fonte:
O
"Planisfério dito de Cantino"
é um dos mais antigos mapas da era dos descobrimentos.
É uma cópia do "padrão real"
e foi desenhado por um cartógrafo Português, da casa da Guiné e da Mina(mais
tarde Casa da Índia) em 1502. Demonstra o elevado grau científico com que os
portugueses trabalhavam durante os descobrimentos. Foi obtido clandestinamente
por um espião chamado Alberto Cantino.
Esta personagem pagou 12 ducados de
ouro ao cartógrafo e enviou-o para Itália, para Hércules d' Este, Duque de
Ferrara.
É o primeiro mapa que apresenta a
costa do Brasil a costa da América do Norte com a Flórida, a Gronelândia e a
Terra Nova, Madagáscar, Índia, Malásia e Golfo da Tailândia.
Foi a primeira vez que estão
representadas num mapa as linhas do Equador e do tratado de Tordesilhas. A
África está espantosamente bem desenhada, tendo em conta que só tinha sido
circum-navegada por três vezes (mas a última armada - a de João da Nova- ainda
não tinha regressado a Lisboa). No entanto a Europa, em relação à África, não
está desenhada correctamente, está mais curta.
Deve-se ao facto de, na altura, se
utilizarem medidas comprimento diferentes:
Na Europa cada grau era medido duma maneira e na África
foi utilizada outra medida.
No séc. XVI as escalas eram de 18
léguas por grau ou de 20 por grau.
Na escala de 18 cada légua media 6173
metros (cada grau eram 111.114 metros).
Na escala de 20 cada légua media 5.555
metros( cada grau media 111.100 metros)
O mapa está desenhado em três escalas
diferentes das que eram habituais; 18,5 ; 22,5 ; e 24.
Apresenta ainda outros enigmas que são
falados nas fotos de pormenor.
O mapa encontra-se na biblioteca
Estense, em Modena, Itália.
Planisfério "Cantino": uma história
de espiões.
No contexto político do princípio do
século XVI, com a Europa suspensa nos descobrimentos ibéricos, o segredo era um
imperativo.
Qualquer informação geográfica
fornecida pelos navegadores portugueses, era tratada com grande
confidencialidade por cartógrafos. A quebra de sigilo era considerada como
traição ao reino e assim punida, no reinado de D. João II, com a pena de morte.
Mesmo assim, o diplomata -espião,
Alberto Cantino, sediado em Lisboa, recolhe informações acerca das descobertas
feitas pelas coroas ibéricas, para o Duque de Ferrara, representante de uma
poderosa linhagem de comerciantes italianos.
Quando este último exprime a vontade
de ter um mapa ilustrativo das viagens, Cantino procura responder à exigência
ducal, recorrendo a um cartógrafo ou copista, ainda hoje anónimo.
O mapa exigiu dez meses de trabalho,
entre Dezembro de 1501 e Outubro do ano seguinte, documentados por
correspondência entre o espião e o Duque.
É provável que Cantino tenha tido o
cuidado de entrevistar pilotos, obtendo assim mais informação, o que explica os
escritos adicionais.
Em Setembro de 1502, Cantino, já em
Roma, informa o Duque do sucesso da empreitada..
O mapa já se encontra em Génova e
havia custado em Portugal doze ducados de ouro, um preço elevado que denuncia a
dificuldade e o secretismo da encomenda.
Composto por três grandes folhas
manuscritas coladas, o planisfério foi construído no sistema de
rosa-dos-ventos, sobre o qual estão representados o Equador, os trópicos e a
linha de Tordesilhas. As bandeiras representam as nações soberanas, incluindo o
Império Otomano em Constantinopla.
Marcos com o brasão português denotam
os portos tocados pelas expedições de Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama.
Mesmo sem a escala graduada de
latitudes, a carta ilustra, com grande exactidão, as linhas de costa dos
continentes, especialmente a África que, pela primeira vez, surge em todo o seu
perímetro, com cordilheiras verdejantes e nativos exóticos.
A linha imaginária traçada a 370 léguas a oeste da ilha mais
ocidental do Arquipélago de Cabo Verde, por exigência do Rei D. João II.
Repare-se na minúcia dada à fortaleza
portuguesa que demonstra a importância da força militar.
Na Ásia, onde as naus portuguesas
ainda se aventuravam timidamente, descreve-se com menos precisão a Índia, a
China (pela primeira vez, representada num mapa ocidental, como “Terra dos
Chins”) e a Indochina.
Presume-se que, em relação a estes
territórios, a sua concepção obedeça ainda a antigos mapas portulanos arábicos
e a fontes secundárias.
Uma das inovações mais importantes
respeita à grande redução da extensão longitudinal do continente asiático, o
que demonstra a profundidade de conhecimentos dos cosmógrafos portugueses.
Uma inscrição em latim no reverso do
mapa afirma “Carta de navigar per le Isole nouam trovate in le parte de India:
dono Alberto Cantino al S. Duca Hercole”: esta carta náutica, de ilhas
recentemente descobertas na região das Índias, foi apresentada ao Duque de
Ferrara, Ercole d’Este, por Alberto Cantino.
O mapa permaneceu na biblioteca do
duque até 1592, altura em que a colecção é transferida pelo papa Clemente VIII
para um palácio de Modena, onde se mantém até meados do século XIX.
É alvo de pilhagem, sendo recuperado
por Giuseppe Boni, director da Biblioteca Estense de Modena, quando (já
mutilado) serve de cortina num talho da cidade.
Pelo seu grande significado, o
planisfério de Cantino é especialmente representativo de uma época fervilhante
em descobertas e conquistas não só geográficas, como científicas.
De uma enorme abrangência, este mapa
inclui na sua representação do mundo, os territórios recém -achados do Brasil e
Terra Nova.
Constitui, por isso, um dos raros
exemplares sobreviventes de convulsões políticas e económicas, sendo um
testemunho importante do passado.
A
maior mentira do mapa Cantino!
Por Manuel Luciano da Silva, Médico
Agosto 25, 2003
Os historiadores e cartógrafos de todo
mundo conhecem bem o chamado Planisfério de Alberto Cantino, presentemente
guardado na Biblioteca Estense, na cidade de Modena, localizada ao Norte de
Bolonha, na Itália, Modena é célebre por causa dos carros de corrida fabricados
nos seus arrabaldes com as famosas marcas Ferrari e Maserati.
Esta cidade hoje com 175 mil
habitantes desenvolveu-se muito culturalmente quando os Duques d’ Este se
mudaram da cidade de Ferrara para ali, em 1598.
A Biblioteca Estense possui muito
livros raros e também uma colecção magnífica de mapas originais, entre eles o
Planisfério de Alberto Cantino.
Este mapa é considerado anónimo mas
hoje sabemos que foi feito por um cartógrafo português em Lisboa em 1502. No
canto esquerdo inferior tem uma legenda que diz o seguinte: “Dono Alberto
Cantino, ao Sr. Duque Hércules”. Isto é o princípio da atribulada história
deste mapa.
É agora do conhecimento geral que
Alberto Cantino era um espião italiano em Lisboa nos fins do século XV e
princípio do século XVI. Ele era um espião tão esperto e eficiente que, chegou
a ser secretário particular do Rei D. Manuel I.
O facto mais demonstrativo são as duas
cartas de espionagem que ele escreveu para o Duque d’ Este, então Duque de
Ferrara, descrevendo todos os detalhes da viagem de regresso que Gaspar Corte
Real fez a Terra Nova em 1501.
Nestas cartas datadas em Lisboa em 17
e 18 de Outubro de 1501, o próprio Cantino afirma em ambas que ouviu tudo
directamente porque “estava na presença ao Rei“ quando Gaspar Corte Real fez a
sua apresentação ao monarca português!
Pois foi este mesmo Alberto Cantino,
agente secreto de Hércules d’ Este, ao tempo, Duque de Ferrara, que tinha sido
enviado para Lisboa para colher informações sobre os descobrimentos portugueses
porque já naquele tempo tinham muita fama e causavam muita inveja por toda a
Europa.
Com o pretexto de vir a Lisboa negociar
em cavalos, Cantino conseguiu subornar um cartógrafo português que, lhe fez uma
carta náutica com toda a informação geográfica secreta nos arquivos da Casa da
Índia em Lisboa. Pagou um elevado preço pelo planisfério: doze ducados em ouro!
Sabemos por outra carta assinada por
Cantino que ele enviou este mapa ao seu patrão, Duque de Ferrara, no dia 19 do
mês de Novembro de 1502, a qual terminava da seguinte forma: “ a carta (o mapa)
é di tal sorte, et spero che in tal manera piacerà a V. Exa.” Tradução “Este
mapa é de tal qualidade que eu espero venha a ser de muito agrado a Vossa
Excelência”.
O Planisfério de Cantino esteve
durante cerca de 90 anos na Biblioteca Ducal até que o Papa Clemente VIII o
transferiu para outro palácio em Modena. Mas este mapa teve pouca sorte porque
devido aos motins de 1859 desapareceu até ser encontrado a servir de forro num
anteparo duma salsicharia na mesma cidade de Modena. O Director da Biblioteca
Estense foi chamado ao local e levou-o então para a sua Biblioteca onde se
encontra desde 1868 até ao momento actual.
O Planisfério de Cantino de 1502 é
hoje considerado uma obra prima da cartografia portuguesa e como carta
geográfica é uma das mais importantes do mundo. É a primeira carta que
representa o planisfério duma maneira mais completa: desde a Europa, América do
Norte, Central e Sul, toda a África, a Ásia até ao Oriente.
É uma carta rica e com muito pormenor
em topónimos.
Mas a parte que nos interessa mais é a
parte mais ocidental dos Açores, isto é, que diz respeito às Terras Americanas.
Nesta região vemos ao centro uma linha
perpendicular que é a Linha do Tratado de Tordesilhas de 1494 a dividir o mundo
entre Portugal e Espanha.
Esta linha imaginária foi traçada a
370 léguas a oeste da ilha mais ocidental do Arquipélago de Cabo Verde, por
exigência do Rei D. João II. O Tratado de Tordesilhas foi assinado em 2 de
Julho de 1494.
A cidade de Tordesilhas fica em
Espanha, entre Valhadolide e Salamanca.
Os Reis Católicos, D. Fernando e D.
Isabella de Espanha, queriam que a Linha de Tordesilhas fosse 100 léguas, de combinação
com o Papa Alexandre VI que era de origem espanhola, mas o Rei D. João II
exigiu que fosse 370 léguas e ganhou.
Neste mapa vemos que a Terra Nova e o
Brasil estão incluídos no hemisfério oriental, a metade da terra que pertencia
a Portugal. Hoje sabemos que o Rei D. João II comeu as papas na cabeça aos
espanhóis -- ludibriou-os -- porque eles não sabiam da existência da Terra Nova
nem do território que originou mais tarde o Brasil. Vamos agora a analisar o
planisfério de Cantino no espaço das Terras Americanas.
(1)Representa a Gronelândia com uma
bandeira de Portugal com as Cinco Quinas.
(2)Terra Del Rey de Portugall,'
representando a Terra Nova com os pinheiros do Canadá.
(3)Linha de Tordesilhas dividindo a
esfera da terra entre Portugal e Espanha
(4) Açores
(5) Portugal Continental
(6) África
(7) Arquipélago Cabo Verde
(8) Ilha Hispaniola, hoje Haiti e
República S. Domingos.
(9) Ilha de Cuba
(10) Península da Flórida. Notar que
neste mapa português com a data de 1502 já vemos a Florida bem desenhada.
Porque é que na América se ensina que foi Ponce de Leão que descobriu a Flórida
quando ele chegou lá ONZE anos mais tarde em 1513, à procura da Fonte do Elixir
da Longa Vida!...
(11) 'Las antilhas del Rey de
castella'. Notar que nesta frase o nome antilhas está escrito bem claro em
português e não em espanhol antilles.
(12) América do sul
(13) Brasil com 3 papagaios.
A Grande Mentira está no nome Antilhas
-- por cima do (11). Estas ilhas no Mar das Caraíbas não são as Verdadeiras
Antilhas. São as Falsas Antilhas.
1) Data 1424, Agosto 22.
(2) Saya
(3) Satanazes
(4) Antilha (
(5) Ymana (
(6) Portugal Continental
Para conhecer em pormenor a minha análise total da Carta Náutica de 1424 veja na Internet os artigos intitulados:
" Antilhas verdadeiras"
As Verdadeiras Antilhas são a Terra Nova, Nova Escócia e Ilha Príncipe Eduardo, no Canadá, quase a duas mil milhas mais para o Norte!
O cartógrafo que fez o Planisfério de Cantino em 1502, ao baptizar as ilhas das Caraíbas de Antilhas, ENGANOU a humanidade inteira, durante mais cinco séculos, especialmente historiadores, incluindo os cartógrafos portugueses entre eles o Armando Cortesão!!!
As Verdadeiras Antilhas estão desenhadas na Carta Náutica de 1424. Este documento foi profundamente analisado em pormenor pelo Professor Armando Cortesão e publicado num livro em inglês “The Nautical Chart of 1424”, editado pela Universidade de Coimbra em 1954.
De mil exemplares existe o exemplar No. 232 na minha Biblioteca-Museu em Cavião, Vale de Cambra, Portugal.
Aqui está uma secção da Carta Náutica de 1424 mostrando as quatro ilhas: duas em azul e outras duas em vermelho. Os seus nomes são à Saya, Satanazes, Antilia e Ymana.
O original deste mapa está na Biblioteca da Universidade de Minnesota, na Colecção de James Ford Bell.
Foi feito em 22 de Agosto de 1424, por Zuanne Pizzigano, um cartógrafo de Veneza.
As Verdadeiras Antilhas: Terra Nova e Nova Escócia Resumo das Verdadeiras Antilhas
Neste diagrama vemos mais claramente
os nomes próprios das 4 ilhas, mas também outros nomes que estão escritos
dentro dos lagos nas ilhas Satanazes e Antilia.
Curioso que Armando Cortesão,
considerado o maior especialista mundial em cartografia, nas suas conclusões no
livro “The Nautical Chart of 1424” não consegui diagnosticar que estas 4 ilhas
representam as Verdadeiras Antilhas na costa marítima do Canadá!
Aqui está a confissão de Armando
Cortesão no seu livro “The Nautical Chart of 1424”:
“The Documentary proof that such a voyage or voyages (by the
Portuguese), either willing or unwilling, took place is provided by the
representation of the Antilia group of four islands in the 1424 Chart. Several
islands of the Antilles were no doubt seen during one or more of these voyages.
The newly acquired knowledge confirmed what was already presumed from ancient
tradition and more or less recent and more or less positive information, and
the first cartographer who got hold of that information, though rather vague,
represented it as well as he could in his map. We do not know whether the
1424,Chart is the first one in which Antilia was figured; we only know that it
is the earliest extant in which it appears.” “ It would not be easy to say which
of the Antilles islands are depicted by the Antilia group, or if the American
Continent itself is represented there. Haiti, Cuba, Jamaica, Porto Rico, some
of the Bahamas, Trinidad or some of the Lesser Antilles, Florida or even
Greenland? There is no sure guide for any such tentative identification. The
only certainty is that several of these lands were seen, but the identification
of their cartographical representation is as uncertain as the meaning of the
seven mysterious names which, following the legend of the Island of the Seven
Cities, were written on Antilia and probably influenced the idea of writing the
no less mysterious five names on the Satanazes”
.Tradução:
“A prova documental de que tais viagem
ou viagens (pelos portugueses) quer voluntária ou involuntariamente, se
realizaram, é demonstrado pela desenho do grupo das quatro Antilhas na carta
Náuticas de 1424.
Várias ilhas do grupo das Antilhas,
sem dúvida nenhuma, foram vistas durante uma ou mais destas viagens.
Os conhecimentos recentes confirmam o
que já era uma tradição antiga, baseada em mais ou menos informação positiva, e
que o primeiro cartografo que obteve essa informação, embora vaga, registou-a o
melhor que ele pode neste mapa.
Nós não sabemos se a Carta Náutica de
1424 é a primeira carta, na qual as Antilhas estão desenhadas; só sabemos que
esta é a mais antiga carta existente o qual as Antilhas aparecem.”
“ Não é fácil dizermos quais das
Antilhas é que, estão representadas neste grupo ou até o próprio Continente
Americano.
Haiti, Cuba, Jamaica, Puerto Rico,
algumas das Bahamas, Trinidade ou algumas das Antilhas Menores, Florida ou até
a Gronelândia? Não temos nenhum guia seguro que nos ajude a tentar tal
identificação.
A única certeza que temos é que várias
destas terras foram vistas, mas a sua identificação é tão incerta como o
significado dos sete nomes misteriosos que aparecem na Lenda das Sete Cidades e
estão escritos na Antilha e provavelmente influenciaram também a escrita de
sete nomes misteriosos nas ilha de Satanazes” .
O que faltou a Cortesão
O
GUIA QUE FALTOU ao Armando Cortesão foi descobrir as linhas de latitude na
Carta Náutica de 1424.
Ele andou lá muito perto, mas não teve sorte . Foi pena porque ele bem merecia.
Um Homem que passou toda a sua viva a
estudar e analisar mapas antigos. O seu maior monumento certamente é, a sua
grande participação na criação da Monumenta Cartográfica Henriquina.
Eu falei pessoalmente várias vezes no
Instituto de Cartografia da Universidade de Coimbra com o Professor Armando
Cortesão, por quem tinha muita admiração, durante o período em que fui
estudante na Faculdade de Medicina na Universidade de Coimbra entre 1952 a
1958.
Mas naquele tempo, porque eu me tinha
que me preocupar intensamente com as anatomias e patologias para conseguir
notas distintas, não tive tranquilidade para descobrir as linhas de latitude na
Carta Náutica de 1424, como fiz no sossego da minha casa, em Bristol, Rhode
Island, E. U. A., no dia 7 de Novembro de 1986, dois minutos para meia noite!
Tenho muita pena do Dr. Armando
Cortesão não estar vivo para saber da minha descoberta original das latitudes
na Carta Náutica de 1424 porque ele passou quatro anos a estudá-la e a
decifrá-la.
O que é muito triste é que depois de
Armando Cortesão morrer, tanto o ‘homem mais pequenino’, entre os professores
da Universidade de Coimbra, Damião Peres e o seu colega de história, Luiz de
Albuquerque, ambos criticaram negativamente o livro escrito pelo Armando
Cortesão -- “the naúticas UART of 1424”. Não apresentaram nenhuma interpretação
da Carta de 1424. Só olharam para ela como burros para um palácio!...
Não sei quem é agora o responsável
pelo Departamento de Cartografia da Universidade de Coimbra, se é que ainda
existe depois do Armando Cortesão ter morrido, porque foi ele que o criou.
Infelizmente ainda hoje existem muitos
historiadores e cartógrafos por esse mundo que não querem aceitar a veracidade
da Carta Náutica de 1424, porque não sabem, nem querem TRAÇAR as linhas de
latitude neste mesmo mapa! Mas este mal continua a infestar todos os
professores das universidades e liceus de Portugal.A parte que me satisfaz e
que me tranquiliza é que estou a deixar escrito em monografias, revistas e
livros e também gravado e espalhado por meio da Internet, esta minha descoberta
original das latitudes na Carta Náutica de 1424, para que gerações vindouras
possam realmente apreciar esta descoberta tão simples e tão singela.Estou a
consolar-me com as novas técnicas de comunicação. Os chamados ”professores” já
não podem mais bloquear as minhas descobertas nem os meus escritos usando a
“conspiração do silêncio”.
Agora até fogem de mim! São uns
infelizes cheios de vaidades fúteis. Por isso não vão deixar marca nenhuma
positiva na História! Vão receber o que realmente merecem: Zero!
Fonte: http://www.dightonrock.com/
O Planisfério anónimo de 1502 (dito «de
Cantino»)
O planisfério português, anónimo, conhecido por Cantino , datado de 1502 - hoje, propriedade da biblioteca Estense de Modena, em Itália - constitui um documento de particular importância para o estudo da primeira fase da Expansão Marítima Portuguesa, na medida em que reflecte o conhecimento geográfico português, num dos seus momentos mais decisivos, pouco tempo depois das viagens de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e João da Nova - esta última já muito próxima do final da obra, não sendo claro que para ela tenha concorrido com qualquer novidade.
O mapa tem, para além do mais, uma
história curiosa que o permitiu datar com rigor e seguir os seus primeiros
passos, compreendendo as circunstâncias em que foi feito.
Um embaixador do Duque de Ferrara,
Hércules d'Este, chamado Alberto Cantino, passou por Lisboa nos primeiros anos
do século XVI, e terá conseguido comprar os favores de um (ou mais do que um)
mestre cartógrafo que lhe fez uma cópia do padrão real existente na Casa da
Índia, com as mais recentes descobertas geográficas portuguesas.
Quis a fortuna que se guardasse a
correspondência trocada entre o duque e o seu embaixador, revelando-nos que o
trabalho foi pago pela exorbitante quantia de 12 ducados de oiro, sabendo-se
ainda que a 19 de Novembro de 1502 viajava a caminho do seu destino, passando
por Roma, de onde o próprio Cantino escrevia ao duque a dar-lhe notícias da
preciosa compra, que deve ter saído de Lisboa algumas semanas antes desta
carta.
O mapa está traçado sobre várias
folhas de pergaminho, coladas lado a lado, sobre uma tela, medindo 1,050mm x
2,200mm, e representando todo o mundo conhecido, profusamente iluminado com
símbolos heráldicos e outros sinais representativos, que foram desenhados em
fases diferentes da sua elaboração, numa sequência que merecia um estudo
aprofundado ainda por fazer.
Dois sistemas de rosas dos ventos,
tangentes do centro da carta, formam uma teia de linhas de rumo cujo traçado é
posterior ao desenho das terras, das ilhas e mesmo da inscrição da maioria dos
topónimos, como se comprova do facto de estarem interrompidas nesses mesmos
locais.
Possui seis troncos de léguas, e, pela
primeira vez (que se saiba) tem desenhados o Equador, os dois Trópicos e o
Círculo Polar Árctico, o que torna implícita a existência de uma escala de
latitudes, com um valor aproximado de 17,5 léguas por grau.
Pode ainda ver-se a linha divisória
resultante do Tratado de Tordesilhas, sobre a qual está a seguinte inscrição:
Este he o marco dantre castella e portuguall .
Com base na implícita escala de
latitudes, constataram Duarte Leite e Gago Coutinho que apenas estão
representados 257º de longitude, dos 360º que eram devidos a todo o orbe.
Para uma sucinta, mas tão sistemática
quanto possível análise do mapa, dividi-lo em quatro zonas distintas:
a região ocidental, que corresponde à
actual América;
a África com a Península Industanica,
que já fora visitada pelos portugueses;
a Europa com o Mediterrâneo;
e o Oriente onde ainda não tinham
chegado navios europeus.
A parte ocidental está cortada pela
linha de Tordesilhas, com as ilhas supostamente descobertas pelas viagens
espanholas e a zona continental por eles explorada no final do século XV,
representada tal como está no mapa de Juan de la Cosa, datado de 1500.
Continuando para Leste e Sul a linha
de costa descoberta per mãdado del Rey de caltella , encontramos os contornos
do Brasil, numa extensão bastante considerável.
Não podemos ter certezas sobre a
origem exacta das informações geográficas que deram origem a esse traçado, mas
é lícito conjecturar que poderão ter vindo do próprio Pedro Álvares Cabral, em
1500, ou de Gaspar de Lemos, o comandante do navio que foi enviado a Lisboa com
as notícias do achamento do Brasil e que percorreu uma parte da costa antes de
regressar ao reino.
Uma terceira hipótese, menos
verosímil, aponta para uma eventual viagem de André Gonçalves, enviado pelo rei
D. Manuel I, logo que recebeu as notícias de Cabral.
Essa viagem é referida por Gaspar
Correia, mas o facto de estar omissa por alguns cronistas e não haver
documentação complementar que a comprove, levou a que fosse posta em dúvida.!
É possível, ainda, João da Nova, tendo
saído de Lisboa em 1501 e chegado a 11 (ou 13) de Setembro de 1502, possa ter
fornecido algumas informações para o desenho do padrão real de onde terá sido
copiado este mapa, e um argumento que tem sido usado a favor desta hipótese é a
marcação da ilha de Ascensão, eventualmente descoberta por este navegador na
viagem de ida para a Índia.
Em boa verdade, pouco tempo teria o
cartógrafo desde a chegada de João da Nova até o mapa ter embarcado para o seu
destino, mas sempre se admitiu que a colocação de uma ilha, por pequena que
fosse e por não alterar grandemente o desenho, não traria grande dificuldade.
Nota-se, no entanto, que o que está no
mapa não é a ilha de Ascensão.
Nesse lugar, e apesar de ter esse
mesmo nome, está lá um arquipélago de seis ilhas que não parece terem sido
acrescentadas à pressa.
O arquipélago (que é, naturalmente, um
erro geográfico) não só foi desenhado antes da teia de linhas de rumo, como
existem sinais evidentes de que a união de pergaminhos sobre a qual está
situado foi descolada e voltada a colar (com um pequeno deslocamento), já
depois do traçado.
A representação da Ilha da Ascensão
não é um aditamento simples de última hora, e o que lá está mais parece ser o
resultado de avistamentos difusos, anteriores à viagem de João da Nova, do que
o resultado de um descoberta conhecida em Lisboa umas semanas antes de ter sido
completado o mapa..
Finalmente, uma acta notarial de
Valentim Fernandes de Moravia, datada de 20/5/1503, integrada no códice de
Peutinger, na Biblioteca de Estugarda,
confirma que Gonçalo Coelho chegou à
altura do pólo Antárctico, a 53 graus, "tendo encontrado grandes frios no
mar". Chegou também ao arquipélago das Maldivas ou Falkand. e ao extremo Sul do continente americano, pela
evidência demonstrata da análise do mapa de Waldseemuller de 1507, tendo
navegado, inclusivé, a costa ocidental
da América do Sul!
Há vários relatos que testemunham
quando Fernão de Magalhães, em Outubro de
1520, chegou ao estreito que actualmente tem o seu nome, tinha consigo um mapa
da região.
O piloto genovês António Pigafetta nos
relatos da 1ª viagem à volta do mundo refere…” este [Fernão de Magalhães], tão
hábil como valente, sabia que era preciso passar por um estreito muito oculto,
que tinha visto representado numa carta feita pelo excelente cosmógrafo Martin
da Boémia, que o rei de Portugal D. Manuel I guardava na sua tesouraria…
Américo Vespúcio viveu em Portugal entre 1499 e 1505, nos seus escritos
divulgados por toda a Europa afirma que participou nestas expedições de Gonçalo
Coelho a mando do D. Manuel I.
Nunca foi encontrado qualquer registo
da sua participação nas mesmas. As suas alegadas descobertas, com as quais
pretendeu ocultar os feitos de Colon, foram elaboradas com base em relatos dos
marinheiros portugueses, com quem contactou durante os 5 anos que viveu em
Lisboa.
A África do Cantino tem sido apontada
como a mais surpreendente representação de um continente que só tinha sido
contornado três vezes.
É impressionante o rigor conseguido,
atribuído à eficiência técnica dos navegadores portugueses daquele tempo.
Essas navegações foram, de facto,
magníficas, mas não se crê que fosse essa a razão porque o continente africano
aparece representado com tanto rigor no Cantino , levando a supor que estaria
perdido o “mapa padrão” da Casa da Índia, servindo de modelo a todas as cartas
da época.
Neste mapa de 1502 a distância em
graus grandes (graus de círculo máximo) que separa as ilhas afortunadas do Cabo
Guardafui, corresponde à medida exacta dada por Ptolomeu na sua Geografia, e
não é provável que os portugueses tenham esquecido uma informação deste calibre
(ainda por cima referente a uma zona que era, por demais, conhecida no tempo de
Ptolomeu) para irem à procura da sua própria África que descobririam em apenas
três viagens marítimas.
E por muito que se queira elevar as
viagens portuguesas de Quinhentos, compreende-se que não foram feitas de forma
linear, nem com a ajuda de referências, decorrendo em enormes travessias
irregulares, de que se sabe hoje alguns pormenores e, sobretudo, as indefinições.
O desenho da África do Cantino (ou o
desenho do padrão real) parte de um pressuposto fundamental: a sua largura ou
distância entre as ilhas Canárias e o Cabo Guardafui é de 83º de longitude,
como tinha dito Ptolomeu (distância entre as Ilhas Afortunadas e o Cabo
Aromata).
A partir deste dado, foi explorada e
desenhada a costa Africana - primeiro ocidental e depois oriental -
ajustando-se sucessivamente os contornos, para que se pudesse unir aos extremos
conhecidos.
Os autores que abordaram este assunto referiram
a destruição dos mitos ptolemaicos, na medida em que foram, de facto,
eliminados os seculares erros que povoavam o conhecimento geográfico ocidental,
mas não se lembraram que havia valores bem conhecidos do sábio alexandrino,
sendo lógico que os portugueses os adoptassem.
Um desses valores era a distância em
graus do Cabo Aromata às Ilhas Afortunadas.
A África de 1502 deve-se, portanto, à
conjugação de dois saberes:
um clássico, conhecia a diferença de
longitude entre os dois extremos do continente;
outro de experiência feito , assente
nas navegações do século XV, foi construindo os contornos do resto da costa até
unir as duas partes conhecidas.
O enquadramento da costa, de aí até à
Índia fez-se, pois, com relativa facilidade, subsistindo o evidente desenho
ptolemaico do Golfo Pérsico a confirmar a importância do geógrafo grego.
Em tempos, alguns autores invocaram um
conjunto de inscrições que se podem ver no interior do continente africano,
para supor que D. João II imaginara o Preste João mais perto da costa ocidental
do que realmente estava, e uma África muito mais estreita, que servira de base
ao desenvolvimento de uma estratégia política.
Sem contestar os pressupostos da
estratégia política, creio que a visão da África sempre teve a largura que lhe
deu Ptolomeu, aguardando apenas o fecho da linha de costa, com as navegações a
Sul.
O traçado dos contornos europeus
corresponde ao que era tradicional naquele tempo, decorrendo da técnica
cartográfica mediterrânica, com os seus centros principais nas Ilhas Baleares e
na Itália (cada uma com as suas peculiaridades, mas com traços gerais
semelhantes).
É evidente a existência de uma
repetição de imagens que vinha do século XIV, que os portugueses encaixaram no
seu próprio conhecimento, verificando-se com facilidade onde estão os pontos de
descontinuidade.
Repare-se, por exemplo, como as
dimensões do Mediterrâneo, no sentido Leste-Oeste, estão muito curtas em
relação ao tamanho da África, criando um istmo de Suez com uma dimensão
descomunal, que, de maneira nenhuma, pode ser explicada pela falta de
conhecimento sobre um local que, durante séculos, tão batido fora por
mercadores e peregrinos.
Este erro permaneceu nas cartas
portuguesas durante décadas e compreende-se muito facilmente porquê.
Lembremo-nos que a África está
desenhada com base numa quadrícula de graus grandes (como se fossem graus de
Equador), enquanto as representações do Mediterrâneo eram feitas com base num
conhecimento de distâncias lineares (na realidade distâncias e rumos, embora,
para este efeito, apenas nos interesse considerar as distâncias).
Um grau de longitude no Mediterrâneo
(38º ou 39º de latitude) tem apenas 13,5 léguas.
Ora quando se une uma carta graduada
em distâncias, duma zona que se desenvolve longitudinalmente e em que o grau de
longitude tem 13,5 léguas, com outra onde o grau tem 17,5 léguas, o
desfasamento é inevitável, e as descontinuidades dos contornos do território só
podem ser evitados com artifícios de que resultam tão absurdos como o enorme
istmo de Suez.
Pedro Nunes dá esta explicação 35 anos
mais tarde, referindo-se às cartas do seu tempo, onde ainda subsistia este
erro.
Finalmente, resta-me falar da Ásia,
sobretudo da Ásia para Leste do Cabo Comorim onde nunca tinham estado os
portugueses.
A parte do Cantino que representa essa
região surge-nos tosca e desajustada das linhas de referência gerais do mapa
(Equador e Trópicos). É fácil compreender como a informação dessas paragens
resulta de uma fonte oriental cuja linguagem técnica ainda não era entendida
pelos portugueses.
O mapa tem assinalados locais com
valores de alturas estelares em isba (unidade oriental) , mas, com frequência,
mal colocados, mesmo que fosse feita uma conversão directa para graus.
Na verdade a navegação oriental é
complexa e não foi compreendida pelos portugueses logo aos primeiros contactos
e é provável que esta representação tosca tenha a ver com isso.
A impressão que salta à vista numa observação
rápida desta parte oriental do mapa é a de que ali foi acrescentada uma outra
carta, cuja escala era diferente e que em nada se ajustava à representação que
estava feita.
Sem perceber nada de correspondência
de unidades ou sem saber o significado dessas alturas estelares em isba, nunca
seria possível conciliar as duas técnicas, podendo ser essa uma das razões da
discrepância existente. Identificam-se
alguns acidentes geográficos mais importantes, completando o conjunto da carta
com uma área que, para os portugueses ainda iria entrar em exploração.
Observações sobre o Planisfério
«Cantino» (1502) , in Estudos de História, vol IV, Coimbra, Universidade, 1976,
pp 181-221. CORTESÃO, Armando e MOTA, Teixeira da, Portugaliae Monumenta
Cartographica, vol I, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1987. LEITE,
Duarte, O Mais Antigo Mapa do Brasil , in História da Colonização Portuguesa do
Brasil, dir. Carlos Malheiro Dias, vol II, cap. IX, Porto, Litografia Nacional,
1923, pp 223-281. MOTA, Teixeira da, A Viagem de Bartolomeu Dias e as
concepções geopolíticas de D. JoãoII , in Boletim da Sociedade de Geografia de
Lisboa, Outubro-Dezembro de 1958, Lisboa, 1958, p 297-322.
O Tratado de Tordesilhas, foi um Tratado assinado entre Portugal e Espanha no ano de 1494 que definiu o mundo como hoje o conhecemos e que faz com que se fale português e castelhano em quase todos os continentes.
Com a chegada
de Cristóvão Colombo à América em 1492 Espanha ficou interessada nas suas mais
recentes terras descobertas na América e queria proteger essas terras, mais
precisamente de Portugal. Assim sendo a Espanha procurou o papa Alexandre VI,
que através da Bula Inter Coetera, estabeleceu a posse de todas as terras
descobertas a 100 léguas a oeste de Cabo Verde à Espanha. Com este documento,
Portugal ficaria sem a possibilidade de ter a posse de territórios na
recém-descoberta América e dificultava igualmente as navegações portuguesas no
Oceano Atlântico.
Portugal e Espanha eram as duas principais potências militares e económicas da época. Por isso para se evitarem violentos conflitos, ambos os países resolveram negociar um novo tratado em que deveriam estar presentes os interesses de ambos os reinos no que toca a descoberta, exploração e colonização das novas terras.
Assim, no dia
7 de Julho de 1494 foi assinado o Tratado de Tordesilhas entre Portugal e
Espanha. O tratado estabeleceu a divisão no meridiano 370 léguas a oeste da
ilha de Santo Antão que se encontra entre Cabo Verde (que já pertencia a
Portugal) e as ilhas das Caraíbas (que tinham sido descobertas por Colombo).
Assim as terras que estivessem a leste deste meridiano seriam de Portugal,
enquanto as que estivessem a oeste seriam de Espanha.
Este acordo defendia muito bem os interesses de Portugal, pois, presume-se que
navegadores portugueses já teriam estado no que hoje conhecemos como Brasil e
que já tinham estado igualmente no Oceano Índico, contornando todo o Continente
Africano pelo Sul, passando desta forma o Cabo da Boa Esperança, que se situava
na Cidade do Cabo na África do Sul. Espanha ficava assim, sem o Brasil, África
e praticamente todas as terras no Oceano Índico.
folha do rosto do Tratado de Tordesilhas, de 07 de Junho de 1494(cópia do original) biblioteca Nacional, Lisboa
Algumas nações europeias ficaram muito insatisfeitos com este acordo pois
muitas também iniciavam as expansões marítimas e não concordavam com o facto
desta divisão ser apenas entre Portugal e Espanha. Então estas nações por não
estarem no tratado, alegaram que estavam livres para tomar posse de qualquer
terra que fosse descoberta, estivesse ela do lado português ou espanhol. A
França começou a organizar expedições marítimas ao Brasil, deixando bem claro
que não concordava com os termos do tratado e que não aceitava a sua
legitimidade. Esta atitude obrigou, naturalmente, Portugal a tomar medidas para
colonizar rapidamente o Brasil.
No diz
respeito ao tratado nenhum dos dois países o respeitou na integra. Portugal,
com o decorrer do tempo, foi invadindo as terras que se encontravam para lá da
linha imaginária que o tratado estabeleceu, ocupando algumas terras que seriam
de Espanha. Que não se importou muito, pois, já tinham muitas outras novas
terras recentemente descobertas começando a dar forma ao território brasileiro
como o conhecemos hoje. Mas, o actual território brasileiro, só ficou definido
como o conhecemos hoje, após a independência de Portugal.
O Tratado de Tordesilhas só deixou de vigorar em 1750, com a assinatura do
Tratado de Madrid, onde Portugal e Espanha estabeleceram novos limites de
divisão territorial para suas colónias na América do Sul, muito devido ao não
cumprimento do Tratado de Tordesilhas.
Nuno Vicente
Neste planisfério, a Terra Nova pertencente à coroa portuguesa, está no limite da linha divisória do Tratado de Tordesilhas
Rui de Sousa, o principal obreiro do Tratado de
Tordesilhas
Filho de
Martim Afonso de Sousa e marido de D. Isabel de Siqueira (primeiro casamento,
com quem teve um filho chamado João Rodrigues de Sousa) e de D. Branca de
Vilhena (em segundas núpcias), este fidalgo viveu no século XV. Foi-lhe doada a
vila de Sagres, em 1471, e a de Beringel, seis anos depois. Esta vila foi
depois comprada pelo rei D. João II, tendo Rui de Sousa sido almotacé-mor e
meirinho-mor ao serviço do mesmo rei.
Foi enviado a Castela em negociações de paz, tendo também declarado guerra à mesma nação em nome do rei, combatendo na batalha de Toro. Foi secretário de uma embaixada a Eduardo IV de Inglaterra em 1482, participando igualmente na que se enviou ao sultão de Fez em 1489 para negociar a retirada portuguesa da fortaleza da Graciosa (Marrocos). Em 1490 foi embaixador no Congo, erigindo a catedral de Santa Cruz de São Salvador do Congo e criando raízes para uma colónia.
Assinou o Tratado de Tordesilhas (do qual foi o principal "arquitecto") como procurador de D. João II, terminou o mosteiro dos Loios em Évora (onde está sepultado, com D. Branca), enquanto testamenteiro do conde de Olivença, seu cunhado, e contribuiu para o Cancioneiro com poemas seus.
Faleceu em 1498, em Toledo.
O problema da determinação da longitude no Tratado de Tordesilhas
A. Estácio dos Reis
Revista MARE LIBERUM
nº 8 - Dezembro 1994
O Tratado de Tordesilhas tem, quanto a
nós, um lugar privilegiado na história da diplomacia.
De facto, não parece ter havido, ao
longo dos tempos, um convénio que tanto tenha apaixonado os estudiosos e são
várias as razões que nos levam a fazer tal afirmação. Quem ler atentamente o
seu articulado, constata que, para além do propósito bem claro de dividir o
Atlântico em duas áreas de influência, o Tratado deixa-nos dúvidas que não
sabemos explicar, criando uma problemática que constitui um permanente desafio
a todos aqueles que se têm debruçado sobre este palpitante assunto.
Mas para além do mistério que encerra,
este convénio tem uma particularidade curiosa, invulgar em documentos deste
tipo. Isto, porque os negociadores sobrestimaram a capacidade científica dos
executantes, não se apercebendo que estes, na época, não dispunham dos
mecanismos indispensáveis para levar a cabo a missão que lhes competia.
Entre os problemas que se levantam ao
estudarmos o Tratado de Tordesilhas parece-nos que o primeiro é, sem dúvida,
tentar explicar a tão rápida concordância em alargar a área de domínio
português, empurrando 370 léguas para Oeste, a linha divisória que a bula Inter
Caetera tinha estabelecido um ano antes.
Efectivamente, a pedido dos reis de
Castela e Leão e logo a seguir à descoberta do Novo Mundo por Colon, o papa
espanhol Alexandre VI tinha definido aquela linha como o meridiano que passava
a 100 léguas a Ocidente dos Açores e Cabo Verde, o que já de si denunciava uma
forte indeterminação, não só porque não é indicada a partir de que ilha deveria
ser feita a contagem, como acontece que os arquipélagos se estendem por
longitudes não coincidentes.
No Tratado de Tordesilhas, todavia, só
é referido o arquipélago de Cabo Verde, mas a indeterminação mantém-se, ao
longo 2°42´ que separam as longitudes das ilhas extremas.
Iremos voltar a este aspecto, que
merece uma análise mais cuidada mas que, na realidade, em nada nos ajuda a
explicar, como atrás nos interrogávamos, a pronta concordância, pelas duas
partes, da nova posição da linha divisória.
Têm sido apontadas várias razões. Uma
delas, seguida por alguns autores, pretende afirmar que D. João II teria
forçado a levar o meridiano divisório para Oeste porque, assim, os navios
dispunham de maior área de manobra para realizarem as navegações no Atlântico,
dado que, como é sabido, elas faziam-se descrevendo uma larga volta para
aproveitar os ventos de feição e Corrente marítima Brasileira.
1. Este argumento não nos parece aceitável pelas seguintes razões:
1. Este argumento não nos parece aceitável pelas seguintes razões:
a) Não era possível, no mar e na
época, exercer uma fiscalização que permitisse assegurar a entrada de um navio
português na zona de influência dos nossos vizinhos ibéricos, por não se dispor
de meios capazes de definir com rigor a posição do meridiano divisório. Se
houve, ao longo dos tempos algumas intromissões de navios portugueses e
consequentes reclamações, não consta que estas tivessem tido seguimento, talvez
por falta de provas.
b) Se estivesse na mente de D. João
II, e daqueles que o representaram em Tordesilhas, defender o direito de
passagem de navios portugueses para além da linha divisória que viesse a ser
estabelecida, esse aspecto teria sido, certamente, negociado com sucesso, se
fundamentado no incontestável direito de reciprocidade. De facto, no ponto 4 do
Tratado, assenta-se que os navios dos «senhores rei e rainha de Castela e de
Leão e de Aragão, etc. possam ir e vir, e vão e venham livre, segura e
pacificamente sem contradição alguma pelos ditos mares que ficam com o dito
senhor rei de Portugal dentro da dita raia, em todo o tempo e cada e quando
suas altezas e seus sucessores quiserem e por bem tiverem»
2.Excepção à passagem inofensiva era quando os navios espanhóis, antes de atravessarem a linha de demarcação, encontrassem novas terras que teriam de entregar ao rei de Portugal.
2.Excepção à passagem inofensiva era quando os navios espanhóis, antes de atravessarem a linha de demarcação, encontrassem novas terras que teriam de entregar ao rei de Portugal.
Portanto, a nosso ver, a única justificação,
que parece válida, para ter levado o soberano português a defender o
alargamento da sua zona de influência, teria sido a certeza, ou pelo menos, a
suspeita da existência, de novas terras, a Oeste, fossem elas ilhas ou
continente. Não nos vamos deter neste campo, aliás várias vezes abordado, mas
para além dos argumentos que têm sido usados para defender esta hipótese, há um
que julgamos imperioso atender. Reportamo-nos ao texto do Tratado quando refere
o traçado do meridiano divisório, dizendo, muito claramente, que no caso de se
topar alguma ilha ou terra firme «se faça algum sinal ou torre»
3. afirmação que, só por si, nos garante que as suspeitas que hoje admitimos já existiam na época.
3. afirmação que, só por si, nos garante que as suspeitas que hoje admitimos já existiam na época.
Todavia, não nos parece que o
afastamento da linha divisória para as 370 léguas de Cabo Verde (oportunamente
tentaremos procurar explicar o porquê das 370 léguas) conviesse apenas a
Portugal, como é comum afirmar-se. A nosso ver um convénio, a menos que seja
negociado pela força das armas, o que não é o caso, só é possível quando há
interesse para ambas as partes e, por isso, parece-nos importante avaliar quais
as vantagens que, em Tordesilhas, poderiam advir para os Reis Católicos.
A nós parece-nos que, estando Colon a
procurar o caminho do Oriente por Oeste, tornava-se conveniente, para Fernando
e Isabel, que o início da sua área de influência se situasse o mais possível
para ocidente, desde que, bem entendido, não pusesse em causa as terras
descobertas pelo Almirante. Deste modo, assegurava-se aos Reis Católicos uma
área mais alargada, onde se poderiam encontrar novas terras durante a viagem
que se pretendia fazer até alcançar o Catai
4. Aliás, como se constatou, alguns anos mais tarde, com a célebre questão das Molucas, era inevitável a divisão do mundo em dois hemisférios de influência como, na realidade, veio a acontecer.
4. Aliás, como se constatou, alguns anos mais tarde, com a célebre questão das Molucas, era inevitável a divisão do mundo em dois hemisférios de influência como, na realidade, veio a acontecer.
Deste modo conseguimos explicar a
pronta concordância dos Reis Católicos
Mas admitimos que a escolha das 370 léguas tenha sido ditada por outra razão, como a que mais adiante indicaremos.
Mas admitimos que a escolha das 370 léguas tenha sido ditada por outra razão, como a que mais adiante indicaremos.
Um problema sério na aplicação do
Tratado, para além da indefinição, já referida, de não se indicar qual a ilha
do arquipélago de Cabo Verde, a partir da qual, se faria a medição das 370
léguas, era a dificuldade, que existia na época, de proceder à marcação da
linha divisória. Esta dificuldade, aliás que já se verificava quando da bula
Inter Caetera de 4 de Maio de 1493, atrás referida, que definia aquela linha
como um meridiano, alterando a filosofia de um outro Tratado que, pondo termo à
guerra que D. Afonso v moveu a Castela e Aragão, se celebrou em Alcáçovas no
ano de 1479 e foi firmado em Toledo no ano seguinte. Neste caso, entre outras
cláusulas, os Reis Católicos, para que a paz fosse firme, estável e para sempre
duradoura prometiam ao rei de Portugal «de agora em diante para todo o tempo» o
direito «à possessão e quase possessão em que estão em todos os tractos,
terras, resgates da Guiné com suas minas de ouro e quaisquer outras ilhas,
costas, terras descobertas e por descobrir achados e por achar, ilhas da
Madeira, Porto Santo e Deserta e todas as ilhas dos Açores e ilha das Flores e
assim as ilhas de Cabo Verde e todas as ilhas que agora tem descobertas e
quaisquer outras ilhas que se acharem ou conquistarem, as ilhas de Canária para
baixo contra Guiné, porque tudo o que é achado e se achar, conquistar ou
descobrir nos ditos limites para além do que está achado, ocupado, descoberto,
fica para o dito rei e príncipe de Portugal e seus reinos, tirando apenas as
ilhas Canárias, a saber: Lançarote, Palma, Fuerte Ventura, La Gomera, El
Hierro, La Graciosa, La Gran Canária, Tenerife todas as outras ilhas de Canária
ganhas ou por ganhar, as quais ficam para os reinos de Castela»
5. Assim, neste tratado de Alcáçovas/Toledo estabelecia-se que seriam portuguesas as terras e ilhas «descobertas e por descobrir» a partir das ilhas Canárias «para baixo» isto é, para Sul, o que envolvia a noção de latitude que, com os conhecimentos da época, era possível determinar a partir da altura da estrela polar ou do Sol ao meio-dia. Ao contrário, na apressada bula de Alexandre VI e no tratado de 1494, a linha divisória, por ser um meridiano, criava um problema que só foi possível resolver, a bordo, quase três séculos mais tarde.
5. Assim, neste tratado de Alcáçovas/Toledo estabelecia-se que seriam portuguesas as terras e ilhas «descobertas e por descobrir» a partir das ilhas Canárias «para baixo» isto é, para Sul, o que envolvia a noção de latitude que, com os conhecimentos da época, era possível determinar a partir da altura da estrela polar ou do Sol ao meio-dia. Ao contrário, na apressada bula de Alexandre VI e no tratado de 1494, a linha divisória, por ser um meridiano, criava um problema que só foi possível resolver, a bordo, quase três séculos mais tarde.
Todavia, o convénio estabelecido em
Tordesilhas era bem claro. Deveria ser traçada no «mar oceano uma raia ou linha
direita de pólo a pólo, a saber do pólo Árctico ao pólo Antárctico, que é de
Norte a Sul. A qual raia ou linha se haja de dar e dê direita, como dito é, a
370 léguas das ilhas de Cabo Verde para a parte do poente, por graus ou por
outra maneira como melhor e mais prestes se possa dar de maneira que não sejam
mais.»
6. Para dar cumprimento a esta cláusula, estabelecia-se mais adiante no Tratado que, «dentro de dez meses primeiros seguintes contados do dia da factura desta capitulação, os ditos senhores seus constituintes hajam enviar duas ou quatro caravelas, a saber uma ou duas de cada parte, ou mais ou menos segundo se acordar pelas ditas partes que são necessárias». E nelas embarquem pilotos, astrólogos e marinheiros e quaisquer outras pessoas que conheçam» tanto de uma parte como de outra para que juntamente possam melhor ver e reconhecer o mar e os rumos e ventos e graus do Sol e Norte, e assinar as léguas sobreditas, tanto que para fazer o sinalamento e limite concorram todos juntos os que forem nos ditos navios que enviarem ambas as partes e levarem seus poderes. Os quais ditos navios todos juntamente continuarem seu caminho às ditas ilhas de Cabo Verde, e dali tomarão sua rota direita ao ponente até às ditas 370 léguas, medidas como as ditas pessoas que assim forem acordarem que se devem medir, sem prejuízo das ditas partes. É ali de onde acabarem se faça o ponto e sinal que convenha, por graus do Sol ou do Norte ou por singraduras de léguas, ou como melhor puder em concordar» 7. E que esta raia «seja havido por sinal e limitação perpetuadamente para sempre jamais» e no caso de se topar alguma ilha ou terra firme «se faça algum sinal ou torre, e que em direito do tal sinal ou torre se continuem daí em diante outros sinais pela tal ilha ou terra em direito da dita raia, os quais partem o que a cada uma das partes pertencer dela» 8.
6. Para dar cumprimento a esta cláusula, estabelecia-se mais adiante no Tratado que, «dentro de dez meses primeiros seguintes contados do dia da factura desta capitulação, os ditos senhores seus constituintes hajam enviar duas ou quatro caravelas, a saber uma ou duas de cada parte, ou mais ou menos segundo se acordar pelas ditas partes que são necessárias». E nelas embarquem pilotos, astrólogos e marinheiros e quaisquer outras pessoas que conheçam» tanto de uma parte como de outra para que juntamente possam melhor ver e reconhecer o mar e os rumos e ventos e graus do Sol e Norte, e assinar as léguas sobreditas, tanto que para fazer o sinalamento e limite concorram todos juntos os que forem nos ditos navios que enviarem ambas as partes e levarem seus poderes. Os quais ditos navios todos juntamente continuarem seu caminho às ditas ilhas de Cabo Verde, e dali tomarão sua rota direita ao ponente até às ditas 370 léguas, medidas como as ditas pessoas que assim forem acordarem que se devem medir, sem prejuízo das ditas partes. É ali de onde acabarem se faça o ponto e sinal que convenha, por graus do Sol ou do Norte ou por singraduras de léguas, ou como melhor puder em concordar» 7. E que esta raia «seja havido por sinal e limitação perpetuadamente para sempre jamais» e no caso de se topar alguma ilha ou terra firme «se faça algum sinal ou torre, e que em direito do tal sinal ou torre se continuem daí em diante outros sinais pela tal ilha ou terra em direito da dita raia, os quais partem o que a cada uma das partes pertencer dela» 8.
Sem dúvida que o tratado incluía os
ingredientes para se cumprir a soberana vontade dos reis que governavam os destinos
dos habitantes da Península Ibérica, mas apenas no pergaminho e não no mar,
pelas razões a seguir indicadas, uma delas, aliás, já atrás referida:
a) Indeterminação do início da
contagem das 370 léguas, dado que o arquipélago se estende por 2º 42´ de
longitude, sem ser indicada a ilha de referência;
b) Indefinição do valor da légua, pois
ao tempo da assinatura do Tratado usava-se 16 2/3 ou 17 1/2 léguas por grau,
para não referir o de 18 léguas, proposto por Duarte Pacheco Pereira no
Esmeraldo de Situ Orbis, escrito entre 1505 e 1508, mas que o autor já teria em
mente quando foi testemunha em Tordesilhas.
Se não bastassem estas dificuldades, o
articulado estipulava ainda que, percorridas pelos tais navios, as 370 léguas
para ponente a partir das ilhas de Cabo Verde, «se faça o ponto ou sinal que
convenha» (isto no caso de não se topar alguma ilha ou terra firme) o que
certamente não seria no mar, por razões óbvias, mas sim numa carta onde se
traçaria a mencionada «linha direita de pólo a pólo», constituindo assim o
padrão que, muitas vezes copiado, seria o atestado formal da execução do
Tratado.
Mas em que carta, e qual o tipo de
projecção (como hoje diríamos) em que se traçaria esta linha?
A
CARTOGRAFIA NÁUTICA
A cartografia é a ciência e também a
arte, que permite representar num plano a superfície terrestre. Se a porção é
pequena, as superfícies quase se confundem e o processo não oferece qualquer
dificuldade.
Quando, porém, a área em causa é de
grandes dimensões, e como a superfície esférica não é planificável, há que
procurar encontrar uma solução em que:
a) Exista um sistema de coordenadas
perfeitamente definido;
b) O contorno das terras seja, o menos
possível, deformado;
c) A correspondência entre a
superfície da terra e a carta seja unívoca, isto é, a cada ponto daquela deverá
corresponder um único ponto desta e vice-versa;
d) Na cartografia náutica ainda se
exige (o que só foi realidade a partir do século XVIII) que os azimutes
marcados e os rumos seguidos pelo navio sejam iguais no mar e na carta.
As primeiras cartas náuticas foram as
chamadas cartas-portulano, que apareceram a representar o Mediterrâneo e são
bem conhecidas pela teia de linhas de rumo que apresentam. O contorno da costa
era desenhado a partir de pontos, cada um deles definido por uma distância
estimada a um determinado rumo. Rumos da agulha de marear, portanto magnéticos,
como se pode constatar por numerosos exemplos, dos quais o mais divulgado tem
sido a carta de Angelino Dulcert (1339) na qual Gibraltar e a cidade de
Alexandria aparecem no mesmo paralelo, quando o Estreito se encontra na
latitude de 36º Norte e Alexandria em 31º Norte, o que mostra bem que a
representação das terras apresenta uma distorção de 5º, correspondente à
declinação magnética local 9.
As cartas náuticas portuguesas
começaram por ser do mesmo tipo das atrás mencionadas, com as imperfeições
próprias do sistema elementar em que se baseavam, mas, ainda no tempo do
Infante D. Henrique, o contorno das terras passou a ser obtido por derrotas e
alturas. Foi um avanço considerável, pois conseguiu-se, pelo menos, um certo
rigor quanto à coordenada latitude, já que a longitude continuou a ser estimada
o que, naturalmente, provocava erros, por vezes importantes. Este problema só
veio a resolver-se, na prática, com a utilização do cronómetro de bordo,
inventado em 1735, pelo inglês John Harrison, mas que só no fim do século
começou a ser usado nos navios, por se tratar de um instrumento que requeria
alta tecnologia para a época, do que resultava uma baixa produção e, inevitavelmente,
um custo elevado.
COMO
SE NAVEGAVA
Actualmente são os cartógrafos que
elaboram as cartas náuticas, desde o trabalho de «campo», até ao produto final
preparado para impressão. Todavia, no passado, a carta, apesar de ser produzida
pelo mestre cartógrafo, o seu trabalho era resultado de um permanente diálogo
entre ele e o piloto. Assim, este recolhia os elementos ou esboçava o desenho
da costa e dos seus acidentes, por vezes, ainda desconhecidos, entregando esta
informação ao cartógrafo que corrigia ou actualizava a carta padrão. A partir
desta elaboravam-se outros exemplares, manuscritos, que eram usados pelos
pilotos em viagens futuras. É oportuno esclarecer-se que estas cartas nada têm
a ver com as que, belamente iluminadas, resistiram à fúria dos tempos e
chegaram até aos nossos dias. Estas, eram destinadas a ofertas ou conservadas
por altos dignitários e, portanto, bem diferentes da simplicidade dos
exemplares de trabalho, usados pelos pilotos e que, assim o julgamos, todos
eles desapareceram.
Para se entender como era colocada na
carta náutica, por exemplo, uma nova ilha, é indispensável conhecer como é que
um piloto, quando se começou a fazer a navegação por alturas, determinava o
ponto do navio.
Antes de mais nada há que esclarecer,
já o dissemos atrás, que o piloto governava pelo rumo da agulha, portanto
magnético, pois só a partir do segundo quartel, do século XVI, em consequência
dos trabalhos de D. João de Castro,
é que se começa a tomar em consideração a declinação magnética que ao tempo era
conhecida por variação 10.
Deste modo, quando um piloto lançava o
rumo Rv a partir do ponto P, a sua posição de chegada C1, ao paralelo j,
calculado por observação astronómica, seria teoricamente o cruzamento de Rv com
o referido paralelo.
Todavia, devido à declinação magnética
d, o navio navegava na realidade ao rumo Rm, e assim o seu ponto de chegada ao
paralelo j era C2, cometendo o erro e em longitude.
Este era, portanto, um erro
inevitável, ou quase, pois em certos casos poderia atenuar-se, como a seguir
veremos, utilizando a distância percorrida. Este elemento, porém, era estimado
pois não havia, ao tempo, nenhum instrumento capaz de a calcular com um mínimo
de rigor. Não se dispunha, ainda, da chamada barquinha, só inventada no fim do
século XVI, mas que os nossos pilotos só começaram a utilizar no século XVIII
11. Assim, o piloto para estimar a distância percorrida, tinha que recorrer à
sua experiência, ou então a regras empíricas, função da força do vento e da sua
direcção em relação ao rumo do navio, de que conhecemos uma tabela tardia, já
de cerca de 1604, inserida no Roteiro da Carreira da Índia, de Gaspar Manuel.
Por exemplo, «Com vento teso em popa, 36-38 léguas», numa singradura de 24
horas ou «Com vento quando a nau governa pela bolina, 8 léguas». Todavia, como
muitas vezes, o navio era obrigado a efectuar um caminho poligonal, devido aos
condicionalismos do vento, a distância efectiva tinha de ser reduzida a partir
das várias pernadas percorridas pelo navio, usando o chamado Regimento das
léguas 12.
Veja-se agora como era marcada na carta a
posição do navio, com a ajuda da distância. Para o efeito vamos admitir que o
navio partia do ponto P e ao fim, por exemplo, de uma singradura tinha
alcançado o paralelo j, calculado a partir da altura da estrela polar ou da
meridiana do Sol.
No caso do navio ter seguido ao rumo
R1, e, ao fim de percorrer a distância D1, estimada pelo piloto, se encontrar
precisamente no paralelo de latitude j
observada, o piloto não tinha qualquer dúvida: a sua posição era C1.
Todavia, quando ao percorrer-se a
distância D2 não atingisse o paralelo j e o rumo R2 fosse inferior a 45º, em
relação ao meridiano, o piloto mantinha o rumo e alterava a distância,
considerando C2 como a posição do navio.
Se o ângulo entre o rumo R3 e o
meridiano fosse superior a 45º, era dada primazia à distância D3, admitindo-se
C3 como a posição provável do navio. Veja-se que, neste caso, se corrigia o
rumo, provavelmente afectado pelo abatimento, devido ao vento ou corrente, ou,
também pela declinação magnética.
E em que carta se colocava esta
informação? A este respeito, admitiu-se que as cartas usadas pelos portugueses,
eram cartas quadradas, isto é, com uma grelha de meridianos e paralelos, de
graus iguais. Em termos modernos, esta carta corresponderia à projecção do
globo num cilindro tangente ao equador e com o seu eixo, naturalmente,
coincidente com o da Terra. Neste tipo de projecção, os paralelos, apesar do
seu perímetro real ir diminuindo do Equador para o Pólo, quando planificados,
têm todos o mesmo comprimento.
COMO SE CONSTRUÍA A CARTA NÁUTICA
Admitiu-se que as antigas cartas
náuticas portuguesas eram quadradas ou até rectângulares, seguindo a carta de
Marino de Tiro, concebida para o paralelo médio de 36º (correspondente à
latitude de Rhodes) na qual o comprimento do grau da escala de latitudes, é constante
e igual a cerca de 5/4 do grau do referido paralelo.
Todavia, António Barbosa, em 1948,
chamou a atenção para o erro que estava a cometer-se mostrando, num longo
estudo 13, que as cartas náuticas portuguesas dos séculos XV e XVI, não tinham
um sistema de projecção definido. Vamos ver porquê.
Comecemos por apresentar uma gravura
onde se vê parte da superfície terrestre (à direita) e a sua representação
cartográfica em projecção cilíndrica (à esquerda), na qual os graus de latitude
têm a mesma dimensão dos de longitude. Na verdade, uma carta quadrada, onde se
constata claramente que, quanto mais nos aproximamos do Norte, mais a carta se
deforma, chegando ao extremo do Pólo Geográfico ser representado por uma linha.
Vamos agora recuar no tempo, até ao
século XVI e convidar o leitor a embarcar connosco num navio que, saindo do
ponto A, vai navegar para Oeste, exactamente sobre o Equador.
Para efeitos de pilotagem, usaremos a
escala de 17,5 léguas por grau. Percorrida a distância de 350 léguas,
encontraremos o ponto B, extremidade leste da ilha X, que visitamos, para
constatar que se trata de uma estreita língua de areia com a largura de 175
léguas. Esta ilha, coloca-mo-la rigorosamente, na carta, entre as longitudes
20º (B1) e 30ºW sobre o Equador.
Em seguida, decidimos partir do ponto
B, na extremidade leste da ilha X onde tínhamos chegado, e rumar Norte. Ao fim
de 6x175 léguas, isto é, na latitude de 60ºNorte, encontramos o ponto C, a
extremidade leste de uma outra ilha, a Y, medimo-la para constatar que era como
a primeira, uma extensa língua de areia, mas com a largura de 87,5 léguas.
Assim foi marcada na carta a ilha em Y1, a partir da sua ponta leste C1.
Aconteceu, porém, que um outro
navegador, participante destas viagens imaginárias que estamos a relatar,
partiu do ponto D, situado como o ponto A, no meridiano de referência (hoje
seria o de Greenwich), rumou para Oeste sobre o paralelo dos 60ºNorte e encontrou,
ao fim de percorridas 175 léguas, a ilha Y que nós já tínhamos visitado. E,
como para os navegadores e cartógrafos da época, a escala usada era a mesma
para toda a superfície terrestre, estando a ser considerada, como já o
dissemos, as 17,5 léguas por grau, a ilha Y foi colocada na carta na posição
Y2, a partir de C2.
Verifica-se assim que a ilha Y que, na
realidade, se situa entre os 20º e 30ºW de longitude, na latitude de 60ºN, foi,
em ambos os casos mal representada cartograficamente. De facto, na posição Y1,
está correcta a ponta leste (Cl) da ilha em 20ºW, mas incorrecta a largura,
pois a ponta Oeste devia ter sido colocada em 30ºW.
Na posição Y2, está toda a
representação cartográfica errada, pois a ilha foi situada entre 10º e 15ºW,
quando os seus extremos se encontram, repetimos, nas longitudes de 20º e 30ºW.
Constata-se assim que, na cartografia
usada na época, a posição de uma ilha (ou de uma costa) dependia do rumo que
seguia o navio quando a achasse. Assim a ilha foi, não só representada na carta
em duas posições diferentes, como a correspondência, entre os pontos da
superfície terrestre e os da carta, deixou de ser unívoca, contrariando uma
condição fundamental em cartografia.
Aliás estes erros, pela primeira vez
assinalados por António Barbosa, foram mais tarde apontados por Teixeira da
Mota que apresenta alguns casos concretos, em Reflexos do Tratado de
Tordesilhas na Cartografia Náutica do século XV 14.
Salta portanto à vista que, atendendo
ao modo como era feita a cartografia, os meridianos deixavam de ser rectas,
perpendiculares ao Equador, a não ser o meridiano de referência, onde se
iniciavam as contagens. Assim, a chamada carta quadrada, só o era no nome,
porque na sua execução o aspecto que deveria ter era o da imagem ao lado.
Este tipo de projecção, aliás, viria a
ser apresentado no Atlas Coelestis, da autoria de John Flamsteed (1646-1719),
personagem muito importante na história da astronomia por ter sido o primeiro
director do Observatório de Greenwich, fundado em 1676 e desempenhado um papel
preponderante no desenvolvimento da ciência náutica.
Nas cartas ditas quadradas que temos
vindo a analisar, a escala era indicada por um petipé, também chamado tronco,
que, como vimos, correspondia ao número de léguas por grau, medido no meridiano
ou no Equador. Os troncos de léguas, figuras comuns e características das
cartas náuticas, aparecem graduados em 16 2/3 léguas, mas, especialmente em 17
1/2, léguas por grau.
A inconveniente utilização de um
tronco de léguas único para toda a carta e, portanto, independente da latitude
onde se navegava, já tinha sido notada por D. João de Castro e Pedro Nunes. A
este respeito, D. João de Castro, no seu Roteiro de Lisboa a Goa, de 1537, com
a sua longa experiência e sabedoria, diz-nos que, na travessia da costa do
Brasil ao Cabo da Boa Esperança, o caminho percorrido é 150 léguas mais curto.
E que «já está assentado por máxima nos mareantes, que neste caminho se hão-de
contar mais léguas em cada um dia natural, do que acharem que a nau podia andar
por qualquer via que fosse» 15.
Apesar destas constatações, bem
evidentes, só no princípio do século XVIII, aparece referência à utilização de
troncos de léguas (que têm sido designados por troncos particulares das
léguas), no Regimento Náutico, entregue pelo rei a Gaspar Jorge do Couto, em 13
de Março de 1608: «Na carta de marear usareis dos troncos de léguas, que o dito
João Baptista [Lavanha] deu, que são acomodados às alturas e servem nelas para
lançar o ponto na carta com certeza, sendo os outros troncos falsos causadores
de grandes erros na navegação» 16.
Este importante avanço na prática da
navegação, só resolveu em parte o problema, porque os troncos de léguas que se
desenhavam, a partir das tabelas para o efeito calculadas, só eram aplicadas
com rigor quando se caminhava sobre um paralelo. Ficava portanto por resolver a
redução do caminho percorrido, quando o navio seguisse a um rumo oblíquo, dado
que, quando se caminhasse sobre o meridiano ou sobre o Equador se utilizava,
muito justamente, o tronco geral de léguas. Todavia, nas proximidades do
Equador a diferença entre o tronco geral e os particulares, não era
significativo para a náutica praticada na época.
Os portugueses assim navegaram até
meados do século XVIII, quando a chamada carta de latitudes crescidas, começou
a ter uso comum no nosso país. Esta carta que se deve a Gerard Kremmer,
conhecido pelo nome de Mercator, foi um dos mais importantes avanços na
evolução da náutica, porque permitiu que, nestas cartas também desenhadas em
projecção cilíndrica, mas com os graus de latitude crescendo para o pólo, o
rumo do navio desenhado na carta fosse o mesmo que o navio, de facto, segue no
mar. É no entanto indispensável esclarecer, que a realização prática desta
carta de latitudes crescidas ficou na história, ligada ao nome de Mercator, mas
o seu conceito deve-se sem qualquer dúvida, a Pedro Nunes. Efectivamente, este
ilustre matemático e cosmógrafo português, nos seus dois tratados, publicados
em 1537 – Sobre certas dúvidas da navegação e Em defensam da carta de marear –
mostra que as cartas quadradas têm defeitos que é necessário remediar.
Admitindo porém que, até aos 18º de latitude, estas podiam ser usadas sem
inconveniente, pelas razões que atrás referimos, mas que a partir deste valor,
deveriam ser utilizados o que ele designa por quarteirões, isto é, cartas
parciais abrangendo pequenas regiões, desenhadas em projecção rectângular, na
proporção do grau do meridiano para o grau do paralelo médio. Apenas faltou a
Pedro Nunes, integrar os quarteirões numa carta geral, solução que veio a ser
conseguida com sucesso por Mercator.
O COSMÓGRAFO JAIME FERRER
Não foram estes, porém, os principais
óbices para a não aplicação do Tratado, mas sim determinar a posição correcta
do meridiano de partilha.
O assunto foi muito discutido pelos
negociadores do referido convénio e haveria de continuar a sê-lo
posteriormente. Há no entanto uma contribuição, acerca da qual merece a pena
que nos detenhamos um pouco.
Para o efeito teremos de nos deslocar
a Blanes, não muito longe de Barcelona. Aqui vive Jaime Ferrer, nascido em
Vidreras, na Gerona, possivelmente em 1445, que navegou largos anos à procura
de pedras preciosas para a corte de Nápoles e que, a partir de 1480, se dedicou
ao comércio e lapidação de gemas. Filósofo, apaixonado pela obra de Dante,
Jaime Ferrer interessou-se pela cosmografia, onde atingiu notável prestígio que
chegou ao conhecimento dos Reis Católicos. Alguns historiadores chegam a
afirmar que Ferrer, com os seus conselhos, influenciou os soberanos a darem
apoio à proposta de Colon de viajar para ocidente 17.
Certo é, porém, que após a assinatura
do Tratado, Fernando e Isabel preocupados com a sua aplicação, procuram quem os
possa ajudar a resolver o problema da marcação do meridiano divisório. E é,
precisamente, neste contexto que se inicia uma troca de correspondência entre
aqueles soberanos e Ferrer. Em 27 de Janeiro de 1495, este envia uma carta para
a corte, acompanhada de um planisfério onde diz que «la distancia de las dichas
trecientas setenta léguas cuando se estiende la línea occidental, partindo del
dicho Cabo Verde (…) que en el equinócio distan viente e tres grados» 18.
Vallicrosa transcreve este texto 19,
dizendo que as 370 léguas se deveriam contar no paralelo das ilhas de Cabo
Verde e não no equador, mas não nos parece correcto este comentário porque, a
diferença de longitude entre os meridianos de Cabo Verde e de Tordesilhas, uma
vez definida na latitude deste arquipélago, mantém-se como não podia deixar de
ser, ao longo de todo o globo. Luís de Albuquerque fez também idêntica
advertência acerca deste passo, mas quanto à equivalência entre as 370 léguas e
os 23º, procura explicá-la dizendo que o cosmógrafo chegou a este resultado
usando o módulo de 16 2/3léguas por grau 20.
Em 28 de Fevereiro de 1495, os Reis
Católicos responderam a Ferrer, ordenando-lhe que se desloque a Madrid, o que o
cosmógrafo faz, acompanhando depois a corte até Burgos, onde esta se mantém
durante os meses de Junho a Agosto.
Aqui, Ferrer volta ao assunto, notando
que as ilhas de Cabo Verde distam do equador 15º e que as 370 léguas contadas a
oeste das ditas ilhas equivalem a 18º, pois cada grau, contado em tal paralelo
equivale a 20 léguas e 5/8 de légua 21.
Como este último texto é, seguramente,
de 1495 22, não se compreende como é que, no mesmo ano, aquele ilustre
cosmógrafo tenha usado dois valores tão díspares para o grau equinocial, como o
de 16 2/3 léguas, conforme deduzido por Albuquerque mas que Ferrer nunca
refere, e o de 21 5/8 léguas, que parece ser, incontestavelmente, o que ele
admite para o grau do equinócio ou do meridiano 23. Vamos tentar ilibar o
cosmógrafo de Blanes dum erro que ele não cometeu.
Os textos que temos referido fazem
parte de uma obra de Ferrer, compilada pelo seu criado Rafael Ferrer Coll e
publicada em 1545, após a morte do autor que teve lugar certamente, pouco
depois de 1523, pois nesta data o seu estado de saúde já era muito precário.
A obra com o título Sentencias
Catholicas del Divi poeta Dant florenti compiladas per lo prudentissim mossen
laume Ferrer de Blanes, M. D. xlv., reúne vários opúsculos, e num deles o autor
fala da sua «gran pratica en Cosmographia y molta experiencia en lart de
Navegar» 24.
Nós temos estado a seguir os textos
desta obra publicados por Navarrete, mas no que respeita à carta de 27 de
Janeiro, solicitámos à Biblioteca da Universidade de Barcelona para nos enviar
cópia fiel do texto original 25 e assim verificamos que, quando Ferrer afirma
que as trezentas setenta léguas «distan [del equinócio] xxiii grados», esta
cifra está escrita, aliás por duas vezes, em algarismos romanos. Parece-nos
perfeitamente possível que o impressor tenha tomado um v por um x, cometendo um
erro, aliás comum, deixando assim de imprimir o valor correcto de «xviii
grados». Deste modo todo o texto de Ferrer fica coerente com as 20 5/8 léguas
que utiliza no paralelo de Cabo Verde 26.
Este cosmógrafo de Blanes tem um lugar
destacado no processo de Tordesilhas, porque apresentou uma solução prática
para calcular, no mar, a posição do meridiano divisório. É certo que o próprio
Tratado indicava que esta linha devia ser estabelecida por «rumos de vento» e
«graus do sol e do norte» 27 o que, para Luís de Albuquerque, significa o
recurso ao Regimento das léguas e à latitude pela determinação das alturas
daqueles astros 28.
Todavia, coube a Ferrer o mérito de
ter apresentado aos Reis Católicos uma proposta para se chegar à posição do
meridiano de partilha.
Para o efeito, o cosmógrafo
aconselhava que se largasse das ilhas de Cabo Verde, que se situam na latitude
de 15ºN, navegando para poente, ao rumo oeste 1/4 noroeste, isto é, 281º 15´,
até se atingir a latitude de 18º 1/3. Ao chegar a este ponto, o navio faria
rumo Sul e ao atingir a latitude de Cabo Verde, estaria numa posição
distanciada 370 léguas daquele arquipélago. Ferrer diz ainda que aqueles 3º 1/3
correspondem a 74 léguas à razão de vinte por cento 29.
Esta solução nunca foi posta em
prática porque, seria extremamente difícil, ou melhor, seria impossível fazer
com que o navio seguisse o caminho correcto com o rigor exigido, dado que quando
se navega à vela, é-se obrigado a fazer bordos, quando o vento não sopra dos
sectores da popa, fugindo-se constantemente ao rumo base. Além disso, há
factores que não era possível corrigir, como por exemplo o abatimento do navio
devido ao vento e à corrente. Aliás, mesmo na época, havia consciência que
«esta maneira é muito dificultosa pela impossibilidade que há de caminhar o
navio em linha recta», como afirmou Fernando Colombo na Junta de Badajoz-Elvas
que teve lugar em 1524 30.
E existia ainda um outro factor que
tornava as coisas mais complicadas quando se pretendia seguir o rumo certo. E
isto porque, já o dissemos atrás, o piloto da época, ao navegar pela informação
que lhe dava a agulha de marear, estava a utilizar o rumo magnético e não aquele
que ele pretendia, cometendo um erro correspondente à declinação magnética ou
variação da área onde navegava, circunstância que tornava completamente
impraticável o método proposto por Jaime Ferrer.
Aliás, mesmo que fosse possível
definir com rigor a posição, a 370 léguas de Cabo Verde, onde deveria passar o
meridiano de Tordesilhas, este só poderia ser uma «linha direita de pólo a
pólo» (como o Tratado estabelecia) sobre a superfície da Terra mas não nas
cartas náuticas ou geográficas onde essa linha devia ser marcada. Efectivamente
– e repetimos o que já atrás dissemos – nas cartas ditas quadradas, usadas na
época, a sua projecção, apesar de não ser bem definida, aproximava-se, como
vimos, da usada por Flamsteed, onde o único meridiano «direito» é o de referência.
Deste modo, a linha divisória seria sempre uma curva.
E é por esta mesma razão que os
mestres cartógrafos portugueses têm sido acusados de desenhar, dolosamente,
alguns territórios para oriente da linha divisória, quando, hoje sabemos, que
se encontram em posição errada. Parece-nos que a acusação é injusta, pelo menos
em grande parte dos casos, pois resulta de não ter sido utilizado o tronco
particular das léguas adequado à latitude em que, nas cartas, os territórios
foram colocados.
PORQUÊ
370 LÉGUAS?
Tem-se procurado conjecturar o motivo
que determinou a escolha da distância de 370 léguas, para separar o meridiano
de partilha das ilhas de Cabo Verde. Já aventámos razões que poderiam ter
estado na mente dos soberanos das duas nações vizinhas. Todavia, alguns
historiadores 31 admitem que a posição da linha divisória tenha tido como
finalidade, dividir em partes iguais, o espaço que medeia o arquipélago de Cabo
Verde à mais próxima ilha descoberta por Colombo na sua primeira viagem.
Para esta hipótese ter viabilidade,
torna-se necessário que a distância entre a ponta oeste da ilha de Santo Antão
(admitindo que a contagem se faria a partir do extremo ocidental do arquipélago
de Cabo Verde, o que não é pacífico) e a costa leste da ilha La Española, a actual
Haiti, seja igual a 2 x 370 léguas.
Efectivamente, a diferença de
longitude entre os dois pontos acima assinalados é 43º 13´ (25º 22´W para o
limite ocidental de Santo Antão e 68º 35´W para a costa do lado nascente da
Espanhola) e portanto as 370 léguas corresponderiam a metade daquela diferença
de longitude. Isto conduz a 17.12 léguas para o comprimento do grau, valor
muito próximo dos usados na época que eram, como sabemos, 16 2/3 e 17 1/2 32.
Julgamos que esta justificação para a
distância das 370 não passa de uma simples coincidência. De facto, estamos a
arquitectar um esquema com base numa longitude rigorosa da ponta leste da ilha
La Española, quando, na época, os elementos disponíveis eram apenas os
estimados por Colombo durante a sua primeira viagem. Jaime Cortesão, que
estamos a seguir, para justificar esta coincidência, utiliza o valor do grau de
18 léguas, conforme Duarte Pacheco Pereira preconiza, reduzindo-o para o
paralelo de 17º 4´ N, onde a contagem das 370 léguas era feita, obtendo o valor
de 17,21 léguas, praticamente igual ao módulo 17,12 acima mencionado. Todavia,
este ilustre historiador, como nós, põe sérias reservas a esta tentativa de
justificar a escolha do segmento de 370 léguas para separar o meridiano de
partilha do arquipélago de Cabo Verde.
Portanto, parece-nos que as 370
léguas, inventadas em Tordesilhas, vão continuar sem uma justificação
plausível.
A JUNTA BADAJOZ-ELVAS
O Tratado de Tordesilhas volta a ser
notícia, quando se começa a disputar a posse das famosas ilhas das especiarias.
Tudo começa quando Afonso de Albuquerque, após a conquista de Malaca em 1511,
manda António Abreu, com duas naus e uma caravela, alcançar a ilha de Banda.
Dois anos mais tarde, Francisco Serrão chega a Ternate, onde é bem recebido
pelo soberano local. Serrão envia cartas não só ao rei D. Manuel e a
Albuquerque, dando-lhes notícias da importância económica do arquipélago das
Molucas, mas também ao seu amigo Fernão de Magalhães (que alguns anos atrás, em
Malaca, tinha salvo a vida de Serrão, quando este foi apanhado numa cilada)
dizendo-lhe que, na sua opinião, as Molucas estavam no hemisfério que, pelo
Tratado de Tordesilhas, fora atribuído à Espanha.
Magalhães, desgostoso com a corte
portuguesa, oferece os seus serviços a Carlos V, propondo-se alcançar as
Molucas por ocidente, afirmando, por convicção ou por interesse, que as ilhas
são pertença de Espanha.
Aceitando o argumento de Magalhães, Carlos
V confia-lhe uma armada de cinco navios que largam de São Lucas de Barrameda a
20 de Setembro de 1519.
D. Manuel tem conhecimento desta
viagem e delibera enviar uma frota, comandada por Jorge de Brito, com a
finalidade de construir uma fortaleza no local mais adequado e apresar os
navios de Magalhães. Esta frota demora-se na Índia e em Malaca e, quando chega
às Molucas em Fevereiro de 1522, sob o comando de António de Brito, irmão de
Jorge, já falecido, sabe que tinham estado em Tidore, uma outra pequena ilha
próxima de Ternate, duas naus, as que restavam da armada de Magalhães que, por
uma vez, tinha sido morto, num pequeno ilhéu das Filipinas, quando mais de um
milhar de indígenas se opuseram a uma cinquentena de espanhóis. E, que dessas
naus, uma delas, a Victória, sob o comando de Juan Sebastian de Elcano, tinha
seguido pela rota de oriente. A outra, que arribara a Ternate por fazer muita
água, tinha sido destruída por António de Brito e os seus tripulantes feitos
prisioneiros. Foi esta a altura em que os Portugueses iniciaram a construção de
uma fortaleza em Ternate.
Em face desta situação juntamente com
outras notícias que mostravam claramente as intenções de Castela a respeito dos
territórios no Oriente, o Tratado de Tordesilhas ganha nova dimensão. Agora, já
não se limita à linha que divide as águas do Atlântico. O semi-meridiano, terá
de ser prolongado pelos antípodas para se definir a quem pertence esse
apetecido arquipélago das especiarias.
Após contactos prévios, comissários de
D.João III e de Carlos V, em Março de 1524, reúnem-se em Badajoz e Elvas, para
se voltar a discutir o modo de concretizar o Tratado confirmado em Arévalo.
Não nos vamos deter demoradamente
nesta nova fase do processo. Todavia merece a pena referir a reunião de 30 de
Maio, na qual os delegados portugueses, reconhecendo a falsidade das cartas e
das pomas [globos], propõem quatro modos de «medirem a largura das terras
verdadeiramente e se fazer esta demarcação na verdade, as quais são as
seguintes: Item a primeira uma terra por distancia de lua com alguma estrela
fixa conhecida, e a segunda per tornar per distancias do sol e da lua em seus
ocasos e esta mesma em terra que tiver o horizonte sobre a augoa e a terceira
pera hum grado sem algum signal do çeo para mar e terra – item a quarta por
eclipses lunares» 33.
Destas quatro soluções, as duas
primeiras baseiam-se no processo indicado, em 1514, por João Werner 34, que
utiliza as distâncias angulares entre a Lua e uma estrela. Todavia para a sua
utilização era indispensável a existência de instrumentos rigorosos, o que só
veio a acontecer no século XVIII com os chamados instrumentos de dupla
reflexão, como octante e o sextante e, também, de tábuas que fornecessem a hora
no meridiano de referência, em relação ao ângulo entre a Lua e uma estrela, das
várias escolhidas para o efeito. Este foi o método, assaz complexo, que
antecedeu a utilização do cronómetro, solução que resolveu de uma maneira
prática e eficaz a determinação da longitude no mar.
Se, quanto à terceira solução não se entende
como se pode aplicar, no que respeita à última tornava-se necessário dispor de
tabelas que indicassem a hora, em que, por exemplo, começavam ou terminavam os
eclipses lunares, reportada ao meridiano de referência. Mas mesmo que os
pilotos dispusessem de tais efemérides, a raridade do fenómeno tornava o
método, praticamente, inexequível. Solução deste tipo, aparece mais tarde,
quando no ano de 1609, Galileu constrói a luneta com a qual descobre os
satélites de Júpiter, em que as ocultações frequentes permitem a elaboração de
tabelas, muito úteis para a determinação da longitude, mas não no mar, onde a
carência de uma plataforma estável, tornavam o método impraticável.
Nessa famosa junta de Badajoz-Elvas,
Fernando Colombo apresentou, na sessão de 13 de Abril, várias soluções para a
determinação do meridiano divisório, algumas já atrás mencionadas como aquela
sugerida por Ferrer, caminhando para poente, ao rumo oeste 1/4 noroeste,
mostrando-se porém, pouco confiado no seu sucesso como foi atrás referido.
Nessa mesma sessão o filho do célebre almirante, afirmou que «La outra forma
seria formar un instrumento fluente, el cual en el mas largo y determinado
espacio de tiempo que ser pudiesse acabase de correr asinando él sus puntos
divisos por sus horas y cuartas é fracciones, y con ele tal instrumento
comenzar á caminar desde el lugar dó comienza la praticion al punto de
mediodia, y cuando caminasse mas al oriente por cada quincena parte de hora que
ele mediodia viniese al caminante antes de haber corrido 24 horas, diremos que
habia caminado un grau hácia el oriente ó por el contrario hacia el occidente,
…35.
O instrumento fluente viria a ser o
cronómetro de bordo, já referido, que podia guardar a hora do meridiano de
referência e assim, por diferença de tempo, determinar a longitude. Na época,
porém, o relógio de bordo era a ampulheta que, devido às suas características,
mas especialmente em resultado da sua deficiente operação, não oferecia
qualquer rigor.
Desta junta de Badajoz-Elvas nada
resultou de positivo e por isso, a questão das Molucas acaba por ser resolvida
de um modo insólito, em que Portugal, por escritura outorgada em Saragoça, no
dia 22 de Abril de 1529, adquire ao rei de Espanha, por 300 000 ducados um
arquipélago que, mais tarde, veio a confirmar-se, que lhe pertencia.
Não é possível referir a história
pormenorizada do Tratado de Tordesilhas. Apresentamos os factos mais
significativos, relacionados com a sua aplicação técnica, mas depois de mais de
um século de aparente calma, a controvérsia volta a renascer após a fundação,
pelos portugueses da colónia de Sacramento, na margem esquerda do rio da Prata,
no ano de 1680.
Sitiada e ocupada pelos espanhóis,
estes acabaram por devolver aquele território pelo tratado de 7 de Maio de
1681. Todavia, a questão da propriedade ficaria para resolver em conferência
posterior, que veio a ter lugar durante os anos de 1681 e 1682, em Badajoz e
Elvas, onde em 1524 se tinha discutido em vão o problema das Molucas.
É evidente que continuava em causa a
correcta definição do meridiano de partilha, constatando-se, mais uma vez, por
carência de recursos técnicos, que não foi possível o entendimento entre as
partes.
No dia 13 de Janeiro de 1750 é
assinado, entre Portugueses e Espanhóis, o Tratado de Madrid em que se declara
abolida a linha de partilha que, afinal nunca tinha sido definida. Tordesilhas
foi, assim, um tratado impossível. Todavia, a sua não concretização foi, sem
qualquer dúvida, o factor mais importante que permitiu o extraordinário
crescimento para ocidente dessa grande nação que é o Brasil.
NOTAS
1«Assim, insisto em que o primeiro
convénio de Tordesilhas primeiro, para não confundir com o chamado das pescas
só foi para o Príncipe Perfeito uma vitória na medida em que lhe deixava campo
de manobra marítima no Atlântico», Luís de Albuquerque, Os Descobrimentos
Portugueses, Lisboa, 1985, pág. 117.
2 Tratado de Tordesilhas e Outros
Documentos, Lisboa, 1989, pág. 70.
3 Idem, pág. 70.
4 Já há alguns anos atrás, Ramon
Ezquerra dizia «Siempre han considerado los historiadores portugueses un gran
triunfo propio la modificación introducida en la línea de partición; pero, dada
la incertidumbre de lo descubierto por Colon, suponiendo que eran aquellos
países las soñadas Indias y que habia llegado a las cercanias del Catay, el
traslado occidental de la Línea suponia asegurar a los Reys Católicos más
extension hacia el Oeste …». Las Juntas de Toro y de Burgos, in El Tratado de
Tordesilhas y su projección, Valladolid, 1973, tomo i, pág. 154.
5 Tratado de Tordesilhas e Outros
Documentos, Lisboa, 1989, pág. 46.
6 Idem, pág. 68.
7 Idem, págs. 69-70.
8 Idem, pág. 70.
9 Albuquerque, Luís de, Curso de
História da Náutica, Rio de Janeiro, 1971, pág. 9.
10 Actualmente, utiliza-se o termo
variação para designar o somatório da declinação com o desvio da agulha. Este,
devido à influência magnética produzida no navio, só passou a ter expressão a
partir do século xix quando os navios começaram a ser construídos em ferro.
11 A barquinha foi descrita pela
primeira vez por William Bourne em 1577 mas só aparece num livro náutico
português em 1755, quando Francisco Xavier do Rego publicou o Tratado Completo
de Navegação.
12 O Regimento das léguas, permite
resolver o triângulo da estima.
O leitor interessado em desenvolver
este assunto, deverá consultar A Marinharia dos Descobrimentos, de Fontoura da
Costa, Lisboa, 1983, 4.ª ed., pág. 363 e seguintes.
13 António Barbosa, Novos subsídios
para a história da ciência náutica portuguesa da época dos descobrimentos,
Porto, 1948.
14 In El Tratado de Tordesilhas y su
projección, Valladolid, 1973, tomo i, págs. 137 e segs.
15 Edição anotada por João Andrade
Corvo, Lisboa, 1882, pág. 241.
16 Livros das Monções, Lisboa,
Academia Real das Sciencias, 1880, vol. i, págs. 216-17.
17 Vallicrosa, José M.ª Millás,
Estudios sobre história de la ciência española, Barcelona, 1949, pág. 469.
É um monumento precioso do património cartográfico mundial. O planisfério de Cantino (1502) contém informação única sobre as viagens de exploração do final do século XV e início do século XVI. É também muito valioso na época em foi construído: pelo seu tamanho, beleza
Planisfério de Cantino: Um mapa para o
mundo (quase) inteiro
Por:Joaquim Alves Gaspar, do "Jornal o Público" , de 28Jul2018
É um monumento precioso do património cartográfico mundial. O planisfério de Cantino (1502) contém informação única sobre as viagens de exploração do final do século XV e início do século XVI. É também muito valioso na época em foi construído: pelo seu tamanho, beleza
Em 1502, um manuscrito em pergaminho
contendo um grande planisfério náutico foi levado de Lisboa para Itália por um
agente do duque de Ferrara, Hércole de Este. Esse agente era Alberto Cantino,
que tinha sido enviado a Lisboa pelo seu patrão, a fim de se inteirar das
descobertas portuguesas no Novo Mundo.
O planisfério, desenhado em seis folhas de pergaminho, mostra o mundo tal como ficou conhecido depois das viagens de exploração empreendidas por portugueses, espanhóis e ingleses no final do século XV e início do XVI às Américas, África e Índia. Pouco resta da visão geográfica transmitida por Cláudio Ptolomeu na sua Geografia (século I d.C.). O oceano Índico já não é um mar fechado e locais até então insuspeitados dos europeus, como a Terra Nova e o Brasil, são apresentadas nas suas posições geográficas mais ou menos correctas. Por outro lado, partes do mundo então já conhecido, como as costas africanas do Atlântico e do Índico, são representadas com uma exactidão e pormenor surpreendentes.
O planisfério, desenhado em seis folhas de pergaminho, mostra o mundo tal como ficou conhecido depois das viagens de exploração empreendidas por portugueses, espanhóis e ingleses no final do século XV e início do XVI às Américas, África e Índia. Pouco resta da visão geográfica transmitida por Cláudio Ptolomeu na sua Geografia (século I d.C.). O oceano Índico já não é um mar fechado e locais até então insuspeitados dos europeus, como a Terra Nova e o Brasil, são apresentadas nas suas posições geográficas mais ou menos correctas. Por outro lado, partes do mundo então já conhecido, como as costas africanas do Atlântico e do Índico, são representadas com uma exactidão e pormenor surpreendentes.
As fontes do planisfério de Cantino
são diversas: lado a lado com informação geográfica actualizada, recolhida nas
recentes viagens de exploração, figuram representações baseadas na Geografia de Ptolomeu (Mar
Vermelho, golfo Arábico), compiladas das cartas náuticas tradicionais do
Mediterrâneo (Europa e Mediterrâneo) ou importadas de fontes árabes
desconhecidas durante as viagens de Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e João
da Nova à Índia (oceano Índico).
Se medirmos a extensão longitudinal do
mapa, desde o Mar das Caraíbas (a ocidente) até à costa da China (a oriente),
verificamos que somente cerca de 250 graus do perímetro equatorial da Terra
(que é de 360 graus) são representados. Grande parte do que falta corresponde à
parte ocidental das Américas e, sobretudo, ao oceano Pacífico, ainda não
atravessado pelos europeus.
Como se sabe, Colombo tinha chegado ao
Mar da Caraíbas dez anos antes, convencido de ter chegado à China e ao Japão. E
na época em que o planisfério de Cantino foi desenhado, era ainda objecto de
especulação se o Novo Mundo era, ou não, um continente separado da Ásia. Junto
ao extremo oriental do mapa, ao longo da costa da China, está uma legenda em
latim, Oceanus
oriêntalis (as primeiras letras foram rasuradas, por óbvio
erro do cartógrafo), que significa “Oceano oriental”, a qual duplica uma outra
idêntica situada mais a sul. A colocação da legenda neste local, aliada ao
facto de a carta não representar a totalidade da circunferência
equatorial, leva a crer que os portugueses já suspeitavam da existência do
oceano Pacífico, embora este só tenha sido atravessado quase 20 anos depois
pela frota de Fernão de Magalhães. Uma linha vertical sobre o Atlântico,
passando a ocidente da Terra Nova e cortando a foz do Amazonas, assinala a
linha de demarcação acordada entre portugueses e espanhóis no Tratado de
Tordesilhas (1494), que supostamente se situaria a 370 léguas a ocidente das
ilhas de Cabo Verde. Lê-se junto a esta linha, em grandes letras góticas
vermelhas: “Este he o marco dantre Castella y Portuguall.” Como se sabe, o
Tratado de Tordesilhas dividiu o mundo por explorar em dois hemisférios de
influência: o hemisfério português, a leste da linha de demarcação, e o
espanhol, a oeste. Porque a Terra Nova se encontra representada como “Terra del
rei de Portugal”, a oriente da que seria a sua posição geográfica correcta, os
historiadores concluíram que se tratou de uma manipulação deliberada, com o fim
de iludir os espanhóis. Mas não é esse o caso. Na realidade, a posição da Terra
Nova no planisfério de Cantino é a que resulta de traçar na carta o rumo da
bússola e a distância medidos a partir dos Açores, de onde Gaspar Corte Real
partiu em 1501, para a sua viagem de exploração. A principal razão pela qual o
planisfério de Cantino primeiro despertou a atenção dos historiadores
internacionais é a representação do Brasil. Sabemos que o Brasil foi primeiro
visitado por Pedro Álvares Cabral, em 1500, e logo a seguir por outros
navegadores no caminho para a Índia ou enviados pelo rei D. Manuel para o
explorar. A decoração da sua representação no mapa é exuberante, com árvores de
grande porte, três papagaios, vegetação luxuriosa e duas bandeiras com as armas
do rei de Portugal. Junto a Porto Seguro, onde Cabral chegou em 1500, está a
seguinte legenda (a ortografia antiga foi modernizada): “A Vera Cruz chamada pelo
nome a qual achou Pedro Álvares Cabral, fidalgo da casa do Rei de Portugal, e
ele a descobriu indo por capitão-mor de catorze naus que o dito rei mandara a
Calecute […] a qual terra se crê ser terra firme […].” É interessante verificar
como, em 1502, não se sabia ainda se esta nova terra de Vera Cruz era uma ilha
ou um continente. O planisfério de
Cantino é um monumento precioso do património cartográfico mundial. A sua
importância reside no facto de conter informação única sobre as viagens de
exploração realizadas num período particularmente rico da história da
civilização ocidental e, também, de documentar a transição entre a cartografia
náutica tradicional (as
cartas-portulano) e a cartografia baseada em observações astronómicas.
Trata-se de uma das mais antigas cartas náuticas conhecidas em que os lugares
são representados de acordo com as suas latitudes, na sequência da introdução,
pelos portugueses, dos métodos astronómicos de navegação. Muito embora o mapa
não contenha uma escala de latitudes (a qual poderá, eventualmente, ter sido
mutilada), esta está implícita na representação do Equador, de cor dourada, e
dos trópicos de Câncer e de Capricórnio, a vermelho. Sabendo-se que as
latitudes dos trópicos são, respectivamente, 23,5° N e 23,5° S, é fácil
reconstituir aquela escala.
Mas o mapa era também muito valioso na
época em foi construído: pelo seu tamanho, beleza artística e riqueza da
decoração, e também pelo facto de conter informação actualizada, e
estrategicamente muito importante, sobre um mundo que era descoberto dia a dia
e cujas potencialidades comerciais eram apetecíveis para os europeus.
A história do planisfério é
rocambolesca. Desafiando a proibição da coroa portuguesa em difundir informação
pormenorizada sobre as terras recém-descobertas, Alberto Cantino comprou os serviços
de um cartógrafo português desconhecido, por 12 ducados de ouro (uma quantia
considerável na época), e conseguiu fazer chegar o mapa a Itália. O facto de
este se encontrar mutilado na margem superior, onde provavelmente figurariam o
título e o nome do autor, não parece acidental. Uma hipótese plausível é o
planisfério estar destinado a um outro cliente, talvez um nobre ou clérigo
português importante, e dele ter sido desviado pela oferta tentadora de
Cantino. A mutilação destinar-se-ia, precisamente, a esconder o nome do autor,
evitando possíveis represálias sobre o cartógrafo.
O que quer que tenha acontecido parece
não haver dúvidas de que o autor do planisfério de Cantino teve acesso a
informação privilegiada sobre as mais recentes viagens de exploração: de
Colombo às Antilhas (1492 a 1500), de Vasco da Gama à Índia (1497-1498), de
Pedro Álvares Cabral ao Brasil (1500-1501) e dos irmãos Corte Real à
Gronelândia e Terra Nova (1500-1502). A par com informação sobre as missões de
exploração, o mapa contém numerosas legendas com pormenores sobre as riquezas
das várias regiões: os escravos e o ouro em África, as especiarias na Arábia e
Índia ou as sedas e pedras preciosas no Oriente. Não foi certamente só por
curiosidade intelectual que o duque de Ferrara enviou o seu emissário Alberto
Cantino à corte de Portugal, a fim de se inteirar das suas missões de
exploração, e que este adquiriu o mapa por uma soma avultada
Mas as peripécias do planisfério de
Cantino não acabaram com a sua entrega a Hércole de Este, e a sua deposição na
biblioteca ducal. Em 1592, o papa Clemente VII retirou à Casa de Este o ducado
de Ferrara e o mapa foi transferido para o palácio de Modena. Aí permaneceu até
1859, quando o palácio foi saqueado durante tumultos populares. Viria a ser
reencontrado acidentalmente alguns meses mais tarde, pelo director da
Biblioteca Estense, a decorar a loja de um salsicheiro.
Excelente trabajo de estudio perfecto.
ResponderEliminarMuito obrigado Sr. Juan C. Bertolini pelas sinceras e amáveis palavras aqui proferidas. Bem Haja
ResponderEliminarEspetacular! Parabéns! Será preciso me debruçar com cuidado nesse trabalho, mas com certeza sua importância é inquestionável.
ResponderEliminarmanoelneto@ymail.com Natal Brasil
Parabéns pela excelência da abordagem científica deste tema.
ResponderEliminarParabéns, são excelentes trabalhos,muito interessantes e que nos ajudam muito,obrigado.
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