Fonte:Cabo das Tormentas 1488 Lusitanian
Express de luis.d.lopes@lycos.com
A
simulação de projecções para os valores da declinação magnética para o século
XVI (e para séculos anteriores) é um exercício complicado e pouco fiável pois
estas projecções são obtidas através de extrapolações a partir de dados que se
conhecem do século XVII (primeiro século onde existem registos consistentes).
Dos
modelos que aqui apresentamos (um para 1400, dois para 1500 e outro para
1590) e da informação recolhida na época, podemos concluir, com elevado grau de
certeza, que a declinação magnética da Península Ibérica por volta de 1500
estaria contida num intervalo entre os três e os sete graus leste. De qualquer
forma são evidentes as disparidades observadas em alguns modelos.
Iremos
também apresentar uma tabela com dados conhecidos (observados e registados)
sobre a declinação magnética em determinados lugares do planeta no século XVI
tentando contribuir para a construção de uma matriz de dados sobre a declinação
magnética de 1500.
Historic Declination Map -1590 (US Survey)
Tabela de declinações magnéticas registadas:
Local
|
Observador
|
Data
|
Declinação
|
Lisboa
|
João de Lisboa
|
1514
|
3º Leste
|
Lisboa
|
D. João de Castro
|
1538
|
7.5º Leste
|
Cabo da Boa Esperança
|
Vários
|
~1500
|
Zero
|
S. Vicente (Cabo Verde)
|
João de Lisboa
|
1514
|
Zero
|
São Miguel / Santa Maria
|
João de Lisboa
|
1514
|
Zero
|
Costa do Brasil
|
Hans Muyr
|
1505
|
17º Leste
|
Costa do Brasil
|
D. João de Castro
|
1538
|
11.5º Leste
|
Sevilha
|
Alonso de Santa Cruz
|
1555
|
6º Leste
|
Chaul (India)
|
Pilotos Portugueses
|
1545
|
10º Oeste
|
Calecut
|
Pilotos Portugueses
|
1545
|
17º Oeste
|
Malaca
|
Pilotos Portugueses
|
1545
|
20º Oeste
|
Canárias
|
D. João de Castro
|
1538
|
5.5º Leste
|
Em
função deste valores e da leitura dos diversos modelos disponíveis podemos
construir a seguinte tabela resumo:
Valores médios estimados para a declinação
Local
|
Século XV
|
Século XVI
|
Lisboa
|
3º Leste
|
7º Leste
|
Madeira
|
2º Leste
|
6º Leste
|
Açores (Santa Maria)
|
Zero
|
3º Leste
|
Açores (Corvo)
|
1º Oeste
|
1º Leste
|
Canárias
|
2º Leste
|
6º Leste
|
Ceuta
|
6º Leste
|
8º Leste
|
Itália
|
6º Leste
|
8º Leste
|
Norte da Europa
|
6º Leste
|
5º Leste
|
Não
se sabe exactamente desde quando se percebeu que o desvio entre o norte da
agulha e o norte geográfico era variável de lugar para
lugar, dependendo dos locais geográficos onde as agulhas se encontrassem (e da
data também). Na instalação e montagem das agulhas de marear, era relativamente
fácil detectar o desvio evidenciado pela agulha face ao norte geográfico
(conhecido por exemplo através da culminação do Sol ou da Polar). Como havia
tempo (assim o assumimos), esta operação podia ser repetida diversas vezes, em
diversos dias, até se estabilizar em torno de um valor (que era o da declinação
magnética local).
Assumindo
que as embarcações portuguesas utilizavam agulhas genovesas, flamengas e
francesas no século XV, que sabemos que utilizavam os ferros ferrados fora da
flor-de-lis, então podemos concluir que o factor de correcção para a declinação
magnética local (ângulo dos ferros com a flor-de-lis) era igual a cerca de seis
graus, aproximadamente meia quarta (fig. nº39). A declinação em Lisboa (e
Lagos) seria de cerca de 3 graus leste.
(na
figura ângulos muito exagerados para facilitar a leitura)
Fig. Nº
39 – declinação 6º Leste
Ao
ser instaladas a bordos das embarcações em Lisboa ou em Lagos, poderíamos
observar o seguinte, olhando a agulha de marear:
Caso
o norte geográfico fosse conhecido então era possível verificar que a
flor-de-lis não estava fixa nos pólos. No entanto o ângulo era muito pequeno,
cerca de três graus, um quarto de quarta, pelo que acreditamos que na maior
parte das vezes, nomeadamente numa fase muito inicial da expansão portuguesa,
esta variação não era detectada ou até mesmo ignorada.
Navegando
para sul, acompanhando a costa do norte de África, a declinação pouco alterava,
mantendo-se praticamente idêntica à de Portugal, eventualmente diminuindo em um
grau, mantendo-se as mesmas dificuldades na detecção desta variação ou em
condições para que fosse considerada como relevante por parte dos pilotos.
Com
a navegação em mar alto, como por exemplo para os Açores e na volta da Mina,
esta situação alterou-se radicalmente como iremos seguidamente ver.
Na
fase de construção e montagem das agulhas com os ferros fora da flor-de-lis, os
ferros faziam um ângulo com a flor-de-lis igual à declinação magnética local.
Este factor de correcção acompanhava a agulha de marear enquanto ela fosse
sendo utilizada, a flor-de-lis ficava alinhada com o norte geográfico do local
de construção. Na época dos Descobrimentos, ninguém sabia que este valor da
declinação variava com o local e com o tempo pelo que o factor de correcção
incorporado na fase de construção deixava de ser valido assim que a declinação
(cuja existência não se conhecia) variasse.
As
agulhas (genovesas, flamengas, francesas, alemãs) eram construídas com a
flor-de-lis “fixa nos pólos”, corrigindo o valor da declinação local.
Qualquer piloto sabia isso pois era visualmente fácil de verificar que os
ferros estavam fora (não alinhavam) com a flor-de-lis, mas os mesmos pilotos
retinham a importante informação que a flor-de-lis estava alinhada com o norte
geográfico (o que só era garantidamente verdade no local de construção da
agulha).
No
entanto, através da Estrela Polar durante a noite e do Sol durante o dia, seria
possível verificar que a flor-de-lis apresentava uma variação em relação ao
Norte geográfico. Como iremos ver, só no séc. XV, nomeadamente após Gil Eanes
ter dobrado o Cabo Bojador em 1434, é que começaram a existir condições concretas
que poderiam permitir aos navegadores portugueses a identificação do fenómeno
da variação da agulha.
Retomemos
o exemplo de uma embarcação navegando para Oeste, saindo de um porto onde a
declinação magnética é igual a seis (6) graus leste.
Vamos
comparar o que seria observado caso utilizássemos uma agulha de marear com os
ferros ferrados fora da flor-de-lis (flor-de-lis com seis graus para
oeste em relação aos ferros como compensação) e outra agulha com os ferros na
flor-de-lis.
Fig.
Nº33 – Ferros fora da
flor-de-lis
Fig. Nº34 – Ferros ferrados na flor-de-lis
No
início da viagem (fig. nº33 e nº34), e tendo como referência a flor-de-lis, no
caso da agulha com os ferros fora da flor-de-lis torna-se evidente que a agulha
estaria a nordestear por meia quarta (feita oriental)
embora a embarcação estivesse a navegar por rumos verdadeiros, facto então
desconhecido para os pilotos. Através da agulha de marear com os ferros na
flor-de-lis a leitura da variação não era tão evidente, era necessário saber
onde se encontrava o norte geográfico.
Numa
primeira análise, que iremos reforçar de seguida, parece-nos que o facto de
agulha não coincidir com a flor-de-lis podia ser um factor gerador de
dificuldade na compreensão do fenómeno da declinação magnética. Em termos
práticos os pilotos tinham que tirar as suas conclusões com três parâmetros: a
flor-de-lis, a agulha e (quando conhecido) o norte geográfico. Com a agulha com
os ferros na flor-de-lis o número de parâmetros reduzia-se a
dois.
Prossigamos
com o exemplo da embarcação navegando para Oeste, mas com a declinação a ficar
nula após uns dias de navegação.
Fig.
Nº35 – Ferros fora da
flor-de-lis
Fig. Nº36 – Ferros ferrados na flor-de-lis
Mais
uma vez confirmamos a nossa percepção de que o facto de agulha não coincidir
com a flor-de-lis podia ser um factor gerador de dificuldade na compreensão do
fenómeno da variação.
Repare-se
que nesta situação se a direcção do norte geográfico fosse conhecida os pilotos
concluiriam que a agulha estava fixa nos pólos (fig.nº35 e
nº36) mas o facto da flor-de-lis não estar no mesmo enfiamento certamente que
poderia gerar alguma confusão, embora esse desvio fosse igual ao factor de
correcção. Parece-nos legítimo imaginar que os pilotos se interrogassem sobre
as vantagens de uma agulha de marear que não apontava para a flor-de-lis. Por
outro lado esta situação deveria originar muitas interrogações sobre os
rumos/proas a tomar. Serão precisamente este tipo de interrogações que mais
tarde vão dar origem ao aparecimento dos “resguardos”, que
constituíam correcções que os pilotos incorporavam nas rotas que
navegavam, isto de forma a corrigir as variações (o nordestear ou
o noroestear) das agulhas.
Continuemos
a navegar para Oeste, mas com a declinação a ficar igual a 6 graus Oeste
após mais uns dias de navegação.
Fig.
Nº37 – Ferros fora da
flor-de-lis
Fig.
Nº38 – Ferros fora da
flor-de-lis
Os
pilotos desconheciam o facto de que neste caso particular (fig. nº22) o erro na
utilização da agulha com os ferros fora da flor-de-lis era bem mais
significativo do que se utilizassem uma agulha com os ferros na flor-de-lis.
Como desconheciam o fenómeno da declinação magnética (a existência de um norte
magnético distinto do norte geográfico) só podiam aperceber-se das vantagens e
desvantagens das agulhas de marear através dos resultados obtidos com a
utilização das mesmas agulhas.
Neste
último exemplo, mais uma vez fica evidente que a visualização e compreensão do
fenómeno da variação da agulha com os ferros fora da flor-de-lis seria mais
difícil ou menos evidente.
Conclusão
As
agulhas genovesas, flamengas, francesas e alemãs seriam seguramente as mais
utilizadas na navegação costeira ou de cabotagem na Europa durante os séculos
XIV e XV. As técnicas de navegação utilizadas até então não sofriam qualquer
tipo de impacto negativo pelo facto de existir o fenómeno da variação da
agulha, era uma navegação visual, que assentava fundamentalmente na
identificação de pontos de referência em terra. Por outro lado, sendo as
agulhas feitas na Europa e sendo as viagens na sua maioria feitas em águas
europeias, a declinação variava muito pouco pelo que a variação das agulhas,
caso alguém estivesse atento, seria de muito difícil detecção.
Só
em meados do século XV, com as viagens para os Açores e a volta da Mina, ambas
iniciadas pelos marinheiros portugueses, é que estariam reunidas as condições
que permitiriam aos pilotos observar o fenómeno da variação das agulhas.
Com
o nascimento no século XV da prática da navegação astronómica nos navios
portugueses, através da utilização da Polar e do Sol, passou a ser necessário
conhecer as passagens meridianas destes dois astros, com o objectivo de cálculo
de latitudes.
Assumimos
que terá sido precisamente na observação dos momentos das passagens meridianas
(e também da aplicação dos Regimentos da Polar), que os pilotos de então se
aperceberam que não só o norte geográfico não era coincidente com o norte da
agulha como esta diferença era variável com os locais por onde os navios
navegavam.
O
fenómeno da declinação magnética seria do conhecimento, ainda que insípido, dos
portugueses seguramente já no século XV, mas só existem referências seguras
sobre a sua observação e medição no início do século XVI.
Nos
oceanos navegados pelos portugueses no início do século XVI e de acordo com vários
modelos de cálculo da declinação magnética, esta atingiria valores máximos que
chegariam a ultrapassar os 20 graus oeste no Índico (nomeadamente no Mar
Arábico) e valores máximos idênticos, mas com desvio para leste, no centro do
Atlântico Sul. Isto significa que as agulhas “noroesteavam” (no Mar Arábico) e
“nordesteavam” (no centro do Atlântico Sul) por valores que poderiam
ultrapassar os 20 graus.
Em
Portugal usavam-se agulhas genovesas, flamengas, francesas e portuguesas.
Aparentemente, a partir de determinada altura (finais do século XV?) as agulhas
utilizadas pelos portugueses passaram a ter os ferros ferrados na
flor-de-lis, com ponta norte da agulha a apontar na direcção Norte-Sul
dos ferros (o norte magnético) e coincidente com o norte da rosa-dos-ventos (a
flor-de-lis) desenhado no cartão.
No
capítulo VII do Tratado da Agulha de Marear, “Regra para saberes cevar a tua
agulha de marear”, é dito o seguinte:
“saberei
que para cevar a agulha perfeitamente, conforme aos padrões de Portugal,
há-de ter os ferros da rosa no meio da flor-de-lis, e não afastados dele coisa
alguma, como tem algumas que se fazem em Flandres, que não são certas…..”
Através
deste texto João de Lisboa confirma que (pelo menos) no início do século XVI a
utilização de agulhas com ferros ferrados na flor-de-lis era comum a bordo das
embarcações portuguesas (conforme os padrões). Mas no passado não terá
sido assim.
Isto
mesmo é confirmado por João de Lisboa quando afirma, logo no início do tratado,
“…e
porque os antigos não sentiram esta variação, andavam mudando os
ferros das agulhas fora da flor de liz, para que naqueles meridianos onde as
cevavam fossem fixas nos pólos do mundo; e por esta razão achamos nas cartas
todas as costas falsas por uma quarta e por duas”.
Diz
também João de Lisboa:
“porque
costumavam alguns [os antigos], como dito é, tirá-los [os
ferros] fora da flor-de-lis por uma quarta e duas e mais, segundo
era [a flor-de-lis] fora do meridiano fixo ”.
A variação aqui
identificada é a declinação magnética, o facto do desvio da agulha (face ao
norte geográfico) variar de acordo com os locais por onde se navegava, fenómeno
que João Lisboa conhecia, apesar de não o compreender. Os antigos não
conheciam esse fenómeno. Por outro lado utilizavam agulhas de marear com ferros
ferrados fora da flor-de-lis.
Quem
eram os antigos?
João
de Lisboa navegava por mares já totalmente dominados pelos portugueses e as
cartas de marear que utilizava seriam seguramente cartas “rumadas”
(eventualmente já com escala de latitudes) desenhadas por cartógrafos
portugueses tendo como base inicial de desenho as cartas-portulano do
Mediterrâneo, sobre as quais estes mesmos cartógrafos fizeram incidir as
informações e os dados recolhidos durante quase 100 anos, desde as primeiras
navegações portuguesas ao longo da costa norte de África em direcção ao Sul (e
incursões no Atlântico com a descoberta e povoamento da Madeira e dos Açores).
Seguramente
antes de 1450 já os pilotos portugueses (antigos) forneciam aos
cartógrafos do Reino informação que ia permitindo a estes último desenhar as
costas – “e por esta razão achamos nas cartas todas as costas falsas
por uma quarta e por duas” – nas cartas de marear portuguesas de então.
Sendo
a quarta igual a 11.25 graus, é interessante notar que João de Lisboa
identifica desvios que podem ultrapassar de forma visível os 20 graus (duas
quartas = 22.5 graus), constatação que nos vai levar a revisitar este assunto
mais adiante.
Fazemos
esta referência específica porque concluímos que noutras partes do Tratado se
fazem referências a “quartas” de modelos mais antigos de agulhas de marear,
modelos de 16 rumos e não de 32 rumos, de certa forma confirmando que a versão
mais antiga do Tratado da Agulha de Marear que conhecemos agrega diversas fontes
numa época de transição de modelos de agulha de marear (passagem de 16 para 32
rumos) daí os diversos significados que a “quarta” parece tomar ao longo do
Tratado (tal como o conhecemos).
No
Capítulo II – “Da maneira como se há-de fazer a caixa”, é dito que “Esta
caixa há-de ser terçada toda por dentro da redondeza, por cima e por baixo, em
32 partes iguais, para que estas quartas respondam às quartas da rosa”.
João de Lisboa identifica claramente a clássica divisão da rosa em 32 quartas
neste Capítulo.
Desde
o século XIV que os marinheiros portugueses navegavam ao longo da costa africana
até ao arquipélago das Canárias, este já então sobejamente conhecido. Quanto
mais para Sul se navegava mais complicada era a viagem de regresso pois quer os
ventos quer as correntes eram contra.
Correntes e ventos dominantes nas Canárias, Açores e Madeira.
É
fácil deduzir que o descobrimento da Madeira (1418) e dos Açores (1425) está
directamente relacionado com o regresso das expedições portuguesas das viagens
de exploração do norte de África, nomeadamente as que se dirigiam às Canárias.
Com o passar dos anos foi naturalmente aumentando o conhecimento sobre os
ventos e as correntes e percebeu-se que o regresso a Portugal seria muito mais
fácil através de uma volta de mar (que mais tarde iria dar origem à Volta da
Mina) que levasse as embarcações para oeste até à longitude dos Açores,
navegando então para norte até alcançar a latitude deste arquipélago e daí
navegando para levante até se atingir a costa de Portugal.
Em
1434 Gil Eanes dobra o Cabo Bojador e as voltas de mar cada vez se fazem mais
ao largo, conforme mais se navegava para sul, chegando esta volta eventualmente
a atingir os 40º Oeste de Longitude.
É
interessante notar que em 1452 as ilhas das Flores e do Corvo são descobertas,
o que nos permite concluir que por essa altura os processos de navegação
associados à volta pelo largo já estavam sobejamente amadurecidos. Convém
também referir que o povoamento dos Açores (Santa Maria) só se iniciou em 1439
apesar de ter sido descoberto doze anos antes, mostrando claramente a
dificuldade em navegar de forma rotineira para este arquipélago. A solução
passava seguramente por viagens iniciadas com rotas para o sul, eventualmente
até com escala na Madeira.
Rotas de regresso a Portugal
Tendo
em consideração a passagem do Cabo Bojador em 1434 e o início do povoamento dos
Açores em 1439, podemos então com muito segurança estabelecer que a meio do
século XV as viagens pelo largo, de regresso a Portugal, já eram uma prática
normal na época.
O
esforço inicial português na exploração da costa africana teve participação
apreciável dos genoveses, especialmente no que respeita às expedições às
Canárias. As agulhas de marear então utilizadas nas nossas
embarcações seriam seguramente genovesas, com ferros ferrados fora da
flor-de-lis por um ângulo provavelmente igual a meia quarta visto a declinação
em Génova ser cerca de seis graus leste.
Na
viagem de regresso a Portugal, a volta pelo largo que os portugueses introduziram,
nomeadamente quando se atingia o limite em termos de longitude, as proas dos
navios seriam na direcção do Norte. Nas singraduras em que as proas fossem
exactamente Norte (360º), um piloto mais atento, através de simples observação
visual, teria notado que o norte da agulha (ou a flor-de-lis) não coincidia com
a estrela Polar. De facto, nas proas para norte, a declinação magnética seria
nula ou mesmo de Oeste pelo que a diferença entre a proa (360º) e o norte
geográfico poderia ser quase igual a uma quarta, representando o factor de
correcção implementado na agulha genovesa.
Vejamos
um quadro muito resumido, de comparações de rumos de agulha com rumos
verdadeiros, de uma hipotética viagem da Lisboa às Canárias com regresso a
Lisboa por volta pelo largo, utilizando uma agulha genovesa com um factor de
correcção igual a 6º.
A
flor-de-lis e os ferros fariam um ângulo entre si igual a seis graus, que é o
valor estimado da declinação em Génova para a época (séc. XV),
Agulha Genovesa com compensação para seis graus leste
(séc. XV)
Em
Lisboa, após instalada a agulha a bordo, utilizando a mesma como referência,
podia ser observado o seguinte:
Agulha Genovesa com compensação para seis graus leste (séc. XV), em
Lisboa
Tendo
como referência a flor-de-lis poderíamos observar que a Polar
(norte geográfico) culminava ligeiramente à direita, e a ponta norte da agulha
apontava ainda mais para a direita (devido ao factor de correcção incorporado
em Génova, seis graus).
Agulha Genovesa com compensação para seis graus leste (séc. XV), em
Lisboa
Nas
proas a norte, quando a declinação era nula ou mesmo de Oeste (dependia da
longitude atingida na volta pelo largo), o rumo verdadeiro afastava-se da
agulha cerca de 8 graus, cerca de ¾ de quarta. Estando a Polar a uma altura
situada no intervalo [20º, 40º], de acordo com a latitude, seria muito fácil
observar visualmente que a Polar se encontrava por estibordo quase uma quarta.
(ângulos
exagerados para facilidade de leitura)
Agulha Genovesa com compensação para seis graus leste (séc. XV), a 40º
Oeste de Longitude, latitude dos Açores, navegando para Norte, declinação 2º
Oeste
Mesmo
considerando que fosse ignorado pelos pilotos que a Polar não estava
exactamente situada no norte geográfico, o ângulo de afastamento da Polar (do
Norte Geográfico) face à proa navegada seria sempre possível de ser observado.
É evidente que este processo de avaliação visual seria mais correcto, quanto às
conclusões alcançadas, se fosse conhecido o momento da passagem meridiana da
Polar, isto porque em termos práticos a Polar descrevia um círculo no céu, em
torno do Norte Geográfico, com um raio aproximadamente igual a 3.5 graus
(figura nº45). Como já foi dito, esse facto só foi considerado nos cálculos
náuticos com o aparecimento dos regimentos da Polar. São conhecidos diversos
Regimentos do século XVI, mas não se conhece qualquer referência ao assunto em
textos anteriores ao mesmo século. Apesar deste facto, podemos afirmar que a
utilização de regimentos da Polar é seguramente muito anterior ao século XVI.
Claro
que através da passagem meridiana do Sol seria também possível obter uma ideia
muito concreta sobre a variação da agulha mas a utilização do Sol na navegação
astronómica só deverá ter começado no último quartel do século XV, portanto uns
trinta ou quarenta anos depois do início da utilização das voltas pelo largo. A
vantagem de observar a Polar quando a embarcação navegava para norte (ou para
sul) residia no facto de ser um processo muito simples, expedito, visual, sem
recurso a cálculos ou conhecimento mais apurado.
A
constatação que a Polar não estava alinhada com a proa (direcção) da embarcação
quando esta supostamente navegava para norte, numa primeira instância teria
sido efectuada de forma inadvertida, mas certamente que se terá transformado
num processo corrente através de sucessivas e continuadas observações. Mais
tarde, com a introdução dos regimentos da Polar, os pilotos passariam a ter um
processo mais rigoroso que lhes iria permitir, através de continuadas
observações da Polar, concluir pela existência de um afastamento angular entre
as agulhas e o norte geográfico, variável de acordo com o local de observação.
Parece-nos
correcto afirmar que seguramente vários pilotos terão observado este fenómeno,
que era mais evidente quanto mais para oeste fosse efectuada a volta pelo
largo. Esta constatação poderá ter decisivamente contribuído para a opção de
ferrar os ferros na flor-de-lis, processo amplamente implementado nas
agulhas de marear de origem portuguesa ou utilizadas pelos marinheiros
portugueses, já no decurso do século XVI.
Em
conclusão, diremos que o fenómeno da existência da declinação magnética
poderá ter sido observado pelos pilotos portugueses de forma evidente e
consistente a partir de 1440 com a introdução da volta pelo largo, isto cerca
de 50 anos antes de Colombo, a quem usualmente é atribuído o primeiro
testemunho sobre o fenómeno (o noroestear e nordestear das
agulhas).
Notícia de © Kirill Kukhmar/GETTY Expresso 22.02.2019:
Pólo Norte magnético está a deslocar-se para a Rússia.
E isso tem implicações práticas
Essa movimentação coloca obstáculos às bússolas, smartphones e navios, uma vez que o modelo do campo magnético suporta os seus sistemas de navegação
O pólo norte magnético, que se desloca cerca de 55 quilómetros por ano, está a deslizar do Canadá para a Rússia, mais precisamente para a Sibéria, alertam os especialistas.
Pólo Norte magnético está a deslocar-se para a Rússia.
E isso tem implicações práticas
Essa movimentação coloca obstáculos às bússolas, smartphones e navios, uma vez que o modelo do campo magnético suporta os seus sistemas de navegação
O pólo norte magnético, que se desloca cerca de 55 quilómetros por ano, está a deslizar do Canadá para a Rússia, mais precisamente para a Sibéria, alertam os especialistas.
“O movimento
do pólo norte magnético é muito rápido”, afirma à Associated Press (AP) o
geofísico Arnaud Chulliat, que liderou a actualização do Modelo Magnético
Mundial.
Em causa está
a turbulência do núcleo externo líquido da Terra, o ferro líquido no núcleo do
planeta, explicam os especialistas.
Essa
movimentação coloca obstáculos às bússolas, artigos electrónicos, nomeadamente
smartphones, e navios, uma vez que o modelo do campo magnético suporta os seus
sistemas de navegação.
“A localização
do pólo norte magnético parece ser regulada por duas grandes zonas do campo magnético,
uma sob o Canadá e outra sob a Sibéria, sendo que a área da Sibéria está a
ganhar a competição”, disse o investigador Phil Livermore, da universidade
britânica de Leeds, citado pela revista “Nature”.
No ano
passado, peritos em geo-magnetismo aperceberam-se que a margem de erro do modelo
estava perto de ultrapassar o limite do aceitável para os erros de navegação.
Dois
anos antes, e depois de o Modelo Magnético Mundial ter sido actualizado, parte
do campo magnético, mais a Sul, desviou-se temporariamente para o norte da
América do Sul e o leste do Oceano Pacífico.
A versão
em vigor do Modelo Magnético Mundial data de 2015 e era para durar até 2020.
Mas o campo magnético — que protege a Terra dos ventos solares e radiações
cósmicas e cujos pólos se situam próximo dos pólos geográficos do planeta —,
está a mudar muito rapidamente e os cientistas vêem-se obrigados a antecipar
uma nova revisão do modelo para evitar erros de navegação.
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