Quando a guarnição do navegador Diogo
Cão chegou à foz do rio Zaire em Abril de 1483 e contactou pela primeira vez o
mani Nsoyo, chefe da localidade na qual aportara, M’Pinda, o Congo era um reino
forte e estruturado, cuja chefia máxima cabia ao Mani Congo, residente em
M'Banza Congo.
Formado por grupos de etnia bantos,
especialmente os bakongo, abrangia grande extensão da África Centro - Ocidental
e se compunha de seis estados, que os portugueses denominavam de províncias e
que eram.
Mpemba, onde ficava
encravado o território do Congo propriamente dito, com a capital em MBANZA
Congo, a São Salvador cristã, onde residia o rei.
Mbamba, que ficava a
sul, confinando com os Ambundos.
Mbata, a mais
oriental.
Nsundi, a nordeste,
ultrapassando a margem direita do Zaire.
Mpangu, encravada
entre as de Mbata, Mpemba e Nsundi.
NSoyo (Sonyo) ou
Sonho na tradução portuguesa da época, situada a norte de Mbamba, banhada pelo
oceano Atlântico e pelo Zaire. Nesta ficava o porto de M'Pinda, onde desembarcaram
os portugueses.
Estados que compunham o reino do Congo
Todas os estados eram governadas por
parentes do rei do Congo, com excepção da província de Mbata, que gozava do
privilégio de ter um descendente dos antigos senhores da terra, impondo-se-lhe,
porém, a obrigação de casar a filha mais velha na casa real do Congo.
O estado de Nsundi era, por tradição,
governada pelo herdeiro do rei do Congo.
O rei do Congo considerava ainda
vassalos, ou, pelo menos, amigos, alguns reinos situados na margem direita do
Zaire, como o de Ngoio ou Angoy, em o de Cacongo, estendendo-se a sua
influência até ao reino de Luango (actual Congo Brazaville)
Para o interior destes, e confrontando
com o estado de Nsundi, ficava a Anzicana, povoada por povos antropófagos e que
ora se comportavam como amigos, ora como inimigos do Congo. A fronteira sul que
confrontava com os Ambundos, também sofria oscilações.
Algumas delas, como as de Nsoyo,
Mbata, Wandu e Nkusu, eram administradas por membros de uma nobreza local que
assumiam os cargos de chefia há gerações, sendo o controle político mantido por
uma mesma linhagem, enraizada no local.
troço fluvial da foz rio Zaire a
Matádi, RDCongo
Outras províncias eram administradas
por chefes escolhidos pelo rei dentre a nobreza que o cercava na capital.
A unidade do reino era mantida a
partir do controle exercido pelo Mani Congo, cercado por linhagens nobres que
teciam alianças principalmente por meio do casamento, mas era também
fortalecida pelas relações comerciais e políticas entre as diversas regiões.
O centro de poder localizava-se na
capital, M’Banza Kongo, de onde o rei administrava a confederação juntamente
com um grupo de nobres que formavam o conselho real, composto provavelmente por
12 membros, divididos em grupos com diferentes atribuições: secretários reais,
colectores de impostos, oficiais militares, juízes e empregados pessoais. A
centralização político - administrativa, ao mesmo tempo que conferia
estabilidade ao sistema, deseja intensas e frequentes disputas pelo poder.
itinerário navegável percurso superior da foz do rio Zaire/Congo até Matádi
A formação do reino parece datar do
final do século XIV, a partir da expansão de um núcleo localizado a noroeste de
Mbanza Kongo.
Os mitos de origem registados no
século XVII referem-se à conquista do território por um grupo de estrangeiros,
chefiados por Nimi a Lukeni, que teria subjugado as aldeias da região do Congo
e imposto a sua soberania pela supremacia guerreira.
Nos séculos XVI e XVII, após o
contacto com os portugueses, o direito do rei colectar impostos e tributos
estaria ideologicamente fundamentado na conquista efectivada pelos antepassados
das linhagens governantes, o que nem sempre era aceite pacificamente.
A divisão fundamental na sociedade
congolesa era entre as cidades – Mbanza –
e as comunidades de aldeia – lubata. A
tradição representava esta divisão como entre povos que vieram de fora e os
nativos, submetidos àqueles.
Os estrangeiros seriam os membros da
nobreza, os habitantes da capital, os governantes das províncias indicados pelo
rei, isto é, os que ocupavam as posições superiores do reino. A lubata era
dominada pela Mbanza, que podia requisitar parte do excedente aldeão.
Os chefes de aldeia – Nkuluntu –
faziam a ligação entre os sectores, recebendo o excedente agrícola e repassando
parte deste para os representantes das cidades, reconhecidos como superiores
políticos.
Nas comunidades rurais, a apropriação
do excedente era justificada pelo poder de mediação com o sobrenatural do
kitomi, ou pelo privilégio do mais velho, o Nkuluntu.
Como nelas a produção supria apenas as
necessidades básicas, não havia um acúmulo de bens que permitisse sinais
exteriores de status para os chefes.
Enquanto nas aldeias os chefes não
tinham controle sobre a produção, baseada na estrutura familiar e na divisão
sexual do trabalho, nas cidades eram os nobres – as linhagens governantes – que
controlavam a produção, fruto do trabalho escravo no cultivo de terras
controladas pela nobreza.
As diferenças básicas que distinguiam
as cidades das aldeias eram a maior concentração da população e a administração
da produção por parte da nobreza, que se apropriava de parte do trabalho
escravo.
De todo modo, as características da
escravidão existente no Congo confirmam a tipologia elaborada por João Reis em
artigo sobre a África pré – colonial.
1. No reino do Congo havia, de um
lado, a escravidão doméstica ou de linhagem, na qual o cativeiro era resultante
de sanções sociais ou mesmo da captura em guerras, integrando-se o escravo à
linhagem do senhor.
Cativeiro em que se destacavam as
escravas concubinas, que geravam filhos para o clã masculino, ao contrário dos
casamentos entre linhagens, nos quais os filhos ficavam ligados à família da
mãe (matrilinearidade).
Mas ao lado da escravidão de linhagem,
mais amena e mitigada, existia o que João Reis chamou de escravidão ampliada ou
esclavagismo propriamente dito: um tipo de escravidão comercial ligada à produção
agrícola ou à exploração de minas, a qual seria consideravelmente estimulada e
desviada para o Atlântico após o contacto com os portugueses.
São Salvador, nome atribuído a M’Banza
Kongo após a conversão dos reis congoleses ao cristianismo em 1491, chegou a
ter cerca de 60.000 habitantes no século XVII, sendo que de 9 a 12.000 desses
não estavam directamente engajados na produção.
Desde antes do contacto com os
portugueses, até meados do século XVII, a capital foi um imã que unia as
diferentes linhagens nobres, e a base da solidez do Congo, pois mesmo quando
eram travadas lutas sucessórias entre as chefias, tudo se resolvia em função da
centralização política em São Salvador, antiga M’Banza Congo.
(1) - João Reis. “Notas sobre a
escravidão na África pré – colonial”. Estudos afro-asiáticos, n.14, Rio de
Janeiro, pp.5-21.
As diferentes linhagens sempre
preferiam aderir ao grupo que no momento dominasse a política da capital, a
tentar a separação.
Quando os portugueses chegaram ao
Congo, encontraram ali grandes mercados regionais, nos quais produtos
específicos a certas áreas como sal, metais, tecidos e derivados de animais
eram trocados por outros, e um sistema monetário, no qual conchas chamadas nzimbu,
colectadas na região da ilha de Luanda, serviam de unidade básica.
O estreitamento das relações com os
portugueses intensificou o comércio regional e o internacional e aumentou a
importância dos comerciantes, muitos deles não congoleses.
O Congo não era uma nação voltada para
o comércio, exercido em grande parte pelos naturais de Loango, e posteriormente
controlado pelos portugueses de São Tomé e de Angola e pelos holandeses.
Mas eram o comércio, principalmente de
escravos, e o controle das minas, sempre aquém das expectativas, os principais
interesses dos portugueses no Congo quando ali chegou Diogo Cam [Caão].
Conversão
e canonização
D. João II enviou Diogo Cão, no ano de
1482, numa expedição marítima que foi dar ao estuário do rio Zaire em Abril de
1483.
Instruídos para estabelecer contactos
pacíficos e acompanhados de intérpretes conhecedores de línguas africanas, os
enviados do rei português tomaram conhecimento da cidade real no interior do
continente e para lá enviaram emissários.
Como estes demorassem a voltar,
retidos na corte congolesa pela curiosidade que despertou o que contavam, os
navios portugueses, recusando-se a esperar, zarparam sem eles, levando alguns
reféns.
Em Portugal esses foram tratados como
amigos e aprenderam um pouco dos hábitos, da religião e da língua do reino.
Conforme o prometido, nova expedição
trouxe de volta os congoleses capturados, agora “ladinos”, juntamente com uma
embaixada e presentes para o Manicongo, retorno amplamente festejado.
2 - Disposto a abraçar
a fé de Cristo, o Manicongo enviou, em 1488, uma embaixada para o rei
português, que foi presenteado com tecidos de palmeiras e objectos de marfim,
formalizando seu desejo de se converter ao cristianismo e pedindo o envio de
clérigos, assim como de artesãos, mestres de pedraria e carpintaria,
trabalhadores da terra, burros e pastores.
Junto
com os pedidos, deixou claro, segundo Rui de Pina, cronista que registou o
evento, seu desejo de que doravante os dois reinos se igualassem nos costumes e
na maneira de viver, solicitando que alguns jovens, enviados com a embaixada,
fossem instruídos na fala, escrita e leitura latinas, além dos mandamentos da
fé católica.
E,
com efeito, durante todo ano de 1489 e1490 os enviados do rei do Congo
permaneceram em Portugal, aprendendo o português, os mandamentos da fé católica
e os costumes da sociedade portuguesa.
Em
19 de Dezembro de 1490, nova expedição foi enviada ao Congo, a qual, em 29 de
Março de 1491, chegou à foz do rio Zaire, por eles chamado de rio do Padrão por
lá ter sido colocado um padrão indicador de que o rei de Portugal havia sido o
descobridor daquelas terras, em nome do seu reino e de Cristo.
(2)
- Rui de Pina. “Relação do Reino do Congo”. In: Radulet, Carmem. O cronista
Rui de Pina e a Relação do Reino do Congo. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa
da Moeda, 1992, p.101.
A
província de Nsoyo (Sonho ou Sono nos
relatos portugueses), na qual se encontrava a foz do rio Zaire, era governada
por um irmão da mãe do rei do Congo, o mais respeitado dentre os chefes
provinciais.
Ao
receber os portugueses em M’ Pinda, o chefe local mandou que todos viessem
recepcionar os enviados do rei de Portugal.
missão católica de M'Pinda, Soyo, Angola
Rui
de Pina deixou-nos um detalhado relato desses primeiros contactos entre
portugueses e congoleses, aludindo aos festejos e reverências com que foram
recebidos os portugueses e à pompa do Manisoyo, que veio trazendo carapuça na
cabeça com uma serpente “mui bem lavrada
d’ agulha”.
Regista
o cronista – e isto se reveste de máxima importância –, que as “mulheres dos
fidalgos” locais se fartaram de saudar os estrangeiros, dizendo que seus
maridos haviam de fazer o melhor de si para o serviço del Rei de Portugal, “a
que eles chamavam Zarpem - Aponho, que entre eles quer dizer Senhor
do Mundo.
3. Ao olhos dos
congoleses, o rei português passava, pois, a ser assimilado a Zambem-apongo,
divindade suprema dos povos banto, senhor que reinava no mundo dos mortos,
pois, vale dizer, a festa era também para João da Silva (Caçuta), congolês
baptizado e embaixador do rei do Congo morto na viagem de regresso em Cabo
Verde.
Senhor
do Mundo, porque senhor dos mortos, o Zambem-apongo dos congoleses foi
entendido pelos observadores portugueses como sendo o rei de Portugal, D. João
II especificamente.
Doravante,
e por muito tempo, portugueses e congoleses passariam a traduzir noções alheias
para sua própria cultura a partir de analogias que permitiam supor estarem
tratando das mesmas coisas quando na verdade sistemas culturais distintos
permaneciam fundamentalmente inalterados.
Depois
da confraternização, o chefe congolês, provavelmente associando as coisas
extraordinárias trazidas pelos lusitanos à sua linguagem cultural, pediu para
ser baptizado sem mais demora.
Assim
foi erigida uma igreja de madeira, devidamente paramentada com os objectos
trazidos de Portugal para nela realizar o baptismo do Manisoyo.
de Jorge Vidal,
Igreja católica da Missão do Pinda - Sazaire
Conta-nos
Rui de Pina que, apesar de outros nobres expressarem o desejo de serem
baptizados, o Manisoyo só permitiu que ele e seu filho mais velho o fossem
antes do rei do Congo, primazia que sua destacada posição permitia, não
permitindo aos “fidalgos de sua Casa” que sequer entrassem na igreja.
No
dia 3 de Abril, dia de Páscoa, o Manisoyo recebeu o nome de baptismo de Manuel,
tal qual o irmão da rainha de Portugal, duque de Beja e ao seu filho chamou-se
de D. António, inaugurando um padrão analógico que regeria os primeiros tempos
das relações entre os dois povos.
local de baptismo do príncipe D.
Manuel -manysoyo, M 'Pinda, Soyo Angola em 04 de Abril 1491
Local do baptismo do Príncipe do Soyo,
D. Manuel e sua esposa. Posteriormente, este local serviu para local de
baptismo de autóctones que seriam embarcados como escravos para trabalhar na
Europa e nas Américas. Vê-se a inscrição “In memoria primum baptismus”, dia 3
de Abril de 1491.
placa com a inscrição “In memoria
primum baptismus”.em M'Pinda, Soyo Sazaire
Este supostamente constitui o ponto de
entrada do cristianismo no Kongo. Existem autores que contradizem esta ideia,
afirmando que antes da chegada dos portugueses já existia a crença em Deus e
consequentemente em Jesus Cristo, isto pelos testemunhos de Nkimpa Vita (Jeanne
d´Arc Kongolesa) que foi queimada viva pela inquisição portuguesa e outros
mártires.
Há alguns metros deste local, também
encontra-se o local de embarque de escravos para Europa e América, o antigo
Porto do Mpinda (Século XVI-XVIII), situado a 17 quilómetros da Vila do Soyo.
Fonte de água mineral - Malu ma madia
Em língua Kikonga, significa pés de
Maria (a mesma Santa que se recusou a partir para Europa, preferindo ficar com
o seu povo e continuar a praticar as suas curas). Esta fonte de água límpida
tem sido contaminada pelos derivados de petróleo, nasce no Zombo e vai até
Kifumua.
A cerca de 3 quilómetros do antigo porto
de M'Pinda, encontram-se a Igreja da Missão de Santo António do Sonho (Mpinda),
a Associação dos escuteiros de Angola e Agrupamento Santo António 122, um
cemitério e uma maternidade. Ao longo do caminho que liga esta localidade á
cidade do Soyo existem várias capelas de várias denominações religiosas
(Católica, Protestante, Simão Toko, Simão kimbangu, etc.)
Outro local histórico de interesse é o forte do Soyo, o Monte Yallala onde depois de chegar a foz do Rio Zaire e ter
assinalado o local com o padrão de São Jorge, Diogo Cão subiu ao norte do rio
numa aventurosa hipótese de encontrar as terras do Preste João, cuja aliança
permitiria surpreender os muçulmanos. Na sequência disto encontrou um
afloramento rochoso onde gravou algumas inscrições. Este local situa-se entre a
República de Angola e a República Democrática do Congo) e o padrão dos
descobrimentos.
O
baptismo foi reservado aos maiores do reino, numa certa ordem de hierarquias. Principalmente
não podia ser usufruído antes que o rei o recebesse, facto percebido pelo Manisoyo
que respondeu negativamente aos nobres que pediram para também serem
baptizados, justificando o seu próprio baptismo antes do Manicongo por ser tio
do rei e mais velho que ele.
Após
a cerimónia do baptismo, seguiram-se festejos, os padres acompanharam o Manisoyo
até sua casa em procissão com cruz erguida, discursaram contra as idolatrias e
superstições e Manuel mandou que todos os ídolos e templos fossem destruídos.
(3)
- Idem.
residência dos reis do Congo em S. Salvador
Rezas
e missas sucederam-se antes que seguisse a expedição para a capital real,
dispondo de 200 homens cedidos por Manuel para carregarem os presentes e carga,
além dos que levavam os mantimentos e garantiam a segurança.
Demorariam
23 dias para chegar à corte, sendo recepcionados no caminho pelos chefes
locais.
Ao
se aproximar de Mbanza Congo, dia 29 de Abril, a expedição foi recebida por um
membro da família real que levou presentes para o embaixador.
O
cronista descreve a recepção da embaixada lusitana pelo rei congolês, usando
terminologia familiar aos europeus e que pareciam aos observadores aplicáveis à
realidade com que se deparavam pela primeira vez.
Assim,
o Manicongo e os chefes que o cercavam foram imediatamente identificados como o
rei e sua corte; os nobres congoleses associados aos fidalgos portugueses e os
cargos administrativos e honoríficos foram chamados pelos equivalentes
europeus.
Conforme
as descrições do evento, o Rei ordenou que todos os fidalgos e toda a sua Corte
saíssem com arcos, lanças, trombas, tímbales e muitos outros instrumentos que
eles usavam, e quando os cristãos chegaram à capital, foram recebidos com
grandes estrondos e logo hospedados em umas “casas grandes honradas e novas”
providas em tudo do que por eles cumpria.
foto de Jorge Vidal,
túmulos dos reis do Congo em Banza Congo [ex- S. Salvador] Angola
E
chegaram ante El-rei “que estava em um
terreiro de seus paços”, acompanhado de grande multidão e posto em um
estrado rico ao seu modo, nu da cinta para cima, com uma carapuça de pano de
palma lavrada e muito alta, posta na cabeça, ao ombro um rabo de cavalo
guarnecido de prata, da cinta para baixo coberto com uns panos de damasco
presenteados por El-Rei de Portugal e no braço esquerdo um bracelete de marfim.
4.Enquanto isso as
pessoas festejavam, levantando as mãos em direcção ao mar e gritando em louvor
a Deus e ao rei lusitano, ou pelo menos assim o entenderam aqueles que deixaram
o registo do dia.
Foram
iniciados os trabalhos de construção de uma igreja, que seria consagrada à
Virgem Maria e demoraria um ano para ser levantada. Enquanto isso os clérigos
iam falar ao rei sobre as “maravilhosas obras de Deus, para que, com sua
agradável conversação, o conduzissem ainda mais à fé de Cristo”.
5. Este não mais quis
esperar pelas maravilhas do baptismo e pediu para ser baptizado imediatamente,
no que foi atendido. Preparou-se um cómodo, de uma casa escolhida, ergueram-se
altares, acenderam-se tochas e velas, prepararam-se bacias cheias d’ água, e aí
o Manicongo foi baptizado, tomando o nome do rei de Portugal e os outros
fidalgos, nomes de fidalgos da “Casa d’ le
- Rei de Portugal”, seguindo na linha analógica predominante desde o começo
das relações entre os dois povos.
O
embaixador português foi, enfim, fartamente presenteado e deixou no Congo
quatro clérigos, os ornamentos da igreja usados nos cultos e “um negro que
conhecia as duas línguas e que, igualmente, era experimentado nas letras de uma
e da outra língua, negro que começou a ensinar a muitos fidalgos e a seus
filhos e a muitos homens honrados e virtuosos”
N’ Kulu M’ Bimbi, a primeira igreja católica construída em M’ Banza Congo – ex -S. Salvador. Construção iniciada em 06 de Maio 1491, concluída em 01 Julho do mesmo ano
6.Idealmente a igreja
deveria servir de posto avançado no percurso da expansão portuguesa. O retorno
da expedição lusitana seguiu com uma embaixada do Manicongo agradecendo os
presentes e favores recebidos, comunicando seu baptismo e intenção de
multiplicar os conversos (para o que pedia mais padres), oferecendo-se como
súbdito em troca do apoio militar recebido e finalmente expressando sua
intenção de enviar um embaixador directamente a Roma, a modo de prestar
obediência ao chefe maior da Igreja, mas deixando claro que devia a sua fé à
acção do rei de Portugal.
(4)
– Idem.
(5)
– Idem.
(6)
– Idem.
E,
com efeito, entrevendo boas possibilidades de comércio com o reino do Congo e
da expansão do catolicismo – as duas faces inseparáveis da expansão ultramarina
lusitana –, Portugal iniciou então uma intensa relação comercial com o reino do
Manicongo capitaneada pela difusão da fé cristã.
Morto
D. João I do Congo, e após uma luta sucessória e fratricida na qual não
faltaram tentativas, da parte de algumas facções nobres, em remover o
cristianismo de que haviam sido excluídos, ascendeu ao trono D. Afonso I, o
mais importante rei da história luso – congolesa, chefe político e espiritual
da Catolização do reino do Congo. Isto porque, na verdade, seu pai, D. João I,
não obstante convertido, logo abandonaria o cristianismo, pressionado por
sectores da nobreza que não aceitavam a nova religião.
Para
eles, ela não se mostrou eficaz contra os infortúnios que então assolavam o
reino. Além disso, o rei e os nobres resistiam a aceitar a monogamia imposta
pelos padres, um dos temas mais polémicos na aceitação da nova religião, uma
vez que a extensão da rede de solidariedades tecida pelos casamentos era peça
fundamental nas relações de poder tradicionais.
Com
a morte de João I e a deflagração da luta sucessória, subiu ao trono um outro
filho seu que não seguia os preceitos do cristianismo, apoiado pelos nobres
defensores das tradições congolesas.
Mas
Afonso conquistou o trono depois de lutas com seu irmão e reinou por trinta e
sete anos, de 1506 a
1543, sendo as bases do cristianismo no Congo estabelecidas em seu reinado. Era
profundamente dedicado ao catolicismo, impressionando os missionários com o seu
saber e com a sua dedicação aos estudos.
foto Jorge Vidal - N’ Kulu
M’ Bimbi, a primeira igreja católica construída em M’ Banza Congo – ex -S.
Salvador. Construção iniciada em 06 de
Maio 1491, concluída em 01 Julho do
mesmo ano
7. Seu filho Henrique
chegou a ser consagrado bispo (1518- 1531), o que não foi visto com bons olhos
pelo clero e pela coroa portuguesa, pois dessa forma diminuía o controle
exercido pelo Estado por meio do monopólio da religião.
Mas
não foi apenas o cristianismo que floresceu sob o reinado de Afonso I.
Antes
de tudo, D. Afonso promoveu um autêntico “aportuguesamento” das instituições
políticas do reino, em consonância com D. Manuel, rei de Portugal, que a isto o
estimulou.
Assim,
a justiça do Estado passou a se guiar pela normas portuguesas, a partir da
embaixada de Simão da Silva, portador do Regimento de 1512, e os antigos chefes
de linhagem das províncias passaram a intitular-se de condes, marqueses,
duques.
Trata-se de matéria riquíssima que não
temos condições de desenvolver aqui, mas vale o registo de que, sob a
inspiração política e institucional portuguesa, o Estado congolês foi perdendo
as características tradicionais de confederação ou chefatura pluritribal para
assumir, ainda que no plano das instituições e da etiqueta política, aspectos
da monarquia ocidental, centralizando-se mais nitidamente – traço que
sobreviveria ao reinado de Afonso I, perdurando até o século XVIII, não
obstante as dilacerantes crises políticas que o reino atravessou no século XVII
(7) - John Thornton. “The Development of an African Catholic Church in
the Kingdom of Kongo, 1491-1750”,
Journal of African History, n.25, 1984, p.155.
Por outro lado, Afonso I recebeu
grande ajuda dos portugueses para incrementar o comércio de cobre extraído em
regiões ao norte do Congo que, trazido para a capital, tornou-se um meio
valioso com o qual o rei podia adquirir mercadorias europeias.
Essas importações e o incremento no comércio,
ao aumentar a riqueza do rei, permitiram assegurar a lealdade de nobres
importantes, construindo a base de um longo e memorável reinado.
de todo tráfico da África ocidental, e até
mesmo ao Benin.
8.Quando o comércio de pessoas fugiu do
controle do rei, com mercadores desrespeitando as rotas estabelecidas e o
monopólio real, Afonso I escreveu ao rei português reclamando que até mesmo
nobres congoleses estavam sendo capturados em guerras inter provinciais para
serem vendidos como escravos.
O
comércio de escravos era antigo naquela região, mas as regras tradicionais
estavam sendo violadas. Não apenas prisioneiros de guerra ou pessoas
endividadas estavam sendo negociadas, mas as rotas tradicionais, controladas
pelos chefes locais, estavam sendo ignoradas em prol de novos caminhos que
burlavam o controle real.
Tudo
isso ameaçava o poder real com a evasão de tributos que lhe seriam devidos
pelos privilégios tradicionais e o enriquecimento de chefes e comerciantes
abalava as bases de seu poder.
Somando-se a isso, a região do N’ Dongo (futura Angola), começava a
atrair o interesse dos comerciantes portugueses que buscavam justamente fugir
aos monopólios existentes no Congo, concorrendo com o tráfico de escravos
controlado pelo rei congolês e pelos comerciantes autorizados pelo rei
lusitano.
De
todo modo, quando os portugueses chegaram à foz do Zaire, o Congo, assim como
outros reinos da região, estava em processo de franca expansão, como os
registos de guerras frequentes atestam.
A
escravização das populações conquistadas permitia aos reis ampliar sua riqueza
pessoal assim como fortalecer exércitos e o corpo administrativo composto por
dependentes directos, além de aumentar o volume de tributos recebidos dos
territórios ocupados. Assim, a expansão permitia o acúmulo de riqueza e um
reforço da centralização política.
Quando
os portugueses chegaram àquela parte da África, portanto, não só encontraram
uma grande população cativa, como as condições necessárias para sustentar um
amplo mercado de escravos, no qual havia espaço para os estrangeiros
recém-chegados.
No
caso congolês, o próprio processo de centralização e fortalecimento das cidades
frente às aldeias estava baseado na crescente existência de escravos,
concentrados principalmente em Mbanza
Kongo, cujo trabalho era apropriado pelos membros das linhagens nobres que,
assim, incrementavam sua riqueza, seu poder, seus sinais de status.
Não só no Congo, mas em vários estados
da África centro – ocidental os escravos eram resultado das guerras de
expansão, sendo fundamentais na centralização e reforço das lealdades.
(8) - Wyatt MacGaffey. “Dialogues of the deaf: europeans on the Atlantic
coast of Africa”. In: Stuart
Schwartz, (org). Implicit Understandings. Cambridge, Cambridge
University Press, 1994, p.259; Kenny
Mann. Kongo, Ndongo, West Central Africa. New Jersey, Dillon Press,
1996, pp.51-53.
9.Afonso I reinou nesse período, e
apesar dos problemas que seu reinado enfrentou, expandiu as fronteiras do
reino, fortaleceu a centralização do poder real, desenvolveu a capital,
disseminou o cristianismo e a educação formal, valorizando sobremodo a leitura
e a escrita. Não seria exagero ver em seu reinado, sobretudo do ponto de vista
religioso e político - institucional, o processo que Serge Gruzinski chamou de
ocidentalização, estudando o México na mesma época.
10. Lembrado até hoje como o mais
poderoso rei da história do Congo, Afonso I, esse defensor implacável da fé
cristã, assemelha-se em muitos aspectos ao ideal de rei missionário e cruzado,
rei que combate os infiéis com a ajuda de forças divinas, amplia e consolida as
fronteiras da cristandade.
As bases do catolicismo congolês
fincaram raízes profundas no seu reinado, que se prolongou até quase meados do
século XVI.
Catolicismo que, não obstante, foi
incapaz de remover por completo as tradições religiosas locais, do que resultou
um complexo religioso original, híbrido, a um só tempo católico e banto.
Crise congolesa: Mbwila e a
fragmentação política
11. As relações luso -congolesas
estabelecidas no reinado de Afonso I entraram em lento mas progressivo colapso
a partir da segunda metade do século XVI e, sobretudo no século XVII, após a
morte de Álvaro II, em 1614.
Na verdade, não obstante a retórica da
Coroa portuguesa de que o rei do Congo não era vassalo de Portugal, senão um
“irmão em armas de seus reis”, como dele disse D. João IV, o facto é que
Portugal sempre viu no Congo uma possibilidade de expandir a fé católica e
garantir o tráfico de escravos em partes d’ África.
Portugal atendeu muito pouco às
reivindicações dos monarcas congoleses, como se percebe na correspondência
entre as duas Coroas no período, e acabaria deslocando seus interesses no
tráfico para Angola.
A deterioração das relações luso
-congolesas só fez crescer no século XVII, a ponto de, no reinado de Garcia
Afonso II (1641-1663), o Congo ter se aproximado dos holandeses, que haviam
tomado Luanda anos antes.
Garcia II desenvolveu, na verdade, uma
política ambígua, cortejando e deixando-se cortejar pelos batavos, porém,
recusando a pressão holandesa para abandonar o catolicismo romano. Desatendeu,
por outro lado, as exigências do padroado da Coroa Portuguesa, admitindo no
reino capuchinhos italianos e espanhóis, embora tenha ratificado um tratado que
garantia importantes concessões territoriais a Portugal na vizinha Angola.
(9) - John Thornton. Africa and Africans in the Making of the Atlantic
World, 1400-1680, Chicago, The
University of Chicago Press, p.108-109.
(10) - Serge Gruzinski, . La colonisation de l’imaginaire - l’
occidentalisation dans le Méxique. Paris, Gallimard, 1988.
Apesar
das cautelas de parte a parte, Congo e Portugal seguiriam doravante caminhos
distintos, quando não opostos, até o frontal embate de 1665.
Referimo-nos
à batalha de Mbwila ( Ambuíla ),
quando os congoleses foram derrotados pelos portugueses, seguindo-se um período
de guerras internas ligadas à sucessão real.
Portugueses
e congoleses enfrentaram-se em Mbwila
em relativa igualdade numérica, mas, enquanto o exército congolês era formado
principalmente por camponeses recrutados, o exército português era composto em
sua maioria por guerreiros imbangalas ( gagas ), povo criado na tradição
guerreira.
A
guerra ocorreu em torno a uma disputa sucessória em Mbwila, importante região do N'dembo,
estando os portugueses interessados em controlar o território que seria
passagem para as cobiçadas minas de ouro e prata.
Na
batalha morreram milhares de congoleses, muitíssimos nobres e o rei António I
teve sua cabeça cortada e enterrada em Luanda, enquanto sua coroa e seu ceptro,
emblemas reais, foram remetidos a Lisboa à guisa de troféus.
Junto
com o rei, haviam morrido os principais candidatos ao trono, abrindo-se então
um complicado processo sucessório que fortaleceu a posição de Nsoyo.
Depois da batalha, São Salvador (Mbanza Congo) foi à ruína com as
linhagens nobres fugindo
das guerras sucessórias para outras províncias.
De
todo modo, a maioria dos autores que se detiveram na história congolesa deste
período atribuem a desestruturação do reino a causas externas, localizando no
aumento do número de escravos traficados, na intensificação das guerras
regionais e na alteração do equilíbrio entre os poderes tradicionais os
principais motivos das guerras civis que assolaram o Congo até o início do
século XVIII.
John
Thornton é de opinião diferente, desvendando os mecanismos internos que levaram
às guerras civis e ao longo período de lutas sucessórias após a derrota de
Mbwila.
Com
o enriquecimento das linhagens governantes do Nsoyo, não só devido ao grande aumento do comércio que passava por M’ Pinda, seu porto, mas principalmente
com o aumento da riqueza produzida na cidade devido à concentração de escravos
e tributos, surgiu uma alternativa de aliança entre as linhagens em disputa,
que não dependiam mais apenas da linhagem então reinante.
No
seu entender, o poder centralizado do Congo foi destruído pelas rivalidades
entre Nsoyo e São Salvador –
agudizadas no “período holandês” –, pela derrota em Mbwila e pelas lutas entre as linhagens nobres.
Depois
de Mbwila, toda a nobreza
transferiu-se para as províncias, que se tornaram mais autónomas e passaram a
escolher seus administradores, independentemente do poder central, pelo qual,
no entanto, a disputa era constante.
Cada
chefe local cercou-se de um grupo de auxiliares, reproduzindo nas províncias a estrutura
da corte real e escolhendo seu sucessor. As rivalidades entre as linhagens
provocaram guerras permanentes que empobreceram a população em consequência de
recrutamentos forçados, destruição de plantações e escravização dos derrotados,
vendidos para os comerciantes de Luanda ou para a Loango dos mercadores.
Nsoyo, a mais forte
província, cuja capital teve a população dobrada entre 1645 e 1700, quando
contava com cerca de 30.000 habitantes, desenvolveu-se muito nesse período,
beneficiando-se dos escravos trazidos de São Salvador, em ruínas.
A
intenção de Nsoyo era manter um rei
fantoche no poder, servindo aos interesses da nobreza local, e, para tal,
apoiava algum pretendente ao trono o suficiente para lá colocá-lo, mas não o
suficiente para que se fortalecesse no cargo.
No
entanto, a crise política, qualificada por alguns como verdadeira “anarquia”,
tomou conta do reino congolês. Entre 1665 e 1694, houve nada menos do que 14
pretendentes à coroa do reino, alguns com sucesso, outros nem tanto, e muitos
deles assassinados.
No
final dos seiscentos, o Congo possuía três reis, sendo D. Pedro IV o mais
poderoso deles, aparentemente, e talvez o único capaz de levar adiante um
projecto de reunificação congolês.
Kimpa Vita e a ressurreição imaginária
Foi
neste contexto de crise e fragmentação que irrompeu o antonianismo, movimento
que, seja em termos religiosos ou políticos, fornece-nos importantes pistas
para compreender as complexas relações entre catolicismo e monarquia na África
banto.
A
fundadora da “seita” foi a jovem aristocrata Kimpa Vita, nascida de família nobre congolesa na década de 1680,
baptizada Dona Beatriz, mulher que fora sacerdotisa do culto de Marinda (nganga
marinda), embora educada no catolicismo.
Kimpa Vita contava entre 18 e 20
anos quando, cerca de 1702-1703, acometida de forte doença, disse ter falecido
e depois ressuscitado como Santo António. E seria como Santo António que Kimpa Vita pregaria às multidões do
reino – daí o movimento ter ficado conhecido como antonianismo –,
seguindo o rastro de outras várias profetisas que lhe precederam na mesma
tarefa, como a Matuta, em meio à crise que assolava o reino.
A
pregação de Kimpa Vita possuía forte
conotação política. Preconizava o retorno da capital a São Salvador e a reunificação
do reino, chegando mesmo a envolver-se nas lutas facciosas da época. Melhor
exemplo disso ocorreu quando de sua chegada a São Salvador, onde encontrou
Pedro Constantino da Silva, nobre militar enviado por D. Pedro IV, a quem
proclamou “Rei do Congo” em troca de sua adesão ao antonianismo.
Assegurou-se
ainda, por meio de vários acordos, da aliança de famílias nobres adversárias de
D. Pedro, a exemplo dos grupos de Kimpanzu,
especialmente da família Nóbrega, enraizada no sul da província de Nsoyo.
As
alianças estabelecidas por Kimpa Vita,
metamorfoseada em Santo António, não eram porém resultado de mero cálculo
político. Ancoravam-se numa cosmologia complexa e peculiar que, se formos
resumir em poucas palavras, vale seguir o que disse Ch. Boxer sobre o
movimento: “uma modalidade remodelada e completamente africanizada do
cristianismo”
12. Com efeito, o
movimento anotado confirma, antes de tudo, o êxito do processo de canonização
do Congo inaugurado no século XV e cristalizado sob o reinado de Afonso I na
primeira metade do século XVI.
O
Deus dos antonianos era, sem dúvida, o Deus cristão, o Deus dos missionários,
com o qual Kimpa Vita dizia jantar
todas as sextas-feiras, após “morrer”, para “ressuscitar” no dia seguinte.
Santo
António, por outro lado, santo mui valorizado na missionação realizada no
Congo, era a persona assumida pela profetisa, por ela chamado de “segundo
Deus”.
Africanizando
o catolicismo, “a Santo António congolesa” dizia que Cristo nascera em São
Salvador, a verdadeira Belém, e recebera o baptismo em Nsundi, a verdadeira.
(12)
- Charles Boxer. A Igreja e a expansão ibérica. Lisboa, Edições 70, 1981,
p.132.
Nazareth.
Afirmava
ainda que a Virgem Santíssima era negra, filha de uma escrava ou criada do
Marquês de Nzimba Npanghi e que São
Francisco pertencia ao clã do Marquês de Vunda.
O
catolicismo do movimento antoniano era, portanto, muitíssimo original,
implicando uma leitura banta ou bakongo
da mensagem cristã. Modelava-se, em vários aspectos, na acção pedagógica dos
missionários, mas condenava o clero oficial, sobretudo os missionários
estrangeiros, aos quais acusava de “haverem monopolizado a revelação e o
segredo das riquezas para exclusiva vantagem dos brancos” em prejuízo dos
“santos negros”.
Rejeitou,
igualmente, boa parte dos sacramentos católicos: o baptismo, a confissão, o
matrimónio, ao menos no tocante à liturgia e aos significados oficiais, abrindo
caminho, no caso do matrimónio, para a restauração legitimada da poligamia.
Adaptou,
ainda, certas orações católicas, a exemplo da Ave -Maria e sobretudo do Salve
Rainha. Proibiu, ainda, a veneração da cruz, esse grande nkisi católico -bakongo, em razão de ter ela sido o
instrumento da morte de Cristo.
Kimpa Vita prometia a todos os que aderissem
à sua pregação uma próxima “idade de ouro”, e não apenas no sentido figurado,
pois dizia que as raízes das árvores derrubadas converter-se-iam em ouro e
prata e que das ruínas das cidades surgiriam minas de pedras preciosas.
Prometia, ainda, tornar fecundas as
mulheres estéreis e outras mil bem-aventuranças, granjeando imenso apoio
popular. Não se escusava, porém, de ameaçar os reticentes com as piores penas,
incluindo a de transformá-los em animais.
Organizou para tanto uma verdadeira
igreja antoniana, um clero, onde pontificavam outros santos, como São João, e
uma plêiade de sacerdotes denominada de “os antoninhos” que saíam a pregar a
excelência da nova igreja e o poder taumatúrgico e apostólico “da Santo
António” que a chefiava.
Kimpa Vita despertou obviamente a ira
dos missionários capuchinhos e das facções nobres adversárias do antonianismo e
postulantes do poder real.
O próprio D. Pedro IV, de início
cauteloso e hesitante em reprimir o movimento, terminou por ceder às pressões
dos capuchinhos italianos, ordenando a prisão da profetisa e de São João, “o
anjo da guarda” da profetisa que os frades diziam ser seu amante.
O estopim ou pretexto que levou à
prisão de Kimpa Vita teria sido a acusação de que tinha um filho recém-nascido,
cujo choro teria sido ouvido enquanto ela o amamentava em segredo, do que
resultara o seu desmascaramento como “falso Santo António”.
Kimpa Vita foi presa, arguida pelo
capuchinho Bernardo Gallo16 e condenada a morrer na fogueira como herege do
catolicismo. A sentença foi executada em 1708 e na fogueira arderam Kimpa Vita
e seu “anjo da guarda” – o Santo António e o São João do catolicismo congolês.
Um importante estado africano
feudal...
O Reino do Congo era um verdadeiro Estado
feudal, englobando a actual República do Congo – Brazzavile (ex- Congo
francês), o Baixo -Congo até Kinshasa, capital da actual República Democrática
do Congo (ex- Congo belga, ex-República do Zaire...), e uma parte do norte de
Angola.
Uma lenda a desfazer é a de que esse
reino banto teria sido sempre hostil aos europeus, o que contraria a verdade
histórica.
Os reis negros, longe de se entregarem
a um nacionalismo xenófobo, desde os primeiros contactos, em sua maioria,
multiplicaram suas atenções quanto ao relacionamento com os
"brancos".
Pediram missionários, mestres de
ofícios, mercadores, enviaram embaixadas a Portugal e ao Vaticano, mau grado as
dificuldades de comunicações marítimas, solicitando intercâmbio.
O Rio Zaire ou Congo – "Rio
Poderoso" – ou simplesmente "RIO" (ZAIRE) impressionaria
profundamente os seus descobridores, comandados por Diogo Cão.
Aquela torrente de água doce a
penetrar, por alguns quilómetros, pelo mar dentro, era suficiente testemunho de
sua extraordinária pujança e importância.
Os Portugueses não conheciam coisa que
se assemelhasse a isso, seu Tejo pátrio ficava muito aquém da majestade
africana do "Zaire".
Rumores corriam, conforme uma velha
tradição europeia, de que devia existir um meio de comunicação com o lendário
Reino do Preste João (afinal, este viria a revelar-se na Etiópia com seu
cristianismo copta, mais tarde). Seria por ali o caminho?
Diogo Cão chega ao reino do Congo...início da aculturação lusófona – Padrão de São Jorge...
1483- A guarnição do audacioso
navegador português Diogo Cão encontrou no Reino do Congo, um país política e
administrativamente bem estruturado, dividido em províncias, confiadas a sobas
vassalos, próspero e totalmente independente.
Implantou o Padrão de S. Jorge (Abril
de 1483) situando-o na margem esquerda do citado grande curso fluvial. Por
contactos estabelecidos com os íncolas ribeirinhos, souberam os Portugueses da
existência, no interior, dum poderoso rei. O capitão enviou ao potentado Negro mensageiros e
presentes. Mas não se deteve no local, prosseguiu viagem para Sul.
Só decorridas 15 luas arribou
novamente ao Congo em Novembro de 1485, trazendo consigo os 4 Negros que havia
tomado à chegada em 1483, os quais enviou ao rei, vestidos já à portuguesa, bem
alimentados, falando a língua portuguesa.
Foram esses os primeiros embaixadores
da civilização lusitana.
Ficou o monarca encantado, ao ouvir da
boca dos seus súbditos já meio ocidentalizados notícias precisas a respeito dos
estrangeiros. E assim se encetaram amistosas relações entre portugueses e
congueses...
Foi em 1575, quase um século depois de
ter a guarnição do navegador Diogo Cão assinalado com os seus padrões toda a
costa de Angola (1482 - 1486), do rio Zaire ao Cabo Negro, que Paulo Dias de
Novais, Primeiro Governador e Capitão - Mor das conquistas do Reino de Angola
desembarcou na Ilha de Luanda, aqui fronteira, com cerca de 700 homens, 350 dos
quais homens de armas, padres, mercadores e servidores, estabelecendo o
primeiro núcleo de portugueses, aqui entrou, além de alguns portugueses, muita
gente que nela vivia, toda, no dizer dos cronistas, «muito bem disposta ao
cristianismo».
Um ano depois, reconhecendo não ser «o
lugar acomodado para a capital da conquistas», funda em terra firme a vila de
S. Paulo de Loanda, e logo a igreja de S. Sebastião, no morro de S. Miguel,
(Museu das Forças Armadas). A sua volta foi crescendo a Vila e irradiando
depois, tomou foros de cidade, em 1605, no governo de Manuel Cerveira Pereira.
Entretanto, estenderam-se as
conquistas ao interior de Luanda e fundaram-se os presídios de Massangano
(1583), Muxima (1599) e Cambambe (1604), de que restos ainda hoje se encontram
ao longo do rio Kwanza.
A Câmara de Luanda deve ter início ao
estabelecer-se em terra firme a Vila. Não há documentos precisos da sua
fundação; mas sabe-se que Paulo Dias de Novais logo «criou os cargos e ofícios
necessários ao governo da nova Colónia»; em algumas descrições se assinala a
sua presença em actos solenes, desde 1595 e em 1611 é já a Câmara que, com o Bispo e Nobreza,
elege o novo governador Bento Banha Cardoso, por morte repentina do antecessor.
Por várias vezes teve o Senado da
Câmara intervenção directa na governação da colónia, de 1667 a 1669, e de 1702
a 1704, foi-lhe o governo confiado e confirmado por cartas régias.
Depois desta época, passam os
Ouvidores a presidir ao Senado da Câmara; é criado também o lugar de «Mestre de
Campo» para substituir os governadores, e não volta, senão acidentalmente, e
por poucos dias desempenhar tão altas funções, (1732).
No entanto, a colaboração que sempre
dispensou aos governadores, quer em auxílios materiais quer morais, fazem
salientar, como já foi publicado, a sua «útil e leal acção» na defesa da
colónia e a favor da colonização, se atentarmos sobre tudo no contraste do
procedimento de outras «câmaras ultramarinas» nessas épocas, e de que as
descrições de Lopes de Lima nos dão conta.
As primeiras perturbações causadas
pelas investidas holandesas têm lugar em 1624;
Em 1633 armam-se em Luanda 5 navios de
guerra para combater as suas naus que na costa de Benguela ameaçavam o
comércio.
O sossego não volta até ao
aparecimento, na baía, da Grande Armada, do comando do Almirante Pedro
Houtebeen, no dia 24 de Agosto de 1641 em que os portugueses, o governo,
alarmados, abandonaram precipitadamente a cidade a caminho do Bengo, para se
acolherem ao presídio e vila de Massangano.
Seguem-se sete anos em que os
portugueses em Angola escreveram as mais dolorosas páginas da sua história.
Capelinha do Kintamby
situada a S 06º17,23’ e E 012º22,27’, esta capela foi erguida na
época colonial. Ainda é frequentada pelas populações locais, inclusive o Soba
local.
Salvador Correia de Sá e Benevides, que ao
serviço de Portugal vinha no Brasil governando, depois de feitos militantes, em
terra e mar, é encarregado pelo rei D. João IV, ao regressar de uma das viagens
comerciais que, por sua determinação, comboiava e protegia da restauração de
Angola, caída em poder dos holandeses.
Acompanhado de 1.200 homens de armas e de uma
frota de 12 navios, se faz ao mar em 12 de Maio de 1648, fundeando em 12 de
Agosto na baia de Quicombo.
A inclemência do mar fez perder a nau
Almirante e os 300 homens que continha, levantando-se (Cardonega) «uma tormenta
de marés tão fortes, coisa não vista de outros navegantes naquela paragem».
Mas, mesmo sem ela e sem esses homens,
Salvador Correia de Sá chega à baía de Luanda, ante o pasmo da gente holandesa,
que convencida pensa tratar-se apenas de simples guarda avançada de grande
esquadra.
Apressadamente se refugiam os de terra na
Fortaleza de S. Miguel (Museu das Forças Armadas).
Mas o desembarque faz-se na manhã seguinte, 15
de Agosto de 1648, e em assalto bem conduzido, rendem-se os holandeses dominados por
menos de metade de homens portugueses.
Por alvarás régios de 28 de Setembro e 9 de
Dezembro de 1662, aos oficiais da Câmara da cidade de Luanda e seus moradores
foram concedidos os mesmos privilégios dos cidadãos da cidade do Porto, em
consideração aos serviços prestados à Restauração de Angola.
O seu brasão de armas fica para sempre
registado nos arquivos da Torre do Tombo, entre os das cidades e vilas
portuguesas.
Como que um novo período começa; pretende-se
apagar da memória o pesadelo do condomínio; a cidade muda o seu nome passando a
ser S. Paulo de Assunção de Luanda, por ser aquele o dia da Assunção da Virgem
que no seu brasão passa a figurar, (15 de Agosto).
Antes da invasão holandesa e segundo a
descrição de Dapper e a sua gravura
que acompanha a edição francesa da sua Obra (1686), na cidade existiam já as
fortalezas de S. Miguel (1638), no mesmo local em que hoje se encontra, do
Penedo, Santa Cruz e algumas outras desaparecidas, várias igrejas (seis),
conventos dos Jesuítas, dos Terceiros Franciscanos, Hospital da Misericórdia e
casario diverso principalmente na baixa da cidade.
Mas a cidade, depois de reconquistada, teve
de ser construída de novo (Cardonega), restauradas as casas dos habitantes sem
tectos, sem portas, as igrejas desbaratadas, mostrando por toda parte a ruína;
concederam-se «chãos de sesmaria» aos moradores para novas casas e arimos
(Lopes de Lima).
Entre as construções mais notáveis do fim do mesmo
século, existem, ainda muito bem conservadas, a ermida de Nossa Senhora da
Nazaré, que o governador André Vidal de Negreiros iniciou em 1664,
aproveitando-se para comemorar a batalha do Ambuíla (1665), dos mais
repugnantes feitos de armas da história de Angola e reproduzido num quadro de
azulejos da época, na capela-mor, a igreja do Carmo e a Cerca, restos do
Convento das Carmelitas (1663), com (belos azulejos também), e ainda a
fortaleza de S. Miguel (Museu das Forças Armadas) completada na época, com
recinto fechado, de terra batida e alvenaria.
São do século XVIII o acabamento da fortaleza
de S. Pedro da Barra, de S. Francisco, no antigo lugar forte do Penedo, e de
outras obras de vulto como o Quartel de Infantaria (1754), agora demolido, o
Palácio do Governo (1761) o Terreiro Público (1765), a Alfândega (1770),
passeio Público da Nazaré (1771).
Pouca
era, porém a casaria da cidade ainda nos meados do século XIX, que só então
começa a desenvolver-se rapidamente. Das construções mais importantes desse
período são o mercado da Quitanda (1818), o primeiro cemitério (1806) e, já no
fim do século, o hospital de D. Maria Pia, notável ainda hoje pelo seu plano e
grandeza e que as obras de vulto dos últimos anos melhoraram consideravelmente.
A análise sucinta da evolução geral urbana em
Angola, permite-nos observar um grande número de factos, testemunhado a
aplicação de critérios urbanísticos, consentâneas as épocas económicas ou
políticas.
As características da urbanização de Luanda
tomam aspectos diferentes, conforme a civilização e os conhecimentos de cada
época.
Até meados do século XVIII a urbanização é
subordinada há razões de ordem política, económica – geográfica.
A seguir esta época aperfeiçoa as práticas,
urbanísticas, em resultado da expansão colonial. Entram em função outros
factores urbanos, com o saneamento e a estética, melhoram-se os meios
defensivos coloniais e o abastecimento e distribuição de alimentos.
Depois do segundo quartel do século XIX, a
urbanização de Luanda avança mais um grande passo.
No meio deste século, o progresso urbano,
orientado pela técnica moderna não tem paralelo.
Os primeiros missionários nessas áreas foram
os navegadores e mercadores ainda ligados à ideia das Cruzadas. Não raros,
esses navegadores utilizaram-se do recurso de levar nativos para Portugal para
prestarem informações e serem catequizados.
De volta às suas terras, esses homens podiam
servir como intérpretes, auxiliando os portugueses na sua empresa. Mas, para J.
F. Marques, também, só muito escassamente foi bem – sucedida a evangelização na
Guiné, Senegal e Benim, por causa da influência muçulmana.
Só a partir das duas últimas décadas do
século XV a cristianização da África negra conheceu medidas e resultados
consistentes. Com D. João II e D. Manuel I, o esforço apostólico da Coroa
portuguesa passou dos actos isolados à adopção de uma política assentada, em
traços gerais, na conversão dos reis gentios e na formação de um clero nativo
(Riley, 1998:162).
Assim, ao lado das feitorias e dos interesses
mercantis, seguiram a construção de igrejas e capelas e a educação na fé
católica de crianças e jovens, transformando-os, posteriormente, em
missionários em suas terras de origem. No Senegal, chegou-se a construir o
convento de S. Vicente do Cabo, destinado à formação de clero negro.
A terceira zona identificada por J. F.
Marques abrangia o reino do Congo e a ponta meridional costeira da África. A
chegada ao Reino do Congo, depois de meio século de investidas para o
reconhecimento da costa ocidental da África e do golfo da Guiné, revelou aos
portugueses uma área na qual não havia a influência islâmica.
Em fins do século XV, D. João II mandou a
primeira expedição, sob o comando de Diogo Cão, que saiu do Tejo em direcção à
feitoria da Costa da Mina.
Após curta estada, o navegador rumou para o Sul
e alcançou a foz do Rio Congo. Desembarcou na margem esquerda e erigiu na moita
Seca, o padrão de S. Jorge, 10
km de Mpinda,
porto de desembarque que seria de passagem obrigatória nos séculos XV e XVI.
Ali, entrou em contacto com Nsoyo, chefe da localidade e soube que
no interior ficava a Corte do Manicongo, Nzinga-a-Nkuwu,
chefia máxima do reino.
O reino do Congo, naquela época, abrangia
grande parte da África centro-oriental e se dividia em províncias, como a de Nsoyo, administradas por linhagens
nobres. Mbanza Kongo era a capital, centro de poder de onde o Manicongo administrava a confederação
juntamente com um grupo de nobres que formavam o conselho real (Vainfas &
Souza, 1998:97).
O navegador enviou emissários portugueses rio
acima, levando, segundo a crónica de João de Barros, um presente ao rei da
terra. Como não regressaram dentro do prazo previsto , a guarnição voltou ao Reino
português levando alguns nativos como reféns, porque os emissários portugueses ainda não tinham regressado à foz do rio Zaire vindos da residência do rei do Congo.
De volta ao Congo em Setembro de 1485, esses homens foram
integrados numa embaixada de D. João II ao Manicongo. Segundo a famosa crónica de Garcia de Resende, do século
XV, o rei português ofertava sua amizade e convidava o rei congolês à fé
cristã, recomendando-lhe que deixasse os "ídolos e feitiçarias" que
adoravam em seu Reino.
A guarnição do navegador desceu em terra os congoleses que
levara para Portugal e recolheu os portugueses que tinham ficado da sua
primeira viagem. As informações obtidas pelos dois lados facilitaram a ulterior
recepção do Manicongo tendo cumprido aí papel importante os reconduzidos reféns
congoleses.
Assim, para Julieta Araújo e Ernesto dos
Santos (1993:642), dois aspectos marcam o início da exploração da região. Por
um lado, a penetração fluvial com a exploração do estuário do Zaire.
A guarnição do navegador subiu o curso do rio até as
cataratas do Yelala, atingindo o extremo navegável do rio. Por outro, a
penetração terrestre em direcção a Mbanza Kongo, que mais tarde seria
rebaptizada de São Salvador.
Na volta a Portugal mas já com Bartolomeu
Dias no regresso da descoberta do Cabo de Boa Esperança, passando por M´ Pinda,
foi a vez de o Manicongo mandar sua embaixada a D. João II.
Junto dos presentes, pedia "que lhe
mandassem logo frades e clérigos e todas as coisas necessárias para ele e os de
seus reinos recebessem a água do baptismo", solicitando igualmente o envio
de pedreiros, carpinteiros e lavradores que ensinassem em seus reinos a tratar
da terra, mulheres para ensinarem a amassar pão, "porque levaria muito contentamento por amor dele que as coisas do
seu reino se parecessem com Portugal" (ibidem:643).
Em Dezembro de 1490, partiu para o Congo uma
expedição sob o comando de Gonçalo de Sousa, na qual retornou a comitiva
congolesa, assim como foram enviados os primeiros missionários. A expedição
chegou ao porto de Mpinda e foi
recebida pelo chefe da província de Nsoyo,
tio do Manicongo.
Ele e seu filho foram os primeiros a serem
baptizados, recebendo o nome de Manuel, o mesmo do irmão da rainha de Portugal.
Com isso, abria-se o caminho para a
conversão. Dali partiu a expedição para a capital real. O Manicongo quis ser
baptizado imediatamente, no que foi atendido e, seguindo o padrão analógico dos primeiros tempos da
relação entre os dois reinos, recebeu o nome do rei de Portugal.
D. João I, no entanto, logo abandonaria o
cristianismo, pressionado por certa facção da nobreza apegada às tradições bakongo e receosa de perder suas
posições com a "nova ordem cristã" que se avizinhava.
Foi com seu filho, Afonso, que reinou entre
1506 e 1543, que as bases da catolização foram sedimentadas. Ainda durante o
reinado de seu pai, D. Afonso entrou em conflito com seu irmão, governador de Panga, que rejeitara a fé católica e
tinha muitos seguidores.
A luta ganhou intensidade com a sucessão no
poder. Restabelecida a paz, D. Afonso mandou erigir a igreja de Santa Cruz,
templo no qual foram baptizados muitos súbditos.
D. Afonso ordenara ainda aos governadores que
entregassem todos os objectos que pudessem lembrar as antigas crenças. "O
monarca mandou queimar tais objectos, distribuindo em seguida imagens de
santos, cruzes, rosários, etc. Mandou, além disso, erigir três igrejas: a de
São Salvador, a da Virgem Maria e a de São Jaime" (idem:651).
Diante das dificuldades e do precário
contingente de missionários, Afonso I pediu ajuda à Coroa portuguesa. O rei D.
Manuel mandou, então, formar um grupo de moços no convento de Santo Elói de
Lisboa, o primeiro seminário europeu para o clero indígena.
Entre esses rapazes estava o filho de D.
Afonso I, Henrique, que mais tarde seria consagrado bispo titular de Útica.
Em seu reinado, a conversão dos senhores do
Congo e seus súbditos significou não só mudanças na vida espiritual, mas também
em aspectos materiais, incluindo desde a alimentação, vestuário e construções,
até a reforma administrativa do Reino, que se reorganizou à semelhança do de
Portugal.
Segundo A. Custódio Gonçalves (1992:533), com
a tentativa de transformar o Congo em um reino cristão, "ponta de lança da
conquista espiritual da África", acreditou-se que a introdução de novos
modelos culturais através da acção missionária o tornaria uma réplica do reino
português.
A missionação, a par das deficiências,
facilitou a abrangência da educação e a entrada dos modelos de organização
política, administrativa e judicial, com a instituição da nobreza, cortesãos e
dignatários, insígnias e distintivos de todos os graus hierárquicos, criando no
Congo a Corte de São Salvador, cujo rei se dizia irmão do monarca português.
Anterior ao achamento do Brasil e ao domínio
da Índia, a descoberta de um espaço geo -humano, tão vasto e receptivo como o
oferecido pelo Congo, proporcionaria a possibilidade de materializar um eficaz
projecto de aculturação jamais acenado ainda a Portugal. (Marques, 1992:131)
A colonização do território de Angola teve
sua base inicial nos contactos com o reino do Congo. A ex-província Ngola, após
sua independência do reino do Congo, mandou uma embaixada a Portugal pedindo
missionários para instruírem o reino de Angola na fé cristã.
Segundo Araújo & Santos (1993:653),
entretanto, mais que o interesse na conversão, o soberano de Angola,
reconhecendo a importância que as relações com Portugal conferiam ao rei
congolês e buscando afirmar sua independência, tentava, com a embaixada, reatar
o tráfico de escravos na região e com isso ganhar poder económico e político em
relação ao rei do Congo.
Em 1559, foi enviada uma missão chefiada por
Paulo Dias de Novais para, entre outros fins, converter o rei angolano e suas
gentes.
Embora ao longo de todo o século XVI os
portugueses continuassem a enviar escravos a partir do porto de Mpinda e do Loango, via S. Tomé, depois da fundação de Luanda, em 1575-76,
Angola tornou-se o principal fornecedor de escravos.
No Congo, como em Angola, a missionação
esteve presente junto aos primeiros esforços colonizadores, mas encontrou
muitas dificuldades com o passar dos anos. E não se pode deixar de enfatizar
que o maior problema da missionação, sem dúvida, foi a escravatura, da qual os
religiosos não puderam passar ao largo.
Notas
1. Segundo A. C. Gonçalves, os
cronistas João de Barros, Rui de Pina e Garcia de Resende não estão de acordo
quanto às datas e número de expedições de Diogo Cão. "A primeira viagem
teria sido 1482 — 83 e a segunda, na qual subiu o rio Congo até as cataratas do
Yelala, em 1484 — 85" (Gonçalves, 1992:525).
2. "Até as ilhas de Cabo Verde, a
armada foi comandada por Gonçalo de Sousa. Mas, tendo falecido este, assumiu o
comando Rui de Sousa [...]" (Araújo & Santos, 1993:646)
3. "A que Ordem pertenceriam
estes três primeiros missionários? Surgem diferentes possibilidades. João de
Barros, na sua Década Primeira, capítulo III, quando refere a educação, no
convento dos Lóios (frades de São João Evangelista) dos jovens naturais do
Congo e do seu baptismo, antes de serem entregues aos cuidados de Gonçalo de
Sousa para os restituir à pátria, diz que foi escolhido um dominicano. Os
Lóios, por sua vez, reivindicam para a sua obra a primazia da acção apostólica
empreendida e mencionam como superior frei João de Santa Maria, religioso de
grandes letras e virtudes, bem como Frei João de Portalegre, Frei António de
Lisboa e o 'Manicongo', Frei Vicente dos Anjos, assim chamado por ter sido um
dos mais notáveis missionários da evangelização do Congo" (Araújo
& Santos, 1993:648).
Mbanza Congo - Uma cidade, Três vozes
Muito Obrigada pelo texto muito informativo.
ResponderEliminarconhecer a cultura de lugares onde estive
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