Segunda
viagem de Paulo Dias de Novais ao reino de N’Gola
“ Partimos desta Ilha de Cabo Verde, onde
estivemos a véspera de Nossa Senhora do O, a dezassete de Dezembro de mil
quinhentos e setenta e quatro, - Todo aquele dia e noite andou só a capitania
em que vínhamos. Ao dia seguinte vimos o galeão pequeno, finalmente nos
juntamos com muita alegria todas as velas ao terceiro dia da nossa partida.
Indo nós navegando por esta costa da
Barbaria, fizemos dia de Natal um presépio muito devoto, o qual festejamos o
melhor que pudemos com artilharia e
charamelas.
Mas não deixarei de contar uma coisa que nele
aconteceu e foi muito maravilhosa e que até este dia se não tinha visto outra
semelhante, que foi o mar festejar este alegre dia do Natal, louvando o Senhor
com o seu pescado, porque amanheceu o nosso galeão com as mais velas, cercadas
ao redor com tanta soma de peixes grossos sobre a água, que quase uma légua não
se via outra cousa, e o que mais me espantava era que davam cambadelas como
meninos com cabeça na água e todo o corpo em cima, outros dando grandes saltos
para cima faziam grande estrondo no mar. Este espectáculo durou como duas
horas.
Os marinheiros, como se não contentaram só
com a vista, lhe fizeram alguns tiros com fisgas e farpões, mas eles se iam
embora quebrando-lhes os aparelhos, porque vinham louvar o Senhor e não era bem que os matassem
em tal ofício, mas em outros tempos tomaram outros muito maiores.
Aos dezassete de Janeiro tivemos vista da ilha
de Ano Bom, que está de Angola duzentas léguas e vinte e cinco de S.
Tomé. Depois da linha até aqui tomámos muitos peixes grandes como toninhas, que
são como porcos e outros semelhantes.
Uma coisa que vi que me espantou que era
tirarem fogo de rabo de um peixe grande que chamam tubarão como de uma
pederneira, e o fuzil era uma… não sendo isto osso, senão uma pele grossa e
áspera. –
Trazia nesses dias o mar soma de areia em
volta de muitos pedaços de caniços e paus que parecia corrente do rio, pelo que
se começou de vigiar a costa.
Ao primeiro de Fevereiro nos pusemos na
altura do rio Congo, sete graus da linha para cá. Este rio dizem ser
grandíssimo e que entre pelo mar mais de trinta léguas.
Deitando o prumo, se acharam em sessenta
braças de altura, o que a todos muito alegrou.
Neste dia se chegou ao galeão um peixe,
andando algum tempo ao redor dele, o qual não mostrava outra cousa senão uma
bandeira preta como grande asa de pavão direita a cima. E, correndo a gente do
mar a ver esta novidade, espantou-se e nunca mais apareceu.
Aos oito dias de Fevereiro amanhecemos junto
da costa do Congo. Viemos correndo todo o dia ao longo dela. É esta costa muito
aprazível e de alguma maneira de longe se parece com o Tejo, indo de Santarém
para Lisboa, porque é cheia de arvoredo grande e alto que se vê de dez léguas
em terras e montes mui alegres.
È a terra toda verde e aprazível, que parecia
estar semeada de parras, e iam ao longo do mar onde batem as ondas cópia de
pássaros que mostram as barrigas vermelhas. Andámos ao longo desta costa três
dias .
Aos vinte do dito mês tivemos vista da ponta
desta Ilha de Luanda e de alguns navios que estavam ancorados no
porto em chegando, as nossas cinco velas ao porto foram as três que connosco
vieram que tomaram São Tomé. Vieram os principais da ilha em suas embarcações
visitar o Senhor Governador, os quais nos deram muito boas novas do nosso padre
Francisco de Gouveia.
Entre eles veio um piloto que juntamente nos
deu novas do padre Francisco Monclaro e, ainda que eram do princípio de viagem,
quando navegava para o Monomotapa nos alegrámos muito com elas……
( extraído de Antologia da terra Portuguesa, de Luís Forjaz Trigueiros "
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