A
Fortaleza de Cambambe
A primeira fortaleza construída em
Cambambe foi mandada edificar pelo governador Manuel Pereira Cerveira em 1604,
após uma batalha travada com o soba Cambambe. O governador apercebeu-se que as
serras de Cambambe eram, por natureza, um local estratégico para a construção
de um forte, dado a sua proximidade com o rio Cuanza, o que permitia o seu
abastecimento, e a vista de que se dispunha do alto da serra . A fortificação “estava
construída sobre uma ponta em ângulo, com extraordinárias condições defensivas,
pois era rodeada de água por dois lados e só o terceiro lado tinha uma estreita
passagem para terra. O local tinha óptimas condições estratégicas e para o
tornar inexpugnável bastaria somente construir uma muralha no lado oposto ao
vértice”.
O governador ter-se há aproveitado da configuração
do terreno para erguer uma “fortaleza em triângulo, ampla e desafogada, dentro
da qual se elevou uma pequena povoação. A fortaleza seria uma construção
simples de taipa, e teria no bastião uma igreja que se tinha erguido sob a
invocação de Nossa Senhora do Rosário. A muralha da fortaleza teria à frente um fosso e,
afastados de alguns metros, existiriam baluartes salientes materializados por
montes de terra em talude. “Na distância de 600 pés (da segunda fortaleza) aproximadamente,
olhando para sul, ainda se avistam os restos das primeiras fortificações –
fosso e outras obras de defesa – feitas pelos nossos maiores quando foram a
descobrir e civilizar aqueles povos […]. Os ditos restos assentam sobre uma
grande ponta, que entra pelo rio, formando com a saliência da margem oposta uma comporta que
tem a denominação de Portas do Cuanza. É deste lugar que o rio só pode ser
navegável até à sua foz.
Esta segunda fortaleza referida foi
mandada construir em 1646 pelos administradores coloniais António Teixeira de
Mendonça, João Zuzarte de Andrade e Bartolomeu Vasconcelos da Cunha, alegando a
fragilidade da primeira construção. A nova fortaleza seria em “taipa de pilão
com baluartes, trincheiras e fosso”. No seu interior teria sido construída a
casa do Corpo da Guarda, um armazém para munições, uma casa para o capitão,
quarteis para os soldados e casas para os moradores do presídio. Nos baluartes
existiriam peças de artilharia de pequeno calibre, em bronze, e “falcões e
esmerilhões” (termos militares antigos para canhões e peças de artilharia). D.
João de Lencastre, capitão-geral de Angola, mandou construir uma nova fortaleza
em 1691, sendo esta já a terceira fortaleza existente em Cambambe, depois da
primeira construída em 1604 e a segunda em 1646. São as ruínas desta edificação
que, embora massacradas pelas intempéries, persistem até aos nossos dias.
Figura 6 - Ilustração das margens do
Rio Cuanza no início do séc. XIX. .
É possível observar ao fundo do lado direito a
fortaleza de Cambambe no alto da colina. O forte formava um quadrilátero com
baluartes nos quatro vértices. Era uma construção bastante espaçosa e delineada
conforme os modelos da arte militar da sua época. A porta de armas desta nova
fortaleza, de contorno barroco, estava coroada pelo Escudo da Restauração da Independência,
e por uma lápide que continha a seguinte inscrição: “Este forte mandou fazer o
Sr. D.João de Alencastre governador e capitão general destes reinos – anno de
1691”. Note-se que esta construção apresenta já uma arquitetura totalmente
diferente da arquitetura das fortalezas de Muxima e Massangano, compreendida
pela data da sua construção (mais de um século após as duas primeiras).
Ruínas da fortaleza de Cambambe
(provavelmente na segunda metade do
séc. XX), de planta quadrangular com baluartes nos vértices .
Os muros da fortaleza de Cambambe, de planta
quadrangular com baluartes nos vértices..
Arco da porta de armas da fortaleza (1965 à
esquerda e 2008 à direita), coroado com o Escudo da Restauração, e por uma
lápide com a seguinte inscrição: “Este forte mandou fazer o Sr. D João de
Alencastre governador e capitão general destes reinos – anno de 1691.
Esta fortaleza voltou a ser restaurada
em 1730 ou 1731. No seu interior foi erguida novamente uma igreja sob a protecção
de Nossa Senhora do Rosário. Desta feita, o templo era uma construção de alvenaria
de pedra e barro com “argamassa elementar de cal e arenito sob forma xistosa”.
Era uma igreja típica do séc. XVII, de arquitectura muito sóbria e robusta, o
que é de compreender uma vez que o templo existe no interior de uma fortaleza,
um local onde os acabamentos decorativos da época, já por si tão simples, não
tinham grande cabimento, ainda mais dado o difícil acesso ao local. Na
capela-mor o estilo arquitectónico predominante era o barroco, com ornamentação
em relevo e pintada. No interior da capela existia um arco de volta perfeita em
tijoleira ao centro e dois laterais. No local do altar, onde se celebrava o
culto, existiam colunas salomónicas e um arco de pedra já emoldurado e
enriquecido com fecho, pilastra de capitel ornado, molduras superiores rematadas
em aletas e nichos com mísulas. Este conjunto arquitectónico parece
enquadrar-se temporalmente no final do séc. XVII ou até no início do séc. XVIII
Ruínas do interior da Igreja de Nossa Senhora
do Rosário (2008).
Ruínas do altar da Igreja de Nossa Senhora do
Rosário (2014).
A fortaleza de Cambambe e em
particular a Igreja de Nossa Senhora do Rosário foram deixadas ao abandono a
partir de meados do séc. XIX . Desde então, estas construções deixaram de
receber qualquer tipo de intervenções de manutenção pelo que o seu estado actual
se classifica como ruína.
Ruínas do interior da Igreja de Nossa
Senhora do Rosário (2008). Fotografia de A. Dimas Neto.
Ruínas do exterior da Igreja de Nossa
Senhora do Rosário (1965). Perdido o interesse na exploração mineira em
Cambambe, passou esta localização a ser um centro de contacto civilizacional e
a ter útil actividade por servir de convergência entre rotas de transportação de
produtos do interior para o litoral, e vice-versa, devido à maravilhosa via de
comunicação natural que era o rio Cuanza. Cambambe foi perdendo importância
política, administrativa e estratégica devido à criação de outros meios de
transporte (essencialmente estradas e caminhos de ferro) que arrastaram consigo
a prática das actividades comerciais. A Fortaleza de Cambambe terá sido
habitada e preservada até meados do século XIX, data a partir da qual se terá
sujeitado ao abandono no qual se encontra até ao início do século XXI (2016).
Desde 1925 que a fortaleza de Cambambe é classificada como património
histórico-cultural e Monumento Nacional em Angola.
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