O PLANISFÉRIO
DE MAIOLLO DE 1504.
De
:ROBERTO LEVILLIER
Nova prova do
itinerário de Gonçalo Coelho-Vespúcio,
à Patagónia, na sua viagem de 1501-1502 (*).
(*) . Texto
espanhol traduzido pela Lic. Sónia Aparecida Siqueira (Nota da Redacção).
Ao entrar na
exposição vespuciana de Florença, em princípios de Julho de 1954, fiquei
admirado à vista do conjunto cartográfico.
Ir além dos
cinco mapas que formam o grupo de 1502, directamente derivado da viagem que
comento, encontrava-se entre eles, ocupando lugar de honra, um planisfério que
uma etiqueta oficial indicava ser de Maiollo, datado de 15(3?)4.
Procedia da Biblioteca Federiciana de Fano. Já à distância, havia reconhecido
no perfil atlântico do hemisfério austral, grande semelhança com Kunstmann
II, Pesaro e Hamy. Pude verificar, aproximando-me, que a
nomenclatura da região atlântica meridional concordava com a de Kunstmann
II, Cavério e Waldseemüller, desde o Cabo de Santa Cruz, ao
Norte, até Cananor, ao Sul, (estamos a informar àcerca da costa Leste da
América do Sul). Numa vitrina vizinha, estava a única cópia existente da
edição de 1507 de Waldseemüller, com o título: América.
Em frente
ao Maiollo exibia-se o planisfério de Cavério. Dum
lado, Salviati e Juan Vespúcio. Faltava apenas Juan de la Cosa para
encontrarem-se reunidas os fac-similes de Hamy, Cantino e Juan
de la Cosa (que chegou depois da inauguração), as mais importantes
imagens do Novo Mundo, associadas à viagem austral. Essas peças únicas e
originais, pertencem às bibliotecas italianas e estrangeiras.
Foi estranho
ver que o mapa de Maillo surpreendesse, pois nunca havia sido
reproduzido. No grande salão do Palazzo Vecchio levei tempo estudando-o,
medindo-o e fazendo-o fotografar, até conseguir uma boa cópia do hemisfério
meridional, do mesmo tamanho do modelo. No mês de Agosto em Veneza,
procurei e encontrei na Biblioteca do Convento de São Marcos a respectiva
bibliografia, e em começos de Outubro entreguei à Revista L'Universo do
Instituto Geográfico Militar de Florença, um breve estudo sobre o mapa de
Maiollo, antes um conjunto de reflexões de um historiador de viagens austrais,
que a análise técnica de um cartógrafo. Este publicou com o título de Il
Maiollo di Fano alia mostra vespucciana Deixando de lado os problemas de
projecção e de construção do mapa, consagrei-me somente a quatro pontos:
1.°) a
configuração do hemisfério austral;
2.°) a
toponímia da costa dessa região;
3.°) a
legenda que marca a data e a assinatura do autor, e
4.°) o
sentido da legenda Tera de Gonçalvo Coigo vocatur Santa Croxe, ou
seja: Terra de Gonçalo Coelho chamada Santa Cruz (2).
Vista a
bibliografia conclui-se que o mapa era 'conhecido pelo menos há um século, mais
pelo nome do que alguma vez tivesse sido analisado. Uzielli e Amat de San
Filippo (3) registam-no em catálogo como sendo de 1504, numa 'simples
anotação, baseada no elenco das cartas geográficas reunidas na exposição de
Veneza em 1881. Harrisse (4) e Nordens-lciold (5) já não
puderam encontrá-lo e declararam perdido o que acreditam ser um atlas. Por
essa razão provavelmente, e por estar arquivado na biblioteca duma pequena
povoação adriática, passou despercebido até que o Prof. Sebastián Crino o
descrevesse num curto estudo, em 1907, sem reproduzi-lo (6) .
Sabe-se que o sr. Luigi Massetti o havia doado à Biblioteca de Fano em
1862. Cita as três legendas principais sem delas tirar conclusão
histórica, calculada a escala em 1:20.000.000 que sugere a data de 1534. A
razão que dá para atribuir ao mapa-múndi essa data, parece lógica, mas não era
a exacta. O reputado polígrafo Desimoni descobriu um convénio
subscrito por Maiollo nesse ano, no qual se comprometia a entregar
antes de 1535 ao editor Lomellini uma carta náutica do mundo (7), e o
prof. Crino deduziu dessa circunstância que
"essendo
stata composta da carta in esame Giug no 15 4, due mesi dopo cioe dell'atto
notarile su ricordato se la cifra mancante tra il 5 e il 4 come non senta
verosimiglianza puo supporsi, sia un 3 completamente
obliterado". Várias razões, que se verá mais adiante, se opõem a esta
conjectura. A que formulará depois o Prof. Giuseppe Caraci é igualmente
infundada. Num artigo em que se ocupa de outros mapas de Maggiolo, dedica
algumas linhas a este, à sua data e aos que o haviam precedido no exame ou menção
do planisfério (8). Com tal ênfase generalizadora de que soe usar, rejeita
sem dar razão alguma, a data de 1504, e assevera: "La data dei
atlante (ainda acredita ser um atlas) e senza dubbio piu tarda; l'equivoco fu
possibili perche nella sotoscrizione la terza cifra del milesimo e illegibile e
fu credeta un zero". Notará o leitor que o senza dubbio tem, como o
equivoco, tão pouca justificação como aquilo de que "il piu antico lavoro
finora conosciuto di Vesconte resta il notissimo atlante del 1511".
(1)— Revista
do Instituto Geográfico Militar. Ano XXXIV, no 6, Novembro ou Dezembro, 1954.
Florença.
(2)— Na
referida legenda nota-se com facilidade a região do Norte do Brasil.
(3) Studi
biografici e bibliografia sulla storia della geografia in Itallta. Roma, 1882.
(4)— The Discovery of North
America. Londres, Paris, 1892.
(5)— Periplus. Estocolmo, 1897.
(6)— Notizie
sopra una carta de navigare di Visconte Maiollo. Boletim da Sociedade
Geográfica de Roma, t. III, 1907.
(7) —
Elenco di certa et atlanti nautici di autora Genovesa. Giornale linguistico,
lige 1875
(8)-Di un
atrante poco noto di Vesconte Maggiolo (1549) . Bibliofilia, Florença,
janeiro-fevereiro 1951.
O exame do
hemisfério austral de Maiollo e sua comparação com as outras
representações já citadas do novo mundo, oferece sólidos fundamentos para
associar este planisfério à primeira cartografia derivada do périplo de Gonçalo-Coelho-Vespúcio de 1501-1502 e
autoriza assim mesmo a fixar-lhe a data de 1504.
Enviou-me uma
fotografia do planisfério, que não utilizei por parecer-me que as obtidas em
Florença, tanto do conjunto como das partes que me interessavam, eram mais
pormenorizadas e claras.
O mapa de
Maiollo tem 1,40 m de comprimento por 0,895 m de
altura, uma espessura do bordo direito e do esquerdo 0,915 m .
Carece de
graduações de latitude e longitude, não está incluída a ilha de Cuba,
somente chega até a Índia pelo Oriente.
A forma 'da
costa atlântica americana ao Sul do Equador, é a mesma de Pesaro, Hamy e
Kunstmann II, sobretudo a deste último, pela sua inflexão SSO. Termina uns
graus mais ao Sul de um estuário ou golfo denominado por Kunstmann II e Cavério,
e mais tarde Waldseemüller: Rio Jordán, este é o nome que Maiollo
também lhe dá, enquadrando-o, como os anteriormente citados, entre Pináculo
Detentio (Pináculo de Tentación) ou seja o cerro 'de Montevidéu e Rio Santo
António.
Já se
demonstrou em América la bien llamada e em El Nuevo Mundo (9) com uma
vasta cartografia, que essa enseada representa o sítio do primeiro nome cristão
do Rio da Prata, chamado até então Paranaguazú ou Huruay pelos
índios .
Cavério, mapa
assinado, Kunstmann II, sem as Di un atlante sconoschno di Vesconte Maiollo
(1548) . "L'Universo", Setembro de 1926.
(9)— 2 vols.
Kraft. Buenos Aires, 1948 e Editorial Nova, Buenos Aires, 1951 sinatura, mas
datado de 1502 pelos mais eminentes cartólogos se unem a Maiollo, datado e
assinado, para certificar que ao redor ,de 1502 e 1504 foi atingido e
descoberto o Rio da Prata.
E os três
planisférios assim (10) Waldseemüller marcam também a presença em sua
nomenclatura de Cananor, como extremo fim da expedição descobridora da
Patagónia .
Do ponto de
vista da toponímia, Maiollo é muito satisfatório (11) . Quanto à
configuração, se conserva a inflexão SSO de Pesaro, Kunstmann II e Hamy, não
leva a costa atlântica até a alta latitude de Cananor. Possivelmente por má
informação diminui duns 10 graus ao Norte da latitude do Cabo Agulhas, se é que
não há demasiada extensão Norte-Sul do continente africano. Cavério e Hamy são,
entre os mapas citados de 1502, os únicos que marcam latitudes, e o segundo o
faz com características curiosas.
Publiquei
Hamy, fazem anos, na parte que mais interessava ao meu estudo (12) .
Reproduzi a África também, para demonstrar que a costa atlântica descia frente
ao continente negro, algo mais ao sul que o Cabo Agulhas (35°) mas a graduação
da escala .acabou ilegível na cópia fotográfica, e a imprensa a devolveu
pedindo que se aclarasse. Um desenhista o fêz, sem reparar no facto realmente
insólito de que esse mapa apresenta duas linhas equinociais. Uma começa no
Oriente e termina pelo meridiano de Alexandria, e a do Ocidente termina na
costa oriental da África, cinco graus ao sul da anterior.
O paralelo
marcado 35°S na escala oriental, passa com toda exactidão pelo cabo terminal da
África, mas na mesmíssima altura, na escala ocidental, se lê: 30°.
Segundo
Gallois, a linha que vem de Este a Oeste é a de Ptolomeu, e a que vai de Oeste
a Este a dos navegantes modernos. O desenhista ao esclarecer as cifras, que são
claras na escala oriental, utilizou as mesmas para a ocidental, alterando, sem
direito, um conceito do autor do mapa.
De toda
maneira, não favorece essa inadvertência à prova de que originalmente ia
utilizando o mapa de Hamy, conjuntamente com Pesaro, Kunstmann II, Cavério e
Cantino, todos de 1502.
Os cinco
mapas, uns pela sua configuração, outros pela sua toponímia, outros pela
extensão de sua costa, demonstram com esses testemunhos, e não com suas. latitudes
escritas, que o Rio da Prata e o litoral patagónio estavam descobertos desde
1502, por uma expedição que só podia ser a de Gonçalo Coelho-Vespúcio. Maiollo
corrobora esta verdade de forma concludente.
(10). —
Ocuparam-se de Cavério, considerando-o de 1502, Gallois, Kretschmer Marcel,
Nordenskiold, Harrisse, Ruge, Phillips, Lowery, Stevenson, Vignaud Winter,
Tomaschek, Revelli, Almagia, Magnaghi e muitos outros. Com Kunstmann II
se especificaram aceitando a data dada por P. Kunstmann: Kohl, Peschel, Ruge,
Kretschmer, Nordenskiold, Harrisse, Stevenson, Winter, Uzielli, Philips,
Lowery, Almagia, etc. (11)— Veja-se a toponímia comparada no quadro
anexo. (12) — América la bien Ilamada, vol. II, págs. 8, 9 e 10.
Se a costa
atlântica apresenta um perfil quase idêntico ao de Hamy, Kunstmann II e Pesaro,
a do Caribe oferece uma característica igual a que dão Juan de la Cosa (1500),
Kunstmann II e Hamy. Nesses três mapas, como pode ver o leitor na América la
bien llamada (13), se interrompe de repente a linha do litoral,
prolongando-se esse corte ao ponto de fazer desaparecer toda a terra
compreendida entre o Maranhão e o Rio Grande do Mar Doce (Amazonas) e também
esses dois rios.
Esta singular
omissão ocorre também em Maiollo indicando parentesco de época. O desenhista
italiano inspirou-se num modelo análogo ao de Kunstmann II, ao qual está ligado
por outros indícios de contemporaneidade. A toponímia de alguns destes mapas é
um deles. Veja o leitor o quadro no qual aproximamos os nomes da costa
atlântica Sul de Kunstmann II, Cavério, Maiollo e Waldseemüller.
Pouco falta
para que sejam idênticos, desde Santa Cruz até Cananor.
Estes indícios
concordantes permitem também afirmar que Maiollo pertence à cartografia
derivada das viagens caribeanas, de Colombo a Vélez de Mendonza, que reflecte,
como os cinco mapas citados, as viagens atlânticas de Cabral e Gonçalo
Coelho-Vespúcio.
0 que foi dito
já está muito bem provado.
Não obstante
ampliarei os testemunhos para que o Q.E.D. seja concludente. Passarei à data.
A legenda em
que ela consta provê somente três cifras, apresentadas assim: 1.5.4.
À primeira
vista poderia ser 1534, 1524, 1514 ou 1504. Os antecedentes enunciados
tendem a demonstrar que é 1504. Acrescentarei razões pelas quais se deve
eliminar qualquer outra data. Indiquei, há anos, a série de nomes mal
situados por Maiollo, na costa atlântica de seu mapa de 1519 (14). Acreditava
que o cartógrafo os havia transposto nessa representação. Descubro agora
'11 que não fêz mais do que reiterar seu errado encolhimento da costa de
1504, ficando outra vez uma série de lugares fora do sítio. Leva
Cananor, Santo António, Pináculo Detentio e Rio Jordão, da jurisdição
castelhana à portuguesa, colocando esses nomes por São Paulo. Além de que,
atribui a essa região uma altura de 19 e 20°, em vez da correcta; 23°30'.
Comete outro erro, ao marcar o cabo de Santa Maria por 28° em vez de
34°45'. - (13)- Op. cit., vol. 1, 92: vol. II, 'págs. 8 e 10. (14)
--, Op. cit., vol. II, págs. 72 e 73. A abundância da toponímia
neste mapa de 1519, em comparação com as cartas geográficas citadas, indica uma
época mais avançada e a utilização de novas viagens, cada uma das quais deixou
atrás de si, baptismos sem precedentes. Maiollo 1519 é, pois, posterior ao que
ocasiona este estudo, e com muito maior razão deve afastar-se a suposição de
que pudesse ser de 1524. Por seu lado, o planisfério de 1527 torna
inadmissível a data de 1534.
Inteirado o
cartógrafo da viagem de Magalhães, marca todo o litoral e o estreito, e
acrescenta o nome de São Cristóvão (posto pelo nauta lusitano ao Rio da Prata)
ao de Jordán, resultante da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio. Vai corrigindo
erros de 1504 a 1519 e aproximando-se da realidade topográfica do litoral (15).
E seria verosímil que sete anos depois, ou seja, 1534, aparecesse um mapa
seu de tão breve costa e tão primitiva nomenclatura? E' bem sabido que surgiram
a miúdo na cartografia do século XVI, surpreendentes recúos, mas raramente
entre os italianos. Eles sempre souberam informar-se e foram entre os primeiros
a fazê-lo, graças ao seu contacto mediterrâneo com as potências descobridoras e
a actividade subtil dos núncios, diplomatas e agentes comerciais, prevalecentes
em Lisboa, Burgos e Sevilha. Basta para concretizar, escrever aqui os
nomes de Martir de Angleria, Pascualigo, Trevisano, Cantino, Affaitadi,
Cretico, Ca-Masser, Rondinelli, Priuli, Sanuto, Empoli, Marchioni, Vespúcio
mesmo (16) . Todos escreviam mostrando que sabiam.
O segredo das
chancelarias interessadas era um mito. Demonstram-no mapas italianos de
1502, 1504, 1519 e 1527; 1536, 1543 e 1553.
As abelhas
sugavam seu mel onde e como podiam. Dar ao Maiollo de Fano, conhecendo o
de 1527, a data de 1534, seria uma extravagância. Tão pouco é aceitável 1514. O
corte na costa norte, semelhante ao de Juan de la Cosa de 1500, Hamy e
Kunstmann II de 1502 é explicável numa época em que os pilotos de Espanha e os
desenhistas de Portugal não tinham segurança de acertar na indicação das
jurisdições. Omitir, também podia ser uma astúcia; mas em 1514, os nautas de
Castela haviam percorrido muitas vezes a costa norte, e descoberto o Mar do
Sul. Um mapa como o de Maiollo, nessa data seria um anacronismo. Ao
aparecer este artigo en L'Universo, em Dezembro de 1954, enviei um exemplar ao
meu eminente amigo Heinrich Winter, cartólogo alemão de grande autoridade e
autor de muitos trabalhos de valor, como The false Labrador and the
Oblique meridian, Francisco Rodrigues Atlas of 1513; The true position of
Hermann Wagner in the controversy of the Compass Chart, A circular map in
a .Ptolemaic mss, etc., pedindo-lhe sua opinião sobre a interpretação da data
de Maiollo de Fano. Sua resposta de 2 de Fevereiro de 1955, ratifica, por
uma excelente razão, a conclusão formulada de::
1504. Publicamo-la
em inglês, tal como a recebemos. (15). Op cit., vol. II, págs. 108 a
110. (16)— Veja-se op. cit., vol. I, págs. 182 a 199, Veja-se op.
cit., vol. I, págs. 182 a 199, meus comentários à extravagante "política
de segredo", do senhor Jaime Cortesão, publicada pela primeira vez sob o
título de "O sigilo nacional sôbre os descobrimentos" na revista
"Lusitânia" de janeiro de 1924. O mesmo conceito é repetido com maior
extensão na Histria de América de A. Ballesteros, em 1947 "As to the
date of Maiollo, certainly it was inevitable to refute the readings : 1534,
1524, 1514. But there is another reason for favoring 1504. At the end of the
15th century one changed from semigothic letiers to latin ones and vice versa
from latin numbers to sernigothic ones, and after 1500 there was a new
situation: one pronounced one (thousand) Eive (hundred) and four = 1.5.4, so,
having only thrce unities. The refore one was not obliged to put in a zero, as
far as, the 3 unity was an independent word, not composed as thirteen,
fourteen, etc. Therefore 1.5.4. is not a lapse. And even the same Maiollo uses
the last possibility for such writing (3 unity twelve) on his portulan chart in
New York: "Vesconte maiolo composuy hanc cartam in neapoly de anno dny.
1.5.12. dic 2 Juny,, still with three unities for writing as for
speaking". Pensamos que esta grata lição, saída da realidade
histórica,.servirá para consignar ao planisfério de Maiollo uma poderosa
ratificação de Hamy-Pesaro-Kunstmann II-Cavério-Cantino, como grupo cartográfico
e reflexo da viagem de Gonçalo-Coelho-Vespúcio ao Rio da Prata e à Patagónia em
1501-1502. Uma circunstância visível no próprio mapa, empresta à referida data
um poderoso apoio. Numa legenda escrita em caracteres maiúsculos, aparece no
alto do mapa:
TERÁ DE
GONZALVO' COE (G?) (L?) O VOCATUR SANTA CROXE.
Maiollo
interpretou erradamente o nome e o sobrenome Gonzalo Coelho. Escreveu-os mal, e
nele não eram raros tais descuidos. Anota por Santo António: San Antogno;
Cristóvão Colombo: Cristof a Colombo; Santa Croce: Santa Crusis, e Magalhães:
Maçaianes.
A legenda
evidencia a intenção de uma homenagem ao capitão-mor da expedição descobridora:
das terras meridionais da América, percorridas por Gonçalo Coelho,.com
Vespúcio, em 1501-1502, desde .o cabo São Roque no Brasil, até Cananor
na Patagónia .
Muito se
discutiu, particularmente entre os brasileiros e na época do Império, se ele
foi o chefe, ou se esse cargo correspondeu a André Gonçalves (17) . Os
quatro historiadores brasileiros de renome do século XIX: Caetano da Silva,
Varnhagen, Mendes de Almeida e Capistrano de Abreu, firmaram o peso de sua
autoridade em favor do primeiro, e ante os motivos alegados por eles, sustentei
em América la bien llamada; El Nuevo Mundo, e vários artigos de polémica
publicados na Revista de História, de São Paulo, que deveria ter sido Gonçalo
Coelho(18) A legenda até então nunca apreciada (1954) corrobora de maneira
decisiva essa tese. (17) . Veja-se Varnhagen A., História Geral
do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio,
1883 Vespúcio, a quem um profissional da quimera, e, mais tarde,
seus corifeus, pretenderam atribuir o comando da viagem de 1501-1502,
nunca escreveu ter sido capitão-mor de nenhum périplo, e quando foi capitão de
uma caravela, afirmou-o claramente. Em todas as suas cartas predomina seu
interesse pelas questões cosmográficas, astronómicas, etnográficas geográficas,
sobre os problemas náuticos. Sua hierarquia a bordo das três primeiras
viagens, sobretudo na terceira, deve ter sido a de assessor
científico. Refere que o Conselho de Oficiais lhe confiou em 15 de
Fevereiro a orientação do périplo, que ele dirigiu até 50° de latitude
Sul. Em 7 de Abril, o capitão-mor retomou a direcção para voltar a
Portugal. Noutro parágrafo alude à morte dum grumete e ao impulso da
tripulação de vingar-se dos indígenas, o que o capitão-mor proibiu. Não
pretendia, pois, ser o Chefe. Veja-se Varnhagen A., História Geral do
Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio, 1883. A
legenda de Maiollo tira toda a dúvida sobre o tão discutido ponto; foi Gonçalo
Coelho o capitão-mor da expedição de 1501-1502. A Vespúcio coube
o mais importante, descobrir sob sua direcção o Brasil Meridional, o Rio da
Prata, o Cerro de Montevidéu e a Patagónia. Isto não é tudo. Esta terra foi
também sua fonte de inspiração. Ao bordejar pelo litoral interminável,
inteirou-se do carácter de continentalidade. A essa compreensão feliz se
deve pela primeira vez na história o uso dos termos Mundus Novus, Continente
e Quarta Parte Mundi, foi um uso exacto. A viagem de tão fecundos
resultados repercutiu sobre o capitão-mor, provocando a homenagem lusitana
de Tera de Gonçalo Coelho, provavelmente inscrita no modelo utilizado
por Maiollo. Desse precioso testemunho evidencia-se que a viagem, o
planisfério, e a legenda são simultâneos, agregam-se as seguintes
conclusões:
1) O mapa
de Maiollo de Fano, incorpora-se, por sua configuração ao grupo dos três
planisférios de 1502, de inflexão SSO;
2) a
concordância de sua toponímia com a de Kunstmann II, Cavério e Waldseemüller, é
evidente no quadro anexo, associa-o igualmente à família cartográfica derivada
da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio de 1502;
3) em razão
dos conhecimentos obtidos em viagens posteriores, resumidos nos mapas de Maiollo
de 1519 e 1527, não é aceitável que o de Fano seja de 1514, 1524 ou
1534;— Veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de
História, de São Paulo, n.° 16 de 1953. Boletin de la Real Sociedad Geográ-fica
de Madrid, n.o 333, de 1954.
4) estes (18) fundamentos
acrescentados a indícios da época, como a interrupção da costa no litoral Norte
do Brasil (em concordância com outros mapas de 1502) a lembrança da
memória de Gonçalo Coelho, impõem a data de 1504 ao planisfério de Maiollo da
Biblioteca de Fano;
5) a
explicação dada pelo sr. Winter sobre a maneira de numerar em princípios do
século XVI, é definitiva para solução do problema de data . (18) - veja-se
América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de História, de São
Paulo, nº 16 de 1953. Boletim de la Real Sociedad geográfica de Madrid, nº 333,
de 1954.