Lusotopia de Carlos Fontes
Toda a estratégia montada por D. João II, envolvendo o próprio Cristofõm Colon, ou Cristóvão Colon ou Salvador Fernandes Zarco, mais conhecido pelo nome falso de "Colombo", pressupõe o conhecimento de terras a Ocidente antes de 1492.
Os testemunhos são abundantes, não apenas de
portugueses, mas também dos italianos, espanhóis e franceses.
A descoberta do Brasil está ligada ao conhecimento pelos portugueses das correntes e ventos do Atlântico Sul, o que foi concluído em 1471.
A partir desta ano sucedem-se os relatos de viagens de exploração da costa brasileira.
Os navios que se dirigiam para Sul de África, ao passarem perto da Guiné,
constatavam que levavam muito menos tempo quando se afastavam da costa africana
e navegavam perto da costa da América do Sul. Esta rota foi a rota seguida, em
1497, por Vasco da Gama.
O tempo de navegação era também muito menor se navegassem perto do Brasil. Esta passou a ser a rota recomendada.
A descoberta do Brasil terá ocorrido acidentalmente, por volta de 1448. A principal prova é o Mapa de Andrea Bianco, datado de 1448, baseado em informações recolhidas em Portugal. Neste mapa aparecem representados os descobrimentos portugueses no Atlântico Sul, até Cabo Verde e o Rosso (cabo Roxo).
A Sudoeste das ilhas de Cabo Verde e Rosso surge uma grande terra, com a seguinte inscrição: "Ixola Otinticha xe longa a poniènte 1500 mia" ( Ilha Autêntica a poente à distância de 1500 milhas).
O Brasil fica exactamente a 1520 milhas a poente das ilhas de Cabo Verde. A Ilha representada ajusta-se completamente à costa brasileira.
A corte portuguesa depois da morte do Infante D. Fernando, em 1470, procurou controlar as expedições para Ocidente no hemisfério Sul, impondo crescentes limitações às expedições nessa direcção, nomeadamente de portugueses.
D. Afonso V, desde 1471, atribui ao príncipe e futuro rei D. João II, a responsabilidade da Guiné, proibindo em 1474 que alguém fizesse uma viagem para os mares da Guiné, qualquer que fosse o nome que dessem a estes mares, sem a autorização do príncipe.
A coroa portuguesa já em 1.10.1470 havia chamado a si o monopólio de vários produtos obtidos nestas terras e mares: pedras preciosas, goma-laca e pau-Brasil...
O francês Jean de Léry que visitou o Brasil de 1556 a 1558, registou os
depoimentos de antigos colonos, que lhe confirmaram que "a quarta parte
do mundo, já era conhecida dos portugueses desde cerca de oitenta
anos que foi primeiramente descoberta".
A descoberta teria ocorrido, portanto, em fins
da década de 70 do século XV.
No Tratado de Alcaçovas de 1479, Portugal em troca das ilhas Canárias garante a soberania dos mares e e terras a Sul deste arquipélago.
No ano seguinte, nas novas negociações com Castela
/ Espanha introduz no texto do Tratado de Toledo de 1480, uma
emenda que lhe garante também a soberania sobre as terras que ficavam a Ocidente
das Canárias, isto é, o Brasil. Este facto revela, segundo
o historiador espanhol Juan Manzano y Manzano que
os portugueses conheciam a sua existência nesta altura.
Pedro Vaz da Cunha, o Bizagudo, em 1487, partindo de São
Jorge da Mina no Gana - dirigiu-se para a costa do Brasil,
onde terá feito o primeiro mapa das suas costas . Há notícia que no mesmo
ano João Fernandes Andrade fez idêntica viagem.
João Coelho, em 1487, explorou ilhas a
Ocidente que se pensa corresponderem às de Trinidad, Tobago e
as pequenas Caraíbas do Barlavento.
Las Casas, na História das Índias, cap. 39, de forma explícita
afirma que Colon já
conhecia ou havia feito a rota entre a Ilha do Ferro,das ilhas
Canárias e as Caraíbas navegando 750 léguas, "pocas más o
menos" (sic). A coincidência é total com o roteiro português de 1480-85.
O mais
antigo Roteiro de Marear que se conhece feito em Portugal,
data de 1480-1485.
Neste Roteiro,
como observou o historiador Vitoriano Magalhães Godinho, consta já a rota para
chegar às Caraíbas a partir da Ilha do Ferro, Canárias,
fixando-se inclusive a distância: 700 milhas.
Colon seguiu exactamente este caminho e referiu a
mesma distância.
João Coelho de Lisboa, em 1487, comandou uma expedição ao Senegal, na ida ou na vinda terá aportado às Índias Ocidentais, isto é às ilhas das Caraíbas.
A afirmação é de Estevão Fróis,
em 1513, que foi preso pelos espanhóis no Haiti (Hispaniola),
território que segundo o Tratado de Tordesilhas pertenceria a
Espanha.
Por não concordar com a prisão, escreveu ao rei D. Manuel I, afirmando que estava a ocupar terras que pertenciam a Portugal: "a terra de Vª. Alteza, descoberta por João Coelho, o da Porta da Luz, vizinho de Lisboa, há vinte anos e um".
A expedição não foi em 1492, mas
em 1487 conforme se comprova por documentos régios.
Colon, em 1498, quando se dirigiu para Sul
das Ilhas de Cabo Verde, afirmou que ia à procura do continente que D. João II lhe falara existir a Ocidente. Esta conversa só podia ser anterior
a 1488.
Os tripulantes de um navio francês, aprisionado em 1532 quando
regressava clandestinamente do Brasil, afirmaram que tinham provas
seguras que os portugueses estavam estabelecidos nesta região do
mundo antes de 1491.
O espião inglês Robert Thome, informa Henrique VII, em 1527, que os portugueses antes
de Colon:
"O rei de Portugal já tinha descoberto algumas
ilhas que estão contra as ilhas de Cabo Verde, e também uma certa
parte do continente em direcção ao Sul, a que se chamava Brasil".
Nos anexos à Crónica de Nuremberg de 1493, diz-se que Martin Behain (Martinho da Boémia), havia navegado na companhia de "Jacob Carnus de Portugal" ao Sul da linha do Equador ao "alter orbis", isto é, "Outro Mundo", a que na denominação romana se designava antípodas.
Colon também se referiu ao continente que encontrou na Venezuela, como "alter Orbis", e outros depois usaram o mesmo nome para designar a actual América do Sul.
Colon, quando a 6 de Setembro
de 1492, zarpou de La Gomera (Gomeira, Canárias) na
direcção da "India" (América), é informado que três caravelas de
Portugal estavam perto da Ilha de Ferro (Isla del Hierro),
isto é, entre as ilhas Canárias e o continente americano, para
controlarem a sua expedição, de forma a garantirem que não entrava nos domínios
definidos no Tratado de Alcáçovas-Toledo (1479-80), que
abrangia grande parte da América do Sul.
O Brasil, segundo o historiador espanhol Juan Manzano y Manzano, teria sido descoberto pelos portugueses em fins do Verão ou Outono
de 1493.
É cada vez mais consensual que Portugal já conhecia a existência
do Brasil, antes de 1492 mas a verdade é que
não tinha condições para assegurar estes vastos territórios dadas as
guerras que mantinha com Castela, nomeadamente pelo controlo do Norte de África
e a costa da mina (Gana), a sua principal prioridade.
Afonso(André) Gonçalves, piloto, em Novembro de 1494, zarpou na direcção do Brasil, tendo sido recompensado por carta régia de 11.6.1497 (menos de um mês antes de embarcar na armada de Vasco da Gama).
Nas negociações do Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, Portugal fez mais uma vez questão de contemplar o domínio absoluto deste vasto território. A justificação dada pelos negociadores portugueses foi que os navios vindos do Cabo da Boa Esperança precisavam de espaço para fazerem manobras, daí terem exigido 370 léguas a Ocidente das ilhas de Cabo Verde.
A verdade era outra, como o próprio Colon escreveu.
Durante as conversações deste Tratado os reis católicos informaram Colon que os portugueses sabiam de um continente localizado a Ocidente
entre o cabo da Boa Esperança e o paralelo das Canárias,
o que corresponde ao actual Brasil.
O próprio Colon, em Agosto de 1498, escreve com toda a clareza que se
dirigiu das ilhas de Cabo Verde na direcção do Brasil por
cinco razões:
a) A averiguar da terra firme, continente, que D. João II lhe falara existir a "austro", isto é, a Sudoeste.
b) Os conflitos durante as negociações com Castela deveram-se ao facto de
Portugal, pretender assegurar a posse deste continente. Exigindo que o
meridiano fosse fixado a 370 "léguas" (sic) das Ilhas do Açores e das
ilhas Cabo Verde.
c) D.João II tinha "por cierto" que dentro do seus limites "avía de
hallar cosas y tierras famosas".
d) D.João II tinha grande empenho (inclinação) em enviar navios a descobrir a
Sudoeste. Os portugueses acharam inclusive canoas que saiam da costa da Guiné,
que navegavam na direcção de oeste com mercadorias.
e) A direcção para Ocidente devia ser percorrida seguindo o paralelo
da Serra Leoa, calculando a latitude a partir da Estrela do Norte
(estrela polar), seguindo depois para Sul.
Colon viu-se
impossibilitado de seguir esta ultima instrução do rei, como refere, devido ao
calor que encontrou, limitando-se a seguir o paralelo até atingir Terra
Firme.
Colon, contraria assim a versão corrente
que D. João II ( falecido em Outubro de 1495) estaria apenas envolvido nas
expedições em torno de África. Como se prova estava também empenhado em
explorar o Sudoeste do Atlântico, sabendo da existência de um continente nessa
direcção.
Recorde-se que a bordo da 3ª. viagem de Colon, na qual atingiu Terra Firme, seguiam pelo menos dois portugueses.
Esta expedição violava de forma ostensiva o Tratado
de Tordesilhas, só pode ser realizada com a prévia autorização de D.Manuel I, um
facto ignorado pela historiografia oficial.
Nas Ilhas de Boavista e de Santiago do
arquipélago de Cabo Verde, os seus navios foram abastecidos de
víveres. Rodrigo Afonso, escrivão da fazenda do rei de Portugal, ofereceu-lhe
tudo o que havia na ilha da Boavista.
O melhor registo histórico destas viagens para ocidente é feito pelo
próprio Colon no Memorial de la Mejorada (Julho de 1497), no qual
acusa D. Manuel I de ter violado o meridiano de Tordesilhas enviando
expedições portuguesas em várias direcções:
a) Para a Índia contornando África, e ultrapassando já na altura o Cabo da Boa Esperança;
b) Para poente na direcção das Índias espanholas e Sudoeste (Brasil);
c) Para Norte na direcção do Pólo Árctico, isto é, da Terra Nova
Colon confirma deste modo, e de forma inequívoca, as expedições portuguesas
antes de 1497, ao continente americano.
Estas expedições portuguesas para Ocidente, são alvo de uma dura critica
neste Memorial, mas também na Relação da Terceira Viagem, concluído em Agosto
de 1498. Colon, afirma que D.Manuel I, ao contrário de D. João II não estaria a respeitar os limites estabelecidos no Tratado de
Tordesilhas, nomeadamente a poente.
Vasco da Gama, em Julho de 1497, quando
partiu em direcção à Índia, foram-lhe dadas instruções precisas para se
aproximar das costas do Brasil, mas sem aportar. O relato de um dos
pilotos, o célebre "Piloto Anónimo", é muito claro ao identificar que
estavam a navegar junto a terras a Ocidente, mas que não correspondiam à Índia,
pois não tardariam em afastar-se das mesmas navegando para Oriente (Cabo da Boa
Esperança).
Na "Relação da Viagem", em Agosto de 1497, regista
indícios muito claros de terras no poente: "indo na volta do ... a
Sul e a quarta do Sudoeste, achámos muitas aves, feitas como garções, e, quando
veio a noite, tiravam contra Susoeste muito rijas, como aves que iam para terra".
Duarte Pacheco Pereira, em 1498,
fez uma longa viagem de exploração não apenas pelas costas do Brasil,
mas também pela da Venezuela, deixando-nos um relato preciso do facto. O seu
objectivo foi o de identificar na costa brasileira do Amazonas, o ponto
da Foz do rio Turiaco onde passava o meridiano do Tratado de
Tordesilhas. Atingiu este lugar entre Novembro ou Dezembro de 1498, constatou
que o mesmo em termos estratégicos não interessava a Portugal, o que levou a
ocultar a expedição durante vários anos.
Noutras passagens refere explicitamente as viagens antes de 1495 que os
portugueses fizeram a Ocidente, nomeadamente ao Brasil (cfr. Jaime Cortesão, A Colonização do Brasil, p.27-32).
Investigações recentes dão conta duma expedição portuguesa que, entre
Dezembro 1498 e Maio de 1499 explorou
profundamente o Amazonas, através do curso do rio designado por "Colpho
Grande" até cerca de 500 milhas do mar, reconhecendo as embocaduras do
Rio Pará e Tapajós.
A descoberta foi realizada com base na análise da cartografia da época
(mapas de Pesaro, Egerton Ms 2803 e Roselli, de origem portuguesa, transmitidos a
Espanha e Itália por Vespucio e outros) , mas também com base em fontes
espanholas.´
A conhecida expedição de Vicente Yanes Pinzón e Diego Lepe, que em fins de 1499, alegadamente terá tocado no território
brasileiro, encontra no mesmo uma cruz colocada por anteriores expedições
portuguesas (cfr. Alfredo Pinheiro Marques, Portugal e o Descobrimento do
Atlântico, p.108).
O roteiro anónimo da 1ª. viagem de Pedro Alvares Cabral à Índia (1500-1501), descreve a aproximação intencional da armada às costas do Brasil, de modo a oficializar a sua descoberta. Na esquadra de 12 navios seguia um pequeno navio, uma caravela, que tinha como objectivo aportar ao Brasil, e formalmente registar a posse do território e regressar de imediato a Portugal, o que foi feito.
rota marítima
da armada de Pedro Álvares Cabral, descoberta oficial do Brasil, 22 de Abril
1500
A viagem foi iniciada com total discrição. O próprio rei D. Manuel I estava
fora de Lisboa, para não levantar suspeitas. Portugal retardou o mais que pode
a noticia, e só a comunicando um ano depois, quando desembarcou em Lisboa os
sobreviventes da esquadra de Cabral. A corte portuguesa jogava no segredo.
Mestre João, físico e cosmógrafo de D. Manuel I,
que participou na armada de Pedro Álvares Cabral, na informação que prestou ao rei,
indicava que o Brasil era a “ilha Autêntica” que estava no
mapa-mundi que pertencia a Pero Vaz da Cunha “o Bisagudo”
Pero
Vaz de Caminha, cronista da expedição, na sua célebre
carta ao rei, refere explicitamente uma viagem anterior. Ao descrever a
primeira missa em solo brasileiro, diz que Nicolau Coelho trouxe muitas cruzes, com
crucifixos que "haviam ficado da outra vinda". Nicolau Coelho foi capitão de um dos navios da expedição de Vasco da Gama (1497-1499).
O Planisfério dito de Cantino (1500-1502) mostra claramente que o Brasil já estava cartografado no ano em que Pedro Alvares Cabral o "achou". As enormes dimensões que o Brasil tem neste mapa mostram que os portugueses tinham a perfeita noção que não se tratava de uma simples ilha, mas de um continente distinto da Ásia.
Planisfério de Cantino, 1500-1502
recorte do
planisfério dito de Cantino 1502 -costa leste da América do Sul
Neste
mapa surge um curioso acidente geográfico muito a poente do meridiano de
Tordesilhas designado “Golfo Formoso”, o qual não aparece em nenhum
outro documento estrangeiro antes de 1506. O primeiro a fazer
referência ao mesmo é justamente o esboço de um mapa de Bartolomeu Colon, feito
nesse ano onde regista o “Golfo Formoso”. Este topónimo confirma de
forma inequívoca as explorações portuguesas em profundidade pela costa
setentrional das Índias espanholas antes de 1506. A informação de Bartolomeu
Colon terá sido recolhida em Vespúcio que se mudou de Lisboa para Sevilha no
final de 1504.
Uma análise mais atenta do planisfério revela outras expedições portuguesas antes de 1502, e que serviram de base à sua feitura.
Gonçalo Coelho, em Maio de 1501 é enviado numa expedição para as costas do Brasil, constituída por três embarcações, provavelmente caravelas. Comandou uma nova expedição entre Junho de 1503 e 1504, com seis navios, quatro nunca regressariam. A frota dirigiu-se para as ilhas de Cabo Verde, e atingiu ilha de Fernando de Noronha em 10/8/1503, onde naufragou o navio de comando. Um grupo de navios prosseguiu o rumo para Sul durante cinco meses seguido o litoral daquela terra por quase 760 léguas atingido o Cabo Frio, onde construíram uma feitoria. O mapa de Maiolo (Fano, Itália, 1504) identifica o Brasil como "Terra de Gonçalo Coelho".
O PLANISFÉRIO DE MAIOLLO DE 1504.
De : ROBERTO LEVILLIER
Nova
prova do itinerário de Gonçalo Coelho-Vespúcio, à Patagónia, na sua
viagem de 1501-1502 (*).
(*) . Texto espanhol traduzido pela Lic. Sónia Aparecida Siqueira (Nota da Redacção).
Ao
entrar na exposição vespuciana de Florença, em princípios de Julho de 1954,
fiquei admirado à vista do conjunto cartográfico.
Ir
além dos cinco mapas que formam o grupo de 1502, directamente derivado da
viagem que comento, encontrava-se entre eles, ocupando lugar de honra, um
planisfério que uma etiqueta oficial indicava ser de Maiollo, datado
de 15(3?)4. Procedia da Biblioteca Federiciana de Fano. Já à
distância, havia reconhecido no perfil atlântico do hemisfério austral, grande
semelhança com Kunstmann II, Pesaro e Hamy.
Pude
verificar, aproximando-me, que a nomenclatura da região atlântica meridional
concordava com a de Kunstmann II, Cavério e Waldseemüller,
desde o Cabo de Santa Cruz, ao Norte, até Cananor, ao
Sul, (estamos a informar àcerca da costa Leste da América do Sul). Numa
vitrina vizinha, estava a única cópia existente da edição de 1507 de
Waldseemüller, com o título: América.
Em
frente ao Maiollo exibia-se o planisfério de Cavério.
Dum
lado, Salviati e Juan Vespúcio. Faltava apenas Juan
de la Cosa para encontrarem-se reunidas os fac-similes de Hamy, Cantino
e Juan de la Cosa (que chegou depois da inauguração), as
mais importantes imagens do Novo Mundo, associadas à viagem austral.
Essas peças únicas e originais, pertencem às bibliotecas italianas e
estrangeiras.
Foi
estranho ver que o mapa de Maillo surpreendesse, pois nunca havia sido
reproduzido.
No
grande salão do Palazzo Vecchio levei tempo estudando-o, medindo-o e fazendo-o
fotografar, até conseguir uma boa cópia do hemisfério meridional, do mesmo
tamanho do modelo.
No
mês de Agosto em Veneza, procurei e encontrei na Biblioteca do Convento
de São Marcos a respectiva bibliografia, e em começos de Outubro entreguei à
Revista L'Universo do Instituto Geográfico Militar de Florença, um breve estudo
sobre o mapa de Maiollo, antes um conjunto de reflexões de um
historiador de viagens austrais, que a análise técnica de um cartógrafo. Este
publicou com o título de Il Maiollo di Fano alia mostra vespucciana
Deixando
de lado os problemas de projecção e de construção do mapa, consagrei-me somente
a quatro pontos:
1.°) a
configuração do hemisfério austral;
2.°) a
toponímia da costa dessa região;
3.°) a
legenda que marca a data e a assinatura do autor, e
4.°) o
sentido da legenda Tera de Gonçalvo Coigo vocatur Santa Croxe,
ou seja: Terra de Gonçalo Coelho chamada Santa Cruz (2).
Vista
a bibliografia conclui-se que o mapa era 'conhecido pelo menos há um século,
mais pelo nome do que alguma vez tivesse sido analisado.
Uzielli
e Amat de San Filippo (3) registam-no em catálogo como sendo de 1504, numa
'simples anotação, baseada no elenco das cartas geográficas reunidas na
exposição de Veneza em 1881. Harrisse (4) e Nordens-lciold (5) já não puderam
encontrá-lo e declararam perdido o que acreditam ser um atlas.
Por
essa razão provavelmente, e por estar arquivado na biblioteca duma pequena
povoação adriática, passou despercebido até que o Prof. Sebastián Crino o
descrevesse num curto estudo, em 1907, sem reproduzi-lo (6) . Sabe-se que
o sr. Luigi Massetti o havia doado à Biblioteca de Fano em 1862.
Cita
as três legendas principais sem delas tirar conclusão histórica, calculada a
escala em 1:20.000.000 que sugere a data de 1534.
A
razão que dá para atribuir ao mapa-múndi essa data, parece lógica, mas não era
a exacta.
O
reputado polígrafo Desimoni descobriu um convénio subscrito
por Maiollo nesse ano, no qual se comprometia a entregar antes
de 1535 ao editor Lomellini uma carta náutica do mundo (7), e o prof. Crino
deduziu dessa circunstância que
"essendo
stata composta da carta in esame Giug no 15 4, due mesi dopo cioe dell'atto
notarile su ricordato se la cifra mancante tra il 5 e il 4 come non senta
verosimiglianza puo supporsi, sia un 3 completamente obliterado".
Várias
razões, que se verá mais adiante, se opõem a esta conjectura. A que formulará
depois o Prof. Giuseppe Caraci é igualmente infundada.
Num artigo em que se ocupa de outros mapas de Maggiolo, dedica algumas linhas a este, à sua data e aos que o haviam precedido no exame ou menção do planisfério (8). Com tal ênfase generalizadora de que soe usar, rejeita sem dar razão alguma, a data de 1504, e assevera:
"La
data dei atlante (ainda acredita ser um atlas) e senza dubbio piu tarda;
l'equivoco fu possibili perche nella sotoscrizione la terza cifra del milesimo
e illegibile e fu credeta un zero".
Notará
o leitor que o senza dubbio tem, como o equivoco, tão pouca justificação como
aquilo de que "il piu antico lavoro finora conosciuto di Vesconte resta il
notissimo atlante del 1511".
1— Revista do Instituto Geográfico Militar. Ano XXXIV, no 6, Novembro ou Dezembro, 1954. Florença.
2—
Na referida legenda nota-se com facilidade a região do Norte do Brasil.
3 —
Studi biografici e bibliografia sulla storia della geografia in Itallta. Roma,
1882.
4—
The Discovery of North America. Londres, Paris, 1892.
5—
Periplus. Estocolmo, 1897. , • / ry i
6—
Notizie sopra una carta de navigare di Visconte Maiollo. Boletim da Sociedade
Geográfica de Roma, t. III, 1907.
7
— Elenco di certa et atlanti nautici di autora Genovesa. Giornale linguistico,
lige 1875
O exame do
hemisfério austral de Maiollo e sua comparação com as outras
representações já citadas do novo mundo, oferece sólidos fundamentos para
associar este planisfério à primeira cartografia derivada do périplo de Gonçalo-Coelho-Vespúcio de 1501-1502 e
autoriza assim mesmo a fixar-lhe a data de 1504.
Enviou-me uma
fotografia do planisfério, que não utilizei por parecer-me que as obtidas em
Florença, tanto do conjunto como das partes que me interessavam, eram mais
pormenorizadas e claras.
O mapa de
Maiollo tem 1,40 m de comprimento por 0,895
m de altura, uma espessura do bordo direito e do esquerdo 0,915 m .
Carece de
graduações de latitude e longitude, não está incluída a ilha de Cuba,
somente chega até a Índia pelo Oriente.
A forma 'da
costa atlântica americana ao Sul do Equador, é a mesma de Pesaro, Hamy
e Kunstmann II, sobretudo a deste último, pela sua inflexão SSO. Termina
uns graus mais ao Sul de um estuário ou golfo denominado por Kunstmann
II e Cavério, e mais tarde Waldseemüller: Rio
Jordán, este é o nome que Maiollo também lhe dá, enquadrando-o, como os
anteriormente citados, entre Pináculo Detentio (Pináculo de Tentación) ou seja
o cerro 'de Montevidéu e Rio Santo António.
Já se
demonstrou em América la bien llamada e em El Nuevo Mundo (9) com uma vasta
cartografia, que essa enseada representa o sítio do primeiro nome cristão
do Rio da Prata, chamado até então Paranaguazú ou Huruay pelos
índios .
Cavério, mapa assinado, Kunstmann II, sem as Di un atlante sconoschno di Vesconte
Maiollo (1548) . "L'Universo", Setembro de 1926.
8Di un atrante
poco noto di Vesconte Maggiolo (1549) . Bibliofilia, Florença,
janeiro-fevereiro 1951.
9— 2 vols.
Kraft. Buenos Aires, 1948 e Editorial Nova, Buenos Aires, 1951 sinatura, mas
datado de 1502 pelos mais eminentes cartólogos
(10) se unem a
Maiollo, datado e assinado, para certificar que ao redor ,de 1502 e 1504 foi
atingido e descoberto o Rio da Prata.
E os três
planisférios assim C J1110 Waldseemüller marcam também a presença em sua nomenclatura
de Cananor, como extremo fim da expedição descobridora da Patagónia
.
Do ponto de
vista da toponímia, Maiollo é muito satisfatório (11) . Quanto à configuração,
se conserva a inflexão SSO de Pesaro, Kunstmann II e Hamy, não leva a costa
atlântica até a alta latitude de Cananor. Possivelmente por má informação
diminui duns 10 graus ao Norte da latitude do Cabo Agulhas, se é que não há
demasiada extensão Norte-Sul do continente africano. Cavério e Hamy são, entre
os mapas citados de 1502, os únicos que marcam latitudes, e o segundo o faz com
características curiosas.
Publiquei
Hamy, fazem anos, na parte que mais interessava ao meu estudo (12) . Reproduzi
a África também, para demonstrar que a costa atlântica descia frente ao
continente negro, algo mais ao sul que o Cabo Agulhas (35°) mas a graduação da
escala .acabou ilegível na cópia fotográfica, e a imprensa a devolveu pedindo
que se aclarasse. Um desenhista o fêz, sem reparar no facto realmente insólito
de que esse mapa apresenta duas linhas equinociais. Uma começa no Oriente e
termina pelo meridiano de Alexandria, e a do Ocidente termina na costa oriental
da África, cinco graus ao sul da anterior.
O paralelo
marcado 35°S na escala oriental, passa com toda exactidão pelo cabo terminal da
África, mas
na mesmíssima
altura, na escala ocidental, se lê: 30°.
Segundo
Gallois, a linha que vem de Este a Oeste é a de Ptolomeu, e a que vai de Oeste
a Este a dos navegantes modernos. O desenhista ao esclarecer as cifras, que são
claras na escala oriental, utilizou as mesmas para a ocidental, alterando, sem
direito, um conceito do autor do mapa.
De toda
maneira, não favorece essa inadvertência à prova de que originalmente ia
utilizando o mapa de Hamy, conjuntamente com Pesaro, Kunstmann II, Cavério e
Cantino, todos de 1502.
Os cinco mapas, uns pela sua configuração, outros pela sua toponímia, outros pela extensão de sua costa, demonstram com esses testemunhos, e não com suas. latitudes escritas, que o Rio da Prata e o litoral patagónio estavam descobertos desde 1502, por uma expedição que só podia ser a de Gonçalo Coelho-Vespúcio. Maiollo corrobora esta verdade de forma concludente.
10). —
Ocuparam-se de Cavério, considerando-o de 1502, Gallois, Kretschmer Marcel,
Nordenskiold, Harrisse, Ruge, Phillips, Lowery, Stevenson, Vignaud Winter,
Tomaschek, Revelli, Almagia, Magnaghi e muitos outros. Com Kunstmann II
se especificaram aceitando a data dada por P. Kunstmann: Kohl, Peschel, Ruge,
Kretschmer, Nordenskiold, Harrisse, Stevenson, Winter, Uzielli, Philips, Lowery,
Almagia, etc.
11— Veja-se a
toponímia comparada no quadro anexo.
12 — América la bien Ilamada, vol. II, págs. 8, 9 e 10.
Se a costa
atlântica apresenta um perfil quase idêntico ao de Hamy, Kunstmann II e Pesaro,
a do Caribe oferece uma característica igual a que dão Juan de la Cosa (1500),
Kunstmann II e Hamy. Nesses três mapas, como pode ver o leitor na América la
bien llamada (13), se interrompe de repente a linha do litoral, prolongando-se
esse corte ao ponto de fazer desaparecer toda a terra compreendida entre o
Maranhão e o Rio Grande do Mar Doce (Amazonas) e também esses dois rios.
Esta singular
omissão ocorre também em Maiollo indicando parentesco de época. O desenhista
italiano inspirou-se num modelo análogo ao de Kunstmann II, ao qual está ligado
por outros indícios de contemporaneidade. A toponímia de alguns destes mapas é
um deles. Veja o leitor o quadro no qual aproximamos os nomes da costa
atlântica Sul de Kunstmann II, Cavério, Maiollo e Waldseemüller.
Pouco falta
para que sejam idênticos, desde Santa Cruz até Cananor.
Estes indícios
concordantes permitem também afirmar que Maiollo pertence à cartografia
derivada das viagens caribeanas, de Colombo a Vélez de Mendonza, que reflecte,
como os cinco mapas citados, as viagens atlânticas de Cabral e Gonçalo
Coelho-Vespúcio.
0 que foi dito
já está muito bem provado.
Não obstante
ampliarei os testemunhos para que o Q.E.D. seja concludente. Passarei à data.
A legenda em
que ela consta provê somente três cifras, apresentadas assim: 1.5.4.
À primeira
vista poderia ser 1534, 1524, 1514 ou 1504.
Os
antecedentes enunciados tendem a demonstrar que é 1504. Acrescentarei razões
pelas quais se deve eliminar qualquer outra data.
Indiquei, há
anos, a série de nomes mal situados por Maiollo, na costa atlântica de seu mapa
de 1519 (14). Acreditava que o cartógrafo os havia transposto nessa
representação. Descubro agora '11 que não fêz mais do que reiterar seu
errado encolhimento da costa de 1504, ficando outra vez uma série de lugares
fora do sítio.
Leva
Cananor, Santo António, Pináculo Detentio e Rio Jordão, da jurisdição
castelhana à portuguesa, colocando esses nomes por São Paulo. Além de que,
atribui a essa região uma altura de 19 e 20°, em vez da correcta; 23°30'.
Comete outro erro, ao marcar o cabo de Santa Maria por 28° em vez de
34°45'. -13- Op. cit., vol. 1, 92: vol. II, 'págs. 8 e 10.
14 --, Op.
cit., vol. II, págs. 72 e 73. 1111c
A abundância
da toponímia neste mapa de 1519, em comparação com as cartas geográficas
citadas, indica uma época mais avançada e a utilização de novas viagens, cada
uma das quais deixou atrás de si, baptismos sem precedentes. Maiollo 1519 é,
pois, posterior ao que ocasiona este estudo, e com muito maior razão deve
afastar-se a suposição de que pudesse ser de 1524.
Por seu lado,
o planisfério de 1527 torna inadmissível a data de 1534.
Inteirado o
cartógrafo da viagem de Magalhães, marca todo o litoral e o estreito, e
acrescenta o nome de São Cristóvão (posto pelo nauta lusitano ao Rio da Prata)
ao de Jordán, resultante da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio. Vai
corrigindo erros de 1504 a 1519 e aproximando-se da realidade topográfica do
litoral (15). E seria verosímil que sete anos depois, ou seja, 1534,
aparecesse um mapa seu de tão breve costa e tão primitiva nomenclatura? E' bem
sabido que surgiram a miúdo na cartografia do século XVI, surpreendentes
recúos, mas raramente entre os italianos. Eles sempre souberam informar-se e
foram entre os primeiros a fazê-lo, graças ao seu contacto mediterrâneo com as
potências descobridoras e a actividade subtil dos núncios, diplomatas e agentes
comerciais, prevalecentes em Lisboa, Burgos e Sevilha.
Basta para
concretizar, escrever aqui os nomes de Martir de Angleria, Pascualigo,
Trevisano, Cantino, Affaitadi, Cretico, Ca-Masser, Rondinelli, Priuli, Sanuto,
Empoli, Marchioni, Vespúcio mesmo (16) . Todos escreviam mostrando que sabiam.
O segredo das
chancelarias interessadas era um mito.
Demonstram-no
mapas italianos de 1502, 1504, 1519 e 1527; 1536, 1543 e 1553.
As abelhas
sugavam seu mel onde e como podiam.
Dar ao Maiollo
de Fano, conhecendo o de 1527, a data de 1534, seria uma extravagância. Tão
pouco é aceitável 1514. O corte na costa norte, semelhante ao de Juan de la
Cosa de 1500, Hamy e Kunstmann II de 1502 é explicável numa época em que os
pilotos de Espanha e os desenhistas de Portugal não tinham segurança de acertar
na indicação das jurisdições. Omitir, também podia ser uma astúcia; mas em
1514, os nautas de Castela haviam percorrido muitas vezes a costa norte, e
descoberto o Mar do Sul.
Um mapa como o
de Maiollo, nessa data seria um anacronismo.
Ao aparecer
este artigo en L'Universo, em Dezembro de 1954, enviei um exemplar ao meu
eminente amigo Heinrich Winter, cartólogo alemão de grande autoridade e autor
de muitos trabalhos de valor, como
The false
Labrador and the Oblique meridian, Francisco Rodrigues Atlas of 1513; The true
position of Hermann Wagner in the controversy of the Compass Chart, A
circular map in a .Ptolemaic mss, etc., pedindo-lhe sua opinião sobre a
interpretação da data de Maiollo de Fano.
Sua resposta
de 2 de Fevereiro de 1955, ratifica, por uma excelente razão, a conclusão
formulada de::
1504.
Publicamo-la em inglês, tal como a recebemos.
15. Op cit.,
vol. II, págs. 108 a 110. .
16—
Veja-se op. cit., vol. I, págs. 182 a 199, Veja-se op. cit., vol. I, págs.
182 a 199, meus comentários à extravagante "política de segredo", do
senhor Jaime Cortesão, publicada pela primeira vez sob o título de "O
sigilo nacional sôbre os descobrimentos" na revista "Lusitânia"
de janeiro de 1924. O mesmo conceito é repetido com maior extensão na Histria
de América de A. Ballesteros, em 1947"As to the date of Maiollo, certainly it was inevitable to refute the
readings : 1534, 1524, 1514. But there is another reason for favoring 1504. At
the end of the 15th century one changed from semigothic letiers to latin ones
and vice versa from latin numbers to sernigothic ones, and after 1500 there was
a new situation: one pronounced one (thousand) Eive (hundred) and four = 1.5.4,
so, having only thrce unities. The refore one was not obliged to put in a zero,
as far as, the 3 unity was an independent word, not composed as thirteen,
fourteen, etc. Therefore 1.5.4. is not a lapse. And even the same Maiollo uses
the last possibility for such writing (3 unity twelve) on his portulan chart in
New York: "Vesconte maiolo composuy hanc cartam in neapoly de anno dny.
1.5.12. dic 2 Juny,, still with three unities for writing as for
speaking".
Pensamos que esta grata lição, saída da realidade histórica,.servirá para
consignar ao planisfério de Maiollo uma poderosa ratificação de
Hamy-Pesaro-Kunstmann II-Cavério-Cantino, como grupo cartográfico e reflexo da
viagem de Gonçalo-Coelho-Vespúcio ao Rio da Prata e à Patagónia em 1501-1502.
Uma circunstância visível no próprio mapa, empresta à referida data um poderoso
apoio. Numa legenda escrita em caracteres maiúsculos, aparece no alto do mapa:
TERÁ DE GONZALVO' COE (G?) (L?) O VOCATUR SANTA CROXE.
Maiollo
interpretou erradamente o nome e o sobrenome Gonzalo Coelho. Escreveu-os mal, e
nele não eram raros tais descuidos. Anota por Santo António: San Antogno;
Cristóvão Colombo: Cristof a Colombo; Santa Croce: Santa Crusis, e Magalhães:
Maçaianes.
A legenda
evidencia a intenção de uma homenagem ao capitão-mor da expedição descobridora:
das terras meridionais da América, percorridas por Gonçalo Coelho,.com
Vespúcio, em 1501-1502, desde .o cabo São Roque no Brasil,
até Cananor na Patagónia .
Muito se discutiu, particularmente entre os brasileiros e na época do Império, se ele foi o chefe, ou se esse cargo correspondeu a André Gonçalves (17) .
Os quatro historiadores brasileiros de renome do século XIX: Caetano da Silva, Varnhagen, Mendes de Almeida e Capistrano de Abreu, firmaram o peso de sua autoridade em favor do primeiro, e ante os motivos alegados por eles, sustentei em América la bien llamada; El Nuevo Mundo, e vários artigos de polémica publicados na Revista de História, de São Paulo, que deveria ter sido Gonçalo Coelho(18) A legenda até então nunca apreciada (1954) corrobora de maneira decisiva essa tese.
(17)
. Veja-se Varnhagen A., História Geral do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano
de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio, 1883
Vespúcio,
a quem um profissional da quimera, e, mais tarde, seus corifeus, pretenderam
atribuir o comando da viagem de 1501-1502, nunca escreveu ter sido
capitão-mor de nenhum périplo, e quando foi capitão de uma caravela, afirmou-o
claramente.
Em todas as
suas cartas predomina seu interesse pelas questões cosmográficas, astronómicas,
etnográficas geográficas, sobre os problemas náuticos.
Sua hierarquia
a bordo das três primeiras viagens, sobretudo na terceira, deve ter sido a de
assessor científico.
Refere que o
Conselho de Oficiais lhe confiou em 15 de Fevereiro a orientação do périplo,
que ele dirigiu até 50° de latitude Sul.
Em 7 de Abril,
o capitão-mor retomou a direcção para voltar a Portugal.
Noutro
parágrafo alude à morte dum grumete e ao impulso da tripulação de vingar-se dos
indígenas, o que o capitão-mor proibiu.
Não pretendia,
pois, ser o Chefe.
Veja-se
Varnhagen A., História Geral do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O
descobrimento do Brasil, Rio, 1883.
A legenda de
Maiollo tira toda a dúvida sobre o tão discutido ponto; foi Gonçalo
Coelho o capitão-mor da expedição de 1501-1502.
A Vespúcio
coube o mais importante, descobrir sob sua direcção o Brasil Meridional, o Rio
da Prata, o Cerro de Montevidéu e a Patagónia. Isto não é tudo. Esta terra foi
também sua fonte de inspiração.
Ao bordejar
pelo litoral interminável, inteirou-se do carácter de continentalidade.
A essa
compreensão feliz se deve pela primeira vez na história o uso dos termos Mundus
Novus, Continente e Quarta Parte Mundi, foi um uso exacto.
A viagem de
tão fecundos resultados repercutiu sobre o capitão-mor, provocando a homenagem
lusitana de Tera de Gonçalo Coelho, provavelmente inscrita no
modelo utilizado por Maiollo.
Desse precioso
testemunho evidencia-se que a viagem, o planisfério, e a legenda são
simultâneos, agregam-se as seguintes conclusões:
1) O
mapa de Maiollo de Fano, incorpora-se, por sua configuração ao grupo dos
três planisférios de 1502, de inflexão SSO;
2) a
concordância de sua toponímia com a de Kunstmann II, Cavério e Waldseemüller, é
evidente no quadro anexo, associa-o igualmente à família cartográfica derivada
da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio de 1502;
3) em razão
dos conhecimentos obtidos em viagens posteriores, resumidos nos mapas de Maiollo
de 1519 e 1527, não é aceitável que o de Fano seja de
1514, 1524 ou 1534;— Veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e
Revista de História, de São Paulo, n.° 16 de 1953. Boletin de la Real Sociedad
Geográ-fica de Madrid, n.o 333, de 1954.
4) estes (18)
fundamentos acrescentados a indícios da época, como a interrupção da costa no
litoral Norte do Brasil (em concordância com outros mapas de 1502)
a lembrança da memória de Gonçalo Coelho, impõem a data de 1504 ao planisfério
de Maiollo da Biblioteca de Fano;
5) a
explicação dada pelo sr. Winter sobre a maneira de numerar em princípios do
século XVI, é definitiva para solução do problema de data .
18) — Veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de História, de São Paulo, n.° 16 de 1953. Boletin de la Real Sociedad Geográfica de Madrid, n.o 333, de 1954
Estas viagens
foram durante muito tempo objecto de enorme polémica, até que foi descoberta
uma acta notarial de Valentim Fernandes de Moravia, datada de 20/5/1503,
integrada no códice de Peutinger, na Biblioteca de Estugarda, nas quais se
confirma que Gonçalo Coelho chegou à altura do pólo Antárctico, a 53 graus,
"tendo encontrado grandes frios no mar". Terá também chegado o
arquipélago das Maldivas ou Falkand.
1507, parte inferior esquerda do mapa de Waldseemuller
É possível que não só tenha chegado ao
extremo Sul do continente, como é evidente pela análise do mapa
de Waldseemuller de 1507, como tenha inclusivé navegado na costa
ocidental da América do Sul. Há vários relatos que testemunham que
quando Fernão de Magalhães, em Outubro de 1520, chegou ao estreito
que actualmente tem o seu nome, tinha consigo um mapa da região. O piloto
genovês António Pigafetta nos relatos da 1ª viagem à volta do mundo refere…”
este [Fernão de Magalhães], tão hábil como valente, sabia que era preciso
passar por um estreito muito oculto, que tinha visto representado numa carta
feita pelo excelente cosmógrafo Martin da Boémia, que o rei de Portugal D.
Manuel I guardava na sua tesouraria….”
Américo Vespúcio viveu em Portugal entre 1499 e 1505,
nos seus escritos divulgados por toda a Europa afirma que participou nestas
expedições de Gonçalo Coelho a mando do D.
Manuel I. Nunca foi encontrado qualquer registo
da sua participação nas mesmas. As suas alegadas descobertas, com as quais
pretendeu ocultar os feitos de Colon, foram elaboradas com base em relatos dos marinheiros
portugueses, com quem contactou durante os 5 anos que viveu em Lisboa.
" Quem
teria descoberto o Brasil" !?
Fonte : Colon Português - provas documentais - 1º volume, de Mascarenhas Barreto
O historiador francês Jean de Lévy, estando no Brasil de 1556 a 1558, registou
depoimentos dos mais antigos e considerou ser o continente centro Sul americano
" .....a quarta parte do mundo, já conhecida dos portugueses desde cerca
de oitenta anos que foi primeiramente descoberta".
Chama ao
Brasil "Terra de Gonçalo Coelho"
Por este
cálculo se conclui que a costa brasileira teria sido abordada pela primeira vez
em 1487.
Estevão Fróis,
em 1514, tendo sido preso pelos Espanhóis sob a acusação de se achar instalado
em território atribuído a Castela pelo tratado de Tordesilhas, escreveu ao rei
D. Manuel I, pedindo que o resgatasse, justificando que se limitara a ocupar
"....a terra de Vª Alteza, já descoberta por
João Coelho, o da Porta da Luz, vizinho de Lisboa, há vinte anos e um".
Isto significa
que o invocado navegador teria atingido aquela região, actual Venezuela, em
1493, no prosseguimento da descoberta do seu primo direito Gonçalo
Coelho.
Por
conseguinte os portugueses vogavam por aquelas águas muito antes de Cristóvão
Colon, que só atingiu a " Punta de Hierro", na 3ª viagem de
1498, isto é, 5 anos depois e também pelo menos, 5 anos antes de Alonso de
Hojeda e 6 anos antes, em relação à fantasiada expedição de Américo
Vespúcio.
Duarte Pacheco
Pereira, fornece uma informação geográfica que permite localizar a região
onde Estêvão Fróis fora preso, já
que, depois de indicar a rota, diz "... no ano de Nosso Senhor de mil
quatrocentos e noventa e oito, donde é achada e navegada uma tão grande terra
firme, com muitas ilhas adjacentes a elas".
Só podia
tratar-se do arquipélago constituído pelas ilhas Margarita, Tortuga, Culeja, Coche e
ilhéus venezuelanos, a oriente de Caracas e a ocidente da "Punta de Hierro".
A mesma que Colon abordara, afirmando ser "terra firme", embora não a
tivesse contornado e poderia ser de uma pequena ilha.
Na mencionada
3ª viagem de 1498, Colon, em vez de
seguir a rota habitual das ilhas Canárias para a Espanhola - República
Dominicana - principal base das Caraíbas, inflectiu para Sul, permanecendo
2 dias no arquipélago de Cabo Verde, onde contactou com os portugueses.
E Las Casas
relata:
"Torna o
Almirante a dizer que quer ir para Sul das Caraíbas, porque quer ver a intenção
do Rei Dom João de Portugal, por certo, que dentro dos seus limites de Castela
havia de achar coisas e terras famosas".
O mencionado
navegador Gonçalo Coelho, em 1487, desembarcando na foz do rio Senegal , travou
relações com o príncipe Bemoín, a quem disputavam a sucessão ao trono daquele
Estado. Por isso, quando Coelho voltou a Portugal, o príncipe mandou com ele
uma embaixada a D. João II, para pedir armas e navios.
Escusou-se o
rei, alegando que a igreja proibia tal fornecimento aos infiéis. No ano
seguinte, 1488, tendo Bemoín sido atraiçoado por alguns dos apaniguados, foi
expulso do Reino do Senegal, mas decidido a dominar a revolta, embarcou numa
caravela portuguesa e veio a Portugal suplicar o auxílio do monarca.
D. João II
recebeu-o com honrarias adequadas a um príncipe, dedicou-lhe festejos e foi seu
padrinho de baptismo, passando o senegalês a chamar-se como ele João. Por este
triunfo de conversão, o soberano armou o príncipe " cavaleiro" e
apressou-se a transmitir a notícia ao Papa Inocêncio VII.
Depois, enviou
uma forte esquadra de 20 navios a escoltar o recém-baptizado João. Era
comandada por Pero Vaz da Cunha "Bizagudo",
seguindo nela João Coelho e um
frade dominicano, Mestre Álvaro, que
encabeçava um grupo de clérigos com a missão de evangelizarem os indígenas.
Contudo ao chegarem ao Senegal, Pero Vaz da
Cunha "Bizagudo", assassinou o príncipe de Bemoín e
regressou com a esquadra a Portugal.
Segundo Rui de
Pina e Garcia de Resende, "o Bizagudo"
não foi punido "(...) por não querer El-Rei envolver no crime outros
culpados(...). Esta sentença foi logicamente interpretada como uma dissimulação
real, devendo-se o perdão a uma proeza marítima que Pero Vaz da Cunha tivesse recentemente
cometido e que lhe valera a nomeação de comandante da frota embaixada.
Quando Pedro Álvares Cabral, em 1500, largou de Lisboa
com destino à Índia, mas também com a missão primordial de oficializar a
descoberta do Brasil, levava uma pequena nau de mantimentos, tão frágil que não
poderia arrostar com a passagem do Cabo das Tormentas, Boa Esperança, e já
fora, à partida, programada para regressar ao Reino com a notícia do "redescobrimento".
O seu
comandante, André Gonçalves, foi
portador de 2 cartas para D. Manuel I. Uma de Pero
Vaz de Caminha, escrivão da armada, e outra, do baixarel Mestre João, "cristão-novo" e cirurgião
do rei, que foi com Álvares Esteves o primeiro a observar e a representar
graficamente a constelação do "Cruzeiro do Sul", no hemisfério
austral.
Do relatório
de Caminha, ao descrever a rota para o Brasil, consta:
"E assim
seguimos o nosso caminho por este mar, de longo, até que terça feira das
Oitavas da Páscoa, que foram a vinte e um dias de Abril, estando a ilha de S.
Nicolau do arquipélago de Cabo Verde a obra de 600 ou 670 léguas, segundo os
pilotos diziam, topámos alguns sinais de terra (....)".
Portanto a
"terra" demandada tinha surgido "no nosso caminho", do lado
oposto do Oceano Atlântico, numa volta "de longo", propositadamente
exagerada. E narra:
"Enquanto
andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas
árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me
parece haverá muitos nesta terra (...)".
E mais adiante
acrescenta "trouxemos papagaios verdes", nos quais se inspirou o
cartógrafo que iluminou o " Planisférop d'Este" os de "Cantino".
Aqui temos a origem da pseudo-originalidade do topónimo " Terra dos
Papagaios" das "lettere" publicadas por Francesco Montalbodo em
1507 e atribuídas a Vespúcio. Os papagaios verdes tinham vindo para Lisboa,
despertando interesse. Na outra mensagem enviada ao rei por Mestre João, se
informa:
"(...) Quando,
Senhor, ao sítio deste terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-mundi que tem
Pero Vaz da Cunha, " Bizagudo" e por aí poderá ver Vossa Alteza o
sítio deste terra; mas aquele mapa-mundi não certifica se esta terra é habitada
ou não. É um mapa-mundi antigo".
Por
conseguinte, já existia no reino um "mapa antigo", que delineava o
litoral brasileiro, decerto com alguns topónimos como era usual, mas que fora
traçado antes duma exploração pelo interior em que tivessem avistado indígenas.
Permite-nos depreender que o reconhecimento da orla marítima da "Terra de Vera Cruz" de devesse ao
próprio Pero Vaz da Cunha "Bizagudo" ou a outro
português, Gonçalo Coelho, nomeado por Jean de Lévy.
É a segunda vez que aqui tento deixar um comentário. A primeira não consegui porque não estava muito familiarizado com os blogues e não o consegui enviar... Não posso deixar de repetir o que disse da outra vez, ou seja, enviar-lhe os meus melhores cumprimentos e agradecer-lhe profundamente o seu trabalho! Um dos meus objectivos como pintor é pintar a (ou parte da) história de Portugal (descobrimentos)e o seu fabuloso BLOGUE contém muitos dos assuntos que verdadeiramente me interessam. Se for difícil encontrar nos livros, já sei, vou a "tropicália" e certamente encontrarei algo que me interesse. Por isso, mais uma vez, obrigado e bom trabalho!...
ResponderEliminarO meu agradecimento muito especial ao Sr. João Neves pelas amáveis e encorajadoras palavras a respeito das pesquisas históricas a favor da História de Portugal, sobretudo da época dos descobrimentos, que também se devem a outras pessoas mencionadas neste Blog. Aqui fica o registo do meu endereço electrónico: amadeumata@hotmail.com
ResponderEliminarMuito obrigado, pela atenção
AFMata
Infelizmente, e mais por razões pessoais do que por qualquer outras, ainda não me consegui entregar de corpo e alma ao sonho da minha vida: pintar os acontecimentos mais significativos da história de Portugal, à semelhança do que acontece em outros países, nomeadamente em Espanha. Vamos, por exemplo, ao Museu do Prado e temos uma visão algo aproximada do que aconteceu naquele país em tempos idos... Em Portugal, e por mais que se procure, até parece que não tivemos um passado histórico, de descoberta e procura de novos mundos... Enfim... Aqui vai o meu contacto: joaooneves@gmail.com ou oficina.pintura@gmail.com .
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