Uma carta
náutica portuguesa anónima de Circa 1471. Está guardada,
com mais três, num estojo circular de cartão, na Biblioteca Estense,
de Modena. As quatro Cartas, com várias outras. pertenciam ao fundo de Cartas
geográficas do Palácio Ducal .de Modena, donde foram subtraídas em 1859, no
momento da passagem da antiga à nova ordem de coisas. Recuperou-as o Dr.
Giuseppe Boni, que em 1870 as doou à Biblioteca Estense . Está desenhada em pergaminho,
muito bem iluminada; posteriormente foi montada, com as pontas
-dobradas sobre a face superior. A Carta portuguesa mede 752
X 650 mm., e representa a costa atlântica da Europa e
da África ocidental. desde a Normandia (França) ao Rio do
Lago (Golfo da Guiné), com os Açores, a Madeira, as Canárias e as Ilhas de Cabo
Verde, e ainda uma grande parte do Atlântico Norte oriental, entre Este. e ESE.
da Bretanha tem a Carta -desenhada a Ilha Donayda, que representa uma das Ilhas
Legendárias, místicas, do Atlântico Norte.
2 - O Atlântico está absolutamente limpo de desenhos, que possam
impedir o seu rápido emprego para a navegação; e nos continentes não
se vêem os de animais ·e outros, que se admiram em muitas Cartas quinhentistas,
nem tão pouco qualquer designação toponímica. As costas estão bem providas de
toponímia genuinamente portuguesa, a qual se estende igualmente às ilhas
Atlânticas, além disso, as
'costas mediterrânicas terminam no Sul da Espanha e
no Cabo das Três Forcas (Marrocos). A letra da nomenclatura
é do tipo cursivo das escritas portuguesas do século XV. De maneira que não
pode existir a menor dúvida quanto a Carta náutica, destinada à navegação
nacional para Marrocos, e para as costas africanas e ilhas atlânticas pelos
nossos já então descobertas: aquelas costas vão do Bojador ao Rio do
Lago, estas ilhas compreendem as dos Arquipélagos dos Açores, da
Madeira e de Cabo Verde. Esta Carta náutica é pois portuguesa, tendo sido
desenhada por um cartógrafo anónimo. É de aceitar que seja cópia da Carta
padrão de el-rei dos armazéns da Casa da África, de Lisboa.
Quanto ao ano da sua feitura inclino-me para Circa 1471,
ano este, em que foi descoberto o Rio do Lago, término da
nomenclatura da sua costa africana; desta forma a Carta, na frase feliz de Almagià:
«é síncrona dos Descobrimentos portugueses».
3 -
Rumagem. - O ,centro de construção da Carta é no
encontro .do meridiano de Faro com o paralelo da Gran Canária.
Fica este ponto no interior da África e marca-o uma
artística rosa-dos-ventos, muito bem iluminada. É ele igualmente o
centro da rumagem da Carta, o qual está circundado por dezasseis
rosas-dos-ventos secundárias, seis das quais são também artisticamente
iluminadas. As sete rosas iluminadas tem ao Norte a tradicional «flor de liz».
Devo notar que uma das secundárias, a mais meridional, tem a Oeste
mais outra «flor de liz» para o que não encontro qualquer explicação: seria
engano do cartógrafo? O sistema de rumagem vem das Cartas
mediterrânicas: mas o emprego .das 32 linhas dos rumos, correspondendo
às 32 quartas da agulha, deve-se aos portugueses, que o iniciaram, conjunta ou
seguidamente a terem principiado a bordo a prática das observações astronómicas
para a determinação da altura do pólo (latitude).
4-Escalas. - Não tem a Carta qualquer escala de latitudes ou de longitudes. Não
tem traçado o ,Equador, o que não admira porque o seu limite inferior o
não atinge, nem tão pouco o trópico de Câncer. Ignoro o que
possam significar um paralelo, que está traçado ao Sul do Cabo das Palmas, e um
pedaço dum meridiano, que quase margina a parte inferior direita da Carta . .
':tem aos cantos .da esquerda duas escalas das léguas, colocadas na direcção
dos meridianos, com doze grandes divisões troncos das léguas - a de cima,
·e quinze a debaixo; ambas são coloridas e estão deformadas por
motivo do encarquilhamento do pergaminho. Alguns dos troncos das léguas contêm
ainda subdivisões cada um. O comprimento de cada tronco é em média de 107/10
mm. O trópico de Câncer não está traçado, como disse, mas passa
na Angra dos Cavalos, 24º Norte (arredondamento de 23º
27' Norte), ao Sul do Bojador, segundo Pacheco Pereira, a
latitude do Cabo das Palmas é 4° Norte. à diferença de 20°,
entre estas latitudes, correspondem na Carta 310 mm. ou 29 troncos
das léguas. Não pode admitir-se que o grau fosse de 16 2/3
léguas que os portugueses usavam quando iniciaram no mar a
prática da determinação da latitude pelo Norte (Polar) e pelo Sol - porque
então aos 20 graus de diferença de latitudes corresponderiam 333 1/3 léguas,
e ao tronco 11 1/2 léguas ( 333 1/3),
dimensão abstusa, como o dr. Duarte Leite já concluíra para a Carta de
Cantino.
De forma que o
grau era já de 17 1/2 léguas: correspondendo os 20 graus a
350 léguas, o tronco a 12 léguas, e a subdivisão a 2
2/5 léguas. Como a Carta de Cantino emprega o mesmo tronco de 12 léguas, e
ambas as Cartas foram copiadas das Cartas padrões de el-rei, segue-se que o
tronco de 12 léguas devia ser o oficial quando as duas Cartas foram
confeccionadas. Como 20°, cerca de 2.222 quilómetros,
estão representados na Carta náutica por 310 mm., a escala é muito
aproximadamente de 1:7.500.000.
5
-Bandeiras. - Nove bandeiras iluminadas ornam a
Carta: duas portuguesas, uma bretã e seis diversas. As portuguesas estão
colocadas em África: uma na Ilha de Arguim, onde já existia
uma fortaleza feitoria, ·e outra no local de a Mina do Ouro, local
em que se estabelecera o resgate do ouro pouco antes da Carta ser
desenhada. A bretã está situada na Bretanha, então ducado independente. As
outras seis, todas colocadas em África, devem pertencer a
chefes indígenas locais.
6-Igrejas.- O ignorado cartógrafo desenhou três igrejas na sua Carta. A primeira na
Bretanha, sendo possível que simbolize qualquer
importante igreja do ducado. A segunda, em frente de Lisboa, representa a
Sé da Capital. A terceira, em terra de Marrocos, deve indicar a da Santa Maria
de África, de Ceuta.
Só raríssimas
Cartas fixam alguns nomes, muito poucos, de descobridores, seus descobrimentos
e até os respectivos anos em que os efectuaram. A Carta náutica, existente em
Modena, não pertence a essas raríssimas Cartas, mas é ela a melhor
Fonte portuguesa para a denominação, localização e
sua consequente identificação dos Descobrimentos marítimos da costa
africana, com D. Henrique -até 13 de Novembro de 1460- do Bojador à
Serra Leoa; e com D. Afonso V -até 1471- da Serra Leoa ao Rio do
Lago. Poucas são as Fontes coevas para o estudo dos Descobrimentos
marítimos até 1471.
Sem comentários:
Enviar um comentário