sexta-feira, 27 de julho de 2012

" Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva"

" Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva"

Pêro da Covilhã desempenhou um papel importante na preparação da viagem de Vasco da Gama à Índia. Conhecia diversas línguas e era fluente em árabe.
Em Maio de 1487, juntamente com Afonso de Paiva, viajou por terra de Santarém a Barcelona. Ali, os dois aventureiros embarcaram para Nápoles e depois para Rodes. Deixaram então terras cristãs e seguiram para Alexandria.
 Itinerário de Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva, de Santarém, Portugal a Alexandria e Cairo no Egipto
Chegaram ao Cairo e juntaram-se a uma caravana que percorreu o deserto da costa Leste do Mar Vermelho. Visitaram Meca, onde rezaram, como bons muçulmanos que deviam parecer. Chegaram a Aden no começo de 1488 e separaram-se. Nenhum deles regressaria a Portugal.
Afonso de Paiva dirigiu-se à Etiópia.
Pêro da Covilhã fez um percurso notável. Atravessou o Oceano Índico e chegou a Calecute, um pequeno reino da Índia, em Novembro de 1488. Empenhou-se em conhecer o percurso das especiarias e visitou Cananor e Goa. Navegou dali até Ormuz, na entrada do Golfo Pérsico.
Itinerário de Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva, do Cairo no Egipto a Aden, no Iéman do Sul.  Itinerário de Pêro da Covilhã de Aden até Calicute, Cananor e Goa, na Índia e Ormuz no Golfo Pérsico. 
Em Dezembro de 1489, Pêro embarcou para Sul. Passou por Melinde, cidade do Quénia actual, Ilha de Moçambique e Sofala. Ficou a saber que, depois de dobrar o extremo Sul da África e atingida Sofala ou Melinde, seria fácil navegar até Calecute.
Itinerário de Pêro da Covilhã de Ormuz até Melinde no Quénia e Ilha de Moçambique e Sofala em Moçambique
No final de Janeiro de 1491, Pêro da Covilhã chega às portas da cidadela do Cairo, onde combinara encontrar-se com Afonso de Paiva. O companheiro faltou. Julga-se que terá alcançado a Etiópia. Morreu de peste e não pôde dar notícias da viagem.
Pêro encontrou no Cairo judeus portugueses e enviou um relatório para o rei. Vasco da Gama pôde então atravessar o Oceano Índico, de Melinde para Calecute.
O aventureiro da Covilhã regressou a Aden. Depois embarcou para Zeila, na costa da Etiópia. Terminou ali um sonho português. O mítico Preste João era senhor de um reino pobre que resistia com dificuldade aos muçulmanos que o rodeavam. De pouco serviria na empresa contra os turcos.
Pêro da Covilhã terá sido impedido de sair do reino. Não é certo que assim tenha sucedido. Deu-se bem na Abissínia. Foi acarinhado pela família real. Casou mais do que uma vez. Morreu velho e deixou numerosa descendência.
Para além de judeus e navegadores, havia também frades portugueses aventureiros. Dois alcançaram a corte da Etiópia. No regresso a Lisboa, acompanharam o embaixador Mateus, enviado por sugestão de Pêro da Covilhã, já conselheiro régio da rainha Helena.
Em 1521, Pêro da Covilhã foi visitado pelo embaixador D. Rodrigo de Lima. Tinha mais de setenta anos, o que parecia muito para a época e para a agitação da sua vida. Não se sabe quando morreu.
O relato das suas viagens chegou a Lisboa, enviado pelo autor. O livro "As Verdadeiras informações das Terras do Preste João das Índias" foi publicado em Lisboa, no ano de 1540.
( fonte: António Trabulho de http://decaedela.blogspot.pt )

O Primeiro europeu em Sofala - Pêro da Covilhã -

Por: Eric Axelson (tradução de Reginal A. Brown)

"Em paralelo com a viagem de Bartolomeu Dias teve lugar uma outra, a de Pêro da Covilhã, que partiu de Portugal, também em 1487, com instruções de D. João II para ir à Índia através do Mediterrâneo e do Egipto, a fim de observar o comércio de especiarias e fazer um relatório sobre o comércio e a navegação no Índico.
Até Aden foi acompanhado por Afonso de Paiva, que tinha a missão de chegar à Abissínia e de estabelecer contactos entre D. João e o Imperador.
Viajando como muçulmano em barcos muçulmanos, Covilhã chegou à costa do Malabar e observou os mercados das especiarias. Foi a Ormuz e depois viajou até à costa africana, adquirindo assim conhecimentos sobre as monções do Índico.
Visitou a imponente cidade de Quiloa e também Sofala, onde recolheu conhecimentos do comércio do ouro com o interior, comércio que tanto contribuiu para manter a velha civilização da costa oriental da África.
Voltou ao Cairo, onde soube que Paiva tinha morrido sem ter alcançado a Etiópia.
Na véspera da sua partida para Portugal, dois judeus entregaram-lhe uma mensagem do Rei D. João II, que dizia que não deviam regressar a Portugal sem ter completado toda a missão de que tinham sido incumbidos.
O rei tinha um interesse muito especial em ter notícias da Etiópia e Covilhã tinha de levar um dos judeus a Ormuz, dado que acabava de saber da grande importância comercial da cidade.
O professor Beckingham é de opinião que os judeus tinham saído de Portugal depois do regresso de Bartolomeu Dias, o que tornava ainda mais imperativo que o rei soubesse se os barcos portugueses encontrariam aliados e portos amigáveis no Índico.
Covilhã mandou um relatório ao rei e então escoltou o rabi até Ormuz.
A seguir visitou Jida, Meca e Medina. Viajou de barco desde Sinai até Zeila, tendo chegado à Etiópia, país onde, por força de circunstâncias várias, passou o resto da sua vida.
Enquanto Covilhã viajava, D. João mandou preparar uma frota com o fim de completar a descoberta do caminho marítimo para a Índia.
Bartolomeu Dias supervisionou a construção de quatro navios. O rei adiou a partida da frota até que recebesse notícias de Covilhã e, por causa deste adiamento, os louros – e os lucros – da descoberta do caminho marítimo para a Índia, seriam para o seu sucessor, Manuel I, - “O Venturoso”.

" descobrimentos portugueses " de Edgar Prestage

No tempo em que partiu para realizar a sua expedição, Pêro da Covilhã tinha cerca de quarenta anos de idade; era um homem de origem humilde, dotado daquela energia e persistência que caracteriza os beirões.
Nos primeiros tempos da sua vida foi para Espanha, e esteve sete anos na casa do duque de Medina Sidónia, onde aprendeu a falar o Espanhol correctamente, a confiar em si e a manejar uma espada.
Em 1474 voltou a Portugal e foi feito escudeiro por D. Afonso V, e, depois da morte deste monarca, fez parte da guarda de D. João II.
Este rei empregou-o como agente secreto em Espanha para espiar os membros da Casa de Bragança que ali se haviam refugiado depois da prisão do duque e também o enviou em missões a Tremecem e a Fez, onde aperfeiçoou os seus conhecimentos de árabe
Pouco tempo depois da sua volta a Portugal, nos princípios de 1487, confiou-lhe D. João II uma missão de maior fama e deu-lhe por companheiro a Afonso de Paiva, oriundo de uma família das Canárias.
As particularidades da expedição foram dispostas pelo rei uma vez consultados D. Diogo Ortiz, seu capelão-mor e hábil cosmógrafo, Mestre Rodrigo, médico do rei, e mestre Moisés, também conhecido por José Vizinho.
Supõe-se que estes dois homens, simultaneamente cosmógrafos e matemáticos – os mesmos que mais tarde haviam de examinar as propostas de Colon – trabalharam com Martim de Boémia na construção de um astrolábio aperfeiçoado. Prepararam, para Pero da Covilhã e para o seu companheiro uma carta de marear e instruções, certamente orais por receio de extravio, e explicaram-lhes o caminho que deveriam tomar para a região das especiarias;
Um dos viajantes devia ir para a terra do Prestes João e esforçar-se por saber ao certo se era possível navegar pela Guiné para os mares do Oriente. O rei não procurava um aliado contra o islam na pessoa do Padre-Rei, como D. Henrique fizera, mas esperava encontrar, através dele, uma porta para a expansão portuguesa.
Diz João de Barros: “ Parecia a El-Rei que por via deste, o Preste João, podia ter alguma entrada na Índia. Porque por os abexins religiosos, que vêm a estas partes de Espanha, e assim por alguns frades, que de cá foram a Jerusalém, a que ele encomendou que se informassem deste príncipe, tinha sabido, que seu estado era a terra, que estava sob o Egipto, a qual se estendia até ao mar do Sul “ .
Esta localização do Padre- Rei, embora imperfeita, provinha de informações directas. Como além disso soubesse que Jerusalém era visitada por monges abexins, D. João II havia já expedido para esta cidade, em missão análoga, Frei António de Lisboa e Pedro Monterroio; mas estes, por falta de conhecimentos de árabe, não foram mais além. Nove meses depois da partida de Pero da Covilhã e de Afonso de Paiva, chegou a Lisboa, vindo de Roma, um padre abexim, chamado Lucas Marcos, e, pelo que diz João de Barros é óbvio que D. João II sabia que o seu soberano era o Preste João.
A 7 de Maio de 1487, o Rei deu em Santarém uma audiência de despedida a Pero da Covilhã e a Afonso de Paiva, na presença do duque de Viseu, futuro D. Manuel I; entregou-lhe quatrocentos cruzados e uma carta de crédito, e concedeu-lhes a sua bênção.
Vieram de jornada até à capital e, pondo de parte algum dinheiro para as primeiras despesas, entregaram o resto, para lhes ser dado em Valência, ao italiano Bartolomeu Marchioni, talvez o banqueiro mais rico de Lisboa.
Foram até Valência por terra e seguiram depois para Barcelona onde embarcaram para Nápoles e Ródes; compraram nesta ilha uma grande carregação de mel, para viajarem como mercadores, conforme haviam sido aconselhados por dois portugueses, cavaleiros do Hospital ali residentes, e tomaram então um navio para Alexandria.
Nesta cidade adoeceram ambos com febres, e, quando se restabeleceram, viram-se privados da sua mercadoria porque o governador, no uso dos seus direitos, se havia apoderado dela, julgando que morriam. Depois de algumas dificuldades obtiveram uma pequena indemnização em dinheiro, compraram novas mercadorias e seguiram para o Cairo.
Muitos mercadores com quem Pero da Covilhã travara conhecimento, haviam estado na Índia e outros dirigiam-se para lá por Tor e Aden. Entre estes últimos havia alguns mouros de Marrocos com quem Pero da Covilhã e Afonso de Paiva combinaram seguir viagem.
Na primavera de 1488, fizeram-se de vela numa pequena barca árabe para Aden, via Suaquem, levando provavelmente dois meses no caminho; quando chegaram era já tempo da monção para a Índia, e então os dois separaram-se.
Afonso de Paiva dirigiu-se à Etiópia, provavelmente com a intenção de regressar dali a Portugal, ao passo que Pero da Covilhã embarcou num navio que metia duzentas a trezentas toneladas de carga e que então se conhecia em Portugal sob o nome de " nau de Meca".
Dentro de um mês alcançava Cananor e daqui seguiu para Calecute, então o porto mais rico da Índia, no qual havia uma grande colónia de mercadores muçulmanos que detinham nas suas mãos o comércio externo, designadamente o das especiarias.
Em Agosto e Setembro chegavam os navios de Aden e dos Estreitos com mercadorias do Ocidente, e em Fevereiro largavam para as suas terras com pimenta, cravo da Índia, canela, ruibarbo, pedras preciosas, porcelanas e outras mercadorias trazidas a Calecute das outras partes da Índia, de Ceilão e do Extremo Oriente.
Depois de se familiarizar com este tráfico, Pero da Covilhã passou para Goa, centro do comércio de cavalos, que, vindos pelo Mar Arábico, ali se compravam para satisfazer as necessidades militares dos potentados indianos.
Fez depois a travessia para Ormuz, empório do golfo Pérsico, e, nos fins de 1489, meteu-se num navio e seguiu até Sofala ao longo da costa oriental de África, localidade habitada por muitos árabes negociantes de ouro das minas do interior. Daqui voltou para Aden, em Outubro de 1490, e atingiu o Cairo, provavelmente no fim do mesmo ano, cerca de quatro anos depois de ter saído de Portugal.
Todas estas datas foram calculadas pelo conde de Ficalho, mas são por ele próprio consideradas hipotéticas.
Quando chegou ao Cairo era sua intenção voltar para Portugal, pois já se havia desempenhado da sua missão; esperava encontrar-se nesta cidade com Afonso de Paiva, mas soube que este já tinha morrido.
Encontrou porém, dois judeus que D. João II enviara em sua procura, um chamado José de Lamego, sapateiro, que já anteriormente visitara Bagatá, e um rabi de Beja chamado Abraão.
Traziam-lhe uma carta com ordem de regressar a Portugal, se a missão já estivesse concluída, caso contrário, não devia descansar enquanto não visse o Preste João, nem mostrasse Ormuz a Abraão.
Pero da Covilhã não era homem para desobedecer; além disso, é provável que a atracção da aventura e do desconhecido se tivessem apoderado dele. Antes, porém, de seguir o seu caminho, escreveu uma carta ao Rei, e enviou-a por José Lamego.
O Padre Francisco Álvares, que foi à Abissínia com a missão de D. Rodrigo de Lima em 1520, é o nosso principal informador sobre a jornada de Pero da Covilhã em ( verdadeira informação das terras de Preste Joam  Lisboa, 1540 e 1889 cap. 103), escreveu, porém, muito tempo depois e conta-nos aquilo de que Pero da Covilhã se lembrava passados muitos anos.
Segundo este autor, Pero da Covilhã mandou dizer ao Rei que tinha visitado Cananor, Calecute e Goa, e que tinha encontrado em Calecute, canela, pimenta e noz moscada, esta última vinda de fora.
Acrescentava que era possível ir aquelas cidades da Índia pelo golfo da Guiné, fazendo rumo à costa de Sofala onde tinha estado, ou a uma grande ilha que se dizia ter trezentas léguas de costa e a que os mouros chamavam Ilha da Lua. O fim da jornada a Sofala foi de saber se existia um caminho marítimo pelo Sul da África e não o de ir à procura das minas de ouro do interior.
No mapa de Fra Mauro vê-se  um cabo no Sul da África, em 1420, e navegara pelo Mar Ocidental. Mas o cabo em questão era provavelmente o Cabo das Correntes e o navio uma barca árabe que, dirigindo-se a Sofala, fora arrastada para além dele.
A Leste desse Cabo e separada do continente por um apertado estreito havia uma grande ilha onde Sofala estava localizada.
Pero da Covilhã pode rectificar este erro e chegou à convicção de que o caminho marítimo para a Índia era praticável. A sua jornada a Sofala, combinada com a viagem de Bartolomeu Dias, determinaram a expedição posterior de Vasco da Gama.
Alguns autores têm duvidado de que D. João II chegasse a receber a carta de Pero da Covilhã. Na primeira edição da sua história dos portugueses no Oriente, Castanheda diz que sim, mas na segunda edição diz o contrário.
Porém, se D. João II a recebesse, certamente teria feito segredo disso, e pode muito bem ser que mesmo a Garcia de Resende, seu íntimo amigo, nada tivesse contado, pois este cronista diz que a carta só chegou depois da morte de D. João II e da partida de Vasco da Gama.
A razão para pensar que o Rei chegou a receber a carta é que Vasco da Gama foi mandado directamente a Calecute e - diz João de Barros - levava, além das suas instruções, as notícias que D. João II recebera daqueles lugares e uma carta para o rei de Calecute.
Com toda a certeza foi a carta de Pero da Covilhã uma das fontes das instruções, embora outras existissem.
Pero da Covilhã levou Abraão a Ormuz e daqui se tornou este último para Portugal, depois de se ter instruído em tudo que o Rei desejava saber, ao passo que o primeiro seguia para Jeda e daqui para Meca, vestido de branco como um peregrino, com o cabelo rapado à navalha.
A visita ao lugar santo do islamismo era perigosa, não estava autorizada pelas instruções e só se pode atribuir ao amor das aventuras.
Ainda depois disto a sua curiosidade não ficou satisfeita, pois seguiu para Medina e, em seguida, para o Sinai, para o convento de Santa Catarina, onde, provavelmente, pela primeira vez em quatro anos, entrou numa igreja cristã e ouviu missa.
Em 1493, chegou finalmente à Abissínia e aqui terminaram as suas viagens; ou não o deixaram sair, ou, tendo casado e adquirido riquezas, não quis voltar a Portugal.
Foi o primeiro português que pisou o solo indiano e que viu o Preste João; pelo facto de residir durante mais de trinta anos na Abissínia, tornou-a conhecida da Europa como o não tinha sido até então, e preparou o caminho para a influência preponderante que Portugal ali desfrutou durante um século, graças aos seus embaixadores e aos seus soldados, e, mais do que a todos estes, aos missionários da Companhia de Jesus.
Se a Etiópia é ainda hoje um país cristão, deve-o à expedição de D. Cristóvão da Gama de 1541, pois, para citar a frase de Gibbon, " A Etiópia foi salva por quatrocentos e cinquenta portugueses"
(texto extraído de " descobrimentos portugueses " de Edgar Prestage...


Depois de haver El-rei mandado a Bartolomeu  Dias por mar, fez partir por terra um Religioso da Ordem de S. Francisco por nome Frei António de Lisboa, e a Pedro de Montarroyo, os quais partiram em companhia d'uns Religiosos Abexins, e por não saberem o Arabigo, se não atreveram a passar de Jerusalém; e considerando El-rei quão necessária coisa era a língua Arabiga, mandou a este negocio Pedro da Covilhã,  Cavaleiro da sua casa, que era homem que a sabia muito bem, e em sua companhia a Afonso de Paiva; os quais foram despachados em Santarém a 7 de Maio de 1487, sendo presente a este despacho D. Manuel, Duque de Beja.

Deu-lhes El-rei uma carta de marear, para que nela marcassem os lugares do senhorio do Preste, bem como o caminho por onde fossem. E para despesa da viagem, mandou-lhes dar da arca das despesas da horta d'Almeirim quatrocentos cruzados, para que tomando destes o que julgassem precisar, fosse o restante depositado no banco de Bartolomeu Florentino, recebendo eles uma carta de crédito para este os socorrer quando houvessem mister.
Partiram os nossos viajantes de Santarém com direcção a Barcelona, onde chegaram a 15 de Junho do dito ano, e daqui foram a Nápoles e à Ilha de Rhodes onde se achavam os Cavaleiros da Ordem de S. João de Jerusalém, mais vulgarmente conhecidos pelo nome de Malteses, em cuja religião não havia mais que dois Portugueses, que eram os Comendadores Frei Gonçalo Pimenta e Frei Fernão Gonçalves,  em casa dos quais pousaram; e dali como mercadores não só por ser esta a opinião de mais autores; como por assim o referir Gaspar Correia, que merece fé por ser um escritor contemporâneo de muitos factos, e haver militado na Índia, coisa que não fizeram outros escritores: e Barros de certo teve á vista algum documento em que se fundar. É preciso que declaremos, que havemos examinado com diligência, e cuidado os índices do Reinado de D, João II. e os posteriores que se acham no Real Arquivo; e não encontramos mercê alguma registada nem para Paiva, nem para Covilhã.
Passaram a Alexandria, e ao Cairo em companhia d'uns mouros de Fez e Tremecem; e vestidos como estes, penetraram em Toro ao pé do Monte Sinai na costa do Mar Roxo, donde demandaram, Quaquem na Abissínia, e depois a cidade de Adem na 'Arábia; e sabendo nesta, haver na Etiópia um grande Rei cristão, pareceu-lhes que este sem dúvida seria aquele que ElRei se denominava o Preste João; pelo que assentaram fazer caminho para ali.
 Porém, considerando que ele se chamava das Índias, e que a Etiópia não jazia na Índia, convencionaram, prosseguir.
 Afonso de Paiva neste caminho, e que Pedro da Covilhã voltasse á Índia, vindo em uma determinada época juntar-se no Cairo; e ali dariam mutuamente conta das novas que alcançassem; para que por este modo ficassem plenamente preenchidos os desejos d’el-rei ainda mesmo á custa dos maiores riscos e sacrifícios, pois em servi-lo punham o seu cuidado e obrigação: Não encontrou Covilhã, depois de ter corrido por Cananor, Calecut, Goa, Moçambique, Sofala, Quilôa, Mombaça, Melinde e Adem, novas do que buscava; pelo que foi pelo Mar Roxo á cidade do Cairo segundo o que havia ajustado, para dali voltarem ao reino a dar conta a El-rei do resultado de suas indagações e trabalhos. E sendo de volta soube que dois Judeus Portugueses andavam à sua procura, com os quais,  se viu muito secretamente; a um chamavam Rabi Habrão morador em Beja, e ao outro José sapateiro de Lamego. Este José que havia pouco tempo andara naquelas partes, sabendo o quanto D. João  desejava obter informações das coisas da Índia, veio dar-lhe conta de como estivera na cidade de Babilónia, ora Bagdad, do que ali ouvira àcerca do trato de Ormuz, cidade se d'Alepo como vinham e Damasco. as especiarias e riqueza da Índia  deu causa a que El-rei o mandasse e a Rabi Habrão, como já dissemos, à procura de Paiva e Covilhã, para lhe comunicarem estas novas e acompanhá-los a alguma destas cidades.
 Pelos Judeus veio Covilhã a saber que era morto Afonso de Paiva,  e querendo voltar a Portugal, eles lhe entregaram as cartas de El-rei nas quais lhe dizia, se tinham visto tudo aquilo a que os mandara,
voltassem a Portugal receber as mercês que lhes destinava; e se o não tivessem, se não viessem embora sem ir a Ormuz saber alguma certeza do Preste João, pois para os acompanharem lhes mandava Rabi Habrão e a José. Não podia deixar Covilhã de obedecer ao mandado de El-rei, e logo enviou a Portugal José com carta sua avisando-o da morte de Afonso de Paiva e referindo-lhe o que tinha sabido do Preste.
Em virtude das ordens recebidas voltou Covilhã a Adem, navegou para Ormuz, tornou a Meca donde foi ao Monte Sinai visitar a casa da Bem aventurada Santa Catarina,  saiu segunda vez para Toro, dali a Zeila, e fez caminho por terra para a corte do Imperador da Etiópia, Rei dos Abexins, o qual se chamava Alexandre; a quem entregou as cartas que da parte d’el-rei levava escritas em língua Arábica, do que ele teve muito contentamento, e o mandou tratar muito bem. *
Estando já Pedro da Covilhã despachado pelo Rei, veio este a falecer, e como não tivesse filhos sucedeu no império seu irmão por nome Naut que obstou ao nosso Embaixador sair do Reino; e após este reinou seu filho David, que também lhe negou a licença. Neste estado, sem poder voltar á sua Pátria, a dar conta da missão que lhe fora encarregada; sem que ao menos pudesse enviar algumas noticias suas, resignou-se á sorte, farto de trabalhos e diligências: e como não pudesse sair daquele reino, consta se casara e tivera filhos; e ainda era vivo quando em 1520 D. Rodrigo de Lima foi por Embaixador ao Preste João. Não param aqui as indagações àcerca da existência do Preste; de Roma vem mandado a Portugal um frade da terra deste, com o qual falara El-rei, e largamente se informa do Covilhã não consta, mesmo, depois da embaixada de D. Rodrigo de Lima em 1520 em que ainda vivia, voltasse ao reino seu senhorio, e como aquele religioso voltasse á sua terra, El-rei lhe entregou cartas para o seu Príncipe. Por esta época aporta a Lisboa Bartolomeu Dias de Novais, do seu grande descobrimento; e contando a El-rei até onde chegara e vira, mais crescem as esperanças de D. João, que firme no propósito de prosseguir os nossos descobrimentos, manda aparelhar novos vasos
Estendiam-se nesta época os descobrimentos dos Portugueses até o rio do Infante, isto é, mil oitocentas oitenta e cinco léguas pela costa, quando a morte veio cortar os dias d’el-rei D. João II, que, com quanto se houvesse mostrado digno sucessor de Afonso V, e legasse a coroa mais aumentada do que dele a recebera, contudo a sua esperança se não havia realizado; a Índia estava ainda por descobrir, e a veracidade da existência do Preste João ficava também um problema.
Bem triste acabaria o Príncipe Perfeito a vida, se uma acção grande e espantosa, que há-de sempre ocupar um dos mais distintos lugares, na história de Portugal, nas dos descobrimentos, e na da Geografia; acção que jamais deixará de ser sabida e admirada por todos os povos, lhe não viesse recompensar esta mágoa, rememorar o seu reinado, o seu nome e o do insigne navegador Bartolomeu Dias de Novais, o dobrador do Cabo da Boa Esperança. E a que maior glória aspiraria e Monarca? que maior galardão desejara aquele, que ao depor o ceptro que havia empunhado, indigita ao seu sucessor um grande futuro, e lhe pode dizer: —A ti compete seguir o exemplo dos nossos maiores, que eu também segui; a ti cabe acabar a obra que eu comecei.

Canto 4.° • Estâncias 61 a 65 dos Lusíadas Luís de Camões

Manda seus mensageiros, que passaram,
Espanha, França, Itália celebrada
E lá no ilustre porto se embarcaram,
Onde já foi Parténope enterrada:
Nápoles, onde os Fados se mostraram,
Fazendo-a a várias gentes subjugada,
Pola ilustrar, no fim de tantos anos,
Co senhorio de ínclítos Hispanos.

Polo mar alto Sículo navegam;
Vão-se às praias de Rodes arenosas;
E dali às ribeiras altas chegam,
Que com a morte de Magno são famosas. •
Vão a Mênfis, e às terras, que se regam •
Das enchentes Nilóticas undosas;
Sobem a Etiópia, sobre Egipto,
Que de Cristo lá guarda o santo rito.

Passam também as ondas Eritreias,
Que o povo de Israel sem nau  passou;
Ficam-lhe atrás as serras Nabateas,
Que o filho de Ismael co  nome ornou;
As costas odoríferas Sabeias,
Cercam, com toda a Arábia descoberta,
Feliz, deixando a Pétrea e a Deserta.
  
 Entram no Estreito Pérsico, onde dura
Da confusa Babel, inda a memória;
Ali co  Tigre o Eufrates se mistura,
Que as fontes onde nascem tem por glória;
Dali vão em demanda da água pura,
Que causa inda será de larga história.
Do Indo, pelas ondas do Oceano,
Onde não se atreveu passar Trajano.

Viram  gentes incógnitas e estranhas
Da Índia, de Carmânia, e Gedrosia
Vendo vários costumes varias manhas,
Que cada região produz e cria.
Mas de vias tão ásperas, tamanhas,
Tornar-se facilmente não podia.
Lá morreram, enfim, e lá ficaram,

Que à desejada pátria não tornaram.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

" América do Sul, costa marítima e sua exploração "

Lusotopia de Carlos Fontes

Toda a estratégia montada por D. João II, envolvendo o próprio Cristofõm Colon, ou Cristóvão Colon ou Salvador Fernandes Zarco, mais conhecido pelo nome falso de "Colombo", pressupõe o conhecimento de terras a Ocidente antes de 1492.

Os testemunhos são abundantes, não apenas de portugueses, mas também dos italianos, espanhóis e franceses.   

A descoberta do Brasil está ligada ao conhecimento pelos portugueses das correntes e ventos do Atlântico Sul, o que foi concluído em 1471.

A partir desta ano sucedem-se os relatos de viagens de exploração da costa brasileira.

Os navios que se dirigiam para Sul de África, ao passarem perto da Guiné, constatavam que levavam muito menos tempo quando se afastavam da costa africana e navegavam perto da costa da América do Sul. Esta rota foi a rota seguida, em 1497, por Vasco da Gama.

O tempo de navegação era também muito menor se navegassem perto do Brasil. Esta passou a ser a rota recomendada.

A descoberta do Brasil terá ocorrido acidentalmente, por volta de 1448. A principal prova é o Mapa de Andrea Bianco, datado de 1448, baseado em informações recolhidas em Portugal. Neste mapa aparecem representados os descobrimentos portugueses no Atlântico Sul, até Cabo Verde e o Rosso (cabo Roxo).

A Sudoeste das ilhas de Cabo Verde e Rosso surge uma grande terra, com a seguinte inscrição: "Ixola Otinticha xe longa a poniènte 1500 mia" ( Ilha Autêntica a poente à distância de 1500 milhas).

Brasil fica exactamente a 1520 milhas a poente das ilhas de Cabo Verde. A Ilha representada ajusta-se completamente à costa brasileira.

A corte portuguesa depois da morte do Infante D. Fernando, em 1470, procurou controlar as expedições para Ocidente no hemisfério Sul, impondo crescentes limitações às expedições nessa direcção, nomeadamente de portugueses.

 D. Afonso V, desde 1471, atribui ao príncipe e futuro rei D. João II, a responsabilidade da Guiné, proibindo em 1474 que alguém fizesse uma viagem para os mares da Guiné, qualquer que fosse o nome que dessem a estes mares, sem a autorização do príncipe.

A coroa portuguesa já em 1.10.1470 havia chamado a si o monopólio de vários produtos obtidos nestas terras e mares: pedras preciosas, goma-laca e pau-Brasil...

O francês Jean de Léry que visitou o Brasil de 1556 a 1558, registou os depoimentos de antigos colonos, que lhe confirmaram que "a quarta parte do mundo, já era conhecida dos portugueses desde cerca de oitenta anos que foi primeiramente descoberta".

 
A descoberta teria ocorrido, portanto, em fins da década de 70 do século XV.

No Tratado de Alcaçovas de 1479Portugal em troca das ilhas Canárias garante a soberania dos mares e e terras a Sul deste arquipélago.

No ano seguinte, nas novas negociações com Castela / Espanha  introduz no texto do Tratado de Toledo de 1480, uma emenda que lhe garante também a soberania sobre as terras que ficavam a Ocidente das Canárias, isto é, o Brasil. Este facto revela, segundo o historiador espanhol Juan Manzano y Manzano que os portugueses conheciam a sua existência nesta altura.

Pedro Vaz da Cunha, o Bizagudo, em 1487, partindo de São Jorge da Mina no Gana - dirigiu-se para a costa do Brasil, onde terá feito o primeiro mapa das suas costas . Há notícia que no mesmo ano João Fernandes Andrade fez idêntica viagem.  

João Coelho, em 1487,  explorou  ilhas a Ocidente que se pensa corresponderem às de Trinidad, Tobago e as pequenas Caraíbas  do Barlavento.

Las Casas, na História das Índias, cap. 39, de forma explícita afirma que Colon já conhecia ou havia feito a rota entre a Ilha do Ferro,das ilhas Canárias  e as Caraíbas navegando 750 léguas, "pocas más o menos" (sic). A coincidência é total com o roteiro português de 1480-85.

O mais antigo Roteiro de Marear que se conhece feito em Portugal, data de 1480-1485. 

Neste Roteiro, como observou o historiador Vitoriano Magalhães Godinho, consta já a rota para chegar às Caraíbas  a partir da Ilha do FerroCanárias, fixando-se inclusive a distância: 700 milhas. 

Colon seguiu exactamente este caminho e referiu a mesma distância.

João Coelho de Lisboa, em 1487, comandou uma expedição ao Senegal, na ida ou na vinda terá aportado às Índias Ocidentais, isto é às ilhas das Caraíbas.

A afirmação é de Estevão Fróis, em 1513, que foi preso pelos espanhóis no Haiti (Hispaniola), território que segundo o Tratado de Tordesilhas pertenceria a Espanha. 

Por não concordar com a prisão, escreveu ao rei D. Manuel I, afirmando que estava a ocupar terras que pertenciam a Portugal: "a terra de Vª. Alteza,  descoberta por João Coelho, o da Porta da Luz, vizinho de Lisboa, há vinte anos e um".

A expedição não foi em 1492, mas em 1487 conforme se comprova por documentos régios.  

Colon, em 1498, quando se dirigiu para Sul das Ilhas de Cabo Verde, afirmou que ia à procura do continente que D. João II lhe falara existir a Ocidente. Esta conversa só podia ser anterior a 1488.

Os tripulantes de um navio francês, aprisionado em 1532 quando regressava clandestinamente do Brasil, afirmaram que tinham provas seguras  que os portugueses estavam estabelecidos nesta região do mundo antes de 1491

O espião inglês Robert Thome, informa Henrique VII, em 1527, que os portugueses antes de Colon
"O rei de Portugal já tinha descoberto algumas ilhas que estão contra as ilhas de Cabo Verde, e também uma certa parte do continente em direcção ao Sul, a que se chamava Brasil".

Nos anexos à Crónica de Nuremberg de 1493, diz-se que Martin Behain (Martinho da Boémia), havia navegado na companhia de "Jacob Carnus de Portugal" ao Sul da linha do Equador ao "alter orbis", isto é, "Outro Mundo", a que na denominação romana se designava antípodas.

Colon também se referiu ao continente que encontrou na Venezuela, como "alter Orbis", e outros depois usaram o mesmo nome para designar a actual América do Sul.

Colon, quando a 6 de Setembro de 1492, zarpou de La Gomera (Gomeira, Canárias) na direcção da "India" (América), é informado que três caravelas de Portugal estavam perto da Ilha de Ferro (Isla del Hierro), isto é, entre as ilhas Canárias e o continente americano, para controlarem a sua expedição, de forma a garantirem que não entrava nos domínios definidos no Tratado de Alcáçovas-Toledo (1479-80), que abrangia grande parte da América do Sul.

Brasil, segundo o historiador espanhol Juan Manzano y Manzano, teria sido descoberto pelos portugueses em fins do Verão ou Outono de 1493

É cada vez mais consensual que Portugal já conhecia a existência do Brasil, antes de 1492 mas a verdade é que não tinha condições para assegurar estes vastos  territórios dadas as guerras que mantinha com Castela, nomeadamente pelo controlo do Norte de África e a costa da mina (Gana), a sua principal prioridade.

Afonso(André) Gonçalves, piloto, em Novembro de 1494, zarpou na direcção do Brasil, tendo sido recompensado por carta régia de 11.6.1497 (menos de um mês antes de embarcar na armada de Vasco da Gama).

 Nas negociações do Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, Portugal fez mais uma vez questão de contemplar o domínio absoluto deste vasto território. A justificação dada pelos negociadores portugueses foi que os navios vindos do Cabo da Boa Esperança precisavam de espaço para fazerem manobras, daí terem exigido 370 léguas a Ocidente das ilhas de Cabo Verde.

 A verdade era outra, como o próprio Colon escreveu.

Durante as conversações deste Tratado os reis católicos informaram Colon que os portugueses sabiam de um continente localizado a Ocidente entre o cabo da Boa Esperança e o paralelo das Canárias, o que corresponde ao actual Brasil.

O próprio Colon, em Agosto de 1498, escreve com toda a clareza que se dirigiu das ilhas de Cabo Verde na direcção do Brasil por  cinco razões:

a) A averiguar da terra firme, continente, que D. João II lhe falara existir a "austro", isto é, a Sudoeste.

b) Os conflitos durante as negociações com Castela deveram-se ao facto de Portugal, pretender assegurar a posse deste continente. Exigindo que o meridiano fosse fixado a 370 "léguas" (sic) das Ilhas do Açores e das ilhas Cabo Verde.

c) D.João II tinha "por cierto" que dentro do seus limites "avía de hallar cosas y tierras famosas".

d) D.João II tinha grande empenho (inclinação) em enviar navios a descobrir a Sudoeste. Os portugueses acharam inclusive canoas que saiam da costa da Guiné, que navegavam na direcção de oeste com mercadorias.

e) A direcção para Ocidente devia ser percorrida seguindo o paralelo da Serra Leoa, calculando a latitude a partir da Estrela do Norte (estrela polar), seguindo depois para Sul.

 Colon viu-se impossibilitado de seguir esta ultima instrução do rei, como refere, devido ao calor que encontrou, limitando-se a seguir o paralelo  até atingir Terra Firme.

Colon, contraria assim a versão corrente que D. João II ( falecido em Outubro de 1495) estaria apenas envolvido nas expedições em torno de África. Como se prova estava também empenhado em explorar o Sudoeste do Atlântico, sabendo da existência de um continente nessa direcção. 

Recorde-se que a bordo da 3ª. viagem de Colon, na qual atingiu Terra Firme, seguiam pelo menos dois portugueses. 
Esta expedição violava de forma ostensiva o Tratado de Tordesilhas, só pode ser realizada com a prévia autorização de D.Manuel I, um facto ignorado pela historiografia oficial.

 Nas Ilhas de Boavista e de Santiago do arquipélago de Cabo Verde, os seus navios foram abastecidos de víveres. Rodrigo Afonso, escrivão da fazenda do rei de Portugal, ofereceu-lhe tudo o que havia na ilha da Boavista.

O melhor registo histórico destas viagens para ocidente é feito pelo próprio Colon no Memorial de la Mejorada (Julho de 1497), no qual acusa D. Manuel I de ter violado o meridiano de Tordesilhas enviando expedições portuguesas em várias direcções:

 a) Para a Índia contornando África, e ultrapassando já na altura o Cabo da Boa Esperança;

b) Para poente na direcção das Índias espanholas e Sudoeste (Brasil);

c) Para Norte na direcção do Pólo Árctico, isto é, da Terra Nova 

Colon confirma deste modo, e de forma inequívoca, as expedições portuguesas antes de 1497, ao continente americano.

Estas expedições portuguesas para Ocidente, são alvo de uma dura critica neste Memorial, mas também na Relação da Terceira Viagem, concluído em Agosto de 1498Colon, afirma que D.Manuel I, ao contrário de D. João II não estaria a respeitar os limites estabelecidos no Tratado de Tordesilhas, nomeadamente a poente.

Vasco da Gama, em Julho de 1497, quando partiu em direcção à Índia, foram-lhe dadas instruções precisas para se aproximar das costas do Brasil, mas sem aportar. O relato de um dos pilotos, o célebre "Piloto Anónimo", é muito claro ao identificar que estavam a navegar junto a terras a Ocidente, mas que não correspondiam à Índia, pois não tardariam em afastar-se das mesmas navegando para Oriente (Cabo da Boa Esperança).


Na "Relação da Viagem", em Agosto de 
1497, regista indícios muito claros de terras no poente: "indo na volta do ... a Sul e a quarta do Sudoeste, achámos muitas aves, feitas como garções, e, quando veio a noite, tiravam contra Susoeste muito rijas, como aves que iam para terra". 

Duarte Pacheco Pereira, em 1498, fez uma longa viagem de exploração não apenas pelas costas do Brasil, mas também pela da Venezuela, deixando-nos um relato preciso do facto. O seu objectivo foi o de identificar na costa brasileira do Amazonas, o ponto da Foz do rio Turiaco onde passava o meridiano do Tratado de Tordesilhas. Atingiu este lugar entre Novembro ou Dezembro de 1498, constatou que o mesmo em termos estratégicos não interessava a Portugal, o que levou a ocultar a expedição durante vários anos.  

Noutras passagens refere explicitamente as viagens antes de 1495 que os portugueses fizeram  a Ocidente, nomeadamente ao Brasil (cfr. Jaime Cortesão, A Colonização do Brasil, p.27-32).

Investigações recentes dão conta duma expedição portuguesa que, entre Dezembro 1498 e Maio de 1499 explorou profundamente o Amazonas, através do curso do rio designado por "Colpho Grande" até cerca de 500 milhas do mar, reconhecendo as embocaduras do Rio Pará e Tapajós. 

A descoberta foi realizada com base na análise da cartografia da época (mapas de PesaroEgerton Ms 2803 e Roselli, de origem portuguesa, transmitidos a Espanha e Itália por Vespucio e outros) , mas também com base em fontes espanholas.´

A conhecida expedição de Vicente Yanes Pinzón e Diego Lepe, que em fins de 1499, alegadamente terá tocado no território brasileiro, encontra no mesmo uma cruz colocada por anteriores expedições portuguesas (cfr. Alfredo Pinheiro Marques, Portugal e o Descobrimento do Atlântico, p.108).

 O roteiro anónimo da 1ª. viagem de Pedro Alvares Cabral à Índia (1500-1501), descreve a aproximação intencional da armada às costas do Brasil, de modo a oficializar a sua descoberta. Na esquadra de 12 navios seguia um pequeno navio, uma caravela, que tinha como objectivo aportar ao Brasil, e formalmente registar a posse do território e regressar de imediato a Portugal, o que foi feito.

rota marítima da armada de Pedro Álvares Cabral, descoberta oficial do Brasil, 22 de Abril 1500

A viagem foi iniciada com total discrição. O próprio rei D. Manuel I estava fora de Lisboa, para não levantar suspeitas. Portugal retardou o mais que pode a noticia, e só a comunicando um ano depois, quando desembarcou em Lisboa os sobreviventes da esquadra de Cabral. A corte portuguesa jogava no segredo.

Mestre João, físico e cosmógrafo de D. Manuel I, que participou na armada de Pedro Álvares Cabral, na informação que prestou ao rei, indicava que o Brasil era a “ilha Autêntica” que estava no mapa-mundi que pertencia a Pero Vaz da Cunha “o Bisagudo”

Pero Vaz de Caminha, cronista da expedição, na sua célebre carta ao rei, refere explicitamente uma viagem anterior. Ao descrever a primeira missa em solo brasileiro, diz que Nicolau Coelho trouxe muitas cruzes, com crucifixos que "haviam ficado da outra vinda". Nicolau Coelho foi capitão de um dos navios da expedição de Vasco da Gama (1497-1499).

O Planisfério dito de Cantino (1500-1502) mostra claramente que o Brasil já estava cartografado no ano em que Pedro Alvares Cabral o "achou". As enormes dimensões que o Brasil tem neste mapa mostram que os portugueses tinham a perfeita noção que não se tratava de uma simples ilha, mas de um continente distinto da Ásia. 

Planisfério de Cantino, 1500-1502

recorte do planisfério dito de Cantino 1502 -costa leste da América do Sul

Neste mapa surge um curioso acidente geográfico muito a poente do meridiano de Tordesilhas designado “Golfo Formoso”, o qual não aparece em nenhum outro documento estrangeiro antes de 1506. O primeiro a fazer referência ao mesmo é justamente o esboço de um mapa de Bartolomeu Colon, feito nesse ano onde regista o “Golfo Formoso”. Este topónimo confirma de forma inequívoca as explorações portuguesas em profundidade pela costa setentrional das Índias espanholas antes de 1506. A informação de Bartolomeu Colon terá sido recolhida em Vespúcio que se mudou de Lisboa para Sevilha no final de 1504.

Uma análise mais atenta do planisfério revela outras expedições portuguesas antes de 1502, e que serviram de base à sua feitura.  

Gonçalo Coelho, em Maio de 1501 é enviado numa expedição para as costas do Brasil, constituída por três embarcações, provavelmente caravelas. Comandou uma nova expedição entre Junho de 1503 e 1504, com seis navios, quatro nunca regressariam. A frota dirigiu-se para as ilhas de Cabo Verde, e atingiu ilha de Fernando de Noronha em 10/8/1503, onde naufragou o navio de comando. Um grupo de navios prosseguiu o rumo para Sul durante cinco meses seguido o litoral daquela terra por quase 760 léguas atingido o Cabo Frio, onde construíram uma feitoria. O mapa de Maiolo (Fano, Itália, 1504) identifica o Brasil como "Terra de Gonçalo Coelho".

O PLANISFÉRIO DE MAIOLLO DE 1504.

 De : ROBERTO LEVILLIER

Nova prova do itinerário de Gonçalo Coelho-Vespúcio, à Patagónia, na sua viagem de 1501-1502 (*).

(*) . Texto espanhol traduzido pela Lic. Sónia Aparecida Siqueira (Nota da Redacção).

Ao entrar na exposição vespuciana de Florença, em princípios de Julho de 1954, fiquei admirado à vista do conjunto cartográfico.

Ir além dos cinco mapas que formam o grupo de 1502, directamente derivado da viagem que comento, encontrava-se entre eles, ocupando lugar de honra, um planisfério que uma etiqueta oficial indicava ser de Maiollo, datado de 15(3?)4. Procedia da Biblioteca Federiciana de Fano. Já à distância, havia reconhecido no perfil atlântico do hemisfério austral, grande semelhança com Kunstmann IIPesaro e Hamy.

Pude verificar, aproximando-me, que a nomenclatura da região atlântica meridional concordava com a de Kunstmann IICavério e Waldseemüller, desde o Cabo de Santa Cruz, ao Norte, até Cananor, ao Sul, (estamos a informar àcerca da costa Leste da América do Sul).  Numa vitrina vizinha, estava a única cópia existente da edição de 1507 de Waldseemüller, com o título: América.

Em frente ao Maiollo exibia-se o planisfério de Cavério.

Dum lado, Salviati e Juan Vespúcio. Faltava apenas Juan de la Cosa para encontrarem-se reunidas os fac-similes de HamyCantino e Juan de la Cosa (que chegou depois da inauguração), as mais  importantes imagens do Novo Mundo, associadas à viagem austral. Essas peças únicas e originais, pertencem às bibliotecas italianas e  estrangeiras.

Foi estranho ver que o mapa de Maillo  surpreendesse, pois nunca havia sido reproduzido.

No grande salão do Palazzo Vecchio levei tempo estudando-o, medindo-o e fazendo-o fotografar, até conseguir uma boa cópia do hemisfério meridional, do mesmo tamanho do modelo.

No mês de Agosto em Veneza,  procurei e encontrei na Biblioteca do Convento de São Marcos a respectiva bibliografia, e em começos de Outubro entreguei à Revista L'Universo do Instituto Geográfico Militar de Florença, um breve estudo sobre o mapa de Maiollo, antes um conjunto de reflexões de um historiador de viagens austrais, que a análise técnica de um cartógrafo. Este  publicou com o título de Il Maiollo di Fano alia mostra vespucciana

Deixando de lado os problemas de projecção e de construção do mapa, consagrei-me somente a quatro pontos:

1.°) a configuração do hemisfério austral;

2.°) a toponímia da costa dessa região;

3.°) a legenda que marca a data e a assinatura do autor, e

4.°) o sentido da legenda Tera de Gonçalvo Coigo vocatur Santa Croxe, ou seja: Terra de Gonçalo Coelho chamada Santa Cruz (2).

Vista a bibliografia conclui-se que o mapa era 'conhecido pelo menos há um século, mais pelo nome do que alguma vez tivesse sido analisado.

Uzielli e Amat de San Filippo (3) registam-no em catálogo como sendo de 1504, numa 'simples anotação, baseada no elenco das cartas geográficas reunidas na exposição de Veneza em 1881. Harrisse (4) e Nordens-lciold (5) já não puderam encontrá-lo e declararam perdido o que acreditam ser um atlas.

Por essa razão provavelmente, e por estar arquivado na biblioteca duma pequena povoação adriática, passou despercebido até que o Prof. Sebastián Crino o descrevesse  num curto estudo, em 1907, sem reproduzi-lo (6) . Sabe-se que o sr. Luigi Massetti o havia doado à Biblioteca de Fano em 1862.

Cita as três legendas principais sem delas tirar conclusão histórica, calculada a escala em 1:20.000.000 que sugere a data de 1534.

A razão que dá para atribuir ao mapa-múndi essa data, parece lógica, mas não era a exacta.

O reputado polígrafo Desimoni  descobriu um convénio subscrito por Maiollo nesse ano, no qual se comprometia a entregar antes de 1535 ao editor Lomellini uma carta náutica do mundo (7), e o prof. Crino deduziu dessa circunstância que

"essendo stata composta da carta in esame Giug no 15 4, due mesi dopo cioe dell'atto notarile su ricordato se la cifra mancante tra il 5 e il 4 come non senta verosimiglianza puo supporsi, sia un 3 completamente obliterado".

Várias razões, que se verá mais adiante, se opõem a esta conjectura. A que formulará depois o Prof. Giuseppe Caraci é igualmente infundada.

Num artigo em que se ocupa de outros mapas de Maggiolo, dedica algumas linhas a este, à sua data e aos que o haviam precedido no exame ou menção do planisfério (8). Com tal ênfase generalizadora de que soe usar, rejeita sem dar razão alguma, a data de 1504, e assevera:

"La data dei atlante (ainda acredita ser um atlas) e senza dubbio piu tarda; l'equivoco fu possibili perche nella sotoscrizione la terza cifra del milesimo e illegibile e fu credeta un zero".

Notará o leitor que o senza dubbio tem, como o equivoco, tão pouca justificação como aquilo de que "il piu antico lavoro finora conosciuto di Vesconte resta il notissimo atlante del 1511".

1— Revista do Instituto Geográfico Militar. Ano XXXIV, no 6, Novembro ou Dezembro, 1954. Florença.

2— Na referida legenda nota-se com facilidade a região do Norte do Brasil.

3 — Studi biografici e bibliografia sulla storia della geografia in Itallta. Roma, 1882.

4— The Discovery of North America. Londres, Paris, 1892.

5— Periplus. Estocolmo, 1897. , • / ry i

6— Notizie sopra una carta de navigare di Visconte Maiollo. Boletim da Sociedade Geográfica de Roma, t. III, 1907.

7 — Elenco di certa et atlanti nautici di autora Genovesa. Giornale linguistico, lige 1875

 

O exame do hemisfério austral de Maiollo e sua comparação com as outras representações já citadas do novo mundo, oferece sólidos fundamentos para associar este planisfério à primeira cartografia derivada do périplo de Gonçalo-Coelho-Vespúcio de 1501-1502 e autoriza assim mesmo a fixar-lhe a data de 1504.

Enviou-me uma fotografia do planisfério, que não utilizei por parecer-me que as obtidas em Florença, tanto do conjunto como das partes que me interessavam, eram mais pormenorizadas e claras.

O mapa de Maiollo tem  1,40 m de comprimento por 0,895 m de altura, uma espessura do bordo direito e do esquerdo 0,915 m .

Carece de graduações de latitude e longitude, não está incluída a ilha de Cuba,  somente chega até a Índia pelo Oriente.

A forma 'da costa atlântica americana ao Sul do Equador, é a mesma de Pesaro, Hamy e Kunstmann II, sobretudo a deste último, pela sua inflexão SSO. Termina uns graus mais ao Sul de um estuário ou golfo denominado por Kunstmann II e Cavério, e mais tarde WaldseemüllerRio Jordán, este é o nome que Maiollo também lhe dá, enquadrando-o, como os anteriormente citados, entre Pináculo Detentio (Pináculo de Tentación) ou seja o cerro 'de Montevidéu e Rio Santo António.

Já se demonstrou em América la bien llamada e em El Nuevo Mundo (9) com uma vasta cartografia, que essa enseada representa o sítio do primeiro nome cristão do Rio da Prata, chamado até então Paranaguazú ou Huruay pelos índios .

Cavério, mapa assinado, Kunstmann II, sem as Di un atlante sconoschno di Vesconte Maiollo (1548) . "L'Universo", Setembro de 1926.

8Di un atrante poco noto di Vesconte Maggiolo (1549) . Bibliofilia, Florença, janeiro-fevereiro 1951.

9— 2 vols. Kraft. Buenos Aires, 1948 e Editorial Nova, Buenos Aires, 1951 sinatura, mas datado de 1502 pelos mais eminentes cartólogos

(10) se unem a Maiollo, datado e assinado, para certificar que ao redor ,de 1502 e 1504 foi atingido e descoberto o Rio da Prata.

E os três planisférios assim C J1110 Waldseemüller marcam também a presença em sua nomenclatura de Cananor, como extremo fim da expedição descobridora da Patagónia .

Do ponto de vista da toponímia, Maiollo é muito satisfatório (11) . Quanto à configuração, se conserva a inflexão SSO de Pesaro, Kunstmann II e Hamy, não leva a costa atlântica até a alta latitude de Cananor. Possivelmente por má informação diminui duns 10 graus ao Norte da latitude do Cabo Agulhas, se é que não há demasiada extensão Norte-Sul do continente africano. Cavério e Hamy são, entre os mapas citados de 1502, os únicos que marcam latitudes, e o segundo o faz com características curiosas.

Publiquei Hamy, fazem anos, na parte que mais interessava ao meu estudo (12) . Reproduzi a África também, para demonstrar que a costa atlântica descia frente ao continente negro, algo mais ao sul que o Cabo Agulhas (35°) mas a graduação da escala .acabou ilegível na cópia fotográfica, e a imprensa a devolveu pedindo que se aclarasse. Um desenhista o fêz, sem reparar no facto realmente insólito de que esse mapa apresenta duas linhas equinociais. Uma começa no Oriente e termina pelo meridiano de Alexandria, e a do Ocidente termina na costa oriental da África, cinco graus ao sul da anterior.

O paralelo marcado 35°S na escala oriental, passa com toda exactidão pelo cabo terminal da África, mas

na mesmíssima altura, na escala ocidental, se  lê: 30°.

Segundo Gallois, a linha que vem de Este a Oeste é a de Ptolomeu, e a que vai de Oeste a Este a dos navegantes modernos. O desenhista ao esclarecer as cifras, que são claras na escala oriental, utilizou as mesmas para a ocidental, alterando, sem direito, um conceito do autor do mapa.

De toda maneira, não favorece essa inadvertência à prova de  que originalmente ia utilizando o mapa de Hamy, conjuntamente com Pesaro, Kunstmann II, Cavério e Cantino, todos de 1502.

Os cinco mapas, uns pela sua configuração, outros pela sua toponímia, outros pela extensão de sua costa, demonstram com esses testemunhos, e não com suas. latitudes escritas, que o Rio da Prata e o litoral patagónio estavam descobertos desde 1502, por uma expedição que só podia ser a de Gonçalo Coelho-Vespúcio. Maiollo corrobora esta verdade de forma concludente.

10). — Ocuparam-se de Cavério, considerando-o de 1502, Gallois, Kretschmer Marcel, Nordenskiold, Harrisse, Ruge, Phillips, Lowery, Stevenson, Vignaud Winter, Tomaschek, Revelli, Almagia, Magnaghi e muitos outros. Com  Kunstmann II se especificaram aceitando a data dada por P. Kunstmann: Kohl, Peschel, Ruge, Kretschmer, Nordenskiold, Harrisse, Stevenson, Winter, Uzielli, Philips, Lowery, Almagia, etc.

11— Veja-se a toponímia comparada no quadro anexo.

12 — América la bien Ilamada, vol. II, págs. 8, 9 e 10.

Se a costa atlântica apresenta um perfil quase idêntico ao de Hamy, Kunstmann II e Pesaro, a do Caribe oferece uma característica igual a que dão Juan de la Cosa (1500), Kunstmann II e Hamy. Nesses três mapas, como pode ver o leitor na América la bien llamada (13), se interrompe de repente a linha do litoral, prolongando-se esse corte ao ponto de fazer desaparecer toda a terra compreendida entre o Maranhão e o Rio Grande do Mar Doce (Amazonas) e também esses dois rios.

Esta singular omissão ocorre também em Maiollo indicando parentesco de época. O desenhista italiano inspirou-se num modelo análogo ao de Kunstmann II, ao qual está ligado por outros indícios de contemporaneidade. A toponímia de alguns destes mapas é um deles. Veja o leitor o quadro no qual aproximamos os nomes da costa atlântica Sul de Kunstmann II, Cavério, Maiollo e Waldseemüller.

Pouco falta para que sejam idênticos, desde Santa Cruz até Cananor.

Estes indícios concordantes permitem também afirmar que Maiollo pertence à cartografia derivada das viagens caribeanas, de Colombo a Vélez de Mendonza, que reflecte, como os cinco mapas citados, as viagens atlânticas de Cabral e Gonçalo Coelho-Vespúcio.

0 que foi dito já está muito bem provado.

Não obstante ampliarei os testemunhos para que o Q.E.D. seja concludente. Passarei à data.

A legenda em que ela consta provê somente três cifras, apresentadas assim: 1.5.4.

À primeira vista poderia ser 1534, 1524, 1514 ou 1504.

Os antecedentes enunciados tendem a demonstrar que é 1504. Acrescentarei razões pelas quais se deve eliminar qualquer outra data.

Indiquei, há anos, a série de nomes mal situados por Maiollo, na costa atlântica de seu mapa de 1519 (14). Acreditava que o cartógrafo os havia transposto nessa representação. Descubro agora '11  que não fêz mais do que reiterar seu errado encolhimento da costa de 1504, ficando outra vez uma série de lugares fora do sítio.

 Leva Cananor, Santo António, Pináculo Detentio e Rio Jordão, da jurisdição castelhana à portuguesa, colocando esses nomes por São Paulo. Além de que, atribui a essa região uma altura de 19 e 20°, em vez da correcta; 23°30'. Comete outro erro, ao marcar o cabo de Santa Maria por 28° em vez de 34°45'. -13- Op. cit., vol. 1, 92: vol. II, 'págs. 8 e 10.

14 --, Op. cit., vol. II, págs. 72 e 73. 1111c

A abundância da toponímia neste mapa de 1519, em comparação com as cartas geográficas citadas, indica uma época mais avançada e a utilização de novas viagens, cada uma das quais deixou atrás de si, baptismos sem precedentes. Maiollo 1519 é, pois, posterior ao que ocasiona este estudo, e com muito maior razão deve afastar-se a suposição de que pudesse ser de 1524.

Por seu lado, o planisfério de 1527 torna inadmissível a data de 1534.

Inteirado o cartógrafo da viagem de Magalhães, marca todo o litoral e o estreito, e acrescenta o nome de São Cristóvão (posto pelo nauta lusitano ao Rio da Prata) ao de Jordán, resultante da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio. Vai corrigindo erros de 1504 a 1519 e aproximando-se da realidade topográfica do litoral (15). E seria verosímil que  sete anos depois, ou seja, 1534, aparecesse um mapa seu de tão breve costa e tão primitiva nomenclatura? E' bem sabido que surgiram a miúdo na cartografia do século XVI, surpreendentes recúos, mas raramente entre os italianos. Eles sempre souberam informar-se e foram entre os primeiros a fazê-lo, graças ao seu contacto mediterrâneo com as potências descobridoras e a actividade subtil dos núncios, diplomatas e agentes comerciais, prevalecentes em Lisboa, Burgos e Sevilha.

Basta para concretizar, escrever aqui os nomes de Martir de Angleria, Pascualigo, Trevisano, Cantino, Affaitadi, Cretico, Ca-Masser, Rondinelli, Priuli, Sanuto, Empoli, Marchioni, Vespúcio mesmo (16) . Todos escreviam mostrando que sabiam.

O segredo das chancelarias interessadas era um mito.

Demonstram-no mapas italianos de 1502, 1504, 1519 e 1527; 1536, 1543 e 1553.

As abelhas sugavam seu mel onde e como podiam.

Dar ao Maiollo de Fano, conhecendo o de 1527, a data de 1534, seria uma extravagância. Tão pouco é aceitável 1514. O corte na costa norte, semelhante ao de Juan de la Cosa de 1500, Hamy e Kunstmann II de 1502 é explicável numa época em que os pilotos de Espanha e os desenhistas de Portugal não tinham segurança de acertar na indicação das jurisdições. Omitir, também podia ser uma astúcia; mas em 1514, os nautas de Castela haviam percorrido muitas vezes a costa norte, e descoberto o Mar do Sul.

Um mapa como o de Maiollo, nessa data seria um anacronismo.

Ao aparecer este artigo en L'Universo, em Dezembro de 1954, enviei um exemplar ao meu eminente amigo Heinrich Winter, cartólogo alemão de grande autoridade e autor de muitos trabalhos de valor, como

The false Labrador and the Oblique meridian, Francisco Rodrigues Atlas of 1513; The true position of Hermann  Wagner in the controversy of the Compass Chart, A circular map in a .Ptolemaic mss, etc., pedindo-lhe sua opinião sobre a interpretação da data de Maiollo de Fano.

Sua resposta de 2 de Fevereiro de 1955, ratifica, por uma excelente razão, a conclusão formulada de::

1504. Publicamo-la em inglês, tal como a recebemos.

15. Op cit., vol. II, págs. 108 a 110. .

16— Veja-se op. cit., vol. I, págs. 182 a 199, Veja-se op. cit., vol. I, págs. 182 a 199, meus comentários à extravagante "política de segredo", do senhor Jaime Cortesão, publicada pela primeira vez sob o título de "O sigilo nacional sôbre os descobrimentos" na revista "Lusitânia" de janeiro de 1924. O mesmo conceito é repetido com maior extensão na Histria de América de A. Ballesteros, em 1947"As to the date of Maiollo, certainly it was inevitable to refute the readings : 1534, 1524, 1514. But there is another reason for favoring 1504. At the end of the 15th century one changed from semigothic letiers to latin ones and vice versa from latin numbers to sernigothic ones, and after 1500 there was a new situation: one pronounced one (thousand) Eive (hundred) and four = 1.5.4, so, having only thrce unities. The refore one was not obliged to put in a zero, as far as, the 3 unity was an independent word, not composed as thirteen, fourteen, etc. Therefore 1.5.4. is not a lapse. And even the same Maiollo uses the last possibility for such writing (3 unity twelve) on his portulan chart in New York: "Vesconte maiolo composuy hanc cartam in neapoly de anno dny. 1.5.12. dic 2 Juny,, still with three unities for writing as for speaking".

Pensamos que esta grata lição, saída da realidade histórica,.servirá para consignar ao planisfério de Maiollo uma poderosa ratificação de Hamy-Pesaro-Kunstmann II-Cavério-Cantino, como grupo cartográfico e reflexo da viagem de Gonçalo-Coelho-Vespúcio ao Rio da Prata e à Patagónia em 1501-1502. Uma circunstância visível no próprio mapa, empresta à referida data um poderoso apoio. Numa legenda escrita em caracteres maiúsculos, aparece no alto do mapa:

TERÁ DE GONZALVO' COE (G?) (L?) O VOCATUR SANTA CROXE.


Maiollo interpretou erradamente o nome e o sobrenome Gonzalo Coelho. Escreveu-os mal, e nele não eram raros tais descuidos. Anota por Santo António: San Antogno; Cristóvão Colombo: Cristof a Colombo; Santa Croce: Santa Crusis, e Magalhães: Maçaianes.

A legenda evidencia a intenção de uma homenagem ao capitão-mor da expedição descobridora: das terras meridionais da América, percorridas por Gonçalo Coelho,.com Vespúcio, em 1501-1502, desde .o cabo São Roque no Brasil, até Cananor na Patagónia .

Muito se discutiu, particularmente entre os brasileiros e na época do Império, se ele foi o chefe, ou se esse cargo correspondeu a André Gonçalves (17) .       

Os quatro historiadores brasileiros de renome do século XIX: Caetano da Silva, Varnhagen, Mendes de Almeida e Capistrano de Abreu, firmaram o peso de sua autoridade em favor do primeiro, e ante os motivos alegados por eles, sustentei em América la bien llamada; El Nuevo Mundo, e vários artigos de polémica publicados na Revista de História, de São Paulo, que deveria ter sido Gonçalo Coelho(18) A legenda até então nunca apreciada (1954) corrobora de maneira decisiva essa tese.

(17) . Veja-se Varnhagen A., História Geral do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio, 1883

 Vespúcio, a quem um profissional da quimera, e, mais tarde, seus corifeus, pretenderam atribuir o comando da viagem de 1501-1502,  nunca escreveu ter sido capitão-mor de nenhum périplo, e quando foi capitão de uma caravela, afirmou-o claramente.

Em todas as suas cartas predomina seu interesse pelas questões cosmográficas, astronómicas, etnográficas geográficas, sobre os problemas náuticos.

Sua hierarquia a bordo das três primeiras viagens, sobretudo na terceira, deve ter sido a de assessor científico.

Refere que o Conselho de Oficiais lhe confiou em 15 de Fevereiro a orientação do périplo, que ele dirigiu até 50° de latitude Sul.

Em 7 de Abril, o capitão-mor retomou a direcção para voltar a Portugal.

Noutro parágrafo alude à morte dum grumete e ao impulso da tripulação de vingar-se dos indígenas, o que o capitão-mor proibiu.

Não pretendia, pois, ser o Chefe.

Veja-se Varnhagen A., História Geral do Brasil, Madrí, 1854. Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil, Rio, 1883.

A legenda de Maiollo tira toda a dúvida sobre o tão discutido ponto; foi Gonçalo Coelho o capitão-mor da expedição de 1501-1502.

A Vespúcio coube o mais importante, descobrir sob sua direcção o Brasil Meridional, o Rio da Prata, o Cerro de Montevidéu e a Patagónia. Isto não é tudo. Esta terra foi também sua fonte de inspiração.

Ao bordejar pelo litoral interminável, inteirou-se do carácter de continentalidade.

A essa compreensão feliz se deve pela primeira vez na história o uso dos termos Mundus NovusContinente e Quarta Parte Mundi, foi um uso exacto.

A viagem de tão fecundos resultados repercutiu sobre o capitão-mor, provocando a homenagem lusitana de Tera de Gonçalo Coelho, provavelmente inscrita no modelo utilizado por Maiollo.

Desse precioso testemunho evidencia-se que a viagem, o planisfério, e a legenda são simultâneos,  agregam-se  as seguintes conclusões:

1) O mapa de Maiollo de Fano, incorpora-se, por sua configuração ao grupo dos três planisférios de 1502, de inflexão SSO;

2) a concordância de sua toponímia com a de Kunstmann II, Cavério e Waldseemüller, é evidente no quadro anexo, associa-o igualmente à família cartográfica derivada da viagem Gonçalo Coelho-Vespúcio de 1502;

3) em razão dos conhecimentos obtidos em viagens posteriores, resumidos nos mapas de Maiollo de 1519 e 1527, não é aceitável que o de Fano seja de 1514, 1524 ou 1534;— Veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de História, de São Paulo, n.° 16 de 1953. Boletin de la Real Sociedad Geográ-fica de Madrid, n.o 333, de 1954.

4) estes (18) fundamentos acrescentados a indícios da época, como a interrupção da costa no litoral Norte do Brasil (em concordância  com outros mapas de 1502)  a lembrança da memória de Gonçalo Coelho, impõem a data de 1504 ao planisfério de Maiollo da Biblioteca de Fano;

5) a explicação dada pelo sr. Winter sobre a maneira de numerar em princípios do século XVI, é definitiva para solução do problema de data .

18) — Veja-se América la bien Ramada, tomo II. El Nuevo Mundo e Revista de História, de São Paulo, n.° 16 de 1953. Boletin de la Real Sociedad Geográfica de Madrid, n.o 333, de 1954

Estas viagens foram durante muito tempo objecto de enorme polémica, até que foi descoberta uma acta notarial de Valentim Fernandes de Moravia, datada de 20/5/1503, integrada no códice de Peutinger, na Biblioteca de Estugarda, nas quais se confirma que Gonçalo Coelho chegou à altura do pólo Antárctico, a 53 graus, "tendo encontrado grandes frios no mar". Terá também chegado o arquipélago das Maldivas ou Falkand.

 1507 mapa-múndi  de Waldseemuller 

1507, parte superior do mapa de Waldseemuller 

1507, parte inferior esquerda do mapa de Waldseemuller 

É possível que não só tenha chegado ao extremo Sul do continente, como é evidente pela análise do mapa de Waldseemuller de 1507, como tenha inclusivé navegado na costa ocidental da América do Sul. Há vários relatos que testemunham que quando Fernão de Magalhães, em Outubro de 1520, chegou ao estreito que actualmente tem o seu nome, tinha consigo um mapa da região. O piloto genovês António Pigafetta nos relatos da 1ª viagem à volta do mundo refere…” este [Fernão de Magalhães], tão hábil como valente, sabia que era preciso passar por um estreito muito oculto, que tinha visto representado numa carta feita pelo excelente cosmógrafo Martin da Boémia, que o rei de Portugal D. Manuel I guardava na sua tesouraria….”

Américo Vespúcio viveu em Portugal entre 1499 e 1505, nos seus escritos divulgados por toda a Europa afirma que participou nestas expedições de Gonçalo Coelho a mando do D. Manuel I. Nunca foi encontrado qualquer registo da sua participação nas mesmas. As suas alegadas descobertas, com as quais pretendeu ocultar os feitos de Colon, foram elaboradas com base em relatos dos marinheiros portugueses, com quem contactou durante os 5 anos que viveu em Lisboa.

1507, Globo de Waldseemuller .  

" Quem teria descoberto o Brasil" !?

 Fonte : Colon Português - provas documentais - 1º volume, de Mascarenhas Barreto

O historiador francês Jean de Lévy, estando no Brasil de 1556 a 1558, registou depoimentos dos mais antigos e considerou ser o continente centro Sul americano " .....a quarta parte do mundo, já conhecida dos portugueses desde cerca de oitenta anos que foi primeiramente descoberta".

Chama ao Brasil "Terra de Gonçalo Coelho"

Por este cálculo se conclui que a costa brasileira teria sido abordada pela primeira vez em 1487.

Estevão Fróis, em 1514, tendo sido preso pelos Espanhóis sob a acusação de se achar instalado em território atribuído a Castela pelo tratado de Tordesilhas, escreveu ao rei D. Manuel I, pedindo que o resgatasse, justificando que se limitara a ocupar "....a terra de Vª Alteza, já descoberta por João Coelho, o da Porta da Luz, vizinho de Lisboa, há vinte anos e um".

Isto significa que o invocado navegador teria atingido aquela região, actual Venezuela, em 1493, no prosseguimento da descoberta do seu primo direito Gonçalo Coelho. 

Por conseguinte os portugueses vogavam por aquelas águas muito antes de Cristóvão Colon, que só atingiu a " Punta de Hierro", na 3ª viagem de 1498, isto é, 5 anos depois e também pelo menos, 5 anos antes de Alonso de Hojeda e 6 anos antes, em relação à fantasiada expedição de Américo Vespúcio.

Duarte Pacheco Pereira, fornece uma informação geográfica que permite localizar a região onde Estêvão Fróis fora preso, já que, depois de indicar a rota, diz "... no ano de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e oito, donde é achada e navegada uma tão grande terra firme, com muitas ilhas adjacentes a elas".

Só podia tratar-se do arquipélago constituído pelas ilhas Margarita, Tortuga, Culeja, Coche e ilhéus venezuelanos, a oriente de Caracas e a ocidente da "Punta de Hierro". A mesma que Colon abordara, afirmando ser "terra firme", embora não a tivesse contornado e poderia ser de uma pequena ilha.

Na mencionada 3ª viagem de 1498, Colon, em vez de seguir a rota habitual das ilhas Canárias para a Espanhola - República Dominicana - principal base das Caraíbas, inflectiu para Sul, permanecendo 2 dias no arquipélago de Cabo Verde, onde contactou com os portugueses.

E Las Casas relata:

"Torna o Almirante a dizer que quer ir para Sul das Caraíbas, porque quer ver a intenção do Rei Dom João de Portugal, por certo, que dentro dos seus limites de Castela havia de achar coisas e terras famosas".

O mencionado navegador Gonçalo Coelho, em 1487, desembarcando na foz do rio Senegal , travou relações com o príncipe Bemoín, a quem disputavam a sucessão ao trono daquele Estado. Por isso, quando Coelho voltou a Portugal, o príncipe mandou com ele uma embaixada a D. João II, para pedir armas e navios.

Escusou-se o rei, alegando que a igreja proibia tal fornecimento aos infiéis. No ano seguinte, 1488, tendo Bemoín sido atraiçoado por alguns dos apaniguados, foi expulso do Reino do Senegal, mas decidido a dominar a revolta, embarcou numa caravela portuguesa e veio a Portugal suplicar o auxílio do monarca.

D. João II recebeu-o com honrarias adequadas a um príncipe, dedicou-lhe festejos e foi seu padrinho de baptismo, passando o senegalês a chamar-se como ele João. Por este triunfo de conversão, o soberano armou o príncipe " cavaleiro" e apressou-se a transmitir a notícia ao Papa Inocêncio VII.

Depois, enviou uma forte esquadra de 20 navios a escoltar o recém-baptizado João. Era comandada por Pero Vaz da Cunha "Bizagudo", seguindo nela João Coelho e um frade dominicano, Mestre Álvaro, que encabeçava um grupo de clérigos com a missão de evangelizarem os indígenas. Contudo ao chegarem ao Senegal, Pero Vaz da Cunha "Bizagudo", assassinou o príncipe de Bemoín e regressou com a esquadra a Portugal.

Segundo Rui de Pina e Garcia de Resende, "o Bizagudo" não foi punido "(...) por não querer El-Rei envolver no crime outros culpados(...). Esta sentença foi logicamente interpretada como uma dissimulação real, devendo-se o perdão a uma proeza marítima que Pero Vaz da Cunha tivesse recentemente cometido e que lhe valera a nomeação de comandante da frota embaixada.

Quando Pedro Álvares Cabral, em 1500, largou de Lisboa com destino à Índia, mas também com a missão primordial de oficializar a descoberta do Brasil, levava uma pequena nau de mantimentos, tão frágil que não poderia arrostar com a passagem do Cabo das Tormentas, Boa Esperança, e já fora, à partida, programada para regressar ao Reino com a notícia do "redescobrimento".

O seu comandante, André Gonçalves, foi portador de 2 cartas para D. Manuel I. Uma de Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada, e outra, do baixarel Mestre João, "cristão-novo" e cirurgião do rei, que foi com Álvares Esteves o primeiro a observar e a representar graficamente a constelação do "Cruzeiro do Sul", no hemisfério austral.

Do relatório de Caminha, ao descrever a rota para o Brasil, consta:

"E assim seguimos o nosso caminho por este mar, de longo, até que terça feira das Oitavas da Páscoa, que foram a vinte e um dias de Abril, estando a ilha de S. Nicolau do arquipélago de Cabo Verde a obra de 600 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topámos alguns sinais de terra (....)".

Portanto a "terra" demandada tinha surgido "no nosso caminho", do lado oposto do Oceano Atlântico, numa volta "de longo", propositadamente exagerada. E narra:

"Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece haverá muitos nesta terra (...)".

E mais adiante acrescenta "trouxemos papagaios verdes", nos quais se inspirou o cartógrafo que iluminou o " Planisférop d'Este" os de "Cantino". Aqui temos a origem da pseudo-originalidade do topónimo " Terra dos Papagaios" das "lettere" publicadas por Francesco Montalbodo em 1507 e atribuídas a Vespúcio. Os papagaios verdes tinham vindo para Lisboa, despertando interesse. Na outra mensagem enviada ao rei por Mestre João, se informa:

"(...) Quando, Senhor, ao sítio deste terra, mande Vossa Alteza trazer um mapa-mundi que tem Pero Vaz da Cunha, " Bizagudo" e por aí poderá ver Vossa Alteza o sítio deste terra; mas aquele mapa-mundi não certifica se esta terra é habitada ou não. É um mapa-mundi antigo".

Por conseguinte, já existia no reino um "mapa antigo", que delineava o litoral brasileiro, decerto com alguns topónimos como era usual, mas que fora traçado antes duma exploração pelo interior em que tivessem avistado indígenas. Permite-nos depreender que o reconhecimento da orla marítima da "Terra de Vera Cruz" de devesse ao próprio Pero Vaz da Cunha "Bizagudo" ou a outro português, Gonçalo Coelho, nomeado por Jean de Lévy.