quarta-feira, 3 de março de 2010

" comentário sobre o reino do Congo "



Quando a guarnição do navegador Diogo Cão chegou à foz do rio Zaire em Abril de 1483 e contactou pela primeira vez o mani Nsoyo, chefe da localidade na qual aportara, M’Pinda, o Congo era um reino forte e estruturado, cuja chefia máxima cabia ao Mani Congo, residente em M'Banza Congo.
Formado por grupos de etnia bantos, especialmente os bakongo, abrangia grande extensão da África Centro - Ocidental e se compunha de seis estados, que os portugueses denominavam de províncias e que eram.
Mpemba, onde ficava encravado o território do Congo propriamente dito, com a capital em MBANZA Congo, a São Salvador cristã, onde residia o rei.
Mbamba, que ficava a sul, confinando com os Ambundos.
Mbata, a mais oriental.
Nsundi, a nordeste, ultrapassando a margem direita do Zaire.
Mpangu, encravada entre as de Mbata, Mpemba e Nsundi.
NSoyo (Sonyo) ou Sonho na tradução portuguesa da época, situada a norte de Mbamba, banhada pelo oceano Atlântico e pelo Zaire. Nesta ficava o porto de M'Pinda, onde desembarcaram os portugueses.

 
Estados que compunham o reino do Congo

Todas os estados eram governadas por parentes do rei do Congo, com excepção da província de Mbata, que gozava do privilégio de ter um descendente dos antigos senhores da terra, impondo-se-lhe, porém, a obrigação de casar a filha mais velha na casa real do Congo.
O estado de Nsundi era, por tradição, governada pelo herdeiro do rei do Congo.
O rei do Congo considerava ainda vassalos, ou, pelo menos, amigos, alguns reinos situados na margem direita do Zaire, como o de Ngoio ou Angoy, em o de Cacongo, estendendo-se a sua influência até ao reino de Luango (actual Congo Brazaville)
Para o interior destes, e confrontando com o estado de Nsundi, ficava a Anzicana, povoada por povos antropófagos e que ora se comportavam como amigos, ora como inimigos do Congo. A fronteira sul que confrontava com os Ambundos, também sofria oscilações.
Algumas delas, como as de Nsoyo, Mbata, Wandu e Nkusu, eram administradas por membros de uma nobreza local que assumiam os cargos de chefia há gerações, sendo o controle político mantido por uma mesma linhagem, enraizada no local.
troço fluvial da foz rio Zaire a Matádi, RDCongo

Outras províncias eram administradas por chefes escolhidos pelo rei dentre a nobreza que o cercava na capital.
A unidade do reino era mantida a partir do controle exercido pelo Mani Congo, cercado por linhagens nobres que teciam alianças principalmente por meio do casamento, mas era também fortalecida pelas relações comerciais e políticas entre as diversas regiões.
O centro de poder localizava-se na capital, M’Banza Kongo, de onde o rei administrava a confederação juntamente com um grupo de nobres que formavam o conselho real, composto provavelmente por 12 membros, divididos em grupos com diferentes atribuições: secretários reais, colectores de impostos, oficiais militares, juízes e empregados pessoais. A centralização político - administrativa, ao mesmo tempo que conferia estabilidade ao sistema, deseja intensas e frequentes disputas pelo poder.
 itinerário navegável percurso superior da foz do rio Zaire/Congo até Matádi

A formação do reino parece datar do final do século XIV, a partir da expansão de um núcleo localizado a noroeste de Mbanza Kongo.
Os mitos de origem registados no século XVII referem-se à conquista do território por um grupo de estrangeiros, chefiados por Nimi a Lukeni, que teria subjugado as aldeias da região do Congo e imposto a sua soberania pela supremacia guerreira.
Nos séculos XVI e XVII, após o contacto com os portugueses, o direito do rei colectar impostos e tributos estaria ideologicamente fundamentado na conquista efectivada pelos antepassados das linhagens governantes, o que nem sempre era aceite pacificamente.
A divisão fundamental na sociedade congolesa era entre as cidades – Mbanza
e as comunidades de aldeia – lubata. A tradição representava esta divisão como entre povos que vieram de fora e os nativos, submetidos àqueles.
Os estrangeiros seriam os membros da nobreza, os habitantes da capital, os governantes das províncias indicados pelo rei, isto é, os que ocupavam as posições superiores do reino. A lubata era dominada pela Mbanza, que podia requisitar parte do excedente aldeão.
Os chefes de aldeia – Nkuluntu – faziam a ligação entre os sectores, recebendo o excedente agrícola e repassando parte deste para os representantes das cidades, reconhecidos como superiores políticos.
Nas comunidades rurais, a apropriação do excedente era justificada pelo poder de mediação com o sobrenatural do kitomi, ou pelo privilégio do mais velho, o Nkuluntu.
Como nelas a produção supria apenas as necessidades básicas, não havia um acúmulo de bens que permitisse sinais exteriores de status para os chefes.
Enquanto nas aldeias os chefes não tinham controle sobre a produção, baseada na estrutura familiar e na divisão sexual do trabalho, nas cidades eram os nobres – as linhagens governantes – que controlavam a produção, fruto do trabalho escravo no cultivo de terras controladas pela nobreza.
As diferenças básicas que distinguiam as cidades das aldeias eram a maior concentração da população e a administração da produção por parte da nobreza, que se apropriava de parte do trabalho escravo.

De todo modo, as características da escravidão existente no Congo confirmam a tipologia elaborada por João Reis em artigo sobre a África pré – colonial.
1. No reino do Congo havia, de um lado, a escravidão doméstica ou de linhagem, na qual o cativeiro era resultante de sanções sociais ou mesmo da captura em guerras, integrando-se o escravo à linhagem do senhor.
Cativeiro em que se destacavam as escravas concubinas, que geravam filhos para o clã masculino, ao contrário dos casamentos entre linhagens, nos quais os filhos ficavam ligados à família da mãe (matrilinearidade).
Mas ao lado da escravidão de linhagem, mais amena e mitigada, existia o que João Reis chamou de escravidão ampliada ou esclavagismo propriamente dito: um tipo de escravidão comercial ligada à produção agrícola ou à exploração de minas, a qual seria consideravelmente estimulada e desviada para o Atlântico após o contacto com os portugueses.
São Salvador, nome atribuído a M’Banza Kongo após a conversão dos reis congoleses ao cristianismo em 1491, chegou a ter cerca de 60.000 habitantes no século XVII, sendo que de 9 a 12.000 desses não estavam directamente engajados na produção.
Desde antes do contacto com os portugueses, até meados do século XVII, a capital foi um imã que unia as diferentes linhagens nobres, e a base da solidez do Congo, pois mesmo quando eram travadas lutas sucessórias entre as chefias, tudo se resolvia em função da centralização política em São Salvador, antiga M’Banza Congo.
(1) - João Reis. “Notas sobre a escravidão na África pré – colonial”. Estudos afro-asiáticos, n.14, Rio de Janeiro, pp.5-21.
As diferentes linhagens sempre preferiam aderir ao grupo que no momento dominasse a política da capital, a tentar a separação.
Quando os portugueses chegaram ao Congo, encontraram ali grandes mercados regionais, nos quais produtos específicos a certas áreas como sal, metais, tecidos e derivados de animais eram trocados por outros, e um sistema monetário, no qual conchas chamadas nzimbu, colectadas na região da ilha de Luanda, serviam de unidade básica.
O estreitamento das relações com os portugueses intensificou o comércio regional e o internacional e aumentou a importância dos comerciantes, muitos deles não congoleses.
O Congo não era uma nação voltada para o comércio, exercido em grande parte pelos naturais de Loango, e posteriormente controlado pelos portugueses de São Tomé e de Angola e pelos holandeses.
Mas eram o comércio, principalmente de escravos, e o controle das minas, sempre aquém das expectativas, os principais interesses dos portugueses no Congo quando ali chegou Diogo Cam [Caão].

Conversão e canonização

D. João II enviou Diogo Cão, no ano de 1482, numa expedição marítima que foi dar ao estuário do rio Zaire em Abril de 1483.
Instruídos para estabelecer contactos pacíficos e acompanhados de intérpretes conhecedores de línguas africanas, os enviados do rei português tomaram conhecimento da cidade real no interior do continente e para lá enviaram emissários.
Como estes demorassem a voltar, retidos na corte congolesa pela curiosidade que despertou o que contavam, os navios portugueses, recusando-se a esperar, zarparam sem eles, levando alguns reféns.
Em Portugal esses foram tratados como amigos e aprenderam um pouco dos hábitos, da religião e da língua do reino.
Conforme o prometido, nova expedição trouxe de volta os congoleses capturados, agora “ladinos”, juntamente com uma embaixada e presentes para o Manicongo, retorno amplamente festejado.
região da missão católica de M'Pinda, Soyo, Angola


2 - Disposto a abraçar a fé de Cristo, o Manicongo enviou, em 1488, uma embaixada para o rei português, que foi presenteado com tecidos de palmeiras e objectos de marfim, formalizando seu desejo de se converter ao cristianismo e pedindo o envio de clérigos, assim como de artesãos, mestres de pedraria e carpintaria, trabalhadores da terra, burros e pastores.
Junto com os pedidos, deixou claro, segundo Rui de Pina, cronista que registou o evento, seu desejo de que doravante os dois reinos se igualassem nos costumes e na maneira de viver, solicitando que alguns jovens, enviados com a embaixada, fossem instruídos na fala, escrita e leitura latinas, além dos mandamentos da fé católica.
 
Igreja da Missão do M'Pinda, Soyo, Sazaire, Angola

E, com efeito, durante todo ano de 1489 e1490 os enviados do rei do Congo permaneceram em Portugal, aprendendo o português, os mandamentos da fé católica e os costumes da sociedade portuguesa.
Em 19 de Dezembro de 1490, nova expedição foi enviada ao Congo, a qual, em 29 de Março de 1491, chegou à foz do rio Zaire, por eles chamado de rio do Padrão por lá ter sido colocado um padrão indicador de que o rei de Portugal havia sido o descobridor daquelas terras, em nome do seu reino e de Cristo.
Igreja da Missão do Pinda, Soyo, Sazaire, Angola

(2) - Rui de Pina. “Relação do Reino do Congo”. In: Radulet, Carmem. O cronista Rui de Pina e a Relação do Reino do Congo. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1992, p.101.
A província de Nsoyo (Sonho ou Sono nos relatos portugueses), na qual se encontrava a foz do rio Zaire, era governada por um irmão da mãe do rei do Congo, o mais respeitado dentre os chefes provinciais.
Ao receber os portugueses em M’ Pinda, o chefe local mandou que todos viessem recepcionar os enviados do rei de Portugal.
missão católica de M'Pinda, Soyo, Angola

Rui de Pina deixou-nos um detalhado relato desses primeiros contactos entre portugueses e congoleses, aludindo aos festejos e reverências com que foram recebidos os portugueses e à pompa do Manisoyo, que veio trazendo carapuça na cabeça com uma serpente “mui bem lavrada d’ agulha”.
Regista o cronista – e isto se reveste de máxima importância –, que as “mulheres dos fidalgos” locais se fartaram de saudar os estrangeiros, dizendo que seus maridos haviam de fazer o melhor de si para o serviço del Rei de Portugal, “a que eles chamavam Zarpem - Aponho, que entre eles quer dizer Senhor do Mundo.

3. Ao olhos dos congoleses, o rei português passava, pois, a ser assimilado a Zambem-apongo, divindade suprema dos povos banto, senhor que reinava no mundo dos mortos, pois, vale dizer, a festa era também para João da Silva (Caçuta), congolês baptizado e embaixador do rei do Congo morto na viagem de regresso em Cabo Verde.
Igreja Católica da Missão do Pinda, Sazaire

Senhor do Mundo, porque senhor dos mortos, o Zambem-apongo dos congoleses foi entendido pelos observadores portugueses como sendo o rei de Portugal, D. João II especificamente.
Doravante, e por muito tempo, portugueses e congoleses passariam a traduzir noções alheias para sua própria cultura a partir de analogias que permitiam supor estarem tratando das mesmas coisas quando na verdade sistemas culturais distintos permaneciam fundamentalmente inalterados.
Depois da confraternização, o chefe congolês, provavelmente associando as coisas extraordinárias trazidas pelos lusitanos à sua linguagem cultural, pediu para ser baptizado sem mais demora.
Assim foi erigida uma igreja de madeira, devidamente paramentada com os objectos trazidos de Portugal para nela realizar o baptismo do Manisoyo.
 
  de Jorge Vidal, Igreja católica da Missão do Pinda - Sazaire

Conta-nos Rui de Pina que, apesar de outros nobres expressarem o desejo de serem baptizados, o Manisoyo só permitiu que ele e seu filho mais velho o fossem antes do rei do Congo, primazia que sua destacada posição permitia, não permitindo aos “fidalgos de sua Casa” que sequer entrassem na igreja.
No dia 3 de Abril, dia de Páscoa, o Manisoyo recebeu o nome de baptismo de Manuel, tal qual o irmão da rainha de Portugal, duque de Beja e ao seu filho chamou-se de D. António, inaugurando um padrão analógico que regeria os primeiros tempos das relações entre os dois povos.
 local de baptismo do príncipe D. Manuel -manysoyo, M 'Pinda, Soyo Angola em 04 de Abril 1491

Local do baptismo do Príncipe do Soyo, D. Manuel e sua esposa. Posteriormente, este local serviu para local de baptismo de autóctones que seriam embarcados como escravos para trabalhar na Europa e nas Américas. Vê-se a inscrição “In memoria primum baptismus”, dia 3 de Abril de 1491.
placa com a inscrição “In memoria primum baptismus”.em M'Pinda, Soyo Sazaire

Este supostamente constitui o ponto de entrada do cristianismo no Kongo. Existem autores que contradizem esta ideia, afirmando que antes da chegada dos portugueses já existia a crença em Deus e consequentemente em Jesus Cristo, isto pelos testemunhos de Nkimpa Vita (Jeanne d´Arc Kongolesa) que foi queimada viva pela inquisição portuguesa e outros mártires.
Há alguns metros deste local, também encontra-se o local de embarque de escravos para Europa e América, o antigo Porto do Mpinda (Século XVI-XVIII), situado a 17 quilómetros da Vila do Soyo.
Fonte de água mineral - Malu ma madia
Em língua Kikonga, significa pés de Maria (a mesma Santa que se recusou a partir para Europa, preferindo ficar com o seu povo e continuar a praticar as suas curas). Esta fonte de água límpida tem sido contaminada pelos derivados de petróleo, nasce no Zombo e vai até Kifumua.
A cerca de 3 quilómetros do antigo porto de M'Pinda, encontram-se a Igreja da Missão de Santo António do Sonho (Mpinda), a Associação dos escuteiros de Angola e Agrupamento Santo António 122, um cemitério e uma maternidade. Ao longo do caminho que liga esta localidade á cidade do Soyo existem várias capelas de várias denominações religiosas (Católica, Protestante, Simão Toko, Simão kimbangu, etc.)
Outro local histórico de interesse é o forte do Soyo, o Monte Yallala onde depois de chegar a foz do Rio Zaire e ter assinalado o local com o padrão de São Jorge, Diogo Cão subiu ao norte do rio numa aventurosa hipótese de encontrar as terras do Preste João, cuja aliança permitiria surpreender os muçulmanos. Na sequência disto encontrou um afloramento rochoso onde gravou algumas inscrições. Este local situa-se entre a República de Angola e a República Democrática do Congo) e o padrão dos descobrimentos.


Nessa altura, a narrativa de Rui de Pina deixa bastante clara a relação imediatamente percebida pelos congoleses entre fé e poder.
O baptismo foi reservado aos maiores do reino, numa certa ordem de hierarquias. Principalmente não podia ser usufruído antes que o rei o recebesse, facto percebido pelo Manisoyo que respondeu negativamente aos nobres que pediram para também serem baptizados, justificando o seu próprio baptismo antes do Manicongo por ser tio do rei e mais velho que ele.

Após a cerimónia do baptismo, seguiram-se festejos, os padres acompanharam o Manisoyo até sua casa em procissão com cruz erguida, discursaram contra as idolatrias e superstições e Manuel mandou que todos os ídolos e templos fossem destruídos.
(3) - Idem.
 
residência dos reis do Congo em S. Salvador

Rezas e missas sucederam-se antes que seguisse a expedição para a capital real, dispondo de 200 homens cedidos por Manuel para carregarem os presentes e carga, além dos que levavam os mantimentos e garantiam a segurança.
Demorariam 23 dias para chegar à corte, sendo recepcionados no caminho pelos chefes locais.
Ao se aproximar de Mbanza Congo, dia 29 de Abril, a expedição foi recebida por um membro da família real que levou presentes para o embaixador.

O cronista descreve a recepção da embaixada lusitana pelo rei congolês, usando terminologia familiar aos europeus e que pareciam aos observadores aplicáveis à realidade com que se deparavam pela primeira vez.
Assim, o Manicongo e os chefes que o cercavam foram imediatamente identificados como o rei e sua corte; os nobres congoleses associados aos fidalgos portugueses e os cargos administrativos e honoríficos foram chamados pelos equivalentes europeus.
Conforme as descrições do evento, o Rei ordenou que todos os fidalgos e toda a sua Corte saíssem com arcos, lanças, trombas, tímbales e muitos outros instrumentos que eles usavam, e quando os cristãos chegaram à capital, foram recebidos com grandes estrondos e logo hospedados em umas “casas grandes honradas e novas” providas em tudo do que por eles cumpria.
 
foto de Jorge Vidal, túmulos dos reis do Congo em Banza Congo [ex- S. Salvador] Angola

E chegaram ante El-rei “que estava em um terreiro de seus paços”, acompanhado de grande multidão e posto em um estrado rico ao seu modo, nu da cinta para cima, com uma carapuça de pano de palma lavrada e muito alta, posta na cabeça, ao ombro um rabo de cavalo guarnecido de prata, da cinta para baixo coberto com uns panos de damasco presenteados por El-Rei de Portugal e no braço esquerdo um bracelete de marfim.
4.Enquanto isso as pessoas festejavam, levantando as mãos em direcção ao mar e gritando em louvor a Deus e ao rei lusitano, ou pelo menos assim o entenderam aqueles que deixaram o registo do dia.
Foram iniciados os trabalhos de construção de uma igreja, que seria consagrada à Virgem Maria e demoraria um ano para ser levantada. Enquanto isso os clérigos iam falar ao rei sobre as “maravilhosas obras de Deus, para que, com sua agradável conversação, o conduzissem ainda mais à fé de Cristo”.

5. Este não mais quis esperar pelas maravilhas do baptismo e pediu para ser baptizado imediatamente, no que foi atendido. Preparou-se um cómodo, de uma casa escolhida, ergueram-se altares, acenderam-se tochas e velas, prepararam-se bacias cheias d’ água, e aí o Manicongo foi baptizado, tomando o nome do rei de Portugal e os outros fidalgos, nomes de fidalgos da “Casa d’ le - Rei de Portugal”, seguindo na linha analógica predominante desde o começo das relações entre os dois povos.
O embaixador português foi, enfim, fartamente presenteado e deixou no Congo quatro clérigos, os ornamentos da igreja usados nos cultos e “um negro que conhecia as duas línguas e que, igualmente, era experimentado nas letras de uma e da outra língua, negro que começou a ensinar a muitos fidalgos e a seus filhos e a muitos homens honrados e virtuosos”
N’ Kulu M’ Bimbi, a primeira igreja católica construída em M’ Banza Congo – ex -S. Salvador. Construção iniciada  em 06 de Maio  1491, concluída em 01 Julho do mesmo ano

6.Idealmente a igreja deveria servir de posto avançado no percurso da expansão portuguesa. O retorno da expedição lusitana seguiu com uma embaixada do Manicongo agradecendo os presentes e favores recebidos, comunicando seu baptismo e intenção de multiplicar os conversos (para o que pedia mais padres), oferecendo-se como súbdito em troca do apoio militar recebido e finalmente expressando sua intenção de enviar um embaixador directamente a Roma, a modo de prestar obediência ao chefe maior da Igreja, mas deixando claro que devia a sua fé à acção do rei de Portugal.
(4) – Idem.
(5) – Idem.
(6) – Idem.
E, com efeito, entrevendo boas possibilidades de comércio com o reino do Congo e da expansão do catolicismo – as duas faces inseparáveis da expansão ultramarina lusitana –, Portugal iniciou então uma intensa relação comercial com o reino do Manicongo capitaneada pela difusão da fé cristã.
túmulo rei do Congo

Morto D. João I do Congo, e após uma luta sucessória e fratricida na qual não faltaram tentativas, da parte de algumas facções nobres, em remover o cristianismo de que haviam sido excluídos, ascendeu ao trono D. Afonso I, o mais importante rei da história luso – congolesa, chefe político e espiritual da Catolização do reino do Congo. Isto porque, na verdade, seu pai, D. João I, não obstante convertido, logo abandonaria o cristianismo, pressionado por sectores da nobreza que não aceitavam a nova religião.

Para eles, ela não se mostrou eficaz contra os infortúnios que então assolavam o reino. Além disso, o rei e os nobres resistiam a aceitar a monogamia imposta pelos padres, um dos temas mais polémicos na aceitação da nova religião, uma vez que a extensão da rede de solidariedades tecida pelos casamentos era peça fundamental nas relações de poder tradicionais.

Com a morte de João I e a deflagração da luta sucessória, subiu ao trono um outro filho seu que não seguia os preceitos do cristianismo, apoiado pelos nobres defensores das tradições congolesas.
Mas Afonso conquistou o trono depois de lutas com seu irmão e reinou por trinta e sete anos, de 1506 a 1543, sendo as bases do cristianismo no Congo estabelecidas em seu reinado. Era profundamente dedicado ao catolicismo, impressionando os missionários com o seu saber e com a sua dedicação aos estudos.
 
 foto Jorge Vidal - N’ Kulu M’ Bimbi, a primeira igreja católica construída em M’ Banza Congo – ex -S. Salvador. Construção iniciada  em 06 de Maio  1491, concluída em 01 Julho do mesmo ano
 
7. Seu filho Henrique chegou a ser consagrado bispo (1518- 1531), o que não foi visto com bons olhos pelo clero e pela coroa portuguesa, pois dessa forma diminuía o controle exercido pelo Estado por meio do monopólio da religião.
Mas não foi apenas o cristianismo que floresceu sob o reinado de Afonso I.
Antes de tudo, D. Afonso promoveu um autêntico “aportuguesamento” das instituições políticas do reino, em consonância com D. Manuel, rei de Portugal, que a isto o estimulou.

Assim, a justiça do Estado passou a se guiar pela normas portuguesas, a partir da embaixada de Simão da Silva, portador do Regimento de 1512, e os antigos chefes de linhagem das províncias passaram a intitular-se de condes, marqueses, duques.

Trata-se de matéria riquíssima que não temos condições de desenvolver aqui, mas vale o registo de que, sob a inspiração política e institucional portuguesa, o Estado congolês foi perdendo as características tradicionais de confederação ou chefatura pluritribal para assumir, ainda que no plano das instituições e da etiqueta política, aspectos da monarquia ocidental, centralizando-se mais nitidamente – traço que sobreviveria ao reinado de Afonso I, perdurando até o século XVIII, não obstante as dilacerantes crises políticas que o reino atravessou no século XVII
(7) - John Thornton. “The Development of an African Catholic Church in the Kingdom of Kongo, 1491-1750”,
Journal of African History, n.25, 1984, p.155.
Por outro lado, Afonso I recebeu grande ajuda dos portugueses para incrementar o comércio de cobre extraído em regiões ao norte do Congo que, trazido para a capital, tornou-se um meio valioso com o qual o rei podia adquirir mercadorias europeias.

M'Banza Congo, S. Salvador, Angola

Essas importações e o incremento no comércio, ao aumentar a riqueza do rei, permitiram assegurar a lealdade de nobres importantes, construindo a base de um longo e memorável reinado.
de todo tráfico da África ocidental, e até mesmo ao Benin.
8.Quando o comércio de pessoas fugiu do controle do rei, com mercadores desrespeitando as rotas estabelecidas e o monopólio real, Afonso I escreveu ao rei português reclamando que até mesmo nobres congoleses estavam sendo capturados em guerras inter provinciais para serem vendidos como escravos.
O comércio de escravos era antigo naquela região, mas as regras tradicionais estavam sendo violadas. Não apenas prisioneiros de guerra ou pessoas endividadas estavam sendo negociadas, mas as rotas tradicionais, controladas pelos chefes locais, estavam sendo ignoradas em prol de novos caminhos que burlavam o controle real.
Tudo isso ameaçava o poder real com a evasão de tributos que lhe seriam devidos pelos privilégios tradicionais e o enriquecimento de chefes e comerciantes abalava as bases de seu poder.
residência em M'Banza Congo, S, Salvador
 
Somando-se a isso, a região do N’ Dongo (futura Angola), começava a atrair o interesse dos comerciantes portugueses que buscavam justamente fugir aos monopólios existentes no Congo, concorrendo com o tráfico de escravos controlado pelo rei congolês e pelos comerciantes autorizados pelo rei lusitano.
De todo modo, quando os portugueses chegaram à foz do Zaire, o Congo, assim como outros reinos da região, estava em processo de franca expansão, como os registos de guerras frequentes atestam.
A escravização das populações conquistadas permitia aos reis ampliar sua riqueza pessoal assim como fortalecer exércitos e o corpo administrativo composto por dependentes directos, além de aumentar o volume de tributos recebidos dos territórios ocupados. Assim, a expansão permitia o acúmulo de riqueza e um reforço da centralização política.
Quando os portugueses chegaram àquela parte da África, portanto, não só encontraram uma grande população cativa, como as condições necessárias para sustentar um amplo mercado de escravos, no qual havia espaço para os estrangeiros recém-chegados.
No caso congolês, o próprio processo de centralização e fortalecimento das cidades frente às aldeias estava baseado na crescente existência de escravos, concentrados principalmente em Mbanza Kongo, cujo trabalho era apropriado pelos membros das linhagens nobres que, assim, incrementavam sua riqueza, seu poder, seus sinais de status.

Não só no Congo, mas em vários estados da África centro – ocidental os escravos eram resultado das guerras de expansão, sendo fundamentais na centralização e reforço das lealdades.
(8) - Wyatt MacGaffey. “Dialogues of the deaf: europeans on the Atlantic coast of Africa”. In: Stuart
Schwartz, (org). Implicit Understandings. Cambridge, Cambridge University Press, 1994, p.259; Kenny
Mann. Kongo, Ndongo, West Central Africa. New Jersey, Dillon Press, 1996, pp.51-53.
9.Afonso I reinou nesse período, e apesar dos problemas que seu reinado enfrentou, expandiu as fronteiras do reino, fortaleceu a centralização do poder real, desenvolveu a capital, disseminou o cristianismo e a educação formal, valorizando sobremodo a leitura e a escrita. Não seria exagero ver em seu reinado, sobretudo do ponto de vista religioso e político - institucional, o processo que Serge Gruzinski chamou de ocidentalização, estudando o México na mesma época.
10. Lembrado até hoje como o mais poderoso rei da história do Congo, Afonso I, esse defensor implacável da fé cristã, assemelha-se em muitos aspectos ao ideal de rei missionário e cruzado, rei que combate os infiéis com a ajuda de forças divinas, amplia e consolida as fronteiras da cristandade.
As bases do catolicismo congolês fincaram raízes profundas no seu reinado, que se prolongou até quase meados do século XVI.
Catolicismo que, não obstante, foi incapaz de remover por completo as tradições religiosas locais, do que resultou um complexo religioso original, híbrido, a um só tempo católico e banto.
Crise congolesa: Mbwila e a fragmentação política
11. As relações luso -congolesas estabelecidas no reinado de Afonso I entraram em lento mas progressivo colapso a partir da segunda metade do século XVI e, sobretudo no século XVII, após a morte de Álvaro II, em 1614.
Na verdade, não obstante a retórica da Coroa portuguesa de que o rei do Congo não era vassalo de Portugal, senão um “irmão em armas de seus reis”, como dele disse D. João IV, o facto é que Portugal sempre viu no Congo uma possibilidade de expandir a fé católica e garantir o tráfico de escravos em partes d’ África.
Portugal atendeu muito pouco às reivindicações dos monarcas congoleses, como se percebe na correspondência entre as duas Coroas no período, e acabaria deslocando seus interesses no tráfico para Angola.
A deterioração das relações luso -congolesas só fez crescer no século XVII, a ponto de, no reinado de Garcia Afonso II (1641-1663), o Congo ter se aproximado dos holandeses, que haviam tomado Luanda anos antes.
Garcia II desenvolveu, na verdade, uma política ambígua, cortejando e deixando-se cortejar pelos batavos, porém, recusando a pressão holandesa para abandonar o catolicismo romano. Desatendeu, por outro lado, as exigências do padroado da Coroa Portuguesa, admitindo no reino capuchinhos italianos e espanhóis, embora tenha ratificado um tratado que garantia importantes concessões territoriais a Portugal na vizinha Angola.
(9) - John Thornton. Africa and Africans in the Making of the Atlantic World, 1400-1680, Chicago, The
University of Chicago Press, p.108-109.
(10) - Serge Gruzinski, . La colonisation de l’imaginaire - l’ occidentalisation dans le Méxique. Paris, Gallimard, 1988.
(11) - Charles Boxer. Salvador
placa de identificação da área histórico cultural do antigo porto do Mpinda

Apesar das cautelas de parte a parte, Congo e Portugal seguiriam doravante caminhos distintos, quando não opostos, até o frontal embate de 1665.
Referimo-nos à batalha de Mbwila ( Ambuíla ), quando os congoleses foram derrotados pelos portugueses, seguindo-se um período de guerras internas ligadas à sucessão real.
caminho ao antigo  porto fluvial de M'Pinda

Portugueses e congoleses enfrentaram-se em Mbwila em relativa igualdade numérica, mas, enquanto o exército congolês era formado principalmente por camponeses recrutados, o exército português era composto em sua maioria por guerreiros imbangalas ( gagas ), povo criado na tradição guerreira.
A guerra ocorreu em torno a uma disputa sucessória em Mbwila, importante região do N'dembo, estando os portugueses interessados em controlar o território que seria passagem para as cobiçadas minas de ouro e prata.
Na batalha morreram milhares de congoleses, muitíssimos nobres e o rei António I teve sua cabeça cortada e enterrada em Luanda, enquanto sua coroa e seu ceptro, emblemas reais, foram remetidos a Lisboa à guisa de troféus.
Junto com o rei, haviam morrido os principais candidatos ao trono, abrindo-se então um complicado processo sucessório que fortaleceu a posição de Nsoyo.
Depois da batalha, São Salvador (Mbanza Congo) foi à ruína com as linhagens nobres fugindo das guerras sucessórias para outras províncias.
De todo modo, a maioria dos autores que se detiveram na história congolesa deste período atribuem a desestruturação do reino a causas externas, localizando no aumento do número de escravos traficados, na intensificação das guerras regionais e na alteração do equilíbrio entre os poderes tradicionais os principais motivos das guerras civis que assolaram o Congo até o início do século XVIII.
John Thornton é de opinião diferente, desvendando os mecanismos internos que levaram às guerras civis e ao longo período de lutas sucessórias após a derrota de Mbwila.
Com o enriquecimento das linhagens governantes do Nsoyo, não só devido ao grande aumento do comércio que passava por M’ Pinda, seu porto, mas principalmente com o aumento da riqueza produzida na cidade devido à concentração de escravos e tributos, surgiu uma alternativa de aliança entre as linhagens em disputa, que não dependiam mais apenas da linhagem então reinante.
No seu entender, o poder centralizado do Congo foi destruído pelas rivalidades entre Nsoyo e São Salvador – agudizadas no “período holandês” –, pela derrota em Mbwila e pelas lutas entre as linhagens nobres.
Depois de Mbwila, toda a nobreza transferiu-se para as províncias, que se tornaram mais autónomas e passaram a escolher seus administradores, independentemente do poder central, pelo qual, no entanto, a disputa era constante.
Cada chefe local cercou-se de um grupo de auxiliares, reproduzindo nas províncias a estrutura da corte real e escolhendo seu sucessor. As rivalidades entre as linhagens provocaram guerras permanentes que empobreceram a população em consequência de recrutamentos forçados, destruição de plantações e escravização dos derrotados, vendidos para os comerciantes de Luanda ou para a Loango dos mercadores.
Nsoyo, a mais forte província, cuja capital teve a população dobrada entre 1645 e 1700, quando contava com cerca de 30.000 habitantes, desenvolveu-se muito nesse período, beneficiando-se dos escravos trazidos de São Salvador, em ruínas.
A intenção de Nsoyo era manter um rei fantoche no poder, servindo aos interesses da nobreza local, e, para tal, apoiava algum pretendente ao trono o suficiente para lá colocá-lo, mas não o suficiente para que se fortalecesse no cargo.
No entanto, a crise política, qualificada por alguns como verdadeira “anarquia”, tomou conta do reino congolês. Entre 1665 e 1694, houve nada menos do que 14 pretendentes à coroa do reino, alguns com sucesso, outros nem tanto, e muitos deles assassinados.
No final dos seiscentos, o Congo possuía três reis, sendo D. Pedro IV o mais poderoso deles, aparentemente, e talvez o único capaz de levar adiante um projecto de reunificação congolês.

Kimpa Vita e a ressurreição imaginária

 
Foi neste contexto de crise e fragmentação que irrompeu o antonianismo, movimento que, seja em termos religiosos ou políticos, fornece-nos importantes pistas para compreender as complexas relações entre catolicismo e monarquia na África banto.
A fundadora da “seita” foi a jovem aristocrata Kimpa Vita, nascida de família nobre congolesa na década de 1680, baptizada Dona Beatriz, mulher que fora sacerdotisa do culto de Marinda (nganga marinda), embora educada no catolicismo.
Kimpa Vita contava entre 18 e 20 anos quando, cerca de 1702-1703, acometida de forte doença, disse ter falecido e depois ressuscitado como Santo António. E seria como Santo António que Kimpa Vita pregaria às multidões do reino – daí o movimento ter ficado conhecido como antonianismo –, seguindo o rastro de outras várias profetisas que lhe precederam na mesma tarefa, como a Matuta, em meio à crise que assolava o reino.
A pregação de Kimpa Vita possuía forte conotação política. Preconizava o retorno da capital a São Salvador e a reunificação do reino, chegando mesmo a envolver-se nas lutas facciosas da época. Melhor exemplo disso ocorreu quando de sua chegada a São Salvador, onde encontrou Pedro Constantino da Silva, nobre militar enviado por D. Pedro IV, a quem proclamou “Rei do Congo” em troca de sua adesão ao antonianismo.
Assegurou-se ainda, por meio de vários acordos, da aliança de famílias nobres adversárias de D. Pedro, a exemplo dos grupos de Kimpanzu, especialmente da família Nóbrega, enraizada no sul da província de Nsoyo.
As alianças estabelecidas por Kimpa Vita, metamorfoseada em Santo António, não eram porém resultado de mero cálculo político. Ancoravam-se numa cosmologia complexa e peculiar que, se formos resumir em poucas palavras, vale seguir o que disse Ch. Boxer sobre o movimento: “uma modalidade remodelada e completamente africanizada do cristianismo”

12. Com efeito, o movimento anotado confirma, antes de tudo, o êxito do processo de canonização do Congo inaugurado no século XV e cristalizado sob o reinado de Afonso I na primeira metade do século XVI.
O Deus dos antonianos era, sem dúvida, o Deus cristão, o Deus dos missionários, com o qual Kimpa Vita dizia jantar todas as sextas-feiras, após “morrer”, para “ressuscitar” no dia seguinte.
Santo António, por outro lado, santo mui valorizado na missionação realizada no Congo, era a persona assumida pela profetisa, por ela chamado de “segundo Deus”.
Africanizando o catolicismo, “a Santo António congolesa” dizia que Cristo nascera em São Salvador, a verdadeira Belém, e recebera o baptismo em Nsundi, a verdadeira.
(12) - Charles Boxer. A Igreja e a expansão ibérica. Lisboa, Edições 70, 1981, p.132.
Nazareth.
cruz à entrada da missão católica de M'pinda

Afirmava ainda que a Virgem Santíssima era negra, filha de uma escrava ou criada do Marquês de Nzimba Npanghi e que São Francisco pertencia ao clã do Marquês de Vunda.
O catolicismo do movimento antoniano era, portanto, muitíssimo original, implicando uma leitura banta ou bakongo da mensagem cristã. Modelava-se, em vários aspectos, na acção pedagógica dos missionários, mas condenava o clero oficial, sobretudo os missionários estrangeiros, aos quais acusava de “haverem monopolizado a revelação e o segredo das riquezas para exclusiva vantagem dos brancos” em prejuízo dos “santos negros”.
Rejeitou, igualmente, boa parte dos sacramentos católicos: o baptismo, a confissão, o matrimónio, ao menos no tocante à liturgia e aos significados oficiais, abrindo caminho, no caso do matrimónio, para a restauração legitimada da poligamia.
Adaptou, ainda, certas orações católicas, a exemplo da Ave -Maria e sobretudo do Salve Rainha. Proibiu, ainda, a veneração da cruz, esse grande nkisi católico -bakongo, em razão de ter ela sido o instrumento da morte de Cristo.

Kimpa Vita prometia a todos os que aderissem à sua pregação uma próxima “idade de ouro”, e não apenas no sentido figurado, pois dizia que as raízes das árvores derrubadas converter-se-iam em ouro e prata e que das ruínas das cidades surgiriam minas de pedras preciosas.
Prometia, ainda, tornar fecundas as mulheres estéreis e outras mil bem-aventuranças, granjeando imenso apoio popular. Não se escusava, porém, de ameaçar os reticentes com as piores penas, incluindo a de transformá-los em animais.
Organizou para tanto uma verdadeira igreja antoniana, um clero, onde pontificavam outros santos, como São João, e uma plêiade de sacerdotes denominada de “os antoninhos” que saíam a pregar a excelência da nova igreja e o poder taumatúrgico e apostólico “da Santo António” que a chefiava.
Kimpa Vita despertou obviamente a ira dos missionários capuchinhos e das facções nobres adversárias do antonianismo e postulantes do poder real.
O próprio D. Pedro IV, de início cauteloso e hesitante em reprimir o movimento, terminou por ceder às pressões dos capuchinhos italianos, ordenando a prisão da profetisa e de São João, “o anjo da guarda” da profetisa que os frades diziam ser seu amante.


O estopim ou pretexto que levou à prisão de Kimpa Vita teria sido a acusação de que tinha um filho recém-nascido, cujo choro teria sido ouvido enquanto ela o amamentava em segredo, do que resultara o seu desmascaramento como “falso Santo António”.
Kimpa Vita foi presa, arguida pelo capuchinho Bernardo Gallo16 e condenada a morrer na fogueira como herege do catolicismo. A sentença foi executada em 1708 e na fogueira arderam Kimpa Vita e seu “anjo da guarda” – o Santo António e o São João do catolicismo congolês.
 
Um importante estado africano feudal...
 O Reino do Congo era um verdadeiro Estado feudal, englobando a actual República do Congo – Brazzavile (ex- Congo francês), o Baixo -Congo até Kinshasa, capital da actual República Democrática do Congo (ex- Congo belga, ex-República do Zaire...), e uma parte do norte de Angola.
Uma lenda a desfazer é a de que esse reino banto teria sido sempre hostil aos europeus, o que contraria a verdade histórica.
Os reis negros, longe de se entregarem a um nacionalismo xenófobo, desde os primeiros contactos, em sua maioria, multiplicaram suas atenções quanto ao relacionamento com os "brancos".
Pediram missionários, mestres de ofícios, mercadores, enviaram embaixadas a Portugal e ao Vaticano, mau grado as dificuldades de comunicações marítimas, solicitando intercâmbio.
O Rio Zaire ou Congo – "Rio Poderoso" – ou simplesmente "RIO" (ZAIRE) impressionaria profundamente os seus descobridores, comandados por Diogo Cão.
Aquela torrente de água doce a penetrar, por alguns quilómetros, pelo mar dentro, era suficiente testemunho de sua extraordinária pujança e importância. 
Os Portugueses não conheciam coisa que se assemelhasse a isso, seu Tejo pátrio ficava muito aquém da majestade africana do "Zaire".
Rumores corriam, conforme uma velha tradição europeia, de que devia existir um meio de comunicação com o lendário Reino do Preste João (afinal, este viria a revelar-se na Etiópia com seu cristianismo copta, mais tarde). Seria por ali o caminho?

Diogo Cão chega ao reino do Congo...início da aculturação lusófona – Padrão de São Jorge...
1483- A guarnição do audacioso navegador português Diogo Cão encontrou no Reino do Congo, um país política e administrativamente bem estruturado, dividido em províncias, confiadas a sobas vassalos, próspero e totalmente independente.
Implantou o Padrão de S. Jorge (Abril de 1483) situando-o na margem esquerda do citado grande curso fluvial. Por contactos estabelecidos com os íncolas ribeirinhos, souberam os Portugueses da existência, no interior, dum poderoso rei. O capitão  enviou ao potentado Negro mensageiros e presentes. Mas não se deteve no local, prosseguiu viagem para Sul.
Só decorridas 15 luas arribou novamente ao Congo em Novembro de 1485, trazendo consigo os 4 Negros que havia tomado à chegada em 1483, os quais enviou ao rei, vestidos já à portuguesa, bem alimentados, falando a língua portuguesa.
Foram esses os primeiros embaixadores da civilização lusitana.
Ficou o monarca encantado, ao ouvir da boca dos seus súbditos já meio ocidentalizados notícias precisas a respeito dos estrangeiros. E assim se encetaram amistosas relações entre portugueses e congueses...
Foi em 1575, quase um século depois de ter a guarnição do navegador Diogo Cão assinalado com os seus padrões toda a costa de Angola (1482 - 1486), do rio Zaire ao Cabo Negro, que Paulo Dias de Novais, Primeiro Governador e Capitão - Mor das conquistas do Reino de Angola desembarcou na Ilha de Luanda, aqui fronteira, com cerca de 700 homens, 350 dos quais homens de armas, padres, mercadores e servidores, estabelecendo o primeiro núcleo de portugueses, aqui entrou, além de alguns portugueses, muita gente que nela vivia, toda, no dizer dos cronistas, «muito bem disposta ao cristianismo».
Um ano depois, reconhecendo não ser «o lugar acomodado para a capital da conquistas», funda em terra firme a vila de S. Paulo de Loanda, e logo a igreja de S. Sebastião, no morro de S. Miguel, (Museu das Forças Armadas). A sua volta foi crescendo a Vila e irradiando depois, tomou foros de cidade, em 1605, no governo de Manuel Cerveira Pereira.
Entretanto, estenderam-se as conquistas ao interior de Luanda e fundaram-se os presídios de Massangano (1583), Muxima (1599) e Cambambe (1604), de que restos ainda hoje se encontram ao longo do rio Kwanza.
A Câmara de Luanda deve ter início ao estabelecer-se em terra firme a Vila. Não há documentos precisos da sua fundação; mas sabe-se que Paulo Dias de Novais logo «criou os cargos e ofícios necessários ao governo da nova Colónia»; em algumas descrições se assinala a sua presença em actos solenes, desde 1595 e em 1611 é já a Câmara que, com o Bispo e Nobreza, elege o novo governador Bento Banha Cardoso, por morte repentina do antecessor.
Por várias vezes teve o Senado da Câmara intervenção directa na governação da colónia, de 1667 a 1669, e de 1702 a 1704, foi-lhe o governo confiado e confirmado por cartas régias.
Depois desta época, passam os Ouvidores a presidir ao Senado da Câmara; é criado também o lugar de «Mestre de Campo» para substituir os governadores, e não volta, senão acidentalmente, e por poucos dias desempenhar tão altas funções, (1732).
No entanto, a colaboração que sempre dispensou aos governadores, quer em auxílios materiais quer morais, fazem salientar, como já foi publicado, a sua «útil e leal acção» na defesa da colónia e a favor da colonização, se atentarmos sobre tudo no contraste do procedimento de outras «câmaras ultramarinas» nessas épocas, e de que as descrições de Lopes de Lima nos dão conta.
As primeiras perturbações causadas pelas investidas holandesas têm lugar em 1624;
Em 1633 armam-se em Luanda 5 navios de guerra para combater as suas naus que na costa de Benguela ameaçavam o comércio.
O sossego não volta até ao aparecimento, na baía, da Grande Armada, do comando do Almirante Pedro Houtebeen, no dia 24 de Agosto de 1641 em que os portugueses, o governo, alarmados, abandonaram precipitadamente a cidade a caminho do Bengo, para se acolherem ao presídio e vila de Massangano.
Seguem-se sete anos em que os portugueses em Angola escreveram as mais dolorosas páginas da sua história.
Capelinha do Kintamby
situada a S 06º17,23’ e E 012º22,27’, esta capela foi erguida na época colonial. Ainda é frequentada pelas populações locais, inclusive o Soba local.
Salvador Correia de Sá e Benevides, que ao serviço de Portugal vinha no Brasil governando, depois de feitos militantes, em terra e mar, é encarregado pelo rei D. João IV, ao regressar de uma das viagens comerciais que, por sua determinação, comboiava e protegia da restauração de Angola, caída em poder dos holandeses.
Acompanhado de 1.200 homens de armas e de uma frota de 12 navios, se faz ao mar em 12 de Maio de 1648, fundeando em 12 de Agosto na baia de Quicombo.
A inclemência do mar fez perder a nau Almirante e os 300 homens que continha, levantando-se (Cardonega) «uma tormenta de marés tão fortes, coisa não vista de outros navegantes naquela paragem».
Mas, mesmo sem ela e sem esses homens, Salvador Correia de Sá chega à baía de Luanda, ante o pasmo da gente holandesa, que convencida pensa tratar-se apenas de simples guarda avançada de grande esquadra.
Apressadamente se refugiam os de terra na Fortaleza de S. Miguel (Museu das Forças Armadas).
Mas o desembarque faz-se na manhã seguinte, 15 de Agosto de 1648, e em assalto bem conduzido, rendem-se os holandeses dominados por menos de metade de homens portugueses.
Por alvarás régios de 28 de Setembro e 9 de Dezembro de 1662, aos oficiais da Câmara da cidade de Luanda e seus moradores foram concedidos os mesmos privilégios dos cidadãos da cidade do Porto, em consideração aos serviços prestados à Restauração de Angola.
O seu brasão de armas fica para sempre registado nos arquivos da Torre do Tombo, entre os das cidades e vilas portuguesas.
Como que um novo período começa; pretende-se apagar da memória o pesadelo do condomínio; a cidade muda o seu nome passando a ser S. Paulo de Assunção de Luanda, por ser aquele o dia da Assunção da Virgem que no seu brasão passa a figurar, (15 de Agosto).
Antes da invasão holandesa e segundo a descrição de Dapper e a sua gravura que acompanha a edição francesa da sua Obra (1686), na cidade existiam já as fortalezas de S. Miguel (1638), no mesmo local em que hoje se encontra, do Penedo, Santa Cruz e algumas outras desaparecidas, várias igrejas (seis), conventos dos Jesuítas, dos Terceiros Franciscanos, Hospital da Misericórdia e casario diverso principalmente na baixa da cidade.
Mas a cidade, depois de reconquistada, teve de ser construída de novo (Cardonega), restauradas as casas dos habitantes sem tectos, sem portas, as igrejas desbaratadas, mostrando por toda parte a ruína; concederam-se «chãos de sesmaria» aos moradores para novas casas e arimos (Lopes de Lima).
Entre as construções mais notáveis do fim do mesmo século, existem, ainda muito bem conservadas, a ermida de Nossa Senhora da Nazaré, que o governador André Vidal de Negreiros iniciou em 1664, aproveitando-se para comemorar a batalha do Ambuíla (1665), dos mais repugnantes feitos de armas da história de Angola e reproduzido num quadro de azulejos da época, na capela-mor, a igreja do Carmo e a Cerca, restos do Convento das Carmelitas (1663), com (belos azulejos também), e ainda a fortaleza de S. Miguel (Museu das Forças Armadas) completada na época, com recinto fechado, de terra batida e alvenaria.
São do século XVIII o acabamento da fortaleza de S. Pedro da Barra, de S. Francisco, no antigo lugar forte do Penedo, e de outras obras de vulto como o Quartel de Infantaria (1754), agora demolido, o Palácio do Governo (1761) o Terreiro Público (1765), a Alfândega (1770), passeio Público da Nazaré (1771).
Pouca era, porém a casaria da cidade ainda nos meados do século XIX, que só então começa a desenvolver-se rapidamente. Das construções mais importantes desse período são o mercado da Quitanda (1818), o primeiro cemitério (1806) e, já no fim do século, o hospital de D. Maria Pia, notável ainda hoje pelo seu plano e grandeza e que as obras de vulto dos últimos anos melhoraram consideravelmente.
A análise sucinta da evolução geral urbana em Angola, permite-nos observar um grande número de factos, testemunhado a aplicação de critérios urbanísticos, consentâneas as épocas económicas ou políticas.
As características da urbanização de Luanda tomam aspectos diferentes, conforme a civilização e os conhecimentos de cada época.
Até meados do século XVIII a urbanização é subordinada há razões de ordem política, económica – geográfica.
A seguir esta época aperfeiçoa as práticas, urbanísticas, em resultado da expansão colonial. Entram em função outros factores urbanos, com o saneamento e a estética, melhoram-se os meios defensivos coloniais e o abastecimento e distribuição de alimentos.
Depois do segundo quartel do século XIX, a urbanização de Luanda avança mais um grande passo.
No meio deste século, o progresso urbano, orientado pela técnica moderna não tem paralelo.
Os primeiros missionários nessas áreas foram os navegadores e mercadores ainda ligados à ideia das Cruzadas. Não raros, esses navegadores utilizaram-se do recurso de levar nativos para Portugal para prestarem informações e serem catequizados.
De volta às suas terras, esses homens podiam servir como intérpretes, auxiliando os portugueses na sua empresa. Mas, para J. F. Marques, também, só muito escassamente foi bem – sucedida a evangelização na Guiné, Senegal e Benim, por causa da influência muçulmana.
Só a partir das duas últimas décadas do século XV a cristianização da África negra conheceu medidas e resultados consistentes. Com D. João II e D. Manuel I, o esforço apostólico da Coroa portuguesa passou dos actos isolados à adopção de uma política assentada, em traços gerais, na conversão dos reis gentios e na formação de um clero nativo (Riley, 1998:162).
Assim, ao lado das feitorias e dos interesses mercantis, seguiram a construção de igrejas e capelas e a educação na fé católica de crianças e jovens, transformando-os, posteriormente, em missionários em suas terras de origem. No Senegal, chegou-se a construir o convento de S. Vicente do Cabo, destinado à formação de clero negro.
A terceira zona identificada por J. F. Marques abrangia o reino do Congo e a ponta meridional costeira da África. A chegada ao Reino do Congo, depois de meio século de investidas para o reconhecimento da costa ocidental da África e do golfo da Guiné, revelou aos portugueses uma área na qual não havia a influência islâmica.
em M'Banza Congo, a árvore que sangra
Em fins do século XV, D. João II mandou a primeira expedição, sob o comando de Diogo Cão, que saiu do Tejo em direcção à feitoria da Costa da Mina.
Após curta estada, o navegador rumou para o Sul e alcançou a foz do Rio Congo. Desembarcou na margem esquerda e erigiu na moita Seca, o padrão de S. Jorge, 10 km de Mpinda, porto de desembarque que seria de passagem obrigatória nos séculos XV e XVI.
Ali, entrou em contacto com Nsoyo, chefe da localidade e soube que no interior ficava a Corte do Manicongo, Nzinga-a-Nkuwu, chefia máxima do reino.
O reino do Congo, naquela época, abrangia grande parte da África centro-oriental e se dividia em províncias, como a de Nsoyo, administradas por linhagens nobres. Mbanza Kongo era a capital, centro de poder de onde o Manicongo administrava a confederação juntamente com um grupo de nobres que formavam o conselho real (Vainfas & Souza, 1998:97).
O navegador enviou emissários portugueses rio acima, levando, segundo a crónica de João de Barros, um presente ao rei da terra. Como não regressaram dentro do prazo previsto , a guarnição voltou ao Reino português levando alguns nativos como reféns, porque os emissários portugueses ainda não tinham regressado à foz do rio Zaire vindos da residência do rei do Congo.
De volta ao Congo em Setembro de 1485, esses homens foram integrados numa embaixada de D. João II ao Manicongo. Segundo a famosa crónica de Garcia de Resende, do século XV, o rei português ofertava sua amizade e convidava o rei congolês à fé cristã, recomendando-lhe que deixasse os "ídolos e feitiçarias" que adoravam em seu Reino.
A guarnição do navegador desceu em terra os congoleses que levara para Portugal e recolheu os portugueses que tinham ficado da sua primeira viagem. As informações obtidas pelos dois lados facilitaram a ulterior recepção do Manicongo tendo cumprido aí papel importante os reconduzidos reféns congoleses.
Assim, para Julieta Araújo e Ernesto dos Santos (1993:642), dois aspectos marcam o início da exploração da região. Por um lado, a penetração fluvial com a exploração do estuário do Zaire.
A guarnição do navegador subiu o curso do rio até as cataratas do Yelala, atingindo o extremo navegável do rio. Por outro, a penetração terrestre em direcção a Mbanza Kongo, que mais tarde seria rebaptizada de São Salvador.
Na volta a Portugal mas já com Bartolomeu Dias no regresso da descoberta do Cabo de Boa Esperança, passando por M´ Pinda, foi a vez de o Manicongo mandar sua embaixada a D. João II.
Junto dos presentes, pedia "que lhe mandassem logo frades e clérigos e todas as coisas necessárias para ele e os de seus reinos recebessem a água do baptismo", solicitando igualmente o envio de pedreiros, carpinteiros e lavradores que ensinassem em seus reinos a tratar da terra, mulheres para ensinarem a amassar pão, "porque levaria muito contentamento por amor dele que as coisas do seu reino se parecessem com Portugal" (ibidem:643).
Em Dezembro de 1490, partiu para o Congo uma expedição sob o comando de Gonçalo de Sousa, na qual retornou a comitiva congolesa, assim como foram enviados os primeiros missionários. A expedição chegou ao porto de Mpinda e foi recebida pelo chefe da província de Nsoyo, tio do Manicongo.
Ele e seu filho foram os primeiros a serem baptizados, recebendo o nome de Manuel, o mesmo do irmão da rainha de Portugal.
Com isso, abria-se o caminho para a conversão. Dali partiu a expedição para a capital real. O Manicongo quis ser baptizado imediatamente, no que foi atendido e, seguindo o padrão analógico dos primeiros tempos da relação entre os dois reinos, recebeu o nome do rei de Portugal.
D. João I, no entanto, logo abandonaria o cristianismo, pressionado por certa facção da nobreza apegada às tradições bakongo e receosa de perder suas posições com a "nova ordem cristã" que se avizinhava.
Foi com seu filho, Afonso, que reinou entre 1506 e 1543, que as bases da catolização foram sedimentadas. Ainda durante o reinado de seu pai, D. Afonso entrou em conflito com seu irmão, governador de Panga, que rejeitara a fé católica e tinha muitos seguidores.
em M'Banza Congo, S.Salvador, Angola
A luta ganhou intensidade com a sucessão no poder. Restabelecida a paz, D. Afonso mandou erigir a igreja de Santa Cruz, templo no qual foram baptizados muitos súbditos.
D. Afonso ordenara ainda aos governadores que entregassem todos os objectos que pudessem lembrar as antigas crenças. "O monarca mandou queimar tais objectos, distribuindo em seguida imagens de santos, cruzes, rosários, etc. Mandou, além disso, erigir três igrejas: a de São Salvador, a da Virgem Maria e a de São Jaime" (idem:651).
Diante das dificuldades e do precário contingente de missionários, Afonso I pediu ajuda à Coroa portuguesa. O rei D. Manuel mandou, então, formar um grupo de moços no convento de Santo Elói de Lisboa, o primeiro seminário europeu para o clero indígena.
Entre esses rapazes estava o filho de D. Afonso I, Henrique, que mais tarde seria consagrado bispo titular de Útica.
Em seu reinado, a conversão dos senhores do Congo e seus súbditos significou não só mudanças na vida espiritual, mas também em aspectos materiais, incluindo desde a alimentação, vestuário e construções, até a reforma administrativa do Reino, que se reorganizou à semelhança do de Portugal.
igreja em M'Banza Congo
Segundo A. Custódio Gonçalves (1992:533), com a tentativa de transformar o Congo em um reino cristão, "ponta de lança da conquista espiritual da África", acreditou-se que a introdução de novos modelos culturais através da acção missionária o tornaria uma réplica do reino português.
A missionação, a par das deficiências, facilitou a abrangência da educação e a entrada dos modelos de organização política, administrativa e judicial, com a instituição da nobreza, cortesãos e dignatários, insígnias e distintivos de todos os graus hierárquicos, criando no Congo a Corte de São Salvador, cujo rei se dizia irmão do monarca português.
Anterior ao achamento do Brasil e ao domínio da Índia, a descoberta de um espaço geo -humano, tão vasto e receptivo como o oferecido pelo Congo, proporcionaria a possibilidade de materializar um eficaz projecto de aculturação jamais acenado ainda a Portugal. (Marques, 1992:131)
A colonização do território de Angola teve sua base inicial nos contactos com o reino do Congo. A ex-província Ngola, após sua independência do reino do Congo, mandou uma embaixada a Portugal pedindo missionários para instruírem o reino de Angola na fé cristã.
Segundo Araújo & Santos (1993:653), entretanto, mais que o interesse na conversão, o soberano de Angola, reconhecendo a importância que as relações com Portugal conferiam ao rei congolês e buscando afirmar sua independência, tentava, com a embaixada, reatar o tráfico de escravos na região e com isso ganhar poder económico e político em relação ao rei do Congo.
Em 1559, foi enviada uma missão chefiada por Paulo Dias de Novais para, entre outros fins, converter o rei angolano e suas gentes.
Embora ao longo de todo o século XVI os portugueses continuassem a enviar escravos a partir do porto de Mpinda e do Loango, via S. Tomé, depois da fundação de Luanda, em 1575-76, Angola tornou-se o principal fornecedor de escravos.
No Congo, como em Angola, a missionação esteve presente junto aos primeiros esforços colonizadores, mas encontrou muitas dificuldades com o passar dos anos. E não se pode deixar de enfatizar que o maior problema da missionação, sem dúvida, foi a escravatura, da qual os religiosos não puderam passar ao largo.

Notas
1. Segundo A. C. Gonçalves, os cronistas João de Barros, Rui de Pina e Garcia de Resende não estão de acordo quanto às datas e número de expedições de Diogo Cão. "A primeira viagem teria sido 1482 — 83 e a segunda, na qual subiu o rio Congo até as cataratas do Yelala, em 1484 — 85" (Gonçalves, 1992:525).
2. "Até as ilhas de Cabo Verde, a armada foi comandada por Gonçalo de Sousa. Mas, tendo falecido este, assumiu o comando Rui de Sousa [...]" (Araújo & Santos, 1993:646)
3. "A que Ordem pertenceriam estes três primeiros missionários? Surgem diferentes possibilidades. João de Barros, na sua Década Primeira, capítulo III, quando refere a educação, no convento dos Lóios (frades de São João Evangelista) dos jovens naturais do Congo e do seu baptismo, antes de serem entregues aos cuidados de Gonçalo de Sousa para os restituir à pátria, diz que foi escolhido um dominicano. Os Lóios, por sua vez, reivindicam para a sua obra a primazia da acção apostólica empreendida e mencionam como superior frei João de Santa Maria, religioso de grandes letras e virtudes, bem como Frei João de Portalegre, Frei António de Lisboa e o 'Manicongo', Frei Vicente dos Anjos, assim chamado por ter sido um dos mais notáveis missionários da evangelização do Congo" (Araújo & Santos, 1993:648).
Mbanza Congo - Uma cidade, Três vozes

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