhei esse espectáculo nauseante estava sozinho, desarmado e absolutamente impotente para interferir. Mas a silenciosa agonia deste pobre mártir negro, que morreu sem cometer nenhum crime, mas simplesmente porque era um escravo, - cujos movimentos comoventes foram ridicularizados pelos selvagens frenéticos, e a cada grito de agonia era um sinal para a explosão desenfreada dum Carnaval hediondo daquela selvajaria - apelou tão fortemente ao meu senso de dever que decidi impedir pela força qualquer repetição desta cena. Declarei a minha resolução numa assembleia dos principais chefes, e apesar de terem feito várias tentativas, não houve mais execuções durante o resto da minha estadia naquele distrito.

Algumas palavras são necessárias para definir a posição dos chefes de aldeia, como o mais importante factor na vida selvagem africana, pois de uma forma ou de outra, eles estão intimamente ligados com as piores características do sistema esclavagista, e são responsáveis por quase todas as atrocidades praticadas nesse imbróglio.

Tais chefes são os líderes das aldeias, e são classificados de acordo com o número de seus guerreiros. O título de chefia não é hereditário, e sim adquirido por um membro da tribo por provar a sua superioridade em relação a seus companheiros. O chefe mais influente numa vila tem necessariamente o maior número de combatentes, e estes são principalmente escravos, pois a fidelidade de um homem livre pode não perdurar. A ideia do chefe sobre riqueza é - escravos. Qualquer tipo de dinheiro que ele possa ter será convertido em escravos logo na primeira oportunidade. A poligamia é regra em toda a África Central, e um chefe compra quantas escravas  pode pagar. Também se casa com mulheres livres - que é, afinal, apenas outra forma de compra.

MODOS DE TORTURA.

Todas as tribos que conheci têm uma ideia de imortalidade. Eles acreditam que a morte que os leva para outra vida, é uma continuação das mesmas condições da vida que estão a levar agora; Um chefe acha que, quando  entra nessa nova existência, será acompanhado de um número suficiente de escravos que o credenciará a ter o mesmo valor no outro mundo que  tem no presente. A partir desta crença é que emana um dos seus costumes mais bárbaros - a cerimónia de sacrifícios humanos após a morte de alguém importante. Após a morte de um chefe, certo número de seus escravos é seleccionado para serem sacrificados, para que seus espíritos possam acompanhá-lo para o outro mundo. Se este chefe possui trinta homens e vinte mulheres, sete ou oito dos primeiros e seis ou sete dos últimos morrerão. Os homens serão decapitados, e as mulheres serão estranguladas.

Quando uma mulher está para ser sacrificada, ela será adornada com pulseiras de metal brilhante, suas vestes serão cuidadosamente preparadas, seus cabelos serão perfeitamente trançados, e seu corpo será coberto por tecidos fortemente coloridos.

Suas mãos serão então atadas para trás, uma corda será passada em volta de seu pescoço e a outra extremidade será passada por cima do galho de uma árvore mais próxima, e um sinal é dado para o inicio da zombaria; e enquanto o corpo pendurado no ar realiza seus movimentos convulsivos, os selvagens o seguem imitando primorosamente. Muitas vezes acontece de uma criança também se tornar vítima dessa terrível cerimónia, sendo enterrada viva na sepultura, servindo de travesseiro para o chefe morto. Estas execuções ainda são perpetradas em todas as aldeias do Alto Congo.

Mas o escravo não é privado de sua vida apenas com a morte do chefe da tribo, quando sua sorte é lançada. Vamos supor que a tribo à qual ele pertence esteja numa guerra auto-destrutiva com outra tribo do mesmo distrito, e por alguma razão política o chefe resolve declarar o fim da disputa, então um encontro é organizado com o seu rival. Na conclusão do encontro, para que o tratado de paz seja solenemente ratificado, sangue deve ser derramado.

Um escravo é, portanto, seleccionado e o modo de tortura antes de sua morte varia entre os distritos. No distrito de Rio Ubangi o escravo é suspenso de cabeça para baixo no galho de uma árvore, e ali é deixado até morrer. Porém, bem mais horrível é o destino desses miseráveis em Chumbiri, Bolobo, ou nas grandes aldeias ao lado do rio Irebu, onde a vítima expiatória é enterrada viva, com a cabeça deixada acima do solo. Mas antes, todos os seus ossos são esmagados ou quebrados, e numa silenciosa agonia ele espera por sua morte. Geralmente é enterrado numa encruzilhada, ou ao lado dum caminho bem trilhado na saída da aldeia, e todos os moradores que passam por lá, mesmo que sintam uma pontinha de pena momentânea, nunca se atrevem a aliviar ou acabar com a miséria do condenado, pois seriam punidos com as mais severas penalidades.

Como os nativos são escravizados.

Os prémios da guerra entre tribos fornecem os mercados com escravos, cuja marca cicatrizada, mostra que eles são membros de diferentes famílias e de aldeias muito distantes.

Mas há algumas tribos, as mais inofensivas e mais pacíficas, cuja fraqueza os coloca, frequentemente, à mercê de seus vizinhos mais poderosos.

Sem excepção, a raça mais perseguida no território Congo Free State é a Balolo com suas tribos, que habitam a área que envolve os rios Lulungu, Malinga, Lupuri, e Ikelemba.

Eu quero aqui mencionar que o prefixo "Ba" na língua dessas pessoas designa o plural, por exemplo, Lolo significa um Lolo - Ba-lolo, significa o povo Lolo.

Essas pessoas são naturalmente meigas e inofensivas. Suas pequenas, e desprotegidas aldeias são constantemente atacadas pelas poderosas e ociosas tribos do Lufembe e Ngomb.

Estas duas tribos são vorazes canibais.

Cercam as aldeias dos Lolos à noite, e ao primeiro sinal do alvorecer invadem as aldeias dos distraídos Lolos, matando todos aqueles homens que resistem e aprisionando todos os demais. Depois os mais fortes são seleccionados, algemados pelas mãos e pés para impedir sua fuga. O restante eles matam, e sua carne é distribuída entre si.

Como regra geral, após o raide eles formam um pequeno acampamento, acendem suas fogueiras, apoderam-se de todas as bananas da aldeia, e devoram a carne humana. Em seguida, marcham para um dos numerosos mercados de escravos, onde eles trocam os cativos do Rio Lulungu por colares, roupas, fios de latão, e outras bugigangas com os traficantes de escravos. E esses traficantes, por sua vez, agrupam seus escravos em suas canoas e os levam às aldeias do rio Lulungu onde estão os mercados mais importantes.

Masankusu, situado na junção dos afluentes Lupuri e Malinga, é de longe o mais importante centro de comércio de escravos. O povo de Masankusu compram seus escravos dos assaltantes de Lufembe e Ngombe, e os vendem aos nativos e comerciantes do rio abaixo. Em Masankusu, os escravos são expostos para venda em longos galpões abertos, cobertos de grama  presa em madeira lavrada. É comovente ver os barracões num desses galpões de escravos. Onde são amontoados como animais

 NO GALPÃO DOS ESCRAVOS.

As imagens que acompanham, a partir de esboços que  tracei em Masankusu, dão uma ideia do sofrimento que é suportado pelos cativos em inúmeros mercados. Eles são amarrados em troncos cortados grosseiramente que lhes causam enormes feridas em seus membros, às vezes algum é imobilizado pelo peso de um tronco de árvore sobre seu corpo, enquanto seu pescoço é preso numa forquilha de madeira. Outros permanecem sentados por dias com seus membros amarrados numa única posição, presos ao pilar por um cordão amarrado a um anel de bambu que envolve seus pescoços ou são entrelaçados com seus cabelos lanosos.

Muitos morrem por pura fome, enquanto que outros recebem alimentação o suficiente para sobreviverem, e mesmo assim com muita relutância. Essas famintas criaturas, de facto, formam uma visão verdadeiramente deplorável.

Depois de sofrer nesse cativeiro por um curto período de tempo eles se tornam meros esqueletos. Ali se pode ver: mães com seus bebés, jovens de ambos os sexos, meninos e meninas, e até mesmo bebés que ainda não sabem andar, cujas mães morreram de fome, ou foram mortas pelos Lufembes. Raramente se vêem velhos, estes são todos mortos nos ataques: seu valor comercial é muito pequeno, nenhum fardo é carregado por eles.

Ao testemunhar os grupos desses infelizes pobres e indefesos, com suas aparências definhadas de olhos afundados, seus rostos com semblantes de muita tristeza, não é difícil perceber a dor intensa que sofrem internamente, mas eles sabem muito bem que nada adianta apelar para a simpatia de seus impiedosos senhores, que foram acostumados, desde sua infância, a testemunhar actos de crueldade e brutalidade, de modo que para satisfazer sua insaciável ganância eles próprios vão cometer ou permitirão que seja cometido, qualquer atrocidade, até mesmo pior. Essa lamentável visão num desses barracões de escravos não representa nem a metade da miséria causada pelo tráfico – casas destruídas, mães separadas de seus bebés, maridos de suas esposas e irmãos de suas irmãs.

Na minha última passada por Masankusu vi uma mulher escrava que tinha com ela seu filho, cujo esfomeado corpo, ela carregava enquanto mamava em seu exaurido seio. Fui atraído pela tristeza do seu rosto, que demonstrava um enorme sofrimento. Perguntei-lhe a causa disso, e ela soluçando me respondeu em voz baixa o seguinte: "Eu vivia com meu marido e meus três filhos numa aldeia do interior, a poucos quilómetros daqui. Meu marido era um caçador. E dez dias atrás, os Lufembes atacaram a nossa vila; meu marido defendeu-se como pôde, mas foi dominado e ferido com lanças até à morte junto com vários outros moradores. Fui trazida para cá com meus três filhos, dois dos quais já foram comprados pelos comerciantes. Eu nunca mais os verei. Talvez eles vão matá-los após a morte de algum chefe, ou, talvez, para servir de alimento. Meu filho restante, você vê, está doente, morrendo de fome, e eles não nos dão nada para comer. Imagino até que ele seja tirado de mim em poucos dias, pois o chefe, temendo que ele morra e se torne uma perda total, o tem oferecido por um preço muito pequeno. Quanto a mim", disse ela "eles vão me vender para uma das tribos vizinhas, para trabalhar nas lavouras, e quando eu me tornar velha e incapacitada para o trabalho, então serei sacrificada".

Havia certamente quinhentos escravos expostos à venda nesta única aldeia. Grandes canoas estavam constantemente chegando vindas do rio abaixo, com mercadoria de todos os tipos para trocar pelos escravos. Outro grande comércio é realizado entre os rios Ubangi e Lulungu. As pessoas que habitam o pontal do Ubangi compram os escravos Balolos em Masankusu e em outros mercados, os levam até o rio Ubangi para trocá-los por marfim com outros nativos. Estes nativos compram os escravos apenas para alimento. Após comprá-los, os escravos são alimentados com bananas maduras, peixes e azeite, e quando estiverem em boas condições são mortos. A cada mês, centenas de escravos Balolos são levados para o rio e sacrificados. Outra grande quantidade de escravos é vendida para as grandes aldeias do Congo, para suprir as vítimas das cerimónias de execução.

Muitas vidas são perdidas durante a captura, e muitas sucumbem no cativeiro por fome. Do restante, uma parte é vendida para se tornarem vítimas do canibalismo e das cerimónias dos sacrifícios humanos. Poucos são os que realmente conseguem sobreviver e prosperar.

CANIBALISMO

O canibalismo existe entre todos os povos do Alto Congo a Leste da longitude 16 ° E, e isso prevalece numa extensão ainda maior entre os povos que habitam as margens dos seus numerosos afluentes. Durante uma viagem de dois meses pelo rio Ubangi, fui constantemente posto em contacto com o canibalismo. Os nativos orgulham-se do número de caveiras que possuem, quando mostram o número de vítimas que foram capazes de obter.

Vi uma cabana indígena, em torno da qual fora construída uma mureta feita de barro com 30 centímetros de largura, onde havia fileiras de crânios humanos, formando um quadro horripilante. Aquilo que o chefe mais se orgulhava, pela maneira com que demonstrava e mais chamava a minha atenção, eram as pencas formadas com vinte ou trinta caveiras, dependuradas em posições de destaques da aldeia.

Perguntei a um jovem chefe, cuja idade, certamente, não passava de vinte e cinco anos, quantos homens ele havia comido na sua aldeia, e  respondeu: trinta. Se espantou com o horror que demonstrei pela sua resposta. Também numa aldeia, ao comprar uma presa de marfim, os nativos pensaram que talvez pudesse comprar crânios e várias braçadas dessa mercadoria foram trazidas para o meu barco em poucos minutos. Senti que seria um pouco difícil negociar no rio Ubangi, pois o padrão de valor por ali era a vida humana - carne humana. Recebi em diversas ocasiões, ofertas para trocar um homem da minha tripulação por uma presa de marfim, e também me lembro duma oferta para trocar um dos tripulantes do meu barco por uma cabra. "Carne por carne", disseram eles. Fui muitas vezes convidado, também, para ajudá-los na luta contra outras tribos vizinhas. Eles diziam: "Você pode levar todo o marfim, que ficaremos com a carne", ou seja, é claro, todos os seres humanos que poderiam ser mortos na luta. Os mais hostis deles frequentemente ameaçam que iriam nos comer, e eu não tenho dúvida de que eles teriam feito isso se não fossemos forte o suficiente para cuidar de nós mesmos.

Durante a minha primeira visita às águas do alto Rio Malinga, o canibalismo chamou minha atenção pela forma diabólica que foi realizado. Numa noite eu ouvi gritos penetrantes duma mulher, seguido por um abafado gemido, então ouvi gargalhadas e tudo voltou ao silêncio novamente. De manhã fiquei horrorizado ao ver um nativo oferecendo aos meus homens um pedaço de carne humana, em cuja pele havia a tatuagem que marcava a tribo Balolo. Mais tarde me contaram que o grito que ouvi durante a noite era de uma escrava cuja garganta havia sido cortada. Eu fiquei ausente desta vila de Malinga por dez dias. Na minha volta, eu perguntei se algum derramamento de sangue havia acontecido, e fui informado de que outras cinco mulheres haviam sido mortas.

Na minha estada no rio Ruki, no início deste ano,  fui apresentado à outra prova do terrível destino dos escravos. Em Esenge, uma aldeia onde eu parei a fim de cortar lenha para o meu barco, ouvi sinistras batidas de tambores e sons de muita alegria e animação. Fui informado por um dos nativos da vila que uma execução estava acontecendo. Pela minha indagação se eles tinham o hábito de comer carne humana, ele respondeu: "Nós comemos o corpo inteiramente." Eu ainda perguntei o que eles faziam com a cabeça. "Comemos", ele replicou, "mas primeiro a colocamos no fogo para queimar o cabelo".

Existe um pequeno rio situado entre o Ruki e Lulungu, o chamado Ikelemba. Na sua foz não possui mais do que 130 metros de largura. Suas águas são navegáveis por 220 quilómetros através das terras dos Lolos. Em proporção ao seu tamanho ele fornece mais escravos do que qualquer outro rio. Ao observar no mapa, vê-se que o Ikelemba, Ruki, e Lulungu correm paralelos um ao outro. As grandes tribos esclavagistas que habitam as terras entre esses rios, trazem seus escravos aos mercados mais próximos descendo qualquer um desses rios.

O MERCADO LOCAL DE ESCRAVOS

Há algumas clareiras em certos intervalos ao longo das margens do Ikelemba, onde em determinados dias são realizados os pequenos mercados locais para a troca de escravos. Na medida em que se sobe o rio nota-se que os pequenos assentamentos às margens do rio vão se tornando cada vez mais frequentes, e oitenta quilómetros acima de seu pontal, sua margem esquerda torna-se densamente povoada. É notório que as vilas são todas do lado esquerdo do rio, pois seu lado direito é infestado por tribos saqueadoras e itinerantes que atacam qualquer assentamento praticado em sua margem. Todos os escravos deste rio são Balolos, uma tribo que é facilmente reconhecida pelas exageradas tatuagens marcadas na testa, nas têmporas e no queixo.

Durante minha visita de dez dias a esse rio encontrei dezenas de canoas das regiões da foz do rio Ruki e do distrito Bakute, cujos proprietários vieram para a compra de escravos, e estavam retornando com suas mercadorias adquiridas.

Quando são transportados pelo rio, por conveniência, os escravos são aliviados dos seus pesados grilhões. Os comerciantes sempre levam consigo, pendurados nas bainhas de suas facas, algemas leves feitas de corda e bambu. O escravo quando comprado é colocado no assoalho da canoa numa postura de agachamento com as suas mãos à frente, atadas por essas algemas. Durante a viagem ele é cuidadosamente guardado pela equipe de remadores que trabalham em pé, e quando vem a noite, a canoa é aportada nas margens, suas mãos são mudadas para trás e amarradas para evitar que tente fugir roendo a corda. Para tornar qualquer tentativa de fuga impossível enquanto dormem, seu pulso é atado ao de um de seus mestres. Numa das canoas notei que havia cinco comerciantes, e sua carga de miseráveis humanos era composta de treze magros escravos Balolos entre homens, mulheres e crianças pequenas, todos mostrando, inequivocamente, através de seus olhos fundos e corpos definhados a fome e a crueldade, a que foram submetidos. Esses escravos são levados para as grandes aldeias no pontal do rio Ruki, onde são trocados por marfim com as pessoas do Ruki ou do distrito Ubangi, que os compram para abastecer suas orgias canibais.

Alguns, no entanto, são vendidos pela redondeza, os homens para serem usados como guerreiros, e as mulheres como esposas, mas em comparação com os números daqueles que sofrem com a perseguição dos caçadores de escravos, muito pouco de facto sobrevivem para alcançar uma posição segura, porém muito humilde numa vila.

O estado deplorável destes Balolos sempre me entristeceu, intelectualmente falando eles possuem um grau bem acima de seus vizinhos; e realmente é devido à sua natureza mansa, e à sua disposição pacífica, confiante, que facilmente caem como presa das hordas degradadas e selvagens de seu distrito.

Eles têm gosto artístico e genialidade mecânica, fazem escudos primorosamente tecidos, e curiosas lanças e facas moldadas e decoradas. São extremamente inteligentes, fiéis, e, quando devidamente treinados, são corajosos.

NO EXTREMO INTERIOR.

Nos meses que  viajei pelo Alto Congo e seus afluentes, em várias ocasiões tive que defender-me contra a hostilidade dos nativos. Minha equipe era composta por quinze homens, a maior parte dos quais eram Balolos, e nunca fui enganado por eles. Quando os empreguei,  chegaram às minhas mãos como pedra bruta. Eram selvagens, alguns deles canibais, mas são de natureza muito maleável, e com uma política firme e justa fui capaz de convertê-los em servidores dedicados e fiéis.

Como prova do que pode ser feito por ganhar a confiança dos nativos, através de uma política de firmeza e justiça, acho que posso, seguramente, citar a minha experiência na Estação Equador. Permaneci por lá quase um ano, com apenas um soldado Zanzibar, todo o resto do meu povo eram nativos que recrutei pelas aldeias vizinhas. Estava cercado por todos os lados por pessoas poderosas, que, se quisessem, poderiam facilmente ter-me superado e pilhado o meu posto. Mas nunca houve tentativa do menor acto de hostilidade ou de natureza hostil, senti-me  tão seguro entre eles como sinto na cidade de Londres ou Nova Iorque.

É verdade que os nativos não tinham nada a ganhar por me molestarem,  eles eram inteligentes o suficiente para perceber esse facto. Na realidade, minha presença era, em boa dose, benéfica para seus interesses. Tinha pano, colares, espelhos, colheres, copos, e outras bugigangas, as trocava com eles, e sempre que organizava uma pequena caçada atrás de elefantes e hipopótamos, a minha parte no consumo desses animais era muito pequena, a maior parte da carne  dava aos nativos.

Minha vida durante a minha estada na Estação Equador foi muito agradável. As pessoas eram duma disposição feliz e alegre, todos foram simpáticos e falantes. Sentavam-se por horas e ouviam atentamente os meus contos da Europa, e suas perguntas inteligentes provavam que eram dotados de profundo entendimento. Não há público mais atento em todo o mundo que um grupo de selvagens africanos, se  puder falar a sua língua e os fazer entender.

Quando me cansava de falar, passava a fazer-lhes perguntas sobre os seus modos, costumes e tradições. Como sempre ficava muito impressionado pela  sua crueldade, sempre fizera questão de expressar a minha repulsa, e até mesmo dizia-lhes  que um dia  lideraria um levante dos escravos. Minha audiência em tais ocasiões consistia principalmente de escravos, e esses pobres miseráveis sempre ficavam muito satisfeitos por ouvir minhas opiniões favoráveis a eles.

Meus argumentos,  pude ver muitas vezes, atraía fortemente os interesses dos próprios chefes, quando lhes perguntava: "Por que vocês matam essas pessoas? Vocês pensam que eles não têm nenhum sentimento, porque são escravos? Como  gostariam de ver seus próprios filhos levados para longe de vocês e vendidos como escravos, para satisfazer os desejos de canibalismos, ou de execução?". Alguns deles, na época, até disseram que não iriam mais realizar execuções. Estas execuções continuaram a acontecer, mas de forma secreta, e as notícias desses acontecimentos ficavam longe dos meus ouvidos até algum tempo depois, quando  ficava s saber através dos meus próprios homens. Embora  fosse incapaz de impedir a realização de tais cerimónias, com a força que  tinha à minha disposição dum único soldado Zanzibar.

ALGUNS COSTUMES BÁRBAROS.

Lembro-me de uma execução que aconteceu, e  os detalhes que fiquei a saber bem depois. Foi para celebrar a morte dum chefe que morrera afogado durante uma expedição comercial.

Tão logo a notícia de sua morte chegou à aldeia, vários dos seus escravos foram amarrados pelas mãos e pés, e presos no fundo de uma canoa. À noite, essa canoa foi rebocada para o meio do rio, buracos foram feitos na mesma, e foi deixada para afundar com sua carga humana.

Quando formos capazes de proibir essa terrível perda de vidas, que as crianças de hoje são obrigadas, constantemente, a testemunhar, sentimentos mais humanos poderão se desenvolver, e cercado por influências mais saudáveis - pelo menos longe das exposições abertas da crueldade - eles crescerão no meio de uma geração muito mais nobre.

Nativos que sofriam nas mãos dos traficantes de escravos, repetidamente, pediam-me para ajudá

No Malinga, onde a carne humana fora-me ofertada para venda, os chefes reunidos votaram numa oferta para mim de várias presas de marfim se vivesse entre eles e os ajudasse a se defenderem dos Lufembes, e prepará-los a resistir às perseguições que sofriam das tribos vizinhas, que continuamente realizavam incursões em seus territórios, capturando seus povos

Eles alegaram: "Nós vamos acabar morrendo de fome, pois não podemos mais fazer plantações, porque quando nossas mulheres vão para a lavoura elas são capturadas, mortas e comidas pelos argilosos Lufembes, que vivem, constantemente, rondando por perto e levam qualquer desgarrado que encontram". Um velho chefe, Isekiaka,  disse-me que 12 das suas mulheres haviam sido roubadas, uma a uma,  e várias de suas crianças.

Na verdade, a condição de vida das pessoas na região dos Malingas é tão miserável, que vários deles foram expulsos, pelos Lufembes, de suas plantações, e realmente compelidas a viverem no rio, em palafitas apoiadas sobre estacas. Nessas miseráveis habitações lançam suas redes, e quando o rio está cheio de peixes  subsistem quase  inteiramente do produto de suas pescas.

Isto deu origem a um curioso estado de coisas, pois, como os Lufembes cultivam apenas mandioca e produzem mais raízes do que consome a tribo, então ficam felizes em trocar esse produto pelo pescado capturado pelas suas vítimas. E assim, quando esse mercado é realizado, uma trégua armada é declarada, então os Lufembes e os Malingos se misturam e negociam, os seus produtos mantidos numa mão e uma faca de espera na outra. Assim, facilmente se imagina que a perseguição é incessante, as quais esses nativos sofrem, os torna cruéis e impiedosos.

Em todas as regiões do Malinga se tornaram tão brutalizados pela fome que comem os seus próprios mortos,  a aparência de qualquer uma das suas aldeias, sempre denota numa degradante miséria e fome. Tenho visto repetidas vezes, crianças pequenas comendo raízes de bananeira, tentando em vão obter algum tipo de alimento de sua seiva. O facto deles permanecerem vivos é um mistério. Qualquer coisa viva que eles são capazes de pegar é visto como alimento; vários tipos de moscas, lagartas, grilos são todos consumidos por essas pessoas.

Somente quem vive durante algum tempo na África Central, pode entender a imagem da vida, que resulta nas mentes dos selvagens pelas mais atrozes e desenfreadas crueldades.

Cercados desde a infância por cenas de derramamento de sangue e tortura, seus feriados e grandes cerimónias marcadas por massacres de escravos, a mais branda e mais sensível das naturezas torna-se brutalizada e insensível, e se isto acontece com o livre, qual deve ser o efeito sobre o escravo, arrancado de sua mãe quando ainda criança, talvez com a idade de dois anos, e ainda, em sua infância obrigada a sofrer privações. Se realmente esta criança participa do desafio do canibalismo e das cerimónias de execução, não se pode esperar que ele pudesse se apiedar com qualquer sofrimento.

As pessoas na parte inferior do alto Congo raramente praticam captura de escravos. É somente quando vamos ao distrito Bakute que temos contacto com isso. As grandes aldeias ao redor de Stanley Pool, - Chumbiri, Bolobo, Lukolela, Butunu, Ngombe, Busindi, Irebu, - Lago Mantumba, e o Rio Ubangi todos contam principalmente com as tribos Balolos para obterem seus escravos. Todas essas aldeias, excepto Stanley Pool fazem diariamente sacrifícios humanos, seja pela morte de algum chefe ou por algum outro motivo cerimonial.

Qualquer tipo de comércio realizado nesta parte da África só aumenta o derramamento de sangue, porque a ambição do nativo é ter o maior número possível de escravos ao seu redor, e quando ele vende uma presa de marfim ou qualquer outro artigo, dedica quase todas as bagatelas que obteve na compra de novos escravos. Assim,  estará cercado por muitas mulheres e guerreiros durante sua vida, e terá sua importância marcada na sua morte pela execução da metade do número de seu povo.


A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

Frequentemente conversava com essas pessoas, e explicava-lhes a iniquidade da escravidão, mas eles argumentavam: "Nós trabalhamos duro demais em nossas expedições comerciais para obtermos esses escravos, por que deveríamos abandoná-los para que outros que não trabalham os tomem? Nós os compramos,  são nossos escravos,  temos o direito de fazer o que quiser com eles".

A cerimónia de execução, com sua brutalidade resultante, deveria ser, e pode ser extinta. O derramamento de sangue é ainda maior hoje, do que quando Stanley viu esse povo pela primeira vez em 1877; a razão disso, como já foi mencionada anteriormente, é que o contacto com os brancos tornou os nativos mais ricos, e permitiu-lhes obter mais escravos. As grandes potências do mundo civilizado estão agora a discutir o movimento abolicionista, e caso tais discussões resultem em alguma acção conjunta voltada para a supressão do comércio no interior, existem algumas características peculiares que podem ser transformadas em vantagens:

Primeira, e mais importante, este tráfico não possui complicação de qualquer tipo de fanatismo religioso. 

Segunda. Esse povo é desunido; cada aldeia de cinquenta ou sessenta casas é independente da sua vizinha e pequenas guerras familiares estão frequentemente a acontecer.

Terceira. Não há nada tão convincente para o selvagem Africano como a superioridade física. Agora, todos estes pontos são a favor do movimento anti-esclavagista. A ausência de fanatismo religioso, a condição de desunião entre os nativos e seu reconhecimento da superioridade física devem ser todos aproveitados, e sempre ter isso em mente quando do projecto dos planos para a supressão do tráfico de escravos e sua barbárie resultante.

Em minha opinião, levará alguns anos antes que o tráfico de escravos realizado pelos árabes venha ser combatido com êxito, mas não há nenhuma razão para atrasar o levante contra o comércio inter-tribal.

O Congo Free State deu um passo na direcção certa instalando próximo à Stanley Falls um acampamento com trincheiras, com o objectivo de formar uma barreira para manter os árabes, com seus bandidos de Manyema, a leste dessa posição.

Cada país no mundo deve apoiar o CFS a concretizar esse objectivo, pois isso representará o papel mais importante na história da África Central. Quando Stanley deixou Wadelai, os mahdistas (africanos islâmicos) já estavam por lá. Se essas hordas se juntarem com os de Stanley Falls isso exigirá esforços muito mais enérgicos, para salvar toda a Bacia do Congo de suas devastações.

Enquanto somos capazes de manter os árabes ao leste das Cataratas, não devemos perder tempo para iniciar a erradicação do derramamento de sangue existente ao oeste daquele ponto. É um trabalho enorme, mas é uma dívida que o mundo civilizado tem para com o escravo indefeso. Embora seja um selvagem,  é um ser humano. Deve ser sempre lembrado que a supressão da escravidão na África não significa apenas combater os grilhões dos membros do escravo; a substituição do trabalho forçado pelo pagamento não é seu único objectivo, mas também o alívio, da humanidade escravizada em todas essas regiões, duma vida de horror indescritível, de torturas que só o Africano selvagem pode inventar, e duma morte certa e violenta.

Desde Banana Point até Stanley Pool a escravidão realmente existe, mas com um carácter mais brando que, quando as operações realmente começarem, Stanley Pool deve ser o ponto de partida. Se meia dúzia de barcos rápidos forem colocados no rio em Stanley Pool, cada um armado com vinte soldados negros, treinados e comandados por dois ou três europeus que tenham comprovados por seus serviços passados que são capazes de lidar com a questão, e se tal força tiver o reconhecimento dos poderes civilizados e for autorizado a combater o mal, milhares de vidas humanas serão salvas.

Estes barcos estariam constantemente a mover-se pelo rio,  os que estão no comando começariam por fazer um estudo cuidadoso da política local. Teriam de convencer os nativos da sua determinação em impedir essas cerimónias diabólicas de derramamento de sangue. Os nativos devem ser advertidos de que as aldeias que, no futuro, sejam consideradas culpadas de realizarem tais cerimónias, serão muito severamente punidas.

Alguns dos chefes nativos com melhor predisposição teriam suas cabeças feitas para apoiarem o lado do homem branco. Espiões devem ser contratados em todos os distritos, de modo que um barco ao chegar a um porto imediatamente sua tripulação ouvirá se alguma execução esta prestes a ocorrer ou já ocorreu, e eu gostaria de sugerir que qualquer aldeia que continuasse com esses actos de crueldade, depois de ter sido legalmente advertida, deverá ser atacada, e um forte exemplo seria feito aos principais infractores. As punições logo teria um efeito muito salutar. Estas operações  recomendaria a se realizarem entre Stanley Pool e as cataratas. Postos de observações também devem ser estabelecidos em posições estratégicas para controlar os pontais dos rios usados pelos caçadores de escravos.

Cada ponto deve ser suprido com um barco, igual ao que recomendei para o baixo rio. Outras estações devem ser estabelecidas no centro do distrito que praticar o raide escravo. Escravos encontrados nos mercados poderão ser resgatados e colocados num assentamento, onde  podem ser treinados como soldados ou aprender algum ofício útil; Tenho comprado, sempre que possível, o resgate de escravos. a conclusão da compra, sempre tive a precaução de colocar nas mãos do homem libertado uma declaração afirmando sua liberdade resgatada por mim, e que a expedição que representei fará um determinado pagamento mensal, enquanto ele permanecer a seu serviço.

EFEITO DA LIBERTAÇÃO.

Foi curioso observar os diferentes efeitos que o anúncio da redenção teve nos escravos libertados de forma tão inesperada. Como regra, o homem perplexo fazia todos os tipos de perguntas a cada um dos homens da tripulação do meu barco, qual  seria o significado da cerimónia! Qual seria o seu destino? Seria  trocado por marfim? Ou seria comido? Levei algum tempo e paciência para explicar! Passado algum tempo o susto passou da primeira surpresa. A importância do papel que e tinha foi colocado na sua mão.

Outros, mais inteligentes, imediatamente compreenderam a sorte que tiveram;  era estranho ver a mudança surpreendente na expressão de seus rostos, num momento antes nada indicava, a não ser uma submissão sem resistência ao seu destino miserável,  seus corpos inertes e cansados. De repente parecia ao mesmo tempo tornarem-se erectos e vigorosos, quando libertados daqueles degradantes grilhões.

Depois de comprarmos todos os escravos que estiverem expostos para venda, uma advertência foi feita, Alertou-se que qualquer tentativa de compra de seres humanos para escravidão seria considerada um sinal de guerra,  que os compradores seriam severamente punidos.

O mais importante do movimento é convencer os escravos na nossa seriedade e sinceridade. Sinto-me confiante  que  as operações executadas da maneira como sugerimos, teríamos mais resultados satisfatórios.

A razão para o facto das aldeias nativas serem desunidas é que, raramente aparece um chefe suficientemente forte para liderar uma união. Esta fraqueza deve ser aproveitada, incumbindo competentes homens brancos para liderá-los, e através da sua influência pessoal, unir as tribos sob sua liderança.

Mais cedo ou mais tarde teremos que combater os árabes em Stanley Falls. Actualmente,  permanecem por lá  não porque os homens brancos não lhes permitam descer o rio, mas porque estão no centro dum campo rico, sabem que, descendo o rio devem confiar inteiramente nas suas canoas, as estradas no interior são poucas e distantes entre si, devido à natureza pantanosa do terreno. Também teriam pela frente os populosos e belicosos distritos de Upoto, Mobeka e Bangala para lutar contra, o que não seria tão fácil de superar como são as pequenas aldeias espalhadas ao redor de Stanley Falls, que no momento são frequentemente perseguidas.

Todos os nativos do Alto Congo, até os actuais limites sob a influência dos árabes, devem ser controlados tanto quanto possível por europeus. Devem permanecer alinhados com os europeus, de modo que quando chegar o momento dos árabes decidirem avançar rumo ao Oeste, encontrarão nas suas fronteiras uma barreira de nativos bem armados e decididos. O comércio de escravos de hoje é quase totalmente confinado à África. Os escravos são capturados e eliminados no próprio continente,  o número daqueles que são enviados para a Turquia e outras partes é realmente pequeno em comparação com o enorme tráfego exercido no interior. Nós temos a autoridade de Stanley e Livingstone e outros exploradores a cuidar da iniquidade existente na porção Oriental da África Equatorial.

Na Índia temos um exemplo daquilo que a determinação e resolução podem realizar, como as cerimónias desumanas do sati, carro de Juggernaut, o infanticídio, e a sociedade secreta dos Bandidos foram todas reprimidas pelo governo britânico. As oportunidades para alcançar o centro da África estão anualmente a melhorar.

Desde que Stanley expôs pela primeira vez ao mundo a história manchada de sangue do Continente Negro, rápidos avanços foram feitos na abertura daquele país. O trabalho para o bem estar da África, tão determinadamente perseguido por Livingstone, foi agora mais nobremente realizado por Stanley, e o rápido progresso que está actualmente acontecendo é inteiramente devido aos esforços de Stanley. Um grande obstáculo sempre existiu entre o mundo exterior e a África Central, no trecho de águas não navegáveis entre Matadi e Stanley Pool. A ferrovia que está a ser construída agora vai superar esta dificuldade.

E, J. Glave

domingo, 20 de dezembro de 2020

Exploração e Conquista do Amazonas pelos Portugueses


Exploração e Conquista do Amazonas pelos Portugueses

Fonte : http://www.filorbis.pt/lusotopia/indexBRAmazonas01.html

Tratado de Tordesilhas

Após o regresso de Cristóvão Colon da América (Março de 1493), o rei de Portugal negoceia com os espanhóis um tratado de divisão do mundo, no qual garante a posse de parte do território brasileiro, incluindo o amazonas,. Ao longo dos anos são realizadas várias expedições portuguesas para reconhecimento do Brasil, como a realizada por Duarte Pacheco Pereira (1498).

Perante a ameaça espanhola de se apossar do Brasil, Pedro Álvares Cabral oficializa sua descoberta em 1500. A partir daqui intensificaram-se as viagens de exploração dos portugueses de toda a costa da América do Sul incluindo o Brasil, como está patente na cartografia da época (Mapa de Cantino, 1500). O interior do amazonas começa a ser lentamente explorado através dos seus rios.

A ocupação sistemática do Brasil só se inicia em 1534, quando Portugal decide abandonar muitas praças fortes, espalhadas pelo mundo para se concentrar apenas em algumas regiões estratégicas e com maior potencial. A crónica de recursos humanos do país a isso obrigava.


Exploração do Amazonas a partir do Perú.

Os portugueses, ao serviço da Espanha, participam activamente e em grande número na conquista do Perú, onde criam uma importante colónia. A partir de Quito iniciam a exploração de Oeste para Leste do Amazonas.

Diogo Gomes, navegador português acompanhado por um mercador espanhol, em 1538, realizou a primeira viagem entre Quito e o Maranhão.

A conhecida expedição de Francisco de Orellane, em 1541, a partir de Quito desceu o Maranhão até ao “mar do Norte”, contou com pelo menos dois portugueses: António Fernandes e Fernando Gonçalves.

Os portugueses desta forma controlam as movimentações dos espanhóis na região.

Ao longo do século XVI os portugueses realizam expedições sistemáticas no Rio Amazonas e seus afluentes, implantando povoações e fortes no seu interior.

Pedro Teixeira

A ocupação de Portugal pela Espanha, entre 1580 e 1640, é aprovado pelos portugueses para expandirem as fronteiras do Brasil, e em particular do Amazonas, para além dos limites definidos no Tratado de Tordesilhas (1494).

As guerras com os franceses, ingleses, irlandeses e holandeses são aproveitadas para expandir o Brasil, fortificar as suas costas e as entrdas fluviais. Entre 1600 e 1630 os portugueses dominam a entrada do Rio Amazonas.

Em 1616, edificam o Forte do Presépio, perto do qual surgirá Belém do Pará. Atingem o Rio Negro (1656) onde em 1669, constroem o Forte da Barra de S. José do Rio Negro, destinado a controlar a descida do Rio Orenoco, perto do qual irá surgir a futura cidade de Manaus, em pleno Amazonas.

Pedro Teixeira (Cantanhede 1570 – Belém 1641) foi um dos portugueses que melhor soube tirar partido da situação da ocupação espanhola. Em Outubro de 1637, inicia uma expedição pelo Rio Amazonas e Rio Negro, destinada a confirmar a comunicação entre o oceano Atlântico e o Perú. Levou consigo 1200 flechas índios, 70 soldados portugueses, 47 canoas. Partiu da cidade de Gurupá (Pará), tendo percorrido 10.000 quilómetros do Amazonas, alcançando Quito (Equador) em 1638.

Fundou uma cidade, Franciscana 16.08.1639, nas margens do Rio Napo, na confluência com o rio Aguarico, em território peruano, num ponro que considerou o limite entre os domínios de Portugal e Espanha. Desta forma confirmou a posse para Portugal de cinco milhões de quilómetros quadrados, equivalentes a 55%  do actual território brasileiro.

A expedição foi descrita por Maurício de Heliarte, na sai obra “ Novo Descobrimento do Grande Rio Amazonas” (Madrid, 1641, A corte espanhola mandou destruir a edição, a fim de ocultar a expedição para reclamar a posse da Amazónia, confirmada no tratado de Madrid (1750).

Alguns capitães posteriores, como António Raposo Tavares, Manuel Coelho e Francisco de Melo Palheta, passaram a percorrer o9 Amazonas, controlam o seu delta e seus afluentes, descobrem comunicações fluviais que lhes permitem atingir aldeamentos espanhóis na região oriental da Bolívia, onde recolhiam especiarias com ajuda dos nativos.

Os portugueses espanham-se pelo Amazonas, mesmo nos pontos mais recônditos. Em 1744, por exemplo, um sacerdote jesuíta, Manuel Ramón, quando explorava a partir da Venezuela o canal Cassiquiare, que interliga o rio Amazonas ao rio Orinoco, depara-se com um grupo de portugueses que há muito navegavam através destes rios.

O Problema dos Jesuítas

 A expansão dos prtugueses pelo interior do Vale do Amazonas revelou-se imparável. Os espanhóis desde o século XVI que se mostravam incapazes de compelir com os portugueses do domínio do amazonas.

É neste sentido que acabaram por confiar a defesa dos seus domínios que faziam fronteira com o Brasil aos seus jesuítas. Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal ao perceber –se da situação tratou de expulsar a Companhia de Jesus (1750 e promover o fim das suas missões na América do Sul nas regiões onde podiam ser um obstáculo à expansão do Brasil.

Real Forte do Príncipe da Beira

Na segunda metade do século XVII, Portugal inicia a construção de um formidável sistema defensivo do Amazonas. O expoente máximo destas fortalezas é o Forte da Beira, cuja construção começa em 1776. O Forte está localizado nas margens do Rio Guaparé (actual Guajaré-Mirin), no Estado de Rondânia.

A pedra usada na sua construção foi transportada de locais situados a a mais 1.500 Km de distância, o que revela só por si o incrível trabalho que envolveu a sua edificação.

sábado, 19 de dezembro de 2020

Os portugueses que se destacaram na história marítima de Portugal

 

 Os portugueses que se destacaram na história marítima de Portugal

Pedro Reinel nasceu cerca de 1462, e deu início à segunda de quatro épocas ou escolas da cartografia portuguesa, definidas por Armando Cortesão. Teve a sua oficina em Lisboa e trabalhou para os monarcas D. João II, D. Manuel I e D. João III, como mestre de agulhas e de cartas de marear.

Pedro Reinel, que teria no seu filho Jorge um continuador da sua obra, marca a transição da cartografia portuguesa do século XV para o XVI. 

A sua obra reproduziu os avanços das viagens de descobrimento dos navegadores portugueses e da evolução científica da navegação, abandonando as concepções ptolemaicas do desenho das cartas.

Pedro Reinel é o primeiro cartógrafo português de quem conhecemos a produção cartográfica porque foi o primeiro que assinou os seus trabalhos. A sua carta náutica de cerca de 1485 ainda é do tipo portulano; representando a costa ocidental do continente africano, apresenta já os resultados das viagens de exploração dos navegadores ao serviço de Fernão Gomes (1469 ‑1473) e da primeira viagem de Diogo Caão (1482‑ ‑1484), o que a torna uma referência histórica.

A obra cartográfica atribuída a Pedro Reinel é constituída por oito cartas: a carta náutica de c. 1504, assinada por Pedro Reinel, é a primeira carta náutica onde existe uma escala de latitudes e também a primeira que apresentou uma rosa‑dos‑ventos com a flor‑de‑lis indicando o Oriente.

Seguiram‑se a carta de c. 1517, duas cartas de c. 1522 e uma carta de c. 1535, todas consideradas anónimas por não estarem assinadas.

O período dos descobrimentos tinha já acabado e [...] o que agora preocupava o monarca português, D. João III, não era o envio de expedições em busca de novas terras, mas encontrar um processo para garantir a posse das que já se conheciam.

Um documento, datado de 10 de Fevereiro de 1528, refere uma carta de mercê, em que D. João III concede a Pedro Reinel uma tença de 15 000 reais anuais. Faleceu em 1542, mas a sua obra foi continuada por seu filho Jorge.

Jorge Reinel nasceu em Lisboa cerca de 1502, filho do também cartógrafo Pedro Reinel, e foi um dos mais importantes cartógrafos portugueses. Das suas obras mais conhecidas destacamos: Oceano Índico (1510), carta actualmente na Biblioteca Herzog August em Wolfenbüttel; Planisfério (1519), desaparecido durante a Segunda Guerra Mundial do Arquivo de Munique; Oceano Atlântico (1540), a única assinada, actualmente na Biblioteca Nacional de Florença. O seu traçado mostra, com rigor, o conhecimento geográfico da época.

O período dos descobrimentos tinha já acabado e o conhecimento do litoral dos chamados Novos Mundos estava suficientemente estudado. O que agora preocupava o monarca português, D. João III, não era o envio de expedições em busca de novas terras, mas encontrar um processo para garantir a posse das que já se conheciam.

1485, carta de Pedro Reinel para a Europa Ocidental e África 

Estas preocupações reflectiram‑se também na cartografia e a carta de 1540 tem desenhadas pequenas bandeiras para afirmar a soberania de Portugal relativamente a numerosas parcelas da costa africana e do litoral Nordeste do Brasil.

D. João III concedeu‑lhe, por carta de mercê de 10 de Fevereiro de 1528, uma tença anual de 10 000 reais. Jorge Reinel aparece também como assistente de Pedro Nunes nos exames para mestres de cartas de marear, a que se submeteram os cartógrafos António Martins (1563), Bartolomeu Lasso e Luís Teixeira (1564). Também nos Livros de Verea‑ ção da Câmara Municipal de Lisboa, existem dois autos de ajuramentação, datados de 29 de Agosto de 1551 e 29 de Novembro de 1554, em que surgem Jorge Reinel e Lopo Homem como exemjnadores darte de navegar.

Os Reinéis foram considerados os melhores cartógrafos do seu tempo, ao ponto de o imperador Carlos V os querer a trabalhar na sua corte. Em 1524 [...] ofereceram‑lhes, para esse efeito, uma avultada quantia, [...] mas os dois cartógrafos mantiveram‑se ao serviço de Portugal. 

Em 1519, na sequência de uma contenda com o padre Pedro Enes, o cartógrafo refugiou‑se em Espanha, tendo vivido em Sevilha, onde, segundo parece, terá continuado a trabalhar na sua profissão. Seu pai deslocou‑se àquela cidade para o trazer de volta a Portugal, mas antes teve de o auxiliar a terminar algumas cartas que Jorge se tinha comprometido a executar para a expedição de Fernão de Magalhães. Estes factos são confirmados pela carta, de 18 de Julho de 1519, enviada a D. Manuel I pelo feitor português em Sevilha, Sebastião Álvares, onde se afirma que «… a terra de Maluco eu vy asentada na poma e carta que ca fez o filho de Reynell, a qual nõ era acabada quando caa seu pay veo por ele, e seu pay acabou tudo e pos estas terras de Maluco e per este padram se fazem todalas cartas…».

Bartolomé Leonardo de Argensola, citado por Armando Cortesão e Teixeira da Mota, também se refere ao facto de Magalhães, a fim de obter o apoio de Carlos V para a sua viagem, ter utilizado “vn Planisferio dibujado por Pedro Reynel“, no qual as Molucas estariam representadas a leste da linha de demarcação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha, portanto dentro do hemisfério espanhol.

Os Reinéis foram considerados os melhores cartógrafos do seu tempo, ao ponto de o imperador Carlos V os querer a trabalhar na sua corte. Em 1524, durante as negociações da chamada Junta de Badajoz-Elvas, ofereceram‑lhes, para esse efeito, uma avultada quantia, conforme Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho informaram D. João III, em carta datada de 9 de Junho de 1524. Mas os dois cartógrafos mantiveram‑se ao serviço de Portugal. Jorge Reinel faleceu, com 70 anos de idade, em 1572. A chamada Escola dos Reinéis, assegurou à família Reinel um lugar importante na cartografia portuguesa pelo rigor, pela qualidade técnica e pelo valor artístico das suas cartas.

1517-Terra Brasilis", parte do Atlas Miller por Pedro e Jorge Reinel, Lopo Homem e António de Holanda

Lopo Homem foi o cartógrafo a quem, em 1517, o monarca D. Manuel I atribui, por alvará, o privilégio de fazer e reparar todas as agulhas dos navios. Outra pessoa que executasse essa tarefa teria de pagar, a Lopo Homem, vinte cruzados.

Em 1524, D. João III renovou o alvará de 1517 e nomeou‑o para participar na Junta de Badajoz‑Elvas, comissão estabelecida pelos monarcas de Portugal e Espanha para tentar demarcar os limites a oriente do Tratado de Tordesilhas, sobre cuja posição exacta não havia acordo entre os dois Estados, dando origem à chamada Questão das Molucas. Este diferendo seria resolvido pelo Tratado de Saragoça, em 1529.

Em 1531, foi‑lhe atribuída uma tença vitalícia de 20 000 reais, aumentada, no ano seguinte em mais 5000. A obra mais antiga que se conhece deste cartógrafo é um planisfério desenhado em 1519. O mapa encontra‑se rodeado pelos quatro ventos, nos cantos, e tem uma nomenclatura, em latim, muito escassa; em África estão identificadas apenas a Líbia, a Etiópia e a Guiné. A América é identificada como Mundus novus Brazil, e apresenta‑se ligada à Ásia por um continente imaginário identificado como Mundus Novus.

Diogo Homem nasceu em 1520 ou 1521 e, ainda muito novo, cometeu um crime de homicídio [...]. Fugiu para Inglaterra e parece que nunca mais regressou ao Reino.

Além desta, destacam‑se ainda as seguintes obras de sua autoria:

Terras Brasilis (1519), mapa integrado no chamado Atlas Miller e atribuído a Lopo Homem e aos Reinéis. É uma carta manuscrita, sobre pergaminho, apresentando uma nomenclatura em latim muito detalhada (mais de 146 nomes); mostra‑nos toda a costa do Brasil, desde o Maranhão até ao Rio da Prata. Este mapa destaca‑se pelos detalhes do território, menos de vinte anos depois da sua descoberta.

O Atlas Miller onde se integra este mapa, também conhecido por Atlas Lopo Homem-Reinéis, é uma obra constituída por dez cartas ricamente ilustradas desenhadas cerca de 1519. É um trabalho conjunto dos cartógrafos Lopo Homem, Pedro Reinel e Jorge Reinel, ilustrado por António de Holanda. Estão ali representados o oceano Atlântico Norte, a Europa do Norte, o arquipélago dos Açores, Madagáscar, o oceano Índico, a Insulíndia, o mar da China, as ilhas Molucas, o Brasil e o mar Mediterrâneo. Terá sido oferecido por D. Manuel I ao monarca francês Francisco I.

Planisfério (1524).

Carta Marítima (sem data). Pertenceu ao rei D. Carlos.

Foi pai do cartógrafo Diogo Homem e faleceu em 1565.

Mapa do Mundo por Lopo Homem (1554)

Diogo Homem nasceu em 1520 ou 1521 e, ainda muito novo, cometeu um crime de homicídio, pelo que foi condenado a uma pena de degredo numa praça de Marrocos. Fugiu para Inglaterra e parece que nunca mais regressou ao Reino, apesar dos esforços do seu pai para que lhe fosse concedido um perdão.

Diogo Homem foi um cartógrafo de grande qualidade técnica e artística e produtor de numerosos atlas e cartas‑portulano. O seu portulano, desenhado c. 1566 é, possivelmente, a sua obra de maior interesse. Existe também um portulano de 7 cartas datado de Veneza, 1572.

A carta de Diogo Homem, de 1557, é a mais antiga carta portuguesa assinada e datada que se conhece. Diogo Homem [...] foi, ao que se julga saber, o mais produtivo de todos os cartógrafos portugueses.

A sua obra cartográfica foi produzida, maioritariamente, entre 1556 e 1576 e dela se destaca o chamado Atlas de Diogo Homem, com 29 cartas manuscritas em pergaminho iluminado. Este magnífico exemplo da cartografia náutica do século XVI, datado de 1556, é uma das mais brilhantes obras deste cartógrafo. Dele são conhecidas ainda as seguintes cartas:

América Meridional (1558), exibe a América do Sul e as Antilhas.

América do Sul (1558), caracteriza‑se pela grande imprecisão do traçado da região Sul do Brasil que está muito estendida para leste. Encontram‑se assinalados o mar das Antilhas, o Peru, a Argentina, a Terra dos Incas e o estreito de Magalhães.

América do Sul II (1568), é constituída por duas folhas. Tem uma inscrição Mvndnvs, que significa Mundo Novo, e designa a América do Sul. As outras legendas referem‑se a Brasilis e Terra Argentea, a primeira com as armas de Portugal e a segunda com as armas de Castela.

América do Sul III (1568), apresenta‑nos um escudo e duas bandeiras com as armas de Castela indicando o domínio espanhol sobre a região ocidental daquele continente. Da costa do oceano Pacífico apresenta já as posições espanholas situadas entre o actual México e o Chile, bem como as posições da região dos Andes e da bacia do Rio da Prata. Está ainda representada a cordilheira dos Andes e o sinuoso rio Amazonas.

1563 - Carta do Mar Mediterrâneo por Diogo Homem 

A carta de Diogo Homem, de 1557, é a mais antiga carta portuguesa assinada e datada que se conhece. Diogo Homem faleceu em 1576 e foi, ao que se julga saber, o mais produtivo de todos os cartógrafos portugueses ou, pelo menos, aquele de quem se conhecem maior número de trabalhos.

André Homem foi outro cartógrafo português de cuja vida pouco se sabe. Pensa‑se que poderá ser irmão (ou primo) de Diogo Homem. Sabe‑se que esteve em Paris em 1565 e em Londres dois anos depois.

A “Universa ac Navigabilis Terrarum Orbis Descriptio“, confeccionada sobre pergaminho, em 1559, para o soberano de França, é a sua obra mais conhecida. Uma carta deste cartógrafo, datada de 28 de Fevereiro de 1565, e endereçada ao embaixador de Portugal em Paris, continha um planisfério que foi muitas vezes citado nas discussões sobre limites entre o Brasil e a Guiana Francesa para favorecer as posições francesas.

Esta família de cartógrafos portugueses iniciou‑se com Pero Fernandes e continuou com Luís Teixeira, a que se seguiram os seus filhos, João Teixeira Albernaz (I) e Pedro Teixeira Albernaz. Além de Estêvão Teixeira, integra também esta família João Teixeira Albernaz (II), neto do seu homónimo. A actividade desta família exerceu‑se de meados do século XVI até ao final do século XVII.

Pero Fernandes terá nascido na primeira metade do século XVI e foi nomeado mestre de fazer cartas de marear, em 23 de Maio de 1558. Apenas se conhecem duas obras suas:

Pertenceram ao espólio da Sächsische Landesbibliothek de Dresden e foram destruídas durante os bombardeamentos dos Aliados na Segunda Guerra Mundial.

Pero Fernandes teve três filhos: Domingos Teixeira, Luís Teixeira e Marcos Fernandes, todos cartógrafos. Domingos Teixeira exerceu a sua actividade na segunda metade do século XVI. Teve um filho, Pero Lemos, também cartógrafo.

[Luís Teixeira] fundou, na segunda metade do século XVI, uma nova escola de cartografia. [...] As suas qualidades proporcionaram‑lhe grande fama no Norte da Europa, onde foram publicadas e vendidas muitas cartas de sua autoria.

Pouco sabemos da sua actividade, mas o Livro de Lançamentos da Câmara de Lisboa refere‑se a um Domingos Teixeira que, em 1565, fazia cartas de marear. A relação da viagem da nau São Pantaleão, em 1595, refere que as cartas que existiam a bordo tinham sido desenhadas pelos irmãos Luís e Domingos Teixeira, o que nos leva a concluir que os dois irmãos trabalhariam juntos.

São conhecidas, apenas, duas cartas da sua autoria: A Carta Atlântica, sem data, da Biblioteca de Bodlein, em Oxford; O Planisfério de 1573, da Biblioteca Nacional de França, em Paris.

Luís Teixeira é o mais ilustre representante desta família, pois os seus trabalhos apresentam, além de uma qualidade superior e pormenores excepcionais, um estilo muito próprio. Ao nível internacional, colaborou com Abraham Ortelius no Theatrum Orbis Terrarum. Considera‑se que este cartógrafo fundou, na segunda metade do século XVI, uma nova escola de cartografia. Foi pai de João Teixeira Albernaz e Pedro Teixeira Albernaz, também cartógrafos.

A sua carta de ofício foi passada a 18 de Outubro de 1564, permitindo‑lhe desenhar cartas de marear, construir instrumentos náuticos e fazer regimentos de altura e declinação do Sol.

As suas qualidades proporcionaram‑lhe grande fama no Norte da Europa, onde foram publicadas e vendidas muitas cartas de sua autoria. Em 1569, foi nomeado para fornecer, aos navios da Coroa, todas as cartas e instrumentos náuticos que fossem necessários.

São conhecidos 15 mapas de sua autoria, que não correspondem, de modo nenhum, à totalidade dos seus trabalhos; foi pioneiro na cartografia das ilhas dos Açores.

Enumeram‑se alguns dos seus mais importantes trabalhos: Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas, e derrotas que há na costa do Brasil desde o cabo de Santo Agostinho até ao estreito de Fernão de Magalhães, elaborado entre 1573 e 1578, e actualmente na Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Lisboa; Fragmento de Planisfério, c. 1586, que se encontra no Museu de Marinha de Lisboa; Carta do Japão, publicada em 1595.

Domingos Teixeira manteve intensos contactos com cartógrafos holandeses, como Jodocus Hondius e Abraham Ortelius, com quem contactou desde 1582.

Numa carta datada de 2 de Fevereiro de 1592, Teixeira enviou a Ortelius duas peças com as descrições da China e Japão, cujas fontes foram possivelmente os trabalhos dos jesuítas. Apareceram na Holanda várias gravuras com cartas de sua autoria. Uma delas foi a carta da Guiné, de 1602, que apresenta, como originalidade, a representação do interior da Senegâmbia e da Costa do Ouro.

Marcos Fernandes, filho de Pero Fernandes, teve carta de ofício datada de 1592.

João Teixeira Albernaz conhecido também como João Teixeira Albernaz I ou João Teixeira Albernaz, o Velho, para o distinguir do seu neto e homónimo, é um dos cartógrafos de quem se conhecem mais obras publicadas.

Nasceu em Lisboa no último quartel do século XVI, filho do cartógrafo Luís Teixeira, e faleceu cerca de 1662. São conhecidos 19 atlas da sua autoria, totalizando 215 cartas. Apresenta nos seus trabalhos uma variedade enorme de temas, de que se destacam as explorações marítimas, terrestres e fluviais do Brasil.

Terá aprendido a arte da cartografia com seu pai Luís Teixeira e iniciado os seus trabalhos já no século XVII. Recebeu Carta de Ofício de mestre em fazer cartas de marear, astrolábios, agulhas e balestilhas, a 29 de Outubro de 1602, sendo seu examinador o cosmógrafo‑mor do Reino João Baptista Lavanha. Em 1605, foi nomeado cartógrafo do Armazém da Guiné e Índia (também chamada Casa da Mina e Índia), onde trabalharia até ao final da sua vida.

No Arquivo das Índias, em Sevilha, existem documentos que comprovam a sua presença em Madrid, juntamente com o seu irmão Pedro, e a execução de cartas náuticas representando o estreito de São Vicente e o estreito de Magalhães. Numa relação da viagem dos irmãos Bartolomeu e Gonçalo Nodal à América austral, consta uma carta de Pedro desenhada com a colaboração de João.

Em 1622, o cartógrafo apresentou uma petição para ser provido no lugar de cosmógrafo‑mor, mas foi preterido a favor de Valentim de Sá, com quem, no ano seguinte, viria a colaborar como membro do júri que passou a Carta de Ofício a João Baptista de Serga.

A obra de João Teixeira Albernaz é de grande interesse pela sua amplitude, variedade e pelo assentamento das explorações portuguesas nomeadamente no Brasil. A obra está reunida em 19 atlas, um conjunto de quatro cartas, duas cartas isoladas e uma outra incluída num atlas de origem diferente. Existem ainda oito cópias de dois dos seus 19 atlas, num total de 215 cartas, e mais duas cartas gravadas.

Pedro Teixeira Albernaz (c. 1595‑1662) nasceu em Lisboa, tendo desenvolvido a sua actividade maioritariamente em Espanha, para onde partiu em 1619, com seu irmão João, a fim de cartografarem os locais que constavam da relação de viagem dos irmãos Nodal.

João Teixeira Albernaz II é neto de Albernaz I. [...]. Uma das suas cartas foi usada na Conferência de Badajoz [...] afirmando os seus membros que João Teixeira Albernaz II era conhecido em toda a Europa.

João Teixeira Albernaz regressou a Portugal, como já vimos, e Pedro permaneceu em Madrid, onde viria a falecer em 16629. A sua produção cartográfica que chegou até à actualidade é muito escassa, mas sabe‑se que terão desaparecido numerosas cartas deste cartógrafo.

Dedicou‑se especialmente a executar levantamentos topográficos, julga‑se que por influência de João Baptista Lavanha (1555‑1624), cosmógrafo‑mor e professor de Matemática de D. Sebastião e do príncipe e futuro rei de Espanha D. Filipe IV.

Das cartas desaparecidas, referiremos uma que continha a representação do delta do rio Amazonas e outra, em várias folhas, com a descrição das costas de Espanha; desta existem várias cópias da sua descrição, mas sem as cartas. Em 1623 fez parte, como seu irmão João, do júri de exame a João Baptista de Serga.

João Teixeira Albernaz II foi um cartógrafo português do século XVII, neto e sucessor do outro cartógrafo com o mesmo nome. Pouco ou nada se sabe da vida deste cartógrafo e, por vezes, os seus dados são confundidos com os do seu avô.

1630 -"Taboas geraes de toda a navegação" para a Ásia, por João Teixeira Albernaz I 

Manuel Pimentel indica que João Teixeira Albernaz II é neto de Albernaz I, afirmando também que fazia cartas com perfeição. Sabemos igualmente que ainda se encontrava vivo em 1699.
Na sua obra, é patente a influência que recebeu do seu avô, que foi o seu mestre, mas os traçados das letras e as iluminuras são menos rigorosas. Os Atlas do Brasil repetem, embora com alguns progressos, os que o seu avô tinha desenhado, mas possuem o mérito de terem influenciado a cartografia holandesa daquela região. A sua obra considerada mais importante é o Atlas de África de 1665, trabalho único no género, que terá sido encomendada por um francês, o que mostra a procura e o valor que a cartografia portuguesa tinha, ainda nessa época, no estrangeiro. Uma das suas cartas foi usada na Conferência de Badajoz (1681), a propósito da questão da Colónia do Sacramento, afirmando os seus membros que João Teixeira Albernaz II era conhecido em toda a Europa, razão pela qual foi por todos escolhida uma das suas cartas.

É bastante vasta a sua produção cartográfica, sendo o cartógrafo de que chegaram maior número de cartas até à actualidade. Para além das cartas isoladas, vários Atlas são da sua autoria. Os três Atlas do Brasil que lhe são atribuídos são muito semelhantes, abrindo com uma carta geral, a que se seguem depois as particulares, e utilizam, genericamente, o padrão desenhado por seu avô, João Teixeira Albernaz I.

Pedro e Jorge Reinel (at.1504-60) Dois cartógrafos negros na corte de D. Manuel de Portugal (1495-1521)