Rumos
As ordens dadas por um comandante devem
ser repetidas e obedecidas rapidamente. Por exemplo:
« arribar » ou « orçar uma quarta »
Os rumos podem ser referidos quanto ao
lado esquerdo do barco (bombordo), ou ao direito (estibordo), ou para a frente
(à proa), ou para trás (à popa). O lado do navio resguardado do vento chama-se
sotavento; o lado de onde o vento sopra é o lado de barlavento.
As manobras medem-se em graus (até
180º em cada lado do navio) ou em quartas (ângulos de 11º 15' na
rosa-dos-ventos. As posições para bombordo e para estibordo estão divididas em
quatro quartos cada uma com quatro quartas.
Mostra-se aqui estes quartos sempre em
relação à proa do navio; refere-se ao ângulo tomado pelo vento em relação ao
barco à vela.
As velas
Existem dois tipos principais de
velas, que frequentemente se usam , as velas redondas são de propulsão que
normalmente envergam em vergas atravessadas com o mastro para aproveitar os
ventos de feição. As velas latinas dispõem-se longitudinalmente com a testa
envergada num mastro ou num estai. O testa da vela pode envergar numa
carangueja enquanto a esteira enverga numa retranca. Muitas armações como o
Ketch, a escuna e o patacho evoluíram segundo as necessidades locais. As velas
são feitas de panos cosidos uns aos outros com ourelas sobrepostas, de forma a
resistirem mais aos ventos violentos. Os tecidos usados tradicionalmente são o
algodão e o linho; actualmente, tornou-se comum o uso de tecidos sintéticos.
*arte de uma vela – testa de uma vela:
Pano da vela, botão, patola da testa,
tralha, pena, sapatilho redondo, garruncho, ilhós, punho da pena, valuma,
bainha de pontos d costura, tecido sintético, forra da tralha, costura de
estoque
Navegação
Navegar é a arte de levar com
segurança um navio entre dois pontos definidos pela latitude e longitude. Em
tempos recuados os navegadores serviam-se de marcos para se direccionarem,
enquanto o marinheiro que estava de quarto se servia de uma ampulheta para
saber durante quanto tempo se navegou num determinado rumo indicado pela bússola.
O sextante, como a balestilha e o
astrolábio, permitia aos navegadores obterem a sua latitude através do ângulo
entre dois objectos conhecidos, ou entre um corpo celeste e o horizonte. O cronómetro
permitia calcular com precisão a longitude, através da comparação da hora local
com a hora de Greenwich (longitude 0º) . No mar para conhecer a velocidade e a
distância percorrida rebocava-se à popa uma barca de patente
Pilotagem
Navegar, usando pontos de referência
conhecidos junto à costa ou em pontos, tem o nome de pilotagem. Os navegadores
usam determinados instrumentos , como a bússola e as sondas, que servem para
garantir que se navega numa rota segura. Na bússola um íman é atraído pelo
Norte magnético. Uma rosa-dos-ventos é constituída por um círculo de papel
assente sobre pequenas barras de aço magnetizado: a circunferência é dividida
em graus de 0º a 360º e quadrantes, os quais indicam o rota do navio. A bússola
é colocada na bitácula. Esta é formada por um pedestal de madeira onde se
colocam os compensadores dos vários desvios da agulha provocados pela distorção
magnética de um navio de aço. Actualmente na maioria dos navios usam-se
dispositivos electrónicos para se saber a profundidade. No entanto, alguns
navios ainda recorrem à linha de prumo, graduada em braças ou nós. Termos como «e
meia» indicam fracções de uma braça. As bóias são flutuadores que assinalam
perigos par a navegação e marcam os limites navegáveis de canais. O fim a quem
se destinam determina-se pela sua forma, côr e sinais. Os faróis emitem clarões
a uma cadência regular indicada nas cartas de navegação.
Rosas dos Ventos
1492 Jorge de Aguiar
Nas
cartas iluminadas, os rumos ou «linhas de rumo» eram
desenhados, a cores, a partir de «rosas dos ventos», semelhantes às
das agulhas de marear, e cada cartógrafo tinha o seu estilo próprio
de desenhar essas «rosas».
O
Norte destas «rosas» era representado por uma «flor de
liz», símbolo empregado pelos portugueses e que depois se
universalizou.
Também
era uso representar o ponto cardeal «Leste» com outro
símbolo, a maior parte das vezes, uma cruz, para indicar o lado do
nascimento do Sol, isto é, o Oriente, donde naturalmente o
termo «orientar».
A
cruz a indicar o Leste de alguns mapas da Idade Média
apontava, no Mediterrâneo, a Terra Santa. As cores das
«linhas de rumo» nas cartas iluminadas eram as seguintes: a
preto, os oito rumos principais cardeais e inter-cardeais, a
verde, as oito meias partidas, e as dezasseis quartas, a
vermelho.
Por exemplo a «ROSA» que figura no planisfério dito de «Cantino de 1502», não
é da sua autoria nem o próprio planisfério pois trata-se de uma
obra atribuída a portugueses.
Alberto
Cantino foi um espião do Duque de Ferrara, Ercole d'Este. A execução do mapa foi efectuada por um cartógrafo português desconhecido em Lisboa, a troco de 12
ducados. Cantino enviou ao Duque o mapa.em 1502.
Conserva-se
na Biblioteca Extense de Módena (Itália).
In
“ROSAS DOS VENTOS DAS CARTAS DE MAREAR PORTUGUESAS”. Anais do
Clube Militar Naval. – Ano CXIII, N.º Especial (1983).
Fonte: Luis. Duarte Lopes
Blogs: Cabo das
Tormentas 1488
As
cartas de marear dos séculos XV e XVI não utilizavam qualquer método explícito
de projecção cartográfica, a superfície da Terra era considerada como plana e
na carta eram marcados os rumos magnéticos e as distâncias navegadas nesses
rumos, daí a denominação de cartas rumadas. As primeiras cartas de marear
utilizadas pelos portugueses foram evoluções das cartas-portulano do
Mediterrâneo que os portugueses começaram a utilizar provavelmente ainda no
reinado de D. Diniz.
Nestas
cartas não se detectam escalas para latitude e longitudes, no entanto existe
uma escala, em léguas, para as distâncias.
O
cálculo da posição estimada da embarcação era fortemente condicionado por
diversas componentes. Por um lado, existia o problema do cálculo da velocidade
no mar (face ao fundo). Os métodos utilizados não levavam em linha de conta a
velocidade das correntes marítimas e ainda eram afectados pelo deficiente
sistema de mediação de tempos (ampulheta). Finalmente, os rumos navegados eram
magnéticos e não verdadeiros, mas isso era um facto desconhecido na altura.
Como
já identificámos, no século XV a declinação magnética em Portugal e na costa
norte de África era relativamente pequena, não devendo exceder os 3º Leste até
ao arquipélago de Cabo Verde.
Assumindo
que no século XV as embarcações portuguesas utilizavam agulhas genovesas com um
factor de correcção igual a seis graus (leste), podemos verificar que as
diferenças entre os rumos verdadeiros e os da agulha não deveriam ultrapassar a
meia quarta (~ seis graus) contribuindo seguramente para a reconhecida boa
qualidade da cartografia portuguesa de então.
Navegando ao longo da costa Norte de África
Se
o factor de correcção fosse nulo, portanto com os ferros fixos na flor-de-lis,
os valores obtidos ainda seriam melhores. A aproximação aos rumos
verdadeiros ainda seria mais notória, com desvios muito próximos de zero. Esta
questão é muito importante pois vai permitir-nos introduzir o tema dos
“resguardos”, que eram compensações inseridas pelos pilotos nas rotas
navegadas.
Navegando ao longo da costa Norte de África
Não
deve esquecido o efeito resultante das operações de cevar que se efectuavam a
bordo. Ao serem magnetizados os ferros, a agulha alinhava naturalmente com o Norte magnético do local. Para as agulhas alinhadas com a flor-de-lis em termos
de navegação isso apenas se reflectia na robustez das indicações da agulha
(ferros de novo magnetizados). Para as agulhas com os ferros não alinhados com
a flor-de-lis, em cada operação de cevar a flor-de-lis era alinhada com o norte
verdadeiro, logo novo factor de correcção era implementado (equivalente ao
local onde o navio se encontrava).
Os
pilotos registavam as rotas (singraduras) e as velocidades estimadas,
calculavam as suas posições estimadas, e era este conjunto de dados que no
regresso a Portugal era dado aos cartógrafos que desenhavam novas cartas
através da nova informação que os pilotos recolhiam. Este trabalho de recolha
sistemática de informação que era incorporada nas cartas de marear atravessou
todo o século XV acompanhando as descobertas portuguesas que se dirigiam para Sul,
rumo ao Cabo da Boa Esperança.
Recuperemos
as seguintes afirmações de João de Lisboa:
“…e
porque os antigos não sentiram esta variação, andavam mudando os
ferros das agulhas fora da flor de liz, para que naqueles meridianos onde as
cevavam fossem fixas nos pólos do mundo; e por esta razão achamos nas cartas
todas as costas falsas por uma quarta e por duas”.
“porque
costumavam alguns [os antigos], como dito é, tirá-los [os
ferros] fora da flor-de-lis por uma quarta e duas e mais, segundo
era [a flor-de-lis] fora do meridiano fixo ”.
Em
Portugal usavam-se agulhas genovesas, flamengas, francesas, alemãs (e
portuguesas), originárias de locais onde no século XV a declinação magnética
seria aproximadamente igual a 6 graus leste, eventualmente no máximo 8 graus
leste. Portanto entre a meia e os 2/3 de quarta.
Achamos
a observação de João de Lisboa razoável quando diz “ duas e mais
quartas fora da flor-de-lis”, pensamos que João de Lisboa concluiu que se “achamos
nas cartas todas as costas falsas por uma quarta e por duas”
então os ferros estavam fora da flor-de-lis por igual ângulo.
Mas sendo o factor de correcção igual à declinação magnética do local de
construção e montagem da agulha de marear ou dos locais onde as agulhas eram
cevadas, compreende-se que esse factor possa ter sido superior a 20 graus
quando os valores da declinação eram dessa ordem de grandeza.
Recuperemos de novo a obra “Libro de Longitudes” do
espanhol Alonso de Santa Cruz quando ele diz o seguinte:
“ Y asi fueron entendiendo poco a poco que
cantidad de grados y quartas de aguja era y conforme a ello procuraron de dar
resguardos a la aguja conforme a las derrotas que hacian para llevar mas
certidumbre en las navegaciones que hacian, el cual trabajo non teniam los que
navegaban por el Mediterráneo, porque en las cartas que teniam hechas por
derrotas iba dado en ellas los talles resguardos de nordesteamientos”.
Com esta explicação Alonso Santa Cruz esclareça duas
questões muito importantes:
A tentativa de corrigir os rumos da agulha (para
verdadeiros) a bordo através de “resguardos” e,
O efeito que esses mesmos resguardos tinham sobre a
cartografia pois os pilotos forneciam aos cartógrafos as derrotas (rumos) já
com os resguardos incluídos.
Importa portanto reter que Alonso de Santa Cruz afirma
que os pilotos que navegavam no Mediterrâneo não necessitavam de considerar
qualquer resguardo nas suas rotas pois as cartas que utilizavam tinham sido
desenhadas precisamente considerando esses resguardos.
Carta de Jorge de Aguiar
Excerto da carta de Jorge de Aguiar
(1492), com rede de meridianos e paralelos.
(Imagem retirada da comunicação apresentada na
Academia de Marinha pelo Académico Correspondente Capitão-de-Mar-e-Guerra EHO
Joaquim Alves Gaspar, em 3 de Junho de 2008)
A carta portuguesa mais antiga que se conhece assinada
e datada está arquivada na Yale University, em New Haven (EUA). É
de 1492 e o seu autor é Jorge de Aguiar. É um exemplo de uma carta
rumada. Existem paralelos e meridianos mas não se detectam escalas para
latitude e longitudes. No entanto interpolando as redes geográficas de
meridianos e paralelos implícita à representação, obteve-se como resultado que
esta rede aparece rodada para a esquerda, no sentido contrário ao
dos ponteiros do relógio, uma característica comum a todas as cartas-portulano
até ao século XVIII. O ângulo médio de rotação é de 8º, valor que está de
acordo com o que hoje conhecemos sobre o valor declinação magnética no
Mediterrâneo, durante o século XV.
Imaginemos fig. seguinte que uma embarcação parte de uma
posição conhecida (a). Navega durante um determinado período de tempo pela proa
norte magnético (360º) até chegar a um lugar desconhecido (b). O piloto
comunica ao cartógrafo que navegou X léguas pelo
rumo 360 º a partir de a. O cartógrafo
desenha na nova carta (V1) o local b.
Se comparássemos a nova carta V1 assim obtida com as
posições reais veríamos então que a carta estava “rodada” para a esquerda.
Rumo e distância estimada transmitidas
ao cartógrafo; posição real
Complicando um pouco o cenário, imaginemos fig.seguinte que o mesmo piloto, na mesma embarcação, repete a viagem partindo da posição
conhecida (a) mas desta vez utilizando uma agulha de marear com os ferros fixos
fora da flor-de-lis precisamente oito graus para levante, isto por ser o valor
da declinação magnética onde a agulha foi construída e montada. Navega X léguas com a flor-de-lis pela proa (360º - norte
geográfico) e quando chega ao final desta singradura verifica visualmente que o
ponto b está por estibordo embora na carta V1 a
embarcação estivesse no local certo (no local onde o cartógrafo fez a correcção
anterior, desenhando o local b).
Navegando pela flor-de-lis e verificando
discrepância com a posição real
Nestas condições, na próxima viagem que este piloto
repetisse, iria considerar (mais correctamente estimar)
um “resguardo” de oito graus (aproximadamente ¾ de quarta) para leste,
governando por 008 graus e desta forma, apesar de na carta o rumo traçado fosse
360, iria aterrar em b governando
por 008. A agulha “nordesteava” e o piloto compensava esse facto desta maneira.
Assim, este piloto na próxima vez que estivesse com o cartógrafo, iria
transmitir-lhe que era necessário corrigir a carta pois afinal para atingir o
local b a partir de a era
necessário navegar X léguas pelo rumo 008. Desta forma, o local b seria desenhado na sua posição real (carta V2).
Portanto b ficava a X
léguas de a pelo azimute 008.
Numa futura viagem de a para b, usando a nova carta V2, o piloto já poderia
verificar que o rumo para chegar a bera igual a 008 e
já não necessitava de dar um resguardo.
Para concluir este conjunto de cenários, vamos agora
imaginar nova viagem nos mesmos moldes, entre a e b, mas desta vez com a embarcação munida de uma agulha
com os ferros ferrados na flor-de-lis. O piloto vai utilizar a carta mais
recente, a V2, e verifica que para sair de a para b tem que navegar X léguas ao rumo 008.
Sabemos que:
Rumo Verdadeiro = Rumo Magnético + declinação (- W / +
E)
Portanto
008 + 008 = 016, rumo verdadeiro.
Vejamos então a figura seguinte:
Navegando com ferros na flor-de-lis;
verificando discrepância com a posição real
Apesar de colocarmos a posição do navio na carta
em b, depois de navegarmos X léguas pelo rumo 008º, de
facto podemos visualmente observar que o local b se
encontra por bombordo, confirmando as palavras de João de Lisboa quando
concluía que “achamos nas cartas todas as costas falsas por
uma quarta e por duas”.
O piloto teria que estimar um “resguardo” para uma
próxima viagem, para bombordo, neste caso cerca de oito graus (navegar por 360
na agulha).
Com os resguardos os pilotos tentavam aproximar os
rumos magnéticos dos rumos verdadeiros, isto apesar de não conhecerem o
fenómeno da declinação magnética. Aos rumos que retiravam das suas cartas de
marear faziam incidir um resguardo equivalente ao noroestear ou nordestear das
agulhas, desta forma aproximando a sua navegação dos rumos verdadeiros mas
utilizando cartas desenhadas através de rumos e azimutes magnéticos.
Alguns pilotos forneciam aos cartógrafos os rumos já
com os resguardos pelo que nesse caso as novas versões das cartas de marear
aproximavam-se mais da realidade, os rumos magnéticos aproximavam-se dos rumos
reais, pelo menos enquanto não se verificasse variações sensíveis da declinação
magnética.
As cartas eram portanto desenhadas através
de rumos magnéticos mais ou menos compensados com os resguardos conhecidos. Estas cartas tinham obviamente
uma validade desde logo condicionado com a variação da declinação magnética no
tempo, mas isso era desconhecido nos séculos XV e XVI. As posições reais não
coincidiam com as posições carteadas mas as cartas cumpriam com as suas funções
pois forneciam os rumos magnéticos que deveriam ser utilizados para se chegar
ao destino.
Carta de Jorge de Aguiar, 1492. Yale
University, em New Haven (EUA)
Como já referido, a carta portuguesa
mais antiga que se conhece assinada e datada está arquivada na Yale University,
em New Haven (EUA) [fig. nº 52]. É de 1492 e o seu autor é Jorge de Aguiar,
piloto e mais tarde Capitão de naus das Índias no final do século XV e
princípio do século XVI.
Para iniciarmos a nossa abordagem à
carta de Jorge Aguiar, vamos recordar dois modelos (figuras nº 53 e nº 54)
que estimam o valor da declinação magnética em 1500 no Mediterrâneo e costa
leste do Atlântico Norte.
Declinação magnética em 1500
Nestes dois modelos é possível
verificar uma concordância no facto da declinação magnética ser nula nos Açores
e na margem oriental do Mediterrâneo.
Declinação magnética em 1500
Curiosamente
na carta de Jorge de Aguiar surgem duas rosas-dos-ventos (?) muito simples, sem
flor-de-lis e aparentemente com uma agulha bem desenhada, apontando para o
norte
Destaques na Carta de Jorge de
Aguiar
A primeira destas duas rosas, surge
perfeitamente alinhada com a linha agónica (declinação nula) que passaria nos
Açores em 1500.
Recordemos o que diz João de Lisboa no
capítulo IX do Tratado da Agulha de Marear, “Em que se declara como havemos de
tomar este meridiano Vero….”:
“Hás-de saber que este meridiano
vero, onde as agulhas verdadeiramente ferem o pólo do mundo ártico, divide a
Ilha de Santa Maria e a ponta da Ilha de São Miguel….”
O desenho desta rosa muito peculiar e
o seu posicionamento na carta (fig. nº 56) faz com que legitimamente possamos
colocar a pergunta se não seria já conhecido o fenómeno da variação da agulha
na época (1492) em que Jorge de Aguiar desenhou a carta.
Uma segunda rosa, cujo desenho é
idêntico ao da primeira, parece indicar a linha agónica que passava pelo
Mediterrâneo embora se estime que na época esta passasse mais para oriente, na
costa oriental do Mediterrâneo, e não no centro do Mediterrâneo como parece
surgir na carta de Jorge de Aguiar. No entanto não deixa de ser um indício que
parece indicar alguma semelhança no que se pretendia assinalar com estas
duas rosas.
*******/*******
Carta de Pedro Reinel (1504) com duas escalas de latitudes
A
carta de marear de 1504 de Pedro Reinel (arquivada na Bayerische
Staatsbibliothek, Munique), famoso cartógrafo português, é a carta mais
antiga conhecida por ter uma escala de latitudes. Na realidade a carta
apresenta duas escalas de latitude, sendo uma desenhada ao largo da Terra
Nova e orientada obliquamente. A escala oblíqua apresenta um ângulo de 22º 30’
em relação ao Norte, valor muito aproximado daquele que se estima quer seria o
valor da declinação magnética (15º W a 25º W, de acordo com diversos modelos)
naquela zona em meados de 1500.
Supomos
que o ângulo da escala de latitudes resulta indirectamente da adaptação da
escala de latitudes aos territórios já previamente desenhados e não da
imposição prévia de um ângulo (duas quartas) no desenho da própria escala. Na
realidade Pedro Reinel adaptou a uma carta já existente uma primeira escala de
latitudes. Tinha boas referências para a construir, as latitudes das várias
ilhas do Arquipélago dos Açores, o mesmo em relação a Cabo-Verde, Canárias,
Madeira, etc. No entanto percebeu que as latitudes e os rumos navegados que os
pilotos portugueses lhe forneciam para os pontos mais importantes da costa da
Terra Nova (como por exemplo o Cabo St.John e o Cabo Spear, como hoje são
conhecidos) não se ajustavam à primeira escala, daí tendo seguramente surgido a
engenhosa ideia de ajustar uma escala oblíqua na carta.
Discordamos
que se diga de forma peremptória que esta escala oblíqua não representa um
primeiro testemunho do conhecimento explícito dos desvios das agulhas.
Concordamos com a opinião de que esta escala oblíqua resulta do
reconhecimento por parte dos desenhadores das cartas de marear das dificuldades
em cartografar correctamente a esfericidade da terra, mas não afastamos em
absoluto a hipótese de já existir um conhecimento razoável dos desvios sofridos
pelas agulhas, do noroestear e nordestear das agulhas de marear. Existem alguns
factores de dúvida que deverão ser estudados com mais profundidade, como iremos
tentar fazer, nomeadamente o facto de o desenhador da escala oblíqua ter
atribuído exactamente o valor de duas quartas ao ângulo da mesma escala.
O
trabalho desenvolvido pelos pilotos e cartógrafos portugueses em cartografar e
desenhar nas cartas de marear a Gronelândia e a Terra Nova foi notável.
As
naus envolvidas nessas viagens partiram maioritariamente dos Açores, navegando
grandes distâncias por mares muito agrestes, o Atlântico Norte. O tradicional
método de desenhar novos territórios nas cartas existentes (oriundas dos
portulanos) através das singraduras e das léguas navegadas incorria em muitos
mais erros do que quando se navegava ao longo da costa de África, que era uma
navegação fundamentalmente em latitude e com declinação magnética geralmente
moderada. Um dos problemas que se colocava logo à partida, era o facto
(desconhecido para os pilotos) de que na época a declinação magnética era nula
nos Açores e aumentava com a navegação para Poente atingindo valores muito
elevados (aproximadamente 20 º a 25º W) na Terra Nova.
Através
de exemplos vamos tentar ilustrar a situação.
Sabemos
que:
Rumo
Verdadeiro = Rumo Magnético + declinação (- W / + E)
Imaginemos
(fig. nº58) que uma embarcação parte de uma posição conhecida (a). Navega
durante um determinado período de tempo para Oeste (270º) até chegar a um lugar
desconhecido (b). O piloto irá transmitir ao cartógrafo que navegou 100 léguas pelo rumo 270º a partir de a. O cartógrafo desenhará numa nova carta (V1) o
local b1.
Rumo
Verdadeiro = 270 + declinação (- 20º Oeste) = 250º
Fig. 58 – Navegando para Oeste no Atlântico Norte
Repare-se
que se a posição inicial a tivesse a
latitude de 40º norte então, na carta de marear, a
posição b1 ficaria com a mesma latitude quando na
realidade b1 está para Sul dessa
latitude (e para levante da posição estimada). Para este exemplo vamos verificar
que a latitude real é igual a 38º norte.
Vamos
calcular o valor da latitude do lugar b1.
Sabendo
que
Sin
φ = h / 100 léguas
Sin
20 ⁰ = 0,432, logo h = 34,2 léguas
34,2
léguas ≈ 2 ⁰
Portanto a latitude de b1 é igual a 38ºN.
(nota
importante – para o estudo que pretendemos efectuar simplificámos os cálculos
de trigonometria considerando a superfície da Terra como plana e não esférica.
Rigorosamente deveríamos recorrer às fórmulas da trigonometria esférica mas o
rigor dos resultados que obtemos através de simples aplicações de trigonometria
plana é perfeitamente suficiente para o que pretendemos avaliar).
Continuemos
o nosso estudo com novo exemplo.
Imaginemos
(fig. nº59) que uma embarcação parte da mesma posição conhecida (a). Navega
durante um determinado período de tempo para Oeste (320º) até chegar a um lugar
desconhecido (b2). O piloto irá transmitir ao cartógrafo que navegou 100 léguas pelo rumo 320º a partir de a. O cartógrafo desenhará numa nova carta (V1) o
local b2.
Ora
como:
Rumo
Verdadeiro = Rumo Magnético + declinação (- W / + E)
Rumo
Verdadeiro = 320 + declinação (- 20º Oeste) = 300º
Fig. 59 – Navegando para Oeste no Atlântico Norte
Repare-se
que a latitude atribuída à posição b2 será sempre
maior que o seu valor real.
Vamos
calcular o valor da latitude do lugar b2 em dois
passos.
Sabendo
que
320⁰ (Rumo
da agulha) = 270 ⁰ (Oeste) + 50⁰
Sin
φ = h / 100 léguas
Sin
50 ⁰ = 0,766, logo h = 76,6 léguas
76,6
léguas ≈ 4,5 ⁰
Portanto a latitude cartografada de b2 é igual a 44º 30’N.
Vamos
agora calcular a latitude real de b2.
Sabendo
que
300⁰ (rumo
verdadeiro) = 270 ⁰ (Oeste) + 30⁰
Sin
φ = h2 / 100 léguas
Sin
30 ⁰ = 0,5 logo h2 = 50 léguas
Ora
50 léguas ≈ 3º
Portanto a latitude verdadeira de b2 é igual a 43º N.
Vamos
concluir apresentando um último exemplo.
Imaginemos
(fig. nº 60) que uma embarcação parte da mesma posição conhecida (a).
Navega durante um determinado período de tempo para Oeste (360º) até chegar a
um lugar desconhecido (b3). O piloto irá transmitir ao cartógrafo que
navegou 100 léguas pelo rumo 340º a partir de a. O cartógrafo desenhará numa nova carta (V1) o
local b3.
Rumo
Verdadeiro = 360 + declinação (- 20º Oeste) = 340º
Fig.
60 – Navegando para Norte no Atlântico Norte
Vamos
também calcular o valor da latitude do lugar b3.
Sabendo
que
Cos
φ = d1/ 100 léguas
Cos
20 ⁰ = 0,939693 logo d1 = 93,97 léguas
Portanto
d2 = 100 – d1= 6,03 léguas
6,03
léguas ≈ 20’ (1/3 grau)
Portanto
a latitude de b3 é igual a 45º 40’ N.
Assim
sendo, de forma resumida, a situação é a seguinte:
Na
nova carta V1 seriam então desenhados os novos pontos b1, b2 e b3 em posições
erradas, que resultavam dos rumos magnéticos e das léguas que as embarcações
navegavam durante as suas singraduras. De forma muito simples, e para
prosseguirmos com o nosso estudo, na fig. nº 61 apresentamos a nova porção
de costa que passaria a constar na carta de marear V1.
Fig. 61 – Nova linha de costa desenhada na carta
V1
Com
a utilização da nova carta os pilotos começaram a verificar que utilizando os
rumos correctos (as loxodrómias propostas na carta) atingiam os pontos de
destino, mas as latitudes que observavam nesses mesmos lugares eram
substancialmente diferentes.
É
sabido que os pilotos sempre que lhes era possível se deslocavam a terra onde
em terreno firme calculavam com grande rigor as latitudes, através da leitura
das alturas observadas durante a culminação do Sol e da estrela Polar.
Os pilotos começaram a verificar que as latitudes que estimavam eram
substancialmente diferentes das latitudes que observavam nesses
mesmos lugares.
Neste
caso as distorções que eles detectavam eram muito evidentes mas de muito difícil
explicação. A declinação magnética muito forte (cerca de 20º W) tinha um efeito
muito sensível neste caso.
Em
oposição ao que se verificava com as explorações portuguesas ao longo da costa
ocidental do continente africano, o número de viagens à Gronelândia e à Terra
Nova foi absolutamente residual pelo que não se verificavam as condições de
correcções sucessivas nas cartas de marear que resultavam das sucessivas
viagens. Este facto inquestionável, associado aos valores muito significativos
da declinação magnética, contribui seguramente para uma menor qualidade na
cartografia resultante.
Fig.
62 – Posições reais na nova linha de costa desenhada na carta V1
Na
figura nº 62 tentamos representar a referida distorção comparando a linha
encarnada (linha real da costa) com a linha azul (linha desenha na carta). Como
se pode verificar existe uma rotação pronunciada para a direita das posições
carteadas (enquanto no Mediterrâneo essa mesma rotação era para a esquerda pois
a declinação magnética era de leste).
Na
realidade, exceptuando a costa do Brasil, os pilotos portugueses navegavam no
Atlântico por zonas onde a declinação magnética era muito pequena ou pouco
significativa. Nos mares da Terra Nova surgia uma nova situação e que
constituía no facto de as latitudes obtidas por estima serem muito diferentes
das observadas astronomicamente. Nunca antes tal tinha sucedido. Assim que se
tentou ajustar uma escala de latitudes os cartógrafos perceberam que a mesma
não podia ser única, a escala não se ajustava às novas terras descobertas na
Terra Nova e Gronelândia.
Assim surgia
um novo desafio para os cartógrafos, e que basicamente era o seguinte: se
os rumos da agulha estavam correctos, facto que era verdadeiro pois as naus
navegavam segundos os mesmos e chegavam correctamente aos seus pontos de
destino, então como explicar (e alterar nas cartas) as diferenças tão
substanciais nas latitudes estimadas e observadas. A solução encontrada foi
engenhosa. Não se alterou o desenho da costa (não havia justificação para o
fazer) e criou-se uma escala de latitudes própria para a zona.
Fixando
a escala de latitudes num ponto de latitude conhecida (por exemplo em b1)
restava rodar a escala de latitudes até que a mesma acomodasse correctamente os
outros pontos notáveis (figuras nº 63, nº 64 e nº 65).
Fig. 63 – Ajustando uma escala oblíqua de latitudes (1)
Fig. 64 – Ajustando uma escala oblíqua de latitudes (2)
O
ajuste da escala não seria obviamente perfeito mas permitia de forma imaginosa
ultrapassar um problema prático complexo. De qualquer forma parece-nos claro
que não existe aqui uma indicação evidente da compreensão do fenómeno da
declinação magnética mas antes uma necessidade de ajustar as cartas de marear
às escalas de latitudes que começavam a ser introduzidas nas mesmas cartas.
Fig. 65 – Ajustando uma escala oblíqua de latitudes (3)
Se
reparamos na parte que foi seleccionada da carta de Pedro Reinel na figura nº
66, podemos verificar que a escala oblíqua das latitudes está perfeitamente ajustada
com a loxodrómia equivalente às duas quartas que parte da rosa-dos-ventos. Como
já foi referido, estima-se que o valor da declinação magnética fosse muito
aproximadamente igual às duas quartas por volta de 1500, valor confirmado pelo
facto da escala de latitudes estar perfeitamente orientada nas duas quartas.
Fig. 66 –
Posicionamento da escala oblíqua de latitudes na carta de Pedro Reinel