sexta-feira, 20 de julho de 2012

" América do Sul, costa marítima e sua exploração "

Lusotopia de Carlos Fontes

Toda a estratégia montada por D. João II, envolvendo o próprio Cristofõm Colon, ou Cristóvão Colon ou Salvador Fernandes Zarco, mais conhecido pelo nome falso de "Colombo", pressupõe o conhecimento de terras a Ocidente antes de 1492.

Os testemunhos são abundantes, não apenas de portugueses, mas também dos italianos, espanhóis e franceses.   

A descoberta do Brasil está ligada ao conhecimento pelos portugueses das correntes e ventos do Atlântico Sul, o que foi concluído em 1471.

A partir desta ano sucedem-se os relatos de viagens de exploração da costa brasileira.

Os navios que se dirigiam para Sul de África, ao passarem perto da Guiné, constatavam que levavam muito menos tempo quando se afastavam da costa africana e navegavam perto da costa da América do Sul. Esta rota foi a rota seguida, em 1497, por Vasco da Gama.

O tempo de navegação era também muito menor se navegassem perto do Brasil. Esta passou a ser a rota recomendada.

A descoberta do Brasil terá ocorrido acidentalmente, por volta de 1448. A principal prova é o Mapa de Andrea Bianco, datado de 1448, baseado em informações recolhidas em Portugal. Neste mapa aparecem representados os descobrimentos portugueses no Atlântico Sul, até Cabo Verde e o Rosso (cabo Roxo).

A Sudoeste das ilhas de Cabo Verde e Rosso surge uma grande terra, com a seguinte inscrição: "Ixola Otinticha xe longa a poniènte 1500 mia" ( Ilha Autêntica a poente à distância de 1500 milhas).

Brasil fica exactamente a 1520 milhas a poente das ilhas de Cabo Verde. A Ilha representada ajusta-se completamente à costa brasileira.

A corte portuguesa depois da morte do Infante D. Fernando, em 1470, procurou controlar as expedições para Ocidente no hemisfério Sul, impondo crescentes limitações às expedições nessa direcção, nomeadamente de portugueses.

 D. Afonso V, desde 1471, atribui ao príncipe e futuro rei D. João II, a responsabilidade da Guiné, proibindo em 1474 que alguém fizesse uma viagem para os mares da Guiné, qualquer que fosse o nome que dessem a estes mares, sem a autorização do príncipe.

A coroa portuguesa já em 1.10.1470 havia chamado a si o monopólio de vários produtos obtidos nestas terras e mares: pedras preciosas, goma-laca e pau-Brasil...

O francês Jean de Léry que visitou o Brasil de 1556 a 1558, registou os depoimentos de antigos colonos, que lhe confirmaram que "a quarta parte do mundo, já era conhecida dos portugueses desde cerca de oitenta anos que foi primeiramente descoberta".

 
A descoberta teria ocorrido, portanto, em fins da década de 70 do século XV.

No Tratado de Alcaçovas de 1479Portugal em troca das ilhas Canárias garante a soberania dos mares e e terras a Sul deste arquipélago.

No ano seguinte, nas novas negociações com Castela / Espanha  introduz no texto do Tratado de Toledo de 1480, uma emenda que lhe garante também a soberania sobre as terras que ficavam a Ocidente das Canárias, isto é, o Brasil. Este facto revela, segundo o historiador espanhol Juan Manzano y Manzano que os portugueses conheciam a sua existência nesta altura.

Pedro Vaz da Cunha, o Bizagudo, em 1487, partindo de São Jorge da Mina no Gana - dirigiu-se para a costa do Brasil, onde terá feito o primeiro mapa das suas costas . Há notícia que no mesmo ano João Fernandes Andrade fez idêntica viagem.  

João Coelho, em 1487,  explorou  ilhas a Ocidente que se pensa corresponderem às de Trinidad, Tobago e as pequenas Caraíbas  do Barlavento.

Las Casas, na História das Índias, cap. 39, de forma explícita afirma que Colon já conhecia ou havia feito a rota entre a Ilha do Ferro,das ilhas Canárias  e as Caraíbas navegando 750 léguas, "pocas más o menos" (sic). A coincidência é total com o roteiro português de 1480-85.

O mais antigo Roteiro de Marear que se conhece feito em Portugal, data de 1480-1485. 

Neste Roteiro, como observou o historiador Vitoriano Magalhães Godinho, consta já a rota para chegar às Caraíbas  a partir da Ilha do FerroCanárias, fixando-se inclusive a distância: 700 milhas. 

Colon seguiu exactamente este caminho e referiu a mesma distância.

João Coelho de Lisboa, em 1487, comandou uma expedição ao Senegal, na ida ou na vinda terá aportado às Índias Ocidentais, isto é às ilhas das Caraíbas.

A afirmação é de Estevão Fróis, em 1513, que foi preso pelos espanhóis no Haiti (Hispaniola), território que segundo o Tratado de Tordesilhas pertenceria a Espanha. 

Por não concordar com a prisão, escreveu ao rei D. Manuel I, afirmando que estava a ocupar terras que pertenciam a Portugal: "a terra de Vª. Alteza,  descoberta por João Coelho, o da Porta da Luz, vizinho de Lisboa, há vinte anos e um".

A expedição não foi em 1492, mas em 1487 conforme se comprova por documentos régios.  

Colon, em 1498, quando se dirigiu para Sul das Ilhas de Cabo Verde, afirmou que ia à procura do continente que D. João II lhe falara existir a Ocidente. Esta conversa só podia ser anterior a 1488.

Os tripulantes de um navio francês, aprisionado em 1532 quando regressava clandestinamente do Brasil, afirmaram que tinham provas seguras  que os portugueses estavam estabelecidos nesta região do mundo antes de 1491

O espião inglês Robert Thome, informa Henrique VII, em 1527, que os portugueses antes de Colon
"O rei de Portugal já tinha descoberto algumas ilhas que estão contra as ilhas de Cabo Verde, e também uma certa parte do continente em direcção ao Sul, a que se chamava Brasil".

Nos anexos à Crónica de Nuremberg de 1493, diz-se que Martin Behain (Martinho da Boémia), havia navegado na companhia de "Jacob Carnus de Portugal" ao Sul da linha do Equador ao "alter orbis", isto é, "Outro Mundo", a que na denominação romana se designava antípodas.

Colon também se referiu ao continente que encontrou na Venezuela, como "alter Orbis", e outros depois usaram o mesmo nome para designar a actual América do Sul.

Colon, quando a 6 de Setembro de 1492, zarpou de La Gomera (Gomeira, Canárias) na direcção da "India" (América), é informado que três caravelas de Portugal estavam perto da Ilha de Ferro (Isla del Hierro), isto é, entre as ilhas Canárias e o continente americano, para controlarem a sua expedição, de forma a garantirem que não entrava nos domínios definidos no Tratado de Alcáçovas-Toledo (1479-80), que abrangia grande parte da América do Sul.

Brasil, segundo o historiador espanhol Juan Manzano y Manzano, teria sido descoberto pelos portugueses em fins do Verão ou Outono de 1493

É cada vez mais consensual que Portugal já conhecia a existência do Brasil, antes de 1492 mas a verdade é que não tinha condições para assegurar estes vastos  territórios dadas as guerras que mantinha com Castela, nomeadamente pelo controlo do Norte de África e a costa da mina (Gana), a sua principal prioridade.

Afonso(André) Gonçalves, piloto, em Novembro de 1494, zarpou na direcção do Brasil, tendo sido recompensado por carta régia de 11.6.1497 (menos de um mês antes de embarcar na armada de Vasco da Gama).

 Nas negociações do Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, Portugal fez mais uma vez questão de contemplar o domínio absoluto deste vasto território. A justificação dada pelos negociadores portugueses foi que os navios vindos do Cabo da Boa Esperança precisavam de espaço para fazerem manobras, daí terem exigido 370 léguas a Ocidente das ilhas de Cabo Verde.

 A verdade era outra, como o próprio Colon escreveu.

Durante as conversações deste Tratado os reis católicos informaram Colon que os portugueses sabiam de um continente localizado a Ocidente entre o cabo da Boa Esperança e o paralelo das Canárias, o que corresponde ao actual Brasil.

O próprio Colon, em Agosto de 1498, escreve com toda a clareza que se dirigiu das ilhas de Cabo Verde na direcção do Brasil por  cinco razões:

a) A averiguar da terra firme, continente, que D. João II lhe falara existir a "austro", isto é, a Sudoeste.

b) Os conflitos durante as negociações com Castela deveram-se ao facto de Portugal, pretender assegurar a posse deste continente. Exigindo que o meridiano fosse fixado a 370 "léguas" (sic) das Ilhas do Açores e das ilhas Cabo Verde.

c) D.João II tinha "por cierto" que dentro do seus limites "avía de hallar cosas y tierras famosas".

d) D.João II tinha grande empenho (inclinação) em enviar navios a descobrir a Sudoeste. Os portugueses acharam inclusive canoas que saiam da costa da Guiné, que navegavam na direcção de oeste com mercadorias.

e) A direcção para Ocidente devia ser percorrida seguindo o paralelo da Serra Leoa, calculando a latitude a partir da Estrela do Norte (estrela polar), seguindo depois para Sul.

 Colon viu-se impossibilitado de seguir esta ultima instrução do rei, como refere, devido ao calor que encontrou, limitando-se a seguir o paralelo  até atingir Terra Firme.

Colon, contraria assim a versão corrente que D. João II ( falecido em Outubro de 1495) estaria apenas envolvido nas expedições em torno de África. Como se prova estava também empenhado em explorar o Sudoeste do Atlântico, sabendo da existência de um continente nessa direcção. 

Recorde-se que a bordo da 3ª. viagem de Colon, na qual atingiu Terra Firme, seguiam pelo menos dois portugueses. 
Esta expedição violava de forma ostensiva o Tratado de Tordesilhas, só pode ser realizada com a prévia autorização de D.Manuel I, um facto ignorado pela historiografia oficial.

 Nas Ilhas de Boavista e de Santiago do arquipélago de Cabo Verde, os seus navios foram abastecidos de víveres. Rodrigo Afonso, escrivão da fazenda do rei de Portugal, ofereceu-lhe tudo o que havia na ilha da Boavista.

O melhor registo histórico destas viagens para ocidente é feito pelo próprio Colon no Memorial de la Mejorada (Julho de 1497), no qual acusa D. Manuel I de ter violado o meridiano de Tordesilhas enviando expedições portuguesas em várias direcções:

 a) Para a Índia contornando África, e ultrapassando já na altura o Cabo da Boa Esperança;

b) Para poente na direcção das Índias espanholas e Sudoeste (Brasil);

c) Para Norte na direcção do Pólo Árctico, isto é, da Terra Nova 

Colon confirma deste modo, e de forma inequívoca, as expedições portuguesas antes de 1497, ao continente americano.

Estas expedições portuguesas para Ocidente, são alvo de uma dura critica neste Memorial, mas também na Relação da Terceira Viagem, concluído em Agosto de 1498Colon, afirma que D.Manuel I, ao contrário de D. João II não estaria a respeitar os limites estabelecidos no Tratado de Tordesilhas, nomeadamente a poente.

Vasco da Gama, em Julho de 1497, quando partiu em direcção à Índia, foram-lhe dadas instruções precisas para se aproximar das costas do Brasil, mas sem aportar. O relato de um dos pilotos, o célebre "Piloto Anónimo", é muito claro ao identificar que estavam a navegar junto a terras a Ocidente, mas que não correspondiam à Índia, pois não tardariam em afastar-se das mesmas navegando para Oriente (Cabo da Boa Esperança).


Na "Relação da Viagem", em Agosto de 
1497, regista indícios muito claros de terras no poente: "indo na volta do ... a Sul e a quarta do Sudoeste, achámos muitas aves, feitas como garções, e, quando veio a noite, tiravam contra Susoeste muito rijas, como aves que iam para terra". 

Duarte Pacheco Pereira, em 1498, fez uma longa viagem de exploração não apenas pelas costas do Brasil, mas também pela da Venezuela, deixando-nos um relato preciso do facto. O seu objectivo foi o de identificar na costa brasileira do Amazonas, o ponto da Foz do rio Turiaco onde passava o meridiano do Tratado de Tordesilhas. Atingiu este lugar entre Novembro ou Dezembro de 1498, constatou que o mesmo em termos estratégicos não interessava a Portugal, o que levou a ocultar a expedição durante vários anos.  

Noutras passagens refere explicitamente as viagens antes de 1495 que os portugueses fizeram  a Ocidente, nomeadamente ao Brasil (cfr. Jaime Cortesão, A Colonização do Brasil, p.27-32).

Investigações recentes dão conta duma expedição portuguesa que, entre Dezembro 1498 e Maio de 1499 explorou profundamente o Amazonas, através do curso do rio designado por "Colpho Grande" até cerca de 500 milhas do mar, reconhecendo as embocaduras do Rio Pará e Tapajós. 

A descoberta foi realizada com base na análise da cartografia da época (mapas de PesaroEgerton Ms 2803 e Roselli, de origem portuguesa, transmitidos a Espanha e Itália por Vespucio e outros) , mas também com base em fontes espanholas.´

A conhecida expedição de Vicente Yanes Pinzón e Diego Lepe, que em fins de 1499, alegadamente terá tocado no território brasileiro, encontra no mesmo uma cruz colocada por anteriores expedições portuguesas (cfr. Alfredo Pinheiro Marques, Portugal e o Descobrimento do Atlântico, p.108).

 O roteiro anónimo da 1ª. viagem de Pedro Alvares Cabral à Índia (1500-1501), descreve a aproximação intencional da armada às costas do Brasil, de modo a oficializar a sua descoberta. Na esquadra de 12 navios seguia um pequeno navio, uma caravela, que tinha como objectivo aportar ao Brasil, e formalmente registar a posse do território e regressar de imediato a Portugal, o que foi feito.

rota marítima da armada de Pedro Álvares Cabral, descoberta oficial do Brasil, 22 de Abril 1500

A viagem foi iniciada com total discrição. O próprio rei D. Manuel I estava fora de Lisboa, para não levantar suspeitas. Portugal retardou o mais que pode a noticia, e só a comunicando um ano depois, quando desembarcou em Lisboa os sobreviventes da esquadra de Cabral. A corte portuguesa jogava no segredo.

Mestre João, físico e cosmógrafo de D. Manuel I, que participou na armada de Pedro Álvares Cabral, na informação que prestou ao rei, indicava que o Brasil era a “ilha Autêntica” que estava no mapa-mundi que pertencia a Pero Vaz da Cunha “o Bisagudo”

Pero Vaz de Caminha, cronista da expedição, na sua célebre carta ao rei, refere explicitamente uma viagem anterior. Ao descrever a primeira missa em solo brasileiro, diz que Nicolau Coelho trouxe muitas cruzes, com crucifixos que "haviam ficado da outra vinda". Nicolau Coelho foi capitão de um dos navios da expedição de Vasco da Gama (1497-1499).

O Planisfério dito de Cantino (1500-1502) mostra claramente que o Brasil já estava cartografado no ano em que Pedro Alvares Cabral o "achou". As enormes dimensões que o Brasil tem neste mapa mostram que os portugueses tinham a perfeita noção que não se tratava de uma simples ilha, mas de um continente distinto da Ásia. 

Planisfério de Cantino, 1500-1502

recorte do planisfério dito de Cantino 1502 -costa leste da América do Sul

Neste mapa surge um curioso acidente geográfico muito a poente do meridiano de Tordesilhas designado “Golfo Formoso”, o qual não aparece em nenhum outro documento estrangeiro antes de 1506. O primeiro a fazer referência ao mesmo é justamente o esboço de um mapa de Bartolomeu Colon, feito nesse ano onde regista o “Golfo Formoso”. Este topónimo confirma de forma inequívoca as explorações portuguesas em profundidade pela costa setentrional das Índias espanholas antes de 1506. A informação de Bartolomeu Colon terá sido recolhida em Vespúcio que se mudou de Lisboa para Sevilha no final de 1504.

Uma análise mais atenta do planisfério revela outras expedições portuguesas antes de 1502, e que serviram de base à sua feitura.  

Gonçalo Coelho, em Maio de 1501 é enviado numa expedição para as costas do Brasil, constituída por três embarcações, provavelmente caravelas. Comandou uma nova expedição entre Junho de 1503 e 1504, com seis navios, quatro nunca regressariam. A frota dirigiu-se para as ilhas de Cabo Verde, e atingiu ilha de Fernando de Noronha em 10/8/1503, onde naufragou o navio de comando. Um grupo de navios prosseguiu o rumo para Sul durante cinco meses seguido o litoral daquela terra por quase 760 léguas atingido o Cabo Frio, onde construíram uma feitoria. O mapa de Maiolo (Fano, Itália, 1504) identifica o Brasil como "Terra de Gonçalo Coelho".

O PLANISFÉRIO DE MAIOLLO DE 1504.

 De : ROBERTO LEVILLIER

Nova prova do itinerário de Gonçalo Coelho-Vespúcio, à Patagónia, na sua viagem de 1501-1502 (*).

(*) . Texto espanhol traduzido pela Lic. Sónia Aparecida Siqueira (Nota da Redacção).

Ao entrar na exposição vespuciana de Florença, em princípios de Julho de 1954, fiquei admirado à vista do conjunto cartográfico.

Ir além dos cinco mapas que formam o grupo de 1502, directamente derivado da viagem que comento, encontrava-se entre eles, ocupando lugar de honra, um planisfério que uma etiqueta oficial indicava ser de Maiollo, datado de 15(3?)4. Procedia da Biblioteca Federiciana de Fano. Já à distância, havia reconhecido no perfil atlântico do hemisfério austral, grande semelhança com Kunstmann IIPesaro e Hamy.

Pude verificar, aproximando-me, que a nomenclatura da região atlântica meridional concordava com a de Kunstmann IICavério e Waldseemüller, desde o Cabo de Santa Cruz, ao Norte, até Cananor, ao Sul, (estamos a informar àcerca da costa Leste da América do Sul).  Numa vitrina vizinha, estava a única cópia existente da edição de 1507 de Waldseemüller, com o título: América.

Em frente ao Maiollo exibia-se o planisfério de Cavério.

Dum lado, Salviati e Juan Vespúcio. Faltava apenas Juan de la Cosa para encontrarem-se reunidas os fac-similes de HamyCantino e Juan de la Cosa (que chegou depois da inauguração), as mais  importantes imagens do Novo Mundo, associadas à viagem austral. Essas peças únicas e originais, pertencem às bibliotecas italianas e  estrangeiras.

Foi estranho ver que o mapa de Maillo  surpreendesse, pois nunca havia sido reproduzido.

No grande salão do Palazzo Vecchio levei tempo estudando-o, medindo-o e fazendo-o fotografar, até conseguir uma boa cópia do hemisfério meridional, do mesmo tamanho do modelo.

No mês de Agosto em Veneza,  procurei e encontrei na Biblioteca do Convento de São Marcos a respectiva bibliografia, e em começos de Outubro entreguei à Revista L'Universo do Instituto Geográfico Militar de Florença, um breve estudo sobre o mapa de Maiollo, antes um conjunto de reflexões de um historiador de viagens austrais, que a análise técnica de um cartógrafo. Este  publicou com o título de Il Maiollo di Fano alia mostra vespucciana

Deixando de lado os problemas de projecção e de construção do mapa, consagrei-me somente a quatro pontos:

1.°) a configuração do hemisfério austral;

2.°) a toponímia da costa dessa região;

3.°) a legenda que marca a data e a assinatura do autor, e

4.°) o sentido da legenda Tera de Gonçalvo Coigo vocatur Santa Croxe, ou seja: Terra de Gonçalo Coelho chamada Santa Cruz (2).

Vista a bibliografia conclui-se que o mapa era 'conhecido pelo menos há um século, mais pelo nome do que alguma vez tivesse sido analisado.

Uzielli e Amat de San Filippo (3) registam-no em catálogo como sendo de 1504, numa 'simples anotação, baseada no elenco das cartas geográficas reunidas na exposição de Veneza em 1881. Harrisse (4) e Nordens-lciold (5) já não puderam encontrá-lo e declararam perdido o que acreditam ser um atlas.

Por essa razão provavelmente, e por estar arquivado na biblioteca duma pequena povoação adriática, passou despercebido até que o Prof. Sebastián Crino o descrevesse  num curto estudo, em 1907, sem reproduzi-lo (6) . Sabe-se que o sr. Luigi Massetti o havia doado à Biblioteca de Fano em 1862.

Cita as três legendas principais sem delas tirar conclusão histórica, calculada a escala em 1:20.000.000 que sugere a data de 1534.

A razão que dá para atribuir ao mapa-múndi essa data, parece lógica, mas não era a exacta.

O reputado polígrafo Desimoni  descobriu um convénio subscrito por Maiollo nesse ano, no qual se comprometia a entregar antes de 1535 ao editor Lomellini uma carta náutica do mundo (7), e o prof. Crino deduziu dessa circunstância que

"essendo stata composta da carta in esame Giug no 15 4, due mesi dopo cioe dell'atto notarile su ricordato se la cifra mancante tra il 5 e il 4 come non senta verosimiglianza puo supporsi, sia un 3 completamente obliterado".

Várias razões, que se verá mais adiante, se opõem a esta conjectura. A que formulará depois o Prof. Giuseppe Caraci é igualmente infundada.

Num artigo em que se ocupa de outros mapas de Maggiolo, dedica algumas linhas a este, à sua data e aos que o haviam precedido no exame ou menção do planisfério (8). Com tal ênfase generalizadora de que soe usar, rejeita sem dar razão alguma, a data de 1504, e assevera:

"La data dei atlante (ainda acredita ser um atlas) e senza dubbio piu tarda; l'equivoco fu possibili perche nella sotoscrizione la terza cifra del milesimo e illegibile e fu credeta un zero".

Notará o leitor que o senza dubbio tem, como o equivoco, tão pouca justificação como aquilo de que "il piu antico lavoro finora conosciuto di Vesconte resta il notissimo atlante del 1511".

1— Revista do Instituto Geográfico Militar. Ano XXXIV, no 6, Novembro ou Dezembro, 1954. Florença.

2— Na referida legenda nota-se com facilidade a região do Norte do Brasil.

3 — Studi biografici e bibliografia sulla storia della geografia in Itallta. Roma, 1882.

4— The Discovery of North America. Londres, Paris, 1892.

5— Periplus. Estocolmo, 1897. , • / ry i

6— Notizie sopra una carta de navigare di Visconte Maiollo. Boletim da Sociedade Geográfica de Roma, t. III, 1907.

7 — Elenco di certa et atlanti nautici di autora Genovesa. Giornale linguistico, lige 1875

 

O exame do hemisfério austral de Maiollo e sua comparação com as outras representações já citadas do novo mundo, oferece sólidos fundamentos para associar este planisfério à primeira cartografia derivada do périplo de Gonçalo-Coelho-Vespúcio de 1501-1502 e autoriza assim mesmo a fixar-lhe a data de 1504.

Enviou-me uma fotografia do planisfério, que não utilizei por parecer-me que as obtidas em Florença, tanto do conjunto como das partes que me interessavam, eram mais pormenorizadas e claras.

O mapa de Maiollo tem  1,40 m de comprimento por 0,895 m de altura, uma espessura do bordo direito e do esquerdo 0,915 m .

Carece de graduações de latitude e longitude, não está incluída a ilha de Cuba,  somente chega até a Índia pelo Oriente.

A forma 'da costa atlântica americana ao Sul do Equador, é a mesma de Pesaro, Hamy e Kunstmann II, sobretudo a deste último, pela sua inflexão SSO. Termina uns graus mais ao Sul de um estuário ou golfo denominado por Kunstmann II e Cavério, e mais tarde WaldseemüllerRio Jordán, este é o nome que Maiollo também lhe dá, enquadrando-o, como os anteriormente citados, entre Pináculo Detentio (Pináculo de Tentación) ou seja o cerro 'de Montevidéu e Rio Santo António.

Já se demonstrou em América la bien llamada e em El Nuevo Mundo (9) com uma vasta cartografia, que essa enseada representa o sítio do primeiro nome cristão do Rio da Prata, chamado até então Paranaguazú ou Huruay pelos índios .

Cavério, mapa assinado, Kunstmann II, sem as Di un atlante sconoschno di Vesconte Maiollo (1548) . "L'Universo", Setembro de 1926.

8Di un atrante poco noto di Vesconte Maggiolo (1549) . Bibliofilia, Florença, janeiro-fevereiro 1951.

9— 2 vols. Kraft. Buenos Aires, 1948 e Editorial Nova, Buenos Aires, 1951 sinatura, mas datado de 1502 pelos mais eminentes cartólogos

(10) se unem a Maiollo, datado e assinado, para certificar que ao redor ,de 1502 e 1504 foi atingido e descoberto o Rio da Prata.

E os três planisférios assim C J1110 Waldseemüller marcam também a presença em sua nomenclatura de Cananor, como extremo fim da expedição descobridora da Patagónia .

Do ponto de vista da toponímia, Maiollo é muito satisfatório (11) . Quanto à configuração, se conserva a inflexão SSO de Pesaro, Kunstmann II e Hamy, não leva a costa atlântica até a alta latitude de Cananor. Possivelmente por má informação diminui duns 10 graus ao Norte da latitude do Cabo Agulhas, se é que não há demasiada extensão Norte-Sul do continente africano. Cavério e Hamy são, entre os mapas citados de 1502, os únicos que marcam latitudes, e o segundo o faz com características curiosas.

Publiquei Hamy, fazem anos, na parte que mais interessava ao meu estudo (12) . Reproduzi a África também, para demonstrar que a costa atlântica descia frente ao continente negro, algo mais ao sul que o Cabo Agulhas (35°) mas a graduação da escala .acabou ilegível na cópia fotográfica, e a imprensa a devolveu pedindo que se aclarasse. Um desenhista o fêz, sem reparar no facto realmente insólito de que esse mapa apresenta duas linhas equinociais. Uma começa no Oriente e termina pelo meridiano de Alexandria, e a do Ocidente termina na costa oriental da África, cinco graus ao sul da anterior.

O paralelo marcado 35°S na escala oriental, passa com toda exactidão pelo cabo terminal da África, mas

na mesmíssima altura, na escala ocidental, se  lê: 30°.

Segundo Gallois, a linha que vem de Este a Oeste é a de Ptolomeu, e a que vai de Oeste a Este a dos navegantes modernos. O desenhista ao esclarecer as cifras, que são claras na escala oriental, utilizou as mesmas para a ocidental, alterando, sem direito, um conceito do autor do mapa.

De toda maneira, não favorece essa inadvertência à prova de  que originalmente ia utilizando o mapa de Hamy, conjuntamente com Pesaro, Kunstmann II, Cavério e Cantino, todos de 1502.

Os cinco mapas, uns pela sua configuração, outros pela sua toponímia, outros pela extensão de sua costa, demonstram com esses testemunhos, e não com suas. latitudes escritas, que o Rio da Prata e o litoral patagónio estavam descobertos desde 1502, por uma expedição que só podia ser a de Gonçalo Coelho-Vespúcio. Maiollo corrobora esta verdade de forma concludente.

10). — Ocuparam-se de Cavério, considerando-o de 1502, Gallois, Kretschmer Marcel, Nordenskiold, Harrisse, Ruge, Phillips, Lowery, Stevenson, Vignaud Winter, Tomaschek, Revelli, Almagia, Magnaghi e muitos outros. Com  Kunstmann II se especificaram aceitando a data dada por P. Kunstmann: Kohl, Peschel, Ruge, Kretschmer, Nordenskiold, Harrisse, Stevenson, Winter, Uzielli, Philips, Lowery, Almagia, etc.

11— Veja-se a toponímia comparada no quadro anexo.

12 — América la bien Ilamada, vol. II, págs. 8, 9 e 10.

Se a costa atlântica apresenta um perfil quase idêntico ao de Hamy, Kunstmann II e Pesaro, a do Caribe oferece uma característica igual a que dão Juan de la Cosa (1500), Kunstmann II e Hamy. Nesses três mapas, como pode ver o leitor na América la bien llamada (13), se interrompe de repente a linha do litoral, prolongando-se esse corte ao ponto de fazer desaparecer toda a terra compreendida entre o Maranhão e o Rio Grande do Mar Doce (Amazonas) e também esses dois rios.

Esta singular omissão ocorre também em Maiollo indicando parentesco de época. O desenhista italiano inspirou-se num modelo análogo ao de Kunstmann II, ao qual está ligado por outros indícios de contemporaneidade. A toponímia de alguns destes mapas é um deles. Veja o leitor o quadro no qual aproximamos os nomes da costa atlântica Sul de Kunstmann II, Cavério, Maiollo e Waldseemüller.

Pouco falta para que sejam idênticos, desde Santa Cruz até Cananor.

Estes indícios concordantes permitem também afirmar que Maiollo pertence à cartografia derivada das viagens caribeanas, de Colombo a Vélez de Mendonza, que reflecte, como os cinco mapas citados, as viagens atlânticas de Cabral e Gonçalo Coelho-Vespúcio.

0 que foi dito já está muito bem provado.

Não obstante ampliarei os testemunhos para que o Q.E.D. seja concludente. Passarei à data.

A legenda em que ela consta provê somente três cifras, apresentadas assim: 1.5.4.

À primeira vista poderia ser 1534, 1524, 1514 ou 1504.

Os antecedentes enunciados tendem a demonstrar que é 1504. Acrescentarei razões pelas quais se deve eliminar qualquer outra data.

Indiquei, há anos, a série de nomes mal situados por Maiollo, na costa atlântica de seu mapa de 1519 (14). Acreditava que o cartógrafo os havia transposto nessa representação. Descubro agora '11  que não fêz mais do que reiterar seu errado encolhimento da costa de 1504, ficando outra vez uma série de lugares fora do sítio.

 Leva Cananor, Santo António, Pináculo Detentio e Rio Jordão, da jurisdição castelhana à portuguesa, colocando esses nomes por São Paulo. Além de que, atribui a essa região uma altura de 19 e 20°, em vez da correcta; 23°30'. Comete outro erro, ao marcar o cabo de Santa Maria por 28° em vez de 34°45'. -13- Op. cit., vol. 1, 92: vol. II, 'págs. 8 e 10.

14 --, Op. cit., vol. II, págs. 72 e 73. 1111c

A abundância da toponímia neste mapa de 1519, em comparação com as cartas geográficas citadas, indica uma época mais avançada e a utilização de novas viagens, cada uma das quais deixou atrás de si, baptismos sem precedentes. Maiollo 1519 é, pois, posterior ao que ocasiona este estudo, e com muito maior razão deve afastar-se a suposição de que pudesse ser de 1524.

Por seu lado, o planisfério de 1527 torna inadmissível a data de 1534.

Inteirado o cartógrafo da viagem de Magalhães, marca todo o litoral e o estreito, e acrescenta o nome de São Cristóvão (posto pelo nauta lusitano ao Rio da Prata) ao de Jordán, resultante da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio. Vai corrigindo erros de 1504 a 1519 e aproximando-se da realidade topográfica do litoral (15). E seria verosímil que  sete anos depois, ou seja, 1534, aparecesse um mapa seu de tão breve costa e tão primitiva nomenclatura? E' bem sabido que surgiram a miúdo na cartografia do século XVI, surpreendentes recúos, mas raramente entre os italianos. Eles sempre souberam informar-se e foram entre os primeiros a fazê-lo, graças ao seu contacto mediterrâneo com as potências descobridoras e a actividade subtil dos núncios, diplomatas e agentes comerciais, prevalecentes em Lisboa, Burgos e Sevilha.

Basta para concretizar, escrever aqui os nomes de Martir de Angleria, Pascualigo, Trevisano, Cantino, Affaitadi, Cretico, Ca-Masser, Rondinelli, Priuli, Sanuto, Empoli, Marchioni, Vespúcio mesmo (16) . Todos escreviam mostrando que sabiam.

O segredo das chancelarias interessadas era um mito.

Demonstram-no mapas italianos de 1502, 1504, 1519 e 1527; 1536, 1543 e 1553.

As abelhas sugavam seu mel onde e como podiam.

Dar ao Maiollo de Fano, conhecendo o de 1527, a data de 1534, seria uma extravagância. Tão pouco é aceitável 1514. O corte na costa norte, semelhante ao de Juan de la Cosa de 1500, Hamy e Kunstmann II de 1502 é explicável numa época em que os pilotos de Espanha e os desenhistas de Portugal não tinham segurança de acertar na indicação das jurisdições. Omitir, também podia ser uma astúcia; mas em 1514, os nautas de Castela haviam percorrido muitas vezes a costa norte, e descoberto o Mar do Sul.

Um mapa como o de Maiollo, nessa data seria um anacronismo.

Ao aparecer este artigo en L'Universo, em Dezembro de 1954, enviei um exemplar ao meu eminente amigo Heinrich Winter, cartólogo alemão de grande autoridade e autor de muitos trabalhos de valor, como

The false Labrador and the Oblique meridian, Francisco Rodrigues Atlas of 1513; The true position of Hermann  Wagner in the controversy of the Compass Chart, A circular map in a .Ptolemaic mss, etc., pedindo-lhe sua opinião sobre a interpretação da data de Maiollo de Fano.

Sua resposta de 2 de Fevereiro de 1955, ratifica, por uma excelente razão, a conclusão formulada de::

1504. Publicamo-la em inglês, tal como a recebemos.

15. Op cit., vol. II, págs. 108 a 110. .

16— Veja-se op. cit., vol. I, págs. 182 a 199, Veja-se op. cit., vol. I, págs. 182 a 199, meus comentários à extravagante "política de segredo", do senhor Jaime Cortesão, publicada pela primeira vez sob o título de "O sigilo nacional sôbre os descobrimentos" na revista "Lusitânia" de janeiro de 1924. O mesmo conceito é repetido com maior extensão na Histria de América de A. Ballesteros, em 1947"As to the date of Maiollo, certainly it was inevitable to refute the readings : 1534, 1524, 1514. But there is another reason for favoring 1504. At the end of the 15th century one changed from semigothic letiers to latin ones and vice versa from latin numbers to sernigothic ones, and after 1500 there was a new situation: one pronounced one (thousand) Eive (hundred) and four = 1.5.4, so, having only thrce unities. The refore one was not obliged to put in a zero, as far as, the 3 unity was an independent word, not composed as thirteen, fourteen, etc. Therefore 1.5.4. is not a lapse. And even the same Maiollo uses the last possibility for such writing (3 unity twelve) on his portulan chart in New York: "Vesconte maiolo composuy hanc cartam in neapoly de anno dny. 1.5.12. dic 2 Juny,, still with three unities for writing as for speaking".

Pensamos que esta grata lição, saída da realidade histórica,.servirá para consignar ao planisfério de Maiollo uma poderosa ratificação de Hamy-Pesaro-Kunstmann II-Cavério-Cantino, como grupo cartográfico e reflexo da viagem de Gonçalo-Coelho-Vespúcio ao Rio da Prata e à Patagónia em 1501-1502. Uma circunstância visível no próprio mapa, empresta à referida data um poderoso apoio. Numa legenda escrita em caracteres maiúsculos, aparece no alto do mapa:

TERÁ DE GONZALVO' COE (G?) (L?) O VOCATUR SANTA CROXE.


Maiollo interpretou erradamente o nome e o sobrenome Gonzalo Coelho. Escreveu-os mal, e nele não eram raros tais descuidos. Anota por Santo António: San Antogno; Cristóvão Colombo: Cristof a Colombo; Santa Croce: Santa Crusis, e Magalhães: Maçaianes.

A legenda evidencia a intenção de uma homenagem ao capitão-mor da expedição descobridora: das terras meridionais da América, percorridas por Gonçalo Coelho,.com Vespúcio, em 1501-1502, desde .o cabo São Roque no Brasil, até Cananor na Patagónia .

Muito se discutiu, particularmente entre os brasileiros e na época do Império, se ele foi o chefe, ou se esse cargo correspondeu a André Gonçalves (17) .       

Os quatro historiadores brasileiros de renome do século XIX: Caetano da Silva, Varnhagen, Mendes de Almeida e Capistrano de Abreu, firmaram o peso de sua autoridade em favor do primeiro, e ante os motivos alegados por eles, sustentei em América la bien llamada; El Nuevo Mundo, e vários artigos de polémica publicados na Revista de História, de São Paulo, que deveria ter sido Gonçalo Coelho(18) A legenda até então nunca apreciada (1954) corrobora de maneira decisiva essa tese.

(17) . Veja-se Varnhagen A., História Geral do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio, 1883

 Vespúcio, a quem um profissional da quimera, e, mais tarde, seus corifeus, pretenderam atribuir o comando da viagem de 1501-1502,  nunca escreveu ter sido capitão-mor de nenhum périplo, e quando foi capitão de uma caravela, afirmou-o claramente.

Em todas as suas cartas predomina seu interesse pelas questões cosmográficas, astronómicas, etnográficas geográficas, sobre os problemas náuticos.

Sua hierarquia a bordo das três primeiras viagens, sobretudo na terceira, deve ter sido a de assessor científico.

Refere que o Conselho de Oficiais lhe confiou em 15 de Fevereiro a orientação do périplo, que ele dirigiu até 50° de latitude Sul.

Em 7 de Abril, o capitão-mor retomou a direcção para voltar a Portugal.

Noutro parágrafo alude à morte dum grumete e ao impulso da tripulação de vingar-se dos indígenas, o que o capitão-mor proibiu.

Não pretendia, pois, ser o Chefe.

Veja-se Varnhagen A., História Geral do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio, 1883.

A legenda de Maiollo tira toda a dúvida sobre o tão discutido ponto; foi Gonçalo Coelho o capitão-mor da expedição de 1501-1502.

A Vespúcio coube o mais importante, descobrir sob sua direcção o Brasil Meridional, o Rio da Prata, o Cerro de Montevidéu e a Patagónia. Isto não é tudo. Esta terra foi também sua fonte de inspiração.

Ao bordejar pelo litoral interminável, inteirou-se do carácter de continentalidade.

A essa compreensão feliz se deve pela primeira vez na história o uso dos termos Mundus NovusContinente e Quarta Parte Mundi, foi um uso exacto.

A viagem de tão fecundos resultados repercutiu sobre o capitão-mor, provocando a homenagem lusitana de Tera de Gonçalo Coelho, provavelmente inscrita no modelo utilizado por Maiollo.

Desse precioso testemunho evidencia-se que a viagem, o planisfério, e a legenda são simultâneos,  agregam-se  as seguintes conclusões:

1) O mapa de Maiollo de Fano, incorpora-se, por sua configuração ao grupo dos três planisférios de 1502, de inflexão SSO;

2) a concordância de sua toponímia com a de Kunstmann II, Cavério e Waldseemüller, é evidente no quadro anexo, associa-o igualmente à família cartográfica derivada da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio de 1502;

3) em razão dos conhecimentos obtidos em viagens posteriores, resumidos nos mapas de Maiollo de 1519 e 1527, não é aceitável que o de Fano seja de 1514, 1524 ou 1534;— Veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de História, de São Paulo, n.° 16 de 1953. Boletin de la Real Sociedad Geográ-fica de Madrid, n.o 333, de 1954.

4) estes (18) fundamentos acrescentados a indícios da época, como a interrupção da costa no litoral Norte do Brasil (em concordância  com outros mapas de 1502)  a lembrança da memória de Gonçalo Coelho, impõem a data de 1504 ao planisfério de Maiollo da Biblioteca de Fano;

5) a explicação dada pelo sr. Winter sobre a maneira de numerar em princípios do século XVI, é definitiva para solução do problema de data .

18) — Veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de História, de São Paulo, n.° 16 de 1953. Boletin de la Real Sociedad Geográfica de Madrid, n.o 333, de 1954

Estas viagens foram durante muito tempo objecto de enorme polémica, até que foi descoberta uma acta notarial de Valentim Fernandes de Moravia, datada de 20/5/1503, integrada no códice de Peutinger, na Biblioteca de Estugarda, nas quais se confirma que Gonçalo Coelho chegou à altura do pólo Antárctico, a 53 graus, "tendo encontrado grandes frios no mar". Terá também chegado o arquipélago das Maldivas ou Falkand.

 1507 mapa-múndi  de Waldseemuller 

1507, parte superior do mapa de Waldseemuller 

1507, parte inferior esquerda do mapa de Waldseemuller 

É possível que não só tenha chegado ao extremo Sul do continente, como é evidente pela análise do mapa de Waldseemuller de 1507, como tenha inclusivé navegado na costa ocidental da América do Sul. Há vários relatos que testemunham que quando Fernão de Magalhães, em Outubro de 1520, chegou ao estreito que actualmente tem o seu nome, tinha consigo um mapa da região. O piloto genovês António Pigafetta nos relatos da 1ª viagem à volta do mundo refere…” este [Fernão de Magalhães], tão hábil como valente, sabia que era preciso passar por um estreito muito oculto, que tinha visto representado numa carta feita pelo excelente cosmógrafo Martin da Boémia, que o rei de Portugal D. Manuel I guardava na sua tesouraria….”

Américo Vespúcio viveu em Portugal entre 1499 e 1505, nos seus escritos divulgados por toda a Europa afirma que participou nestas expedições de Gonçalo Coelho a mando do D. Manuel I. Nunca foi encontrado qualquer registo da sua participação nas mesmas. As suas alegadas descobertas, com as quais pretendeu ocultar os feitos de Colon, foram elaboradas com base em relatos dos marinheiros portugueses, com quem contactou durante os 5 anos que viveu em Lisboa.

1507, Globo de Waldseemuller .  

" Quem teria descoberto o Brasil" !?

 Fonte : Colon Português - provas documentais - 1º volume, de Mascarenhas Barreto

O historiador francês Jean de Lévy, estando no Brasil de 1556 a 1558, registou depoimentos dos mais antigos e considerou ser o continente centro Sul americano " .....a quarta parte do mundo, já conhecida dos portugueses desde cerca de oitenta anos que foi primeiramente descoberta".

Chama ao Brasil "Terra de Gonçalo Coelho"

Por este cálculo se conclui que a costa brasileira teria sido abordada pela primeira vez em 1487.

Estevão Fróis, em 1514, tendo sido preso pelos Espanhóis sob a acusação de se achar instalado em território atribuído a Castela pelo tratado de Tordesilhas, escreveu ao rei D. Manuel I, pedindo que o resgatasse, justificando que se limitara a ocupar "....a terra de Vª Alteza, já descoberta por João Coelho, o da Porta da Luz, vizinho de Lisboa, há vinte anos e um".

Isto significa que o invocado navegador teria atingido aquela região, actual Venezuela, em 1493, no prosseguimento da descoberta do seu primo direito Gonçalo Coelho. 

Por conseguinte os portugueses vogavam por aquelas águas muito antes de Cristóvão Colon, que só atingiu a " Punta de Hierro", na 3ª viagem de 1498, isto é, 5 anos depois e também pelo menos, 5 anos antes de Alonso de Hojeda e 6 anos antes, em relação à fantasiada expedição de Américo Vespúcio.

Duarte Pacheco Pereira, fornece uma informação geográfica que permite localizar a região onde Estêvão Fróis fora preso, já que, depois de indicar a rota, diz "... no ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde é achada e navegada uma tão grande terra firme, com muitas ilhas adjacentes a elas".

Só podia tratar-se do arquipélago constituído pelas ilhas Margarita, Tortuga, Culeja, Coche e ilhéus venezuelanos, a oriente de Caracas e a ocidente da "Punta de Hierro". A mesma que Colon abordara, afirmando ser "terra firme", embora não a tivesse contornado e poderia ser de uma pequena ilha.

Na mencionada 3ª viagem de 1498, Colon, em vez de seguir a rota habitual das ilhas Canárias para a Espanhola - República Dominicana - principal base das Caraíbas, inflectiu para Sul, permanecendo 2 dias no arquipélago de Cabo Verde, onde contactou com os portugueses.

E Las Casas relata:

"Torna o Almirante a dizer que quer ir para Sul das Caraíbas, porque quer ver a intenção do Rei Dom João de Portugal, por certo, que dentro dos seus limites de Castela havia de achar coisas e terras famosas".

O mencionado navegador Gonçalo Coelho, em 1487, desembarcando na foz do rio Senegal , travou relações com o príncipe Bemoín, a quem disputavam a sucessão ao trono daquele Estado. Por isso, quando Coelho voltou a Portugal, o príncipe mandou com ele uma embaixada a D. João II, para pedir armas e navios.

Escusou-se o rei, alegando que a igreja proibia tal fornecimento aos infiéis. No ano seguinte, 1488, tendo Bemoín sido atraiçoado por alguns dos apaniguados, foi expulso do Reino do Senegal, mas decidido a dominar a revolta, embarcou numa caravela portuguesa e veio a Portugal suplicar o auxílio do monarca.

D. João II recebeu-o com honrarias adequadas a um príncipe, dedicou-lhe festejos e foi seu padrinho de baptismo, passando o senegalês a chamar-se como ele João. Por este triunfo de conversão, o soberano armou o príncipe " cavaleiro" e apressou-se a transmitir a notícia ao Papa Inocêncio VII.

Depois, enviou uma forte esquadra de 20 navios a escoltar o recém-baptizado João. Era comandada por Pero Vaz da Cunha "Bizagudo", seguindo nela João Coelho e um frade dominicano, Mestre Álvaro, que encabeçava um grupo de clérigos com a missão de evangelizarem os indígenas. Contudo ao chegarem ao Senegal, Pero Vaz da Cunha "Bizagudo", assassinou o príncipe de Bemoín e regressou com a esquadra a Portugal.

Segundo Rui de Pina e Garcia de Resende, "o Bizagudo" não foi punido "(...) por não querer El-Rei envolver no crime outros culpados(...). Esta sentença foi logicamente interpretada como uma dissimulação real, devendo-se o perdão a uma proeza marítima que Pero Vaz da Cunha tivesse recentemente cometido e que lhe valera a nomeação de comandante da frota embaixada.

Quando Pedro Álvares Cabral, em 1500, largou de Lisboa com destino à Índia, mas também com a missão primordial de oficializar a descoberta do Brasil, levava uma pequena nau de mantimentos, tão frágil que não poderia arrostar com a passagem do Cabo das Tormentas, Boa Esperança, e já fora, à partida, programada para regressar ao Reino com a notícia do "redescobrimento".

O seu comandante, André Gonçalves, foi portador de 2 cartas para D. Manuel I. Uma de Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada, e outra, do baixarel Mestre João, "cristão-novo" e cirurgião do rei, que foi com Álvares Esteves o primeiro a observar e a representar graficamente a constelação do "Cruzeiro do Sul", no hemisfério austral.

Do relatório de Caminha, ao descrever a rota para o Brasil, consta:

"E assim seguimos o nosso caminho por este mar, de longo, até que terça feira das Oitavas da Páscoa, que foram a vinte e um dias de Abril, estando a ilha de S. Nicolau do arquipélago de Cabo Verde a obra de 600 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topámos alguns sinais de terra (....)".

Portanto a "terra" demandada tinha surgido "no nosso caminho", do lado oposto do Oceano Atlântico, numa volta "de longo", propositadamente exagerada. E narra:

"Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece haverá muitos nesta terra (...)".

E mais adiante acrescenta "trouxemos papagaios verdes", nos quais se inspirou o cartógrafo que iluminou o " Planisférop d'Este" os de "Cantino". Aqui temos a origem da pseudo-originalidade do topónimo " Terra dos Papagaios" das "lettere" publicadas por Francesco Montalbodo em 1507 e atribuídas a Vespúcio. Os papagaios verdes tinham vindo para Lisboa, despertando interesse. Na outra mensagem enviada ao rei por Mestre João, se informa:

"(...) Quando, Senhor, ao sítio deste terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-mundi que tem Pero Vaz da Cunha, " Bizagudo" e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio deste terra; mas aquele mapa-mundi não certifica se esta terra é habitada ou não. É um mapa-mundi antigo".

Por conseguinte, já existia no reino um "mapa antigo", que delineava o litoral brasileiro, decerto com alguns topónimos como era usual, mas que fora traçado antes duma exploração pelo interior em que tivessem avistado indígenas. Permite-nos depreender que o reconhecimento da orla marítima da "Terra de Vera Cruz" de devesse ao próprio Pero Vaz da Cunha "Bizagudo" ou a outro português, Gonçalo Coelho, nomeado por Jean de Lévy.

3 comentários:

  1. É a segunda vez que aqui tento deixar um comentário. A primeira não consegui porque não estava muito familiarizado com os blogues e não o consegui enviar... Não posso deixar de repetir o que disse da outra vez, ou seja, enviar-lhe os meus melhores cumprimentos e agradecer-lhe profundamente o seu trabalho! Um dos meus objectivos como pintor é pintar a (ou parte da) história de Portugal (descobrimentos)e o seu fabuloso BLOGUE contém muitos dos assuntos que verdadeiramente me interessam. Se for difícil encontrar nos livros, já sei, vou a "tropicália" e certamente encontrarei algo que me interesse. Por isso, mais uma vez, obrigado e bom trabalho!...

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  2. O meu agradecimento muito especial ao Sr. João Neves pelas amáveis e encorajadoras palavras a respeito das pesquisas históricas a favor da História de Portugal, sobretudo da época dos descobrimentos, que também se devem a outras pessoas mencionadas neste Blog. Aqui fica o registo do meu endereço electrónico: amadeumata@hotmail.com

    Muito obrigado, pela atenção

    AFMata

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    1. Infelizmente, e mais por razões pessoais do que por qualquer outras, ainda não me consegui entregar de corpo e alma ao sonho da minha vida: pintar os acontecimentos mais significativos da história de Portugal, à semelhança do que acontece em outros países, nomeadamente em Espanha. Vamos, por exemplo, ao Museu do Prado e temos uma visão algo aproximada do que aconteceu naquele país em tempos idos... Em Portugal, e por mais que se procure, até parece que não tivemos um passado histórico, de descoberta e procura de novos mundos... Enfim... Aqui vai o meu contacto: joaooneves@gmail.com ou oficina.pintura@gmail.com .

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