A navegação astronómica
As primeiras descobertas ao longo da costa, foi usado o processo mediterrânico de navegação, que consistiu em seguir determinado rumo e calcular a distância percorrida - navegação por estima.
Mas, como tal processo não servia para navegar no mar largo, houve necessidade de recorrer à navegação astronómica para resolver o problema do "ponto" ou lugar do navio, em qualquer altura do percurso - o que se faz na determinação da latitude geográfica ou altura do pólo, que têm o mesmo valor.
De começo, mediu-se a altura do pólo, latitude, pela estrela Polar, como, tal medição só se podia fazer de noite, e como a Polar se torna invisível quando se ultrapassa o Equador, foi necessário recorrer à altura meridiana do Sol e a uma "tábua de declinações" -processo ainda hoje usado por toda a navegação.
Os portugueses foram os primeiros a usar esta arte de navegar pela altura dos astros sendo assim os verdadeiros criadores da ciência astronómica.
A prova irrefutável da sua propriedade, neste ramo da ciência, está nas obras da especialidade, entre as quais: - O regimento do Astrolábio e do Quadrante (edição Munique); o Esmerado de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira; o Livro da Marinharia, de João de Lisboa, o Tratado da Spera (edição de Évora; o Tratado da Sphera e outros Tratados, de Pedro Nunes; os Roteiros, de D. João de Castro – todos da primeira metade do séc. XVI. [A. Martins Afonso]
De começo, mediu-se a altura do pólo, latitude, pela estrela Polar, como, tal medição só se podia fazer de noite, e como a Polar se torna invisível quando se ultrapassa o Equador, foi necessário recorrer à altura meridiana do Sol e a uma "tábua de declinações" -processo ainda hoje usado por toda a navegação.
orientação pela Estrela Polar indicando o Norte Geográfico.
Para medição da altura da Polar e do Sol empregavam-se o "quadrante náutico e o astrolábio e, mais tarde, também a balestilha. Os portugueses foram os primeiros a usar esta arte de navegar pela altura dos astros sendo assim os verdadeiros criadores da ciência astronómica.
A prova irrefutável da sua propriedade, neste ramo da ciência, está nas obras da especialidade, entre as quais: - O regimento do Astrolábio e do Quadrante (edição Munique); o Esmerado de Situ Orbis, de Duarte Pacheco Pereira; o Livro da Marinharia, de João de Lisboa, o Tratado da Spera (edição de Évora; o Tratado da Sphera e outros Tratados, de Pedro Nunes; os Roteiros, de D. João de Castro – todos da primeira metade do séc. XVI. [A. Martins Afonso]
"a cartografia"
A fim de fixar, com
exactidão, nas cartas, as terras sucessivamente descobertas,
os nautas aperfeiçoaram extraordinariamente a
cartografia, sendo as cartas portuguesas as primeiras em que se empregou o
meridiano graduado, foi um português, Duarte Pacheco Pereira, quem, pela primeira
vez, avaliou com notável aproximação a medida do grau do meridiano terrestre.
As linhas loxodrómicas ou rumos, desenhadas radialmente ao longo dos portulanos do Mediterrâneo e do Mar Negro a partir de uma rosa-dos-ventos ou outros pontos de intercepção colocados em diferentes partes do mapa tinham como função corrigir falsas escalas ou falsas orientações inevitáveis numa representação plana da esfera ou parte da esfera.
Estas linhas designavam o curso de navegação do navio levando-o a alcançar um dado ponto na costa caso seguisse sempre a mesma direcção de acordo com os pontos da bússola indicados na rosa-dos-ventos, ou pelo ponto de intercepção de onde irradiavam rumos através do mapa.
Além das terras, essas
cartas representavam também, em preciosas miniaturas, os navios, as plantas e
animais, por vezes até os homens, as cidades e seus monumentos,
constituindo verdadeiras obras-primas.
A cartografia foi
largamente cultivada em Portugal, muitos monumentos cartográficos portugueses
se encontram espalhados por países estrangeiros.
No séc. XVI possuíam,
como nenhuma outra nação, um numeroso escol de cartógrafos, distinguindo-se
entre outros:
Pedro Reinel e Jorge Reinel, Lopo Homem, Diogo Ribeiro, Fernão
Vaz Dourado e muitos mais (ver Armando Cortesão – Cartografia e cartógrafos dos
séc. XV e XVI).
Toda esta prodigiosa
actividade científica desenvolvida pelos Portugueses, no séc. XV e XVI mostra:
Que, tanto ou mais do
que à energia individual e à disciplina colectiva, as Descobertas se devem aos
instrumentos náuticos e aos Regimentos de bordo;
Que, a arte de navegar
dos tempos modernos foi uma criação Portuguesa e foi Portugal que então,
se tornou mestre e guia das nações europeias, fornecendo-lhes os indispensáveis
meios para o total conhecimento e domínio do nosso planeta.
Sobre a importância da
obra científica dos Portugueses, nessa época, foi elucidativo o testemunho de
investigadores estrangeiros, como D. Gernez, que depois de mostrar a influência
que a cartografia portuguesa exerceu nos cartógrafos espanhóis, franceses e
holandeses, declarou justamente:
“A constatação de uma
tão grande importância dos trabalhos hidrográficos e cartográficos portugueses
dos séc. XV e XVI deve pois levar os marinheiros de todas as nações a admirar
sem reservas estes demarcáveis trabalhos dos marinheiros e dos cartógrafos de
Portugal que têm sido os primeiros de tantos outros e nos traçam e escalonam as
grandes rotas do comércio mundial”.[A. Martins Afonso].
A
Cartografia náutica portuguesa
Armando
Cortesão definiu quatro grandes marcos na história da ciência
náutica e da cartografia: o desenvolvimento da carta portulano,
no século XIII, no Mediterrâneo;
a invenção da navegação
astronómica e consequente introdução da escala das latitudes nas
cartas, em finais do século XV;
a descoberta da loxodrómia e a sua
representação por uma linha recta na carta desenhada segundo a
projecção de Mercator;
e o aperfeiçoamento do
cronómetro, pelo inglês Harrisson, em finais do século XVIII, que
permitiu a determinação da longitude no mar.
Entre estes passos, o
segundo é quase exclusivamente português, enquanto que em relação
à projecção de Mercator podemos afirmar que ela deve muito aos
estudos realizados pelo grande matemático Pedro Nunes, que descobriu
o conceito de loxodrómia e cuja obra seria certamente conhecida de
Mercator, que nela se teria inspirado para conceber a projecção que
celebrizou o seu nome.
A representação cartográfica dos lugares,
que iam sendo descobertos pelos navegadores dos séculos XV e XVI,
foi fundamental para o estabelecimento de viagens regulares para
esses mesmos locais.
Só com um conhecimento mais ou menos rigoroso
das condições de navegação se pode realizar esta em segurança.
A
cartografia foi, entre diversos outros factores, um dos elementos
fundamentais para o sucesso dos Descobrimentos portugueses.
Herdeira
das escolas cartográficas do Mediterrâneo, centro a partir do qual
se desenvolveu a cartografia na Idade Média, a cartografia
portuguesa teria recebido essa influência a partir da vinda de
Mestre Jaime de Maiorca, a pedido do Infante D. Henrique, durante o
primeiro quartel do século XV.
No entanto, deste século são
conhecidos poucos exemplares cartográficos de origem portuguesa,
embora existam diversas referências nos textos da época que nos
permitem deduzir que as cartas eram uma das ferramentas ao dispor dos
homens do mar de então para garantirem uma navegação mais segura.
Se em relação ao século XV os dados disponíveis sobre a
cartografia produzida em Portugal são escassos, a situação
relativa ao século seguinte é completamente diferente.
São
conhecidas centenas de cartas, reunidas por Avelino Teixeira da Mota
e Armando Cortesão na obra Portugaliae Monumenta Cartographica.
Está
identificada a maioria dos autores destas obras, embora ainda existam
algumas desenhas de cartas sobre as quais não foi possível
descobrir a identidade do cartógrafo que a realizou.
Sendo a
cartografia uma arte, no sentido medieval de trabalho de artesão,
não admira que as técnicas utilizadas no desenho e reprodução
fossem transmitidas de pais para filhos.
Por esta razão encontramos
diversas famílias de cartógrafos como a família Reinel, a família
Homem ou a família Teixeira.
Podemos considerar a existência de
duas grandes vertentes na cartografia daquela época. Por um lado,
uma cartografia de características eminentemente práticas,
destinada a uma utilização a bordo dos navios que, todos os anos,
em largo número, viajavam nas diversas carreiras praticadas pelos
Portugueses. Estas cartas teriam na sua grande maioria destruídas
pela sua utilização normal a bordo desses navios.
O outro tipo de
cartas que seriam produzidas teria um fim diferente. Eram destinadas
a uma utilização sumptuária e decorativa. Tratava se de
autênticas obras de arte. São deste último género praticamente
todas aquelas que chegaram até nós, uma vez que como não foram
usadas a bordo e como eram consideradas preciosidades pelos seus
detentores, foram devidamente conservadas, facto que impediu a sua
destruição.
Uma análise atenta de todos os exemplares
cartográficos portugueses conhecidos datados daqueles séculos
permite nos conhecer alguns elementos sobre a evolução das
técnicas de construção utilizadas e sobre o rigor da informação
contida nas cartas. A técnica base de construção era a das
cartas portulano, caracterizadas por terem uma “rede” de
direcções irradiando a partir de determinados pontos da carta para
que os seus utilizadores pudessem facilmente conhecer a direcção
que unia quaisquer dois locais representados na carta.
A posição de
um navio no mar, em qualquer instante, pode ser conhecida se
soubermos qual a direcção em que ele navegou e qual a distância
percorrida desde uma posição anterior.
Este método é conhecido
entre os historiadores da náutica com de rumo e estima. Daí que
fosse fundamental que as cartas possuíssem os elementos necessários
para que os marinheiros conseguissem marcar essa direcção.
No
entanto, com a progressão das navegações portuguesas, ao longo da
costa africana, as distâncias percorridas no alto mar, sem
avistar terra para rectificar a posição, foram sendo cada vez mais
extensas. Os erros associados à determinação da direcção e da
distância percorrida vão se acumulando ao longo do tempo.
Assim, as posições obtidas recorrendo apenas ao rumo e estima eram
afectadas por erros tanto maiores quanto maior fosse o intervalo de
tempo decorrido para rectificação da posição.
Os Portugueses
resolveram este problema, ainda durante o século XV, adaptando
técnicas astronómicas para uso a bordo dos navios, técnicas essas
que permitiam um conhecimento rigoroso da latitude do navio.
As
cartas passaram a reflectir este avanço que se verificou a nível da
Arte de Navegar, passando a conter uma escala apropriada para
determinação da latitude dos diversos lugares nelas registados.
A
introdução da escala das latitudes e a recolha sistemática de
elementos “hidrográficos” para inserir nas cartas levou a um
aumento do rigor da informação contida nas mesmas.
A representação
do mundo herdada da obra de Ptolomeu foi completamente ultrapassada.
As concepções do grande sábio grego, baseadas em elementos que em
muitos casos não tinham sido confirmados por observações práticas,
foram substituídas por outras que resultavam da observação directa
realizada pelos Portugueses que viajavam com uma frequência cada vez
maior por quase todo o mundo.
Além da sua principal função que
seria a marcação das posições dos navios no mar, as cartas teriam
outro tipo de utilidade. Nelas eram representadas informações
diversas, com intuitos decorativos ou com um interesse prático
bastante acentuado. Serviam, por exemplo, como suporte para
representação de imagens dos habitantes, da fauna e da flora das
terras que iam sendo descobertas. Ou seja, as cartas eram uma das
formas possíveis de representação do exótico, desses mundos
novos, tão ao gosto do homem do Renascimento.
Por outro lado, nas
cartas eram inseridos muitos dos elementos que serviam para a
condução da navegação, tais como representações gráficas ou
tabelares dos regimentos e das regras práticas de que os pilotos se
serviam para determinação de elementos de interesse náutico. Em
muitas delas eram ainda representadas vistas de algumas regiões
costeiras ou ainda informação de interesse político como é o caso
dos elementos que atribuíam a posse de um determinado território a
um dado reino europeu.
A cartografia portuguesa da época das grandes
descobertas servia perfeitamente para as exigências das técnicas de
navegar daquele tempo. No entanto, apresentavam duas grandes
limitações que só posteriormente foram resolvidas, fora de
Portugal.
A primeira tem a ver com a existência duma escala de
longitudes. As cartas portuguesas não apresentavam esta escala pelo
simples facto de a determinação desta coordenada não ser possível
naquele tempo.
O problema apenas foi resolvido no século XVIII.
Quanto à segunda limitação prende se com a representação de
uma superfície esférica num suporte plano.
Uma vez que a Terra tem
uma forma aproximadamente esférica a sua representação sem
distorções apenas é possível sobre um globo.
No século XVI esta
foi uma das hipóteses consideradas pela cartografia.
No entanto, o
uso de globos apresenta duas grandes limitações.
A primeira tem a
ver com as dimensões. Como num globo se representa sempre a
totalidade da superfície terrestre o seu tamanho teria que ser
bastante grande para que fosse possível representar essa superfície
com o detalhe suficiente para que o globo tivesse alguma utilidade, o
que tornava impraticável o seu uso.
Por outro lado, a medição ou o
traçado de direcções ou distâncias sobre uma esfera, fundamental
para o conhecimento da posição do navio, é bastante complexo,
razão pela qual os globos nunca tiveram qualquer utilidade prática
no mar.
Pedro Nunes identificou praticamente todas as limitações
que as cartas daquela época apresentavam na representação da
superfície terrestre. A ele se deve a noção de que a distância
mais curta entre dois pontos da superfície terrestre é uma linha
curva.
Percebeu que a técnica utilizada para marcar direcções nas
cartas implicava que os meridianos fossem paralelos entre si, quando
na realidade eles convergem todos nos pólos.
Compreendeu que devido
a essa convergência uma linha recta representada numa carta, ou seja
uma direcção que faça sempre o mesmo ângulo com todos os
meridianos, não corresponde a uma recta sobre a superfície do globo
mas sim a uma espiral que termina nos pólos.
O resultado dos estudos
de Pedro Nunes tiveram certamente influência no trabalho de Mercator
que concebeu uma projecção que permitiu ultrapassar essas
limitações das cartas daquele tempo. CORTESÃO, Armando, História da Cartografia
Portuguesa, 2 vols., Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar,
1969 1970. MOTA, Avelino Teixeira da, “Cartografia e
cartógrafos portugueses”, in Joel Serrão [dir.], Dicionário de
História de Portugal, vol I, Porto, Livraria Ferreirinhas, [s.d.],
pp. 500 506. MOTA, Avelino Teixeira da, CORTESÃO, Armando,
Portugaliae Monumenta Cartographica, 6 vols, Lisboa, 1960.
As linhas loxodrómicas ou rumos, desenhadas radialmente ao longo dos portulanos do Mediterrâneo e do Mar Negro a partir de uma rosa-dos-ventos ou outros pontos de intercepção colocados em diferentes partes do mapa tinham como função corrigir falsas escalas ou falsas orientações inevitáveis numa representação plana da esfera ou parte da esfera.
Estas linhas designavam o curso de navegação do navio levando-o a alcançar um dado ponto na costa caso seguisse sempre a mesma direcção de acordo com os pontos da bússola indicados na rosa-dos-ventos, ou pelo ponto de intercepção de onde irradiavam rumos através do mapa.
Além das terras, essas
cartas representavam também, em preciosas miniaturas, os navios, as plantas e
animais, por vezes até os homens, as cidades e seus monumentos,
constituindo verdadeiras obras-primas.
A cartografia foi
largamente cultivada em Portugal, muitos monumentos cartográficos portugueses
se encontram espalhados por países estrangeiros.
No séc. XVI possuíam,
como nenhuma outra nação, um numeroso escol de cartógrafos, distinguindo-se
entre outros:
Toda esta prodigiosa
actividade científica desenvolvida pelos Portugueses, no séc. XV e XVI mostra:
Que, tanto ou mais do
que à energia individual e à disciplina colectiva, as Descobertas se devem aos
instrumentos náuticos e aos Regimentos de bordo;
Que, a arte de navegar
dos tempos modernos foi uma criação Portuguesa e foi Portugal que então,
se tornou mestre e guia das nações europeias, fornecendo-lhes os indispensáveis
meios para o total conhecimento e domínio do nosso planeta.
Sobre a importância da
obra científica dos Portugueses, nessa época, foi elucidativo o testemunho de
investigadores estrangeiros, como D. Gernez, que depois de mostrar a influência
que a cartografia portuguesa exerceu nos cartógrafos espanhóis, franceses e
holandeses, declarou justamente:
“A constatação de uma
tão grande importância dos trabalhos hidrográficos e cartográficos portugueses
dos séc. XV e XVI deve pois levar os marinheiros de todas as nações a admirar
sem reservas estes demarcáveis trabalhos dos marinheiros e dos cartógrafos de
Portugal que têm sido os primeiros de tantos outros e nos traçam e escalonam as
grandes rotas do comércio mundial”.[A. Martins Afonso].
A
Cartografia náutica portuguesa
Armando
Cortesão definiu quatro grandes marcos na história da ciência
náutica e da cartografia: o desenvolvimento da carta portulano,
no século XIII, no Mediterrâneo;
a invenção da navegação
astronómica e consequente introdução da escala das latitudes nas
cartas, em finais do século XV;
a descoberta da loxodrómia e a sua
representação por uma linha recta na carta desenhada segundo a
projecção de Mercator;
e o aperfeiçoamento do
cronómetro, pelo inglês Harrisson, em finais do século XVIII, que
permitiu a determinação da longitude no mar.
Entre estes passos, o
segundo é quase exclusivamente português, enquanto que em relação
à projecção de Mercator podemos afirmar que ela deve muito aos
estudos realizados pelo grande matemático Pedro Nunes, que descobriu
o conceito de loxodrómia e cuja obra seria certamente conhecida de
Mercator, que nela se teria inspirado para conceber a projecção que
celebrizou o seu nome.
A representação cartográfica dos lugares,
que iam sendo descobertos pelos navegadores dos séculos XV e XVI,
foi fundamental para o estabelecimento de viagens regulares para
esses mesmos locais.
Só com um conhecimento mais ou menos rigoroso
das condições de navegação se pode realizar esta em segurança.
A
cartografia foi, entre diversos outros factores, um dos elementos
fundamentais para o sucesso dos Descobrimentos portugueses.
Herdeira
das escolas cartográficas do Mediterrâneo, centro a partir do qual
se desenvolveu a cartografia na Idade Média, a cartografia
portuguesa teria recebido essa influência a partir da vinda de
Mestre Jaime de Maiorca, a pedido do Infante D. Henrique, durante o
primeiro quartel do século XV.
No entanto, deste século são
conhecidos poucos exemplares cartográficos de origem portuguesa,
embora existam diversas referências nos textos da época que nos
permitem deduzir que as cartas eram uma das ferramentas ao dispor dos
homens do mar de então para garantirem uma navegação mais segura.
Se em relação ao século XV os dados disponíveis sobre a
cartografia produzida em Portugal são escassos, a situação
relativa ao século seguinte é completamente diferente.
São
conhecidas centenas de cartas, reunidas por Avelino Teixeira da Mota
e Armando Cortesão na obra Portugaliae Monumenta Cartographica.
Está
identificada a maioria dos autores destas obras, embora ainda existam
algumas desenhas de cartas sobre as quais não foi possível
descobrir a identidade do cartógrafo que a realizou.
Sendo a
cartografia uma arte, no sentido medieval de trabalho de artesão,
não admira que as técnicas utilizadas no desenho e reprodução
fossem transmitidas de pais para filhos.
Por esta razão encontramos
diversas famílias de cartógrafos como a família Reinel, a família
Homem ou a família Teixeira.
Podemos considerar a existência de
duas grandes vertentes na cartografia daquela época. Por um lado,
uma cartografia de características eminentemente práticas,
destinada a uma utilização a bordo dos navios que, todos os anos,
em largo número, viajavam nas diversas carreiras praticadas pelos
Portugueses. Estas cartas teriam na sua grande maioria destruídas
pela sua utilização normal a bordo desses navios.
O outro tipo de
cartas que seriam produzidas teria um fim diferente. Eram destinadas
a uma utilização sumptuária e decorativa. Tratava se de
autênticas obras de arte. São deste último género praticamente
todas aquelas que chegaram até nós, uma vez que como não foram
usadas a bordo e como eram consideradas preciosidades pelos seus
detentores, foram devidamente conservadas, facto que impediu a sua
destruição.
Uma análise atenta de todos os exemplares
cartográficos portugueses conhecidos datados daqueles séculos
permite nos conhecer alguns elementos sobre a evolução das
técnicas de construção utilizadas e sobre o rigor da informação
contida nas cartas. A técnica base de construção era a das
cartas portulano, caracterizadas por terem uma “rede” de
direcções irradiando a partir de determinados pontos da carta para
que os seus utilizadores pudessem facilmente conhecer a direcção
que unia quaisquer dois locais representados na carta.
A posição de
um navio no mar, em qualquer instante, pode ser conhecida se
soubermos qual a direcção em que ele navegou e qual a distância
percorrida desde uma posição anterior.
Este método é conhecido
entre os historiadores da náutica com de rumo e estima. Daí que
fosse fundamental que as cartas possuíssem os elementos necessários
para que os marinheiros conseguissem marcar essa direcção.
No
entanto, com a progressão das navegações portuguesas, ao longo da
costa africana, as distâncias percorridas no alto mar, sem
avistar terra para rectificar a posição, foram sendo cada vez mais
extensas. Os erros associados à determinação da direcção e da
distância percorrida vão se acumulando ao longo do tempo.
Assim, as posições obtidas recorrendo apenas ao rumo e estima eram
afectadas por erros tanto maiores quanto maior fosse o intervalo de
tempo decorrido para rectificação da posição.
Os Portugueses
resolveram este problema, ainda durante o século XV, adaptando
técnicas astronómicas para uso a bordo dos navios, técnicas essas
que permitiam um conhecimento rigoroso da latitude do navio.
As
cartas passaram a reflectir este avanço que se verificou a nível da
Arte de Navegar, passando a conter uma escala apropriada para
determinação da latitude dos diversos lugares nelas registados.
A
introdução da escala das latitudes e a recolha sistemática de
elementos “hidrográficos” para inserir nas cartas levou a um
aumento do rigor da informação contida nas mesmas.
A representação
do mundo herdada da obra de Ptolomeu foi completamente ultrapassada.
As concepções do grande sábio grego, baseadas em elementos que em
muitos casos não tinham sido confirmados por observações práticas,
foram substituídas por outras que resultavam da observação directa
realizada pelos Portugueses que viajavam com uma frequência cada vez
maior por quase todo o mundo.
Além da sua principal função que
seria a marcação das posições dos navios no mar, as cartas teriam
outro tipo de utilidade. Nelas eram representadas informações
diversas, com intuitos decorativos ou com um interesse prático
bastante acentuado. Serviam, por exemplo, como suporte para
representação de imagens dos habitantes, da fauna e da flora das
terras que iam sendo descobertas. Ou seja, as cartas eram uma das
formas possíveis de representação do exótico, desses mundos
novos, tão ao gosto do homem do Renascimento.
Por outro lado, nas
cartas eram inseridos muitos dos elementos que serviam para a
condução da navegação, tais como representações gráficas ou
tabelares dos regimentos e das regras práticas de que os pilotos se
serviam para determinação de elementos de interesse náutico. Em
muitas delas eram ainda representadas vistas de algumas regiões
costeiras ou ainda informação de interesse político como é o caso
dos elementos que atribuíam a posse de um determinado território a
um dado reino europeu.
A cartografia portuguesa da época das grandes
descobertas servia perfeitamente para as exigências das técnicas de
navegar daquele tempo. No entanto, apresentavam duas grandes
limitações que só posteriormente foram resolvidas, fora de
Portugal.
A primeira tem a ver com a existência duma escala de
longitudes. As cartas portuguesas não apresentavam esta escala pelo
simples facto de a determinação desta coordenada não ser possível
naquele tempo.
O problema apenas foi resolvido no século XVIII.
Quanto à segunda limitação prende se com a representação de
uma superfície esférica num suporte plano.
Uma vez que a Terra tem
uma forma aproximadamente esférica a sua representação sem
distorções apenas é possível sobre um globo.
No século XVI esta
foi uma das hipóteses consideradas pela cartografia.
No entanto, o
uso de globos apresenta duas grandes limitações.
A primeira tem a
ver com as dimensões. Como num globo se representa sempre a
totalidade da superfície terrestre o seu tamanho teria que ser
bastante grande para que fosse possível representar essa superfície
com o detalhe suficiente para que o globo tivesse alguma utilidade, o
que tornava impraticável o seu uso.
Por outro lado, a medição ou o
traçado de direcções ou distâncias sobre uma esfera, fundamental
para o conhecimento da posição do navio, é bastante complexo,
razão pela qual os globos nunca tiveram qualquer utilidade prática
no mar.
Pedro Nunes identificou praticamente todas as limitações
que as cartas daquela época apresentavam na representação da
superfície terrestre. A ele se deve a noção de que a distância
mais curta entre dois pontos da superfície terrestre é uma linha
curva.
Percebeu que a técnica utilizada para marcar direcções nas
cartas implicava que os meridianos fossem paralelos entre si, quando
na realidade eles convergem todos nos pólos.
Compreendeu que devido
a essa convergência uma linha recta representada numa carta, ou seja
uma direcção que faça sempre o mesmo ângulo com todos os
meridianos, não corresponde a uma recta sobre a superfície do globo
mas sim a uma espiral que termina nos pólos.
O resultado dos estudos
de Pedro Nunes tiveram certamente influência no trabalho de Mercator
que concebeu uma projecção que permitiu ultrapassar essas
limitações das cartas daquele tempo. CORTESÃO, Armando, História da Cartografia
Portuguesa, 2 vols., Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar,
1969 1970. MOTA, Avelino Teixeira da, “Cartografia e
cartógrafos portugueses”, in Joel Serrão [dir.], Dicionário de
História de Portugal, vol I, Porto, Livraria Ferreirinhas, [s.d.],
pp. 500 506. MOTA, Avelino Teixeira da, CORTESÃO, Armando,
Portugaliae Monumenta Cartographica, 6 vols, Lisboa, 1960.
"A geografia física: meteorologia e
hidrografia
Encontrado o
tipo de navio e criados os cálculos para navegarem com segurança e certeza, os
Portugueses estudaram o regime dos ventos (direcção, força, variações), o curso
das correntes marítimas, sondaram os mares, dando assim notável incremento aos
estudos meteorológicos e oceanográficos e seu aproveitamento para a ciência das
derrotas.
A prioridade e superioridade, neste campo,
estão igualmente comprovadas na série notável e única de Roteiros, elaborados
por navegadores portugueses, culminando entre todas as suas observações
náuticas, magnéticas, meteorológicas e hidrográficas, diários minuciosos que
contêm, incontestavelmente, o maior e o mais valioso tesouro de tal espécie
(Helman, na sua época).[A. Martins Afonso]
"a ciência náutica peninsular"
Os árabes cultivaram intensamente as ciências geográficas, traduzindo
as principais obras de geografia e astronomia dos autores gregos. Fixados na
Península, ali introduziram essa cultura geográfica e astronómica, à qual se
dedicaram particularmente os judeus peninsulares e depois os cristãos.
Toledo passou a ser, nos séc. XII e XIII, o principal centro cultural
peninsular e na “escola de Toledo” foram traduzidos para latim os textos
árabes, divulgando-se assim as principais obras de Aristóteles, Ptolomeu e
outros autores antigos.
De todas as obras da Antiguidade, foi a Geografia (Almagesto) de Ptolomeu a
que maior influência exerceu na ciência náutica, pois relacionava a Terra com a
esfera celeste.
Entre as obras da escola de Toledo distinguem-se as “Libros del Saber de
Astronomia”, de Afonso X, o Sábio (fins do séc. XIII), que constituiu o ponto
de partida da aplicação prática da astronomia à navegação.
Na Catalunha, grande centro de navegação medieval, Barcelona e Maiorca
tornaram-se os mais antigos focos de arte de navegar, e dali veio Jaime
de Maiorca para mestre dos primeiros cartógrafos do infante D.
Henrique.
De Espanha, veio também, para astrónomo de D. João II, o judeu Abraão
Zacuto autor do Almanach Perpetuum.
A ciência náutica portuguesa teve, assim, as suas primeiras raízes na
cultura astronómica e geográfica dos astrólogos peninsulares e na arte de
navegar dos povos mediterrâneos durante a Idade Média.
Em Portugal, nos princípios do séc. XIV, foram estudadas a astronomia e a
cosmografia como o prova a existência do Almanaque Perdurável e outros
Almanaques (1321-1339) com tábuas astronómicas, uma tábua de longitudes e
latitudes – lonjuras e ladezas – num códice português da Biblioteca Nacional de
Madrid.
Com a “Escola de Sagres”, do infante D. Henrique e, depois, com
a Junta dos Cosmógrafos de D. João II, a ciência náutica tomou em
Portugal um desenvolvimento inigualável, em todas os seus vários aspectos, de
harmonia com as exigências da nossa expansão marítima. Esta implicou a
resolução de uma série de problemas.
A bússola foi inventada pelos chineses mais de 1500 anos antes da época dos descobrimentos. A bússola na idade média indicava até doze regimes de ventos. Os portugueses através da observação e experimentação utilizavam a rosa-dos-ventos, indicando 16 e 32 rumos, e tinham conhecimento da declinação magnética que traduz a diferença entre o Norte magnético e o Norte geográfico, que varia com a longitude. Para diminuir os erros de leitura, a bússola era construída numa caixa e afastada das peças de artilharia, âncoras e outros materiais metálicos.
O astrolábio era um antigo instrumento para medir a altura dos astros acima do horizonte, utilizado na Idade Média para fins astrológicos e astronómicos, era também utilizado para resolver problemas geométricos, como calcular a altura de um edifício ou a profundidade de um poço. O astrolábio náutico foi uma versão simplificada do tradicional e tinha a possibilidade de apenas medir a altura dos astros para determinar a localização em alto mar, que foi sendo aperfeiçoado pelos portugueses, ajustando a graduação de acordo com as tabelas de declinações dos astros e tornando-o mais pesado (em cobre), para melhorar a precisão de leitura.
O Quadrante era um instrumento em madeira, com a forma de um quarto de círculo, com uma escala graduada com a mesma função do astrolábio.
A Balestilha é um instrumento posterior ao astrolábio, tudo indica que teve contribuição portuguesa e foi inspirado no Kamal (balestilha de mouro). Foi um importante auxiliar de orientação em alto mar través da observação das estrelas e do sol. Para medir o sol, a operação era feita de costas para o astro, para não ferir a vista.
Na época dos descobrimentos não existiam relógios. A Ampulheta era um instrumento para medir o tempo e regular toda a vida a bordo. Existiam ampulhetas para tempos de uma, duas ou mais horas, mas as mais usadas eram as de meia hora, também conhecidas por relógio. Ao virar a Ampulheta, o marinheiro tocava o sino: uma badalada às meias horas e par de badaladas à hora.
Para calcular a velocidade, os marinheiros jogavam ao mar um pedaço de madeira amarrado a uma corda cheia de nós, contando o numero de nós que passavam por entre os dedos durante um período de meia hora, medindo o tempo com o auxílio de uma ampulheta colocada no convés. Ainda hoje a velocidade dos navios é medida em "nós".
Os instrumentos náuticos como a bússola, o quadrante e a balestilha, embora conhecidos há muito tempo, alguns desde o século XI, outros desde a Antiguidade, só tiveram utilização corrente a partir do final do século XV.
Ninguém sabe ao certo, no entanto, de quando data a quem tem a prioridade no emprego de um ou de outro desses instrumentos.
O cálculo da latitude era muito impreciso, geralmente feito após o desembarque na terra descoberta, e mesmo assim os erros eram extremamente comuns. De qualquer forma, não se tratava ainda de astronomia aplicada à navegação, pois o cálculo eram feitos em terra firme.
A mais remota notícia de determinação da latitude nos remete a 1462, no registo feito por Diogo Gomes, em sua viagem à costa da Guiné.
Também a latitude tomada por Vasco da Gama, na baía de Santa Helena, a Norte da cidade do Cabo, África do Sul, com o auxílio do astrolábio, tornou-se famosa, o que demonstra que o uso deste aparelho, mesmo em terra, era ainda recente entre os portugueses.
O aparecimento do astrolábio náutico ocorreu em data entre 1480 e 1529 e seu uso corrente nas viagens marítimas é posterior a esse último ano.
Embora a declinação magnética já fosse conhecida, suas variações em diferentes lugares tornava a bússola um instrumento pouco confiável! Os cálculos de longitude eram ainda mais incomuns, mesmo porque o século XVI não conheceu nenhum método prático para cálculo de distância, que continuou sendo feito à estima, sumamente difícil em águas e regiões desconhecidas.
Na verdade, navegantes e marinheiros dos séculos XV e XVI não sabiam exactamente para onde iam e, quando sabiam, não tinham como ter certeza. Navegaram, porém, pois essa insegurança assim como outras, não era vista propriamente como obstáculo, mas como parte dos azares inevitáveis da vida no mar. Navegaram porque o êxito dessas navegações se fez com base na técnica revelada, não na invenção do instrumento náutico, mas na habilidade do seu manuseio, não somente no desenho do barco, mas na perícia do seu manejo e manobra, não no traçado de mapas e portulanos, mas no conhecimento prático dos ventos e das correntes.
Encontrado o
tipo de navio e criados os cálculos para navegarem com segurança e certeza, os
Portugueses estudaram o regime dos ventos (direcção, força, variações), o curso
das correntes marítimas, sondaram os mares, dando assim notável incremento aos
estudos meteorológicos e oceanográficos e seu aproveitamento para a ciência das
derrotas.
A prioridade e superioridade, neste campo,
estão igualmente comprovadas na série notável e única de Roteiros, elaborados
por navegadores portugueses, culminando entre todas as suas observações
náuticas, magnéticas, meteorológicas e hidrográficas, diários minuciosos que
contêm, incontestavelmente, o maior e o mais valioso tesouro de tal espécie
(Helman, na sua época).[A. Martins Afonso]
"a ciência náutica peninsular"
Os árabes cultivaram intensamente as ciências geográficas, traduzindo
as principais obras de geografia e astronomia dos autores gregos. Fixados na
Península, ali introduziram essa cultura geográfica e astronómica, à qual se
dedicaram particularmente os judeus peninsulares e depois os cristãos.
Toledo passou a ser, nos séc. XII e XIII, o principal centro cultural
peninsular e na “escola de Toledo” foram traduzidos para latim os textos
árabes, divulgando-se assim as principais obras de Aristóteles, Ptolomeu e
outros autores antigos.
De todas as obras da Antiguidade, foi a Geografia (Almagesto) de Ptolomeu a
que maior influência exerceu na ciência náutica, pois relacionava a Terra com a
esfera celeste.
Entre as obras da escola de Toledo distinguem-se as “Libros del Saber de
Astronomia”, de Afonso X, o Sábio (fins do séc. XIII), que constituiu o ponto
de partida da aplicação prática da astronomia à navegação.
Na Catalunha, grande centro de navegação medieval, Barcelona e Maiorca
tornaram-se os mais antigos focos de arte de navegar, e dali veio Jaime
de Maiorca para mestre dos primeiros cartógrafos do infante D.
Henrique.
De Espanha, veio também, para astrónomo de D. João II, o judeu Abraão
Zacuto autor do Almanach Perpetuum.
A ciência náutica portuguesa teve, assim, as suas primeiras raízes na
cultura astronómica e geográfica dos astrólogos peninsulares e na arte de
navegar dos povos mediterrâneos durante a Idade Média.
Em Portugal, nos princípios do séc. XIV, foram estudadas a astronomia e a
cosmografia como o prova a existência do Almanaque Perdurável e outros
Almanaques (1321-1339) com tábuas astronómicas, uma tábua de longitudes e
latitudes – lonjuras e ladezas – num códice português da Biblioteca Nacional de
Madrid.
Com a “Escola de Sagres”, do infante D. Henrique e, depois, com
a Junta dos Cosmógrafos de D. João II, a ciência náutica tomou em
Portugal um desenvolvimento inigualável, em todas os seus vários aspectos, de
harmonia com as exigências da nossa expansão marítima. Esta implicou a
resolução de uma série de problemas.
A bússola foi inventada pelos chineses mais de 1500 anos antes da época dos descobrimentos. A bússola na idade média indicava até doze regimes de ventos. Os portugueses através da observação e experimentação utilizavam a rosa-dos-ventos, indicando 16 e 32 rumos, e tinham conhecimento da declinação magnética que traduz a diferença entre o Norte magnético e o Norte geográfico, que varia com a longitude. Para diminuir os erros de leitura, a bússola era construída numa caixa e afastada das peças de artilharia, âncoras e outros materiais metálicos.
O astrolábio era um antigo instrumento para medir a altura dos astros acima do horizonte, utilizado na Idade Média para fins astrológicos e astronómicos, era também utilizado para resolver problemas geométricos, como calcular a altura de um edifício ou a profundidade de um poço. O astrolábio náutico foi uma versão simplificada do tradicional e tinha a possibilidade de apenas medir a altura dos astros para determinar a localização em alto mar, que foi sendo aperfeiçoado pelos portugueses, ajustando a graduação de acordo com as tabelas de declinações dos astros e tornando-o mais pesado (em cobre), para melhorar a precisão de leitura.
O Quadrante era um instrumento em madeira, com a forma de um quarto de círculo, com uma escala graduada com a mesma função do astrolábio.
A Balestilha é um instrumento posterior ao astrolábio, tudo indica que teve contribuição portuguesa e foi inspirado no Kamal (balestilha de mouro). Foi um importante auxiliar de orientação em alto mar través da observação das estrelas e do sol. Para medir o sol, a operação era feita de costas para o astro, para não ferir a vista.
Na época dos descobrimentos não existiam relógios. A Ampulheta era um instrumento para medir o tempo e regular toda a vida a bordo. Existiam ampulhetas para tempos de uma, duas ou mais horas, mas as mais usadas eram as de meia hora, também conhecidas por relógio. Ao virar a Ampulheta, o marinheiro tocava o sino: uma badalada às meias horas e par de badaladas à hora.
Para calcular a velocidade, os marinheiros jogavam ao mar um pedaço de madeira amarrado a uma corda cheia de nós, contando o numero de nós que passavam por entre os dedos durante um período de meia hora, medindo o tempo com o auxílio de uma ampulheta colocada no convés. Ainda hoje a velocidade dos navios é medida em "nós".
Os instrumentos náuticos como a bússola, o quadrante e a balestilha, embora conhecidos há muito tempo, alguns desde o século XI, outros desde a Antiguidade, só tiveram utilização corrente a partir do final do século XV.
Ninguém sabe ao certo, no entanto, de quando data a quem tem a prioridade no emprego de um ou de outro desses instrumentos.
O cálculo da latitude era muito impreciso, geralmente feito após o desembarque na terra descoberta, e mesmo assim os erros eram extremamente comuns. De qualquer forma, não se tratava ainda de astronomia aplicada à navegação, pois o cálculo eram feitos em terra firme.
A mais remota notícia de determinação da latitude nos remete a 1462, no registo feito por Diogo Gomes, em sua viagem à costa da Guiné.
Também a latitude tomada por Vasco da Gama, na baía de Santa Helena, a Norte da cidade do Cabo, África do Sul, com o auxílio do astrolábio, tornou-se famosa, o que demonstra que o uso deste aparelho, mesmo em terra, era ainda recente entre os portugueses.
O aparecimento do astrolábio náutico ocorreu em data entre 1480 e 1529 e seu uso corrente nas viagens marítimas é posterior a esse último ano.
Embora a declinação magnética já fosse conhecida, suas variações em diferentes lugares tornava a bússola um instrumento pouco confiável! Os cálculos de longitude eram ainda mais incomuns, mesmo porque o século XVI não conheceu nenhum método prático para cálculo de distância, que continuou sendo feito à estima, sumamente difícil em águas e regiões desconhecidas.
Na verdade, navegantes e marinheiros dos séculos XV e XVI não sabiam exactamente para onde iam e, quando sabiam, não tinham como ter certeza. Navegaram, porém, pois essa insegurança assim como outras, não era vista propriamente como obstáculo, mas como parte dos azares inevitáveis da vida no mar. Navegaram porque o êxito dessas navegações se fez com base na técnica revelada, não na invenção do instrumento náutico, mas na habilidade do seu manuseio, não somente no desenho do barco, mas na perícia do seu manejo e manobra, não no traçado de mapas e portulanos, mas no conhecimento prático dos ventos e das correntes.
A declinação magnética e os Descobrimentos Portugueses
por
Lusitanian Express, em 21.03.16, Luís D. Lopes
fonte:
O magnetismo é um dos fenómenos mais
particulares do planeta Terra. Devido às correntes eléctricas que são criadas
no seu núcleo líquido composto por ferro e níquel, a Terra cria o seu próprio
campo magnético, comportando-se como um gigantesco íman com dois pólos, um pólo
norte e um pólo sul, que não estão alinhados com os pólos geográficos.
Na realidade, o pólo norte e sul
magnéticos estão invertidos face aos pólos geográficos, mas, por
convenção, chamamos de pólo norte de uma agulha magnetizada a
extremidade da mesma que aponta para a região próxima do pólo norte
geográfico.
Sabemos dos nossos tempos de escola que
pólos de mesmo nome se repelem e de nomes contrários se atraem. Ou seja, se o
pólo norte de uma agulha magnetizada aponta para uma região próxima do pólo
norte geográfico é porque nessa região existe um pólo sul magnético, daqui
resultando obviamente que o pólo norte magnético (para onde aponta o pólo sul
da agulha magnetizada) se encontra próximo do pólo sul geográfico.
Foi a utilização da agulha magnética que
originou a extraordinária evolução que se verificou na navegação marítima no
século XI. Os pilotos deixaram de se «orientar» pela linha de costa, passando a
«nortear» o caminho do navio pela agulha e linhas de rumo magnéticas dispostas
nas cartas marítimas de então.
As primitivas agulhas de marear eram de
ferro e tinham uma forma que se assemelhava uma grande agulha de costura,
em cada extremidade podiam existir uma ou duas pontas, e eram estas pontas
que se magnetizavam (cevavam), isto é, que se tocavam com uma pedra
íman. Eram colocadas a flutuar em recipientes com água, rodando e indicando o
norte magnético.
Nas cartas marítimas dos séculos XI, XII e
XIII, o Levante, o Leste ou o Oriente simbolizado pela cruz que assinalava a
Terra Santa, foi sendo progressivamente substituído pelo Norte assinalado pela
flor-de-lis.
por
Lusitanian Express, em 21.03.16, Luís D. Lopes
fonte:
O magnetismo é um dos fenómenos mais
particulares do planeta Terra. Devido às correntes eléctricas que são criadas
no seu núcleo líquido composto por ferro e níquel, a Terra cria o seu próprio
campo magnético, comportando-se como um gigantesco íman com dois pólos, um pólo
norte e um pólo sul, que não estão alinhados com os pólos geográficos.
Na realidade, o pólo norte e sul
magnéticos estão invertidos face aos pólos geográficos, mas, por
convenção, chamamos de pólo norte de uma agulha magnetizada a
extremidade da mesma que aponta para a região próxima do pólo norte
geográfico.
Sabemos dos nossos tempos de escola que
pólos de mesmo nome se repelem e de nomes contrários se atraem. Ou seja, se o
pólo norte de uma agulha magnetizada aponta para uma região próxima do pólo
norte geográfico é porque nessa região existe um pólo sul magnético, daqui
resultando obviamente que o pólo norte magnético (para onde aponta o pólo sul
da agulha magnetizada) se encontra próximo do pólo sul geográfico.
Foi a utilização da agulha magnética que
originou a extraordinária evolução que se verificou na navegação marítima no
século XI. Os pilotos deixaram de se «orientar» pela linha de costa, passando a
«nortear» o caminho do navio pela agulha e linhas de rumo magnéticas dispostas
nas cartas marítimas de então.
As primitivas agulhas de marear eram de
ferro e tinham uma forma que se assemelhava uma grande agulha de costura,
em cada extremidade podiam existir uma ou duas pontas, e eram estas pontas
que se magnetizavam (cevavam), isto é, que se tocavam com uma pedra
íman. Eram colocadas a flutuar em recipientes com água, rodando e indicando o
norte magnético.
Nas cartas marítimas dos séculos XI, XII e
XIII, o Levante, o Leste ou o Oriente simbolizado pela cruz que assinalava a
Terra Santa, foi sendo progressivamente substituído pelo Norte assinalado pela
flor-de-lis.
A utilização da agulha magnética na
navegação marítima está também na origem do aparecimento da rosa-dos-ventos nas
cartas marítimas. A rosa-dos-ventos corresponde à volta completa do horizonte e
surgiu da necessidade de indicar exactamente um sentido ou direcção nas cartas
marítimas.
Dos oito rumos das primitivas
rosas-dos-ventos, que indicavam os pontos cardeais e os inter-cardiais ou
quadrantais, passou-se, posteriormente, aos 16 rumos, que referenciavam os
pontos colaterais ou meias partidas, tendo-se generalizado, já no
século XV, as agulhas de 32 rumos ou quartas.
Da divisão dos 360 graus pelos 32
intervalos, resultaram outros tantos ângulos de 11,25 graus, ou 11º 15’ (onze
graus e quinze minutos), a que se deu o nome de quartas.
Consideramos que o erro mínimo cometido no governo (condução) do navio seria na
ordem dos 5 a 6 graus, valor equivalente a meia quarta, que seria
eventualmente a melhor definição (interpolação) visual de rumo que se poderia
obter da leitura da rosa. Definições de rumos na ordem de quartos de
quarta parece-nos serem absolutamente impossíveis de considerar na
perspectiva do governo dos navios de então.
Tentando fazer a correspondência com os
dias de hoje, um rumo para Norte (360º) seria governado eficazmente pelo homem
do leme das naus do século XV, com a rosa-dos-ventos apontando ao norte, à
flor-de-lis, no entanto um rumo de 7 ou 8 graus já seria de muito difícil
governo, na prática seria governado pela primeira quarta para leste.
A interpolação visual que seria
obrigatoriamente feita pelo homem do leme era efectivamente difícil, não
esquecendo as dificuldades na leitura da agulha de marear colocadas pelo
próprio balanço do navio.
A introdução
do pináculo vertical
A eficácia da agulha magnética aumentou
notavelmente quando a rosa-dos-ventos, gravada em cartão e em cuja face
superior se encontrava inscrito o Norte em forma de flor-de-lis,
passou a ser suportada, no seu centro de gravidade, por um fino pináculo
vertical.
Na base deste cartão circular, na
superfície inferior, encontravam-se dispostos dois pequenos ferros (na realidade,
seria mais correcto que fossem denominados como arames) temporariamente
magnetizados, alinhados com a direcção Norte-Sul (magnética) do local de
construção e montagem do conjunto ou do local onde os ferros eram sujeitos ao
processo de magnetização. Desta forma, o conjunto que constituia a agulha de
marear alinhava naturalmente no eixo definido pelos ferros. O conjunto formado
pela rosa-dos-ventos e pelos ferros tinha movimento isolado do movimento do
navio.
Porquê dois
ferros magnetizados?
Os autores e navegantes portugueses da
época (João de Lisboa e André Pires, por exemplo) referem-se sempre "aos
ferros" daqui se inferindo que utilizavam agulhas com dois
ferros ligados ao cartão da rosa-dos-ventos.
A utilização de um só ferro por
debaixo do cartão da rosa-dos-ventos era uma operação complicada, considerando
a existência do pináculo vertical. Este teria forçosamente de atravessar o
ferro, de forma a manter o equilíbrio e a simetria de todo o conjunto. Esta
dificuldade técnica na construção da agulha de marear deverá ter sido um dos
factores que conduziu à introdução das agulhas com dois ferros magnetizados.
Simão de Oliveira (1606) sobre a
construção de uma agulha magnética:
“…se
tomarão dois fios de aço delgado, limpos e todos eguais, os quais dobrados de
modo a que fiquem juntos nas pontas e largos no meio, se porão as suas pontas debaixo
do rumo Norte Sul…”
A curvatura que os dois fios de aço
apresentavam teria como objectivo permitir a passagem do pináculo
vertical onde o centro da rosa-dos-ventos estava apoiado. A forma como os dois
ferros eram montados ou colocados (a sua orientação em relação à
rosa-dos-ventos) por debaixo do cartão da rosa-dos-ventos iria ser um factor absolutamente
crítico nos resultados obtidos na navegação marítima, como iremos verificar
mais adiante.
É
curioso notar que com esta disposição, as extremidades dos ferros se repeliam
entre si (pólos iguais repelem-se) mas esta repulsão não diminuía a
eficácia das agulhas de marear pois esse movimento de repulsão era
cancelado considerando que os ferros estavam colocados de forma fixa na
rosa-dos-ventos.
É
curioso notar que com esta disposição, as extremidades dos ferros se repeliam
entre si (pólos iguais repelem-se) mas esta repulsão não diminuía a
eficácia das agulhas de marear pois esse movimento de repulsão era
cancelado considerando que os ferros estavam colocados de forma fixa na
rosa-dos-ventos.
Como estes ferros não eram ímanes permanentes,
tinham que ser periodicamente sujeitos a uma operação de magnetização,
utilizando-se para o efeito um íman natural que existia a bordo, a que se dava
o nome de pedra de cevar, designando, assim, a operação destinada a
conferir-lhes magnetização.
Para magnetizar uma barra de ferro de
forma temporária basta deslizar um íman sobre a barra da ponta A em direcção à
outra ponta B, repetidas vezes, sempre de A para B, criando temporariamente um
campo magnético pelo que a operação de magnetizar tem que ser repetida diversas
vezes de acordo com a utilização que se pretende dar a essa barra de ferro.
As pedras de cevar usadas a bordo das
embarcações portuguesas eram normalmente provenientes do Alvito, no Alentejo.
As pedras de cevar eram na realidade magnetites, que são cristais com
alto teor de ferro e com propriedades magnéticas, sendo o mineral existente no
nosso planeta com maiores capacidades magnéticas. Estas propriedades
magnéticas foram adquiridas por estas pedras ao longo dos milhares de anos que
permaneceram depositadas nos locais onde eram posteriormente recolhidas. As
características magnéticas das pedras de cevar resultavam do efeito do campo
magnético local.
Diz João de Lisboa, no Capítulo VII
– Regra para saberes cevar a tua agulha de marear – do Tratado
da Agulha de Marear de 1514 (que iremos diversas vezes abordar ao longo destas
publicações):
“…e para
bem cevar a minha agulha de marear, tomarei a pedra de cevar a qual com um
relógio mo tira bem ao norte da dita pedra; e depois de o ter achado olharei a marca que tem a pedra para o norte e tocá-la-ei com a
ponta do ferro da rosa…”
João de Lisboa descreve desta forma o
processo de cevar das agulhas. Uma vez magnetizado o ferro, a agulha magnética
iria estabilizar na direcção do norte magnético. Repare-se que numa primeira
instância a necessidade de se conhecer a direcção do norte geográfico (João de
Lisboa desconhecia que existia um norte magnético) e o respectivo alinhamento
da pedra de cevar - "ao norte da dita pedra" - tinha
como preocupação resolver a ambiguidade que poderia resultar na magnetização
dos ferros, evitando que a flor-de-lis da agulha magnética pudesse apontar
para o sul e não para o norte, situação que poderia acontecer visto a agulha
alinhar com o “meridiano” magnético.
O processo passava por determinar a
direcção do Norte (geográfico) através de um relógio de sol, processo muito
simples mesmo considerando que a informaçao fornecida pelos relógios de sol só
era válida nos locais onde eram construídos. Identificada a direcção do Norte,
procedia-se à magnetização dos ferros tocando-os com a extremidade correcta da
magnetite.
Desconhecia-se que existia um norte
magnético, mas já se sabia, embora não fosse conhecida a razão para tal
fenómeno, que localmente (onde era efectuada a operação de cevar) se detectava
um desvio entre o norte da agulha e o norte geográfico, excepto se a declinação
fosse nula, situação em que o norte magnético coincide com o norte geográfico.
Na realidade, para o observador a agulha não se fixava nos
“pólos”, excepto se a declinação magnética local fosse nula.
“Ainda até
agora se não deu na causa porque esta pedra de cevar não atira direita ao pólo
do mundo, e nem por que atira para o norte, muitos dão muitas razões, mas
nenhuma delas acerta” - Manuel de Figueiredo (Chronographia e
repertório dos tempos, 1603)
por
Lusitanian Express, em 21.03.16, Luís D. Lopes
fonte:
As
massas de ferro que existem nos navios adquirem durante a fase de
construção dos mesmos (ou caso os navios estejam imobilizados no
mesmo local muito tempo) uma magnetização por influência do campo
magnético local. Assim surge o fenómeno do desvio
da
agulha que é causado pelo campo magnético do próprio navio, e
varia conforme a proa (direcção/rumo) do navio. Estes desvios são
passíveis de ser eliminados ou reduzidos através de operações de
compensação da agulha, tentando fazer com que apenas o campo
magnético terrestre actue sobre a agulha magnética.
Este
processo de compensação (que não iremos aprofundar) era
inexistente nos tempos das descobertas portuguesas, mas também se
pode concluir que até à introdução generalizada das peças de
artilharia (canhões) a bordo, o valor do desvio da agulha seria
muito pequeno ou insignificante, pela ausência de quantidades
significativas de massas de ferro a bordo dos navios de então. Os
ferros de fundear (as âncoras) seriam uma das poucas excepções a
esta ausência de significativas massas de ferro a bordo.
Por outro lado deveremos também fazer
referência às anomalias magnéticas locais, que estão relacionadas com
perturbações causadas por rochas magnetizadas na crusta terrestre que interferem no campo
magnético, afastando o seu valor do valor médio previsto para uma determinada
área. É de toda a justiça recordar que um dos primeiros exploradores/navegadores
a detectar este fenómeno das anomalias locais (sem o compreender) foi o grande
explorador português D. João de Castro (*), no século XVI.
(*) - D. João de Castro também
detectou o efeito que as peças de artilharia tinham sobre a estabilidade das
agulhas de marear
D.
João de Castro, no dia 22 de Dezembro de 1538, registou no Roteiro
de Goa a Diu a sua surpresa por ter encontrado acentuada diferença
entre as leituras observadas na agulha de marear obtidas em dois
lugares vizinhos, nos arredores de Baçaim, concluindo só poder ser
atribuída esta diferença ao facto de ter feito as leituras «muito
chegado com a terra, onde tinha por vizinho um rochedo e penadia»,
e a possível natureza férrea dos penedos atrair «para
si o ferro da agulha».
Podemos
então resumir tudo desta forma:
Variação
Total = Declinação magnética local + Campo Magnético do navio
Rumo
verdadeiro = Rumo da Agulha Magnética + Variação Total
Em
termos práticos, o rumo verdadeiro é efectivamente o rumo real ou o
"caminho" navegado ou percorrido. Existe uma palavra
inglesa que define na perfeição o rumo verdadeiro, o "tracking".
O rumo definido pela agulha, seja esta magnética ou de outra
natureza, tem a designação inglesa de "heading",
e que significa direcção. Repare-se que na navegação marítima e
aérea, a diferença observada entre o tracking e
o heading é
também afectada por factores como as marés e os ventos (o
efeito provocado por estes últimos é muito importante na navegação
aérea).
Nos
próximos textos vamos apenas abordar a declinação magnética e o
seu efeito nas agulhas de marear nos séculos XV e XVI, ignorando o
efeito do próprio campo magnético do navio.
Assim,
utilizaremos a seguinte igualdade:
Rumo
Verdadeiro = Rumo da Agulha + Declinação magnética
por
Lusitanian Express, em 21.03.16, Luís D. Lopes
fonte:
As
massas de ferro que existem nos navios adquirem durante a fase de
construção dos mesmos (ou caso os navios estejam imobilizados no
mesmo local muito tempo) uma magnetização por influência do campo
magnético local. Assim surge o fenómeno do desvio
da
agulha que é causado pelo campo magnético do próprio navio, e
varia conforme a proa (direcção/rumo) do navio. Estes desvios são
passíveis de ser eliminados ou reduzidos através de operações de
compensação da agulha, tentando fazer com que apenas o campo
magnético terrestre actue sobre a agulha magnética.
Este
processo de compensação (que não iremos aprofundar) era
inexistente nos tempos das descobertas portuguesas, mas também se
pode concluir que até à introdução generalizada das peças de
artilharia (canhões) a bordo, o valor do desvio da agulha seria
muito pequeno ou insignificante, pela ausência de quantidades
significativas de massas de ferro a bordo dos navios de então. Os
ferros de fundear (as âncoras) seriam uma das poucas excepções a
esta ausência de significativas massas de ferro a bordo.
Por outro lado deveremos também fazer
referência às anomalias magnéticas locais, que estão relacionadas com
perturbações causadas por rochas magnetizadas na crusta terrestre que interferem no campo
magnético, afastando o seu valor do valor médio previsto para uma determinada
área. É de toda a justiça recordar que um dos primeiros exploradores/navegadores
a detectar este fenómeno das anomalias locais (sem o compreender) foi o grande
explorador português D. João de Castro (*), no século XVI.
(*) - D. João de Castro também
detectou o efeito que as peças de artilharia tinham sobre a estabilidade das
agulhas de marear
D.
João de Castro, no dia 22 de Dezembro de 1538, registou no Roteiro
de Goa a Diu a sua surpresa por ter encontrado acentuada diferença
entre as leituras observadas na agulha de marear obtidas em dois
lugares vizinhos, nos arredores de Baçaim, concluindo só poder ser
atribuída esta diferença ao facto de ter feito as leituras «muito
chegado com a terra, onde tinha por vizinho um rochedo e penadia»,
e a possível natureza férrea dos penedos atrair «para
si o ferro da agulha».
Podemos
então resumir tudo desta forma:
Variação
Total = Declinação magnética local + Campo Magnético do navio
Rumo
verdadeiro = Rumo da Agulha Magnética + Variação Total
Em
termos práticos, o rumo verdadeiro é efectivamente o rumo real ou o
"caminho" navegado ou percorrido. Existe uma palavra
inglesa que define na perfeição o rumo verdadeiro, o "tracking".
O rumo definido pela agulha, seja esta magnética ou de outra
natureza, tem a designação inglesa de "heading",
e que significa direcção. Repare-se que na navegação marítima e
aérea, a diferença observada entre o tracking e
o heading é
também afectada por factores como as marés e os ventos (o
efeito provocado por estes últimos é muito importante na navegação
aérea).
Nos
próximos textos vamos apenas abordar a declinação magnética e o
seu efeito nas agulhas de marear nos séculos XV e XVI, ignorando o
efeito do próprio campo magnético do navio.
Assim,
utilizaremos a seguinte igualdade:
Rumo
Verdadeiro = Rumo da Agulha + Declinação magnética
Orientação dos ferros face à rosa-dos-ventos
por
Lusitanian Express, em 21.03.16, Luís D. Lopes
fonte:
Sabemos que os ferros que faziam
parte do conjunto de elementos que compunham a agulha de marear não eram ímanes
permanentes, necessitavam de ser periodicamente magnetizados, utilizando-se
para o efeito um íman natural que existia a bordo, efectuando-se o cevar da
agulha, operação destinada a conferir magnetização aos referidos ferros.
É importante destacar que as características
magnéticas das pedras de cevar que eram levadas a bordo, resultavam do
efeito do campo magnético do local onde estas pedras estiveram depositadas
ao longo de muitos milhares de anos.
Concluída a operação de
cevar, a flor-de-lis alinhava com a direcção
Norte-Sul (pólos magnéticos) dos ferros. A agulha ficaria ou não fixa
nos pólos em função do valor da declinação magnética no local.
Deve ser salientado que desde longa data que existiam processos que permitiam
determinar a direcção do norte geográfico, como por exemplo através das sombras
na culminação do Sol ou pelo culminar da Polar, processos que serão detalhados
noutros capítulos.
Em relação à disposição dos ferros
(ímanes) face à flor-de-lis (norte da rosa-dos-ventos) vamos identificar duas
situações possíveis nas agulhas da época:
Agulhas com os ferros ferrados na flor-de-lis, resultando que
a orientação da rosa-dos-ventos era exactamente igual à orientação dos ferros,
com estes permanentemente alinhados com a direcção Norte-Sul gravada na
rosa-dos-ventos, a flor-de-lis. A flor-de-lis apontava sempre na
direcção do norte magnético;
Agulhas com os ferros ferrados fora da
flor-de-lis, enquanto os ferros magnetizados alinhavam
naturalmente com o norte magnético, o cartão da rosa-dos-ventos era rodado
de tal forma que a flor-de-lis apontava ao norte geográfico no local de
construção e montagem da agulha. Os ferros faziam um ângulo com a flor-de-lis
cujo valor era igual ao valor(*) da declinação magnética. Na realidade,
estas agulhas tinham um factor de correcção para a declinação magnética mas
esse factor de correcção era apenas válido precisamente no local de construção
e montagem da agulha (ou quando se cevavam os ferros), isto porque a declinação
varia conforme a localização geográfica e com o tempo.
(*) - tal como já referido, na realidade o
ângulo observado resultava do efeito combinado da declinação magnética no
local, de eventuais anomalias magnéticas locais e do campo magnético do navio.
As agulhas de marear com os ferros ferrados
na flor-de-lis foram utilizadas pelos Portugueses, de forma
generalizada, seguramente ainda antes do século XVI. A não utilização das
agulhas com os ferros ferrados fora da flor-de-lis, em oposição às genovesas,
poderá ter sido motivada pelo facto de que no nosso território e nos mares
navegados pelos portugueses durante grande parte do século XV, a declinação
magnética era muito pequena, quase residual. O Sol culminava praticamente no
Norte (ou Sul) magnético. O desvio existente entre o Norte Geográfico e
Magnético seria de muito difícil detecção, se considerarmos que as agulhas
de marear estavam dividas em quartas. Em termos práticos, as navegações dos
marinheiros na costa portuguesa e no norte da África era feita utilizando rumos
que poderemos considerar como verdadeiros. Esta terá sido a principal razão
para a excepcional qualidade das cartas marítimas portuguesas da época, tema
que aprofundaremos num outro texto.
Fenómeno da
declinação magnética desconhecido ou ignorado
Na fase de montagem de uma agulha de
marear, e após a operação de cevar, não se conhecendo que existia um desvio
face à direcção do Norte geográfico (ou sendo o desvio observado localmente
muito pequeno), optava-se por rodar o cartão da rosa até a flor-de-lis
coincidir com a direcção definida pelos ferros magnetizados (ferros
eram então ferrados na flor-de-lis).
Se a declinação magnética fosse igual a
15ºW, caso o piloto da embarcação decide-se governar para norte (360º) na
realidade a embarcação iria navegar por 345º. A navegação estimada do
piloto teria logo um erro inicial de 15º em relação ao rumo.
A equação é simples:
Rumo
verdadeiro = Rumo da agulha + declinação (+ E, - W)
360⁰ – 15⁰ (w) = 345⁰
Vejamos com mais detalhe:
Considerando não existir mais nenhum
efeito (vento, correntes marítimas, mau governo, etc.) além da declinação
magnética, o navegador iria calcular (e colocar na carta de marear) a sua
posição estimada segundo um rumo de 360 graus, à velocidade Y durante X tempo,
e estaria a cometer um erro que é representado na figura nº 22. Não devemos
ignorar que a velocidade também era estimada.
Fig. nº 22 – Erros de estima
Assumindo uma hipotética viagem entre os
pontos A e B, cujo rumo seria sempre igual a 270 graus, e caso a declinação
variasse no intervalo entre 5 graus oeste e 5 graus leste, os resultados
obtidos, em termos de rumos verdadeiros, seriam os seguintes:
Como
se pode facilmente compreender, a variação da declinação
magnética poderia acabar por compensar os erros cometidos em fases
anteriores de navegação estimada (ver matriz acima) mas nem sempre
era assim. Os desvios iniciais poderiam ser anulados pelos desvios
finais mas isso dependia muito da forma como a declinação variava
ao longo da viagem.
Norte
Geográfico conhecido
Conhecida a direcção do norte geográfico
e caso a declinação magnética local fosse sensivelmente diferente de zero,
ao rodar o cartão da rosa-dos-ventos até que a flor-de-lis coincidisse
com a direcção definida pelos ferros magnetizados verificava-se que a
agulha não “estava fixa” nos pólos, o norte geográfico
não estava na mesma direcção da flor-de-lis da rosa. (fig. nº23).
Fig. nº23 – Agulha não estava fixa nos
pólos
Verificada a diferença rodava-se o cartão
pelo valor desta diferença, ou seja até que a flor-de-lis ficasse a apontar
para o norte geográfico (fig. nº24). Concluída esta rotação, os ferros
eram fixados (ferrados) na parte inferior do cartão da rosa-dos-ventos. (ferros
ferrados fora da flor-de-lis).
Fig.
nº24 – Flor-de-lis coincidente com os pólos
Através deste
engenhoso processo de correcção da declinação magnética, na leitura na
rosa-dos-ventos a flor-de-lis coincidia com os pólos. A flor-de-lis estaria desviada para leste ou para oeste em relação à
direcção definida pelos ferros magnetizados caso o norte magnético estivesse
para oeste ou para leste do norte geográfico.
Os ferros eram então fixados (ferrados) na
rosa-dos-ventos com um desvio permanente em relação à flor-de-lis. Esta
correcção seria eficaz caso a declinação magnética fosse constante.
Os responsáveis pela montagem e instalação
deste tipo de agulhas de marear, ao anular o efeito da declinação magnética
local, estavam a fazer com que temporariamente os rumos
navegados através destas bússolas fossem verdadeiros, situação que
se mantia enquanto o valor da declinação magnética não alterasse (com o
local e com o tempo).
Vamos novamente considerar uma hipotética
viagem entre os pontos A e B. Sendo a declinação do local de partida (A) igual
a 5 graus Oeste, vamos considerar que esta correcção foi introduzida na agulha
de marear, ou seja os ferros foram ferrados na rosa-dos-ventos de uma forma tal
que a flor-de-lis ficou a apontar para o norte geográfico, fazendo um ângulo de
5 graus (para leste) com o norte da agulha (fig. nº25).
Fig. nº25 – Declinação 5º Oeste
Recordemos que na viagem entre os pontos A
e B, o rumo será sempre igual a 270 graus, e a declinação irá variar no
intervalo entre 5 graus oeste e 5 graus leste.
Rumo
verdadeiro = Rumo da agulha + declinação (+ E, - W) + factor de correcção
Como se pode verificar, os rumos iniciais
aproximam-se do rumo verdadeiro mas esta situação deteriora-se com a alteração
continuada da declinação.
Na época não se conhecia a existência da
declinação magnética, e que esta variava de acordo com os diversos locais por
onde o navio iria navegar e com o tempo. Se a declinação magnética fosse única
e constante, então este tipo de agulhas forneceria sempre rumos verdadeiros.
Existem evidências que indicam que a
operação de rodar o cartão da rosa-dos-ventos era efectuada a bordo, durante a
vida útil da agulha.
“…e porque os antigos não sentiram esta
variação, andavam mudando os ferros das agulhas fora da flor de liz,
para que naqueles meridianos onde as cevavam fossem fixas nos pólos do mundo;
e por esta razão achamos nas cartas todas as costas falsas por uma quarta e por
duas” -. João de Lisboa, Tratado da Agulha de Marear, 1514.
Noutro texto iremos aprofundar o
significado desta afirmação, mas João de Lisboa deixa claro que após cada operação
de cevar, a orientação da rosa-dos-ventos era ajustada constituindo
um factor de correcção que acompanhava a agulha de marear enquanto ela
fosse sendo utilizada até nova operação de cevar. Os ferros eram fixados
(ferrados) com um determinado ângulo face à flor-de-lis e assim permaneciam
durante algum tempo.
João
de Lisboa foi um dos grandes pilotos portugueses na época em que viveu, e
atendendo às datas e factos conhecidos da sua vida terá seguramente nascido na
segunda metade do século XV, muito provavelmente entre 1470 e 1480. Ficou
imortalizado na História dos Descobrimentos Portugueses por ser o autor de um
livro de Marinharia que continha o célebre Tratado da Agulha de Marear de 1514.
A
datação do Livro de Marinharia constitui um enorme desafio visto conter mapas
cujas datas de publicação são consideravelmente posteriores a 1514.
Existem
bons indícios que terá participado na expedição à costa brasileira, em 1501,
capitaneada por Gonçalo Coelho. A sua passagem por terras brasileiras é quase uma certeza pois em várias
cartas do século XVI se encontra referenciado, no norte do Brasil, um rio com o
seu nome.
Em
1506 João de Lisboa terá partido para o Oriente, não se sabe
se pela segunda vez, na armada de Tristão da Cunha.
Em
data incerta (1513?) foi nomeado piloto-mor de Portugal e participou, na
expedição contra Azamor, comandada
pelo duque de Bragança, D. Jaime.
Após
a elaboração do Tratado em 1514, parte novamente para a Índia em 1518, na
armada que transportou o governador Diogo Lopes de Sequeira.
Entre
1521 e 1525 terá feito outras viagens à Índia, tendo sido nomeado piloto mor da navegação da Índia e mar
oceano, com a morte de Gonçalo Álvares
por carta de 12 de Janeiro de 1525. Voltou a embarcar para o Oriente onde
provavelmente faleceu, em 1526, isto pelo facto de o seu cargo ter sido entregue,
em 15 de Novembro desse mesmo ano, a Fernão de Afonso.
A
leitura do “Tratado da Agulha de Marear”
de João de Lisboa, incorporado num documento mais extenso,
o Tratado de Marinharia, oferece sérias dificuldades na compreensão da
linguagem técnica utilizada, não esquecendo as dificuldades resultantes dos
erros que foram sendo introduzidos e acumulados por sucessivos copistas deste
Tratado.
A
participação de João de Lisboa
na elaboração do Tratado de Marinharia parece estar mais focada no papel
de compilador de diversas fontes, sendo forte a possibilidade de João de
Lisboa ter trabalhado sobre um conjunto de
documentos mais antigos que estariam incompletos, associando o seu nome apenas
ao Tratado da Agulha de Marear.
Sendo
um documento de grande importância e significado, a mais antiga versão que se
dispõe data de meados de Quinhentos quando o tratado é de 1514, o que significa
que existirão diversas cópias entre o original e a cópia mais antiga que
dispomos. A obtenção de um texto tanto quanto possível mais próximo do original
deve-se em grande medida ao extraordinário esforço do Prof. Dr. Luís
Albuquerque, através de comparações entre cópias existentes e a leitura de
outros manuscritos que reproduzem, com variações e alterações, parágrafos ou
capítulos inteiros da obra. Este trabalho terá permitido recuperar capítulos
omissos em cópias mais antigas.
Na
página 26 do Tratado de Marinharia surge a primeira indicação sobre a sua data:
“Aqui se começa o tratado da agulha de
marear achado por João
de Lisboa no ano de 1514 - pelo que se pode saber em qualquer parte que
homem estiver quanto é arredado do meridiano verdadeiro pelo variar das
agulhas.
Muito
provavelmente, João de Lisboa,
durante o processo de elaboração do seu Tratado, poderá ter tido acesso a
documentos mais antigos e incompletos, pelo que é muito provável que sejam
diversos os inspiradores do texto do tratado, nomeadamente o piloto Perô Anes e um cosmógrafo alemão conhecido por Mestre Diogo. A contribuição de Perô Anes no Regimento do Cruzeiro do Sul (incorporado no
Tratado de João de Lisboa) é normalmente considerada como indiscutível.
No
Tratado da Agulha de Marear, João de
Lisboa tenta sustentar a (falsa) teoria segundo
a qual as linhas isogónicas teriam
uma correspondência directa com os meridianos terrestres. Segundo esta teoria,
a declinação magnética estava directamente relacionada com a longitude através
de uma simples regra de proporcionalidade de acordo com o desvio para nordeste ou noroeste que as agulhas apresentavam em relação ao meridiano dos
pólos, o meridiano “vero”, a linha agónica, linha que une todos os
lugares onde a declinação magnética é nula. Na defesa desta teoria, João de
Lisboa aborda temas como a Agulha de Marear, a
esfericidade da Terra, não esquecendo os processos astronómicos que permitiam
identificar o Norte Geográfico, destacando-se neste conjunto de processos o Regimento do Cruzeiro do Sul.
Como
já referimos, conhecida a direcção do Norte geográfico e se a declinação
magnética local fosse diferente de zero, era possível verificar que a
agulha não “estava
fixa” nos pólos, o Norte geográfico não estava na mesma direcção da
agulha. Isto significa que as agulhas “noroesteavam” (desviavam para
oeste) ou “nordesteavam” (desviavam para leste) em relação à flor-de-lis
(ferros fora da
flor-de-lis) ou em relação ao Norte geográfico (ferros na flor-de-lis).
Recordemos
a seguinte regra:
se
a declinação é Leste então o Norte magnético está para Leste do Norte
geográfico, se a declinação for Oeste então o Norte magnético está para Oeste
do Norte geográfico.
Afirma
João de Lisboa logo no início do Tratado da Agulha:
““Primeiramente
hás-de saber que as agulhas todas, assim genovesas como flamengas, nordesteam e
noroesteam segundo o lugar onde estão…porém hás de saber que umas [agulhas] fazem mais afastamento que outras, por serem feitas umas mais orientais e outras mais
ocidentais”
Vejamos
o que João de Lisboa pretende transmitir:
“……. feitas umas mais Orientais” (nordesteam)
“……feitas
outras mais Ocidentais” (noroesteam)
João
de Lisboa refere-se claramente às agulhas com os ferros ferrados fora da
flor-de-lis quando diz por serem “feitas umas mais orientais e outras mais
ocidentais”, além de as definir como sendo genovesas ou flamengas, ora
sabemos que as agulhas com esta origem utilizavam os ferros fixos fora da flor-de-lis.
Uma
agulha de ferros ferrados na
flor-de-lis noroesteava, em 1500, cerca de 9º Leste, se estivesse
em Génova. Se viajasse para Lisboa essa mesma agulha continuaria a noroestear,
mas por cerca de 5º Leste, valor estimado para a declinação de Lisboa na época.
Assim
sendo, se uma embarcação saísse de Génova a navegar por um rumo inicial na rosa
de 180 º (figura nº 26), na realidade o seu rumo verdadeiro seria de 189 º (+
9º Este).
Ao
aproximar-se de Lisboa (figura nº 27), se navegasse pela agulha para Norte
(360º) na realidade estava a navegar por 005º (+ 5º Leste).
Fig.
nº27 – Chegando a Lisboa
O
mesmo já não se passa com as agulhas com os ferros ferrados fora da flor-de-lis. O
afastamento que apresentam em qualquer momento é sempre igual ao valor da
correcção que foi aplicada no local de construção e montagem da agulha
(apontando a flor-de-lis na direcção dos pólos nesse local), daí João de Lisboa
afirmar que existem agulhas que “fazem
mais afastamento que outras por serem feitas umas orientais outras ocidentais”.
Repliquemos
então a mesma situação anterior agora para o caso de agulhas com os ferros
ferrados fora da
flor-de-lis (agulha genovesa com um factor de correcção oposto à declinação
local que é de 9º leste).
Neste
caso, se uma embarcação saísse de Génova a navegar por um rumo inicial na rosa
de 180 º (figura nº 28), na realidade o seu rumo verdadeiro seria também de
180º, situação que se manteria enquanto a declinação magnética se mantivesse
igual a 9º leste (isto porque o efeito de correcção permanente igual
a -9 graus tinha sido aplicado).
Fig.
nº28 – Saindo de Génova para Sul
Ao
aproximar-se de Lisboa (figura n. 29), se navegasse pela agulha para norte
(360º) na realidade estava a navegar por 356º (+ 5 graus Leste – 9 graus
correcção = - 4 graus).
Fig.
nº29 – Chegando a Lisboa
No
quadro seguinte tentamos representar, numa versão muito simplificada, uma
hipotética viagem de Génova para Lisboa comparando os rumos verdadeiros para
cada um dos dois tipos de agulha.
Nota:
Ferros
na flor-de-lis - Rumo verdadeiro = Rumo da agulha + declinação (+ E, - W)
Ferros
fora da flor-de-lis - Rumo verdadeiro = Rumo da agulha + declinação (+ E, - W)
+ factor de correcção (-9)
Da
comparação do quadro anterior concluímos de imediato o seguinte: a diferença
nos rumos verdadeiros entre as agulhas com ferros na flor-de-lis e as agulhas
com ferros fora da flor-de-lis é exactamente igual (como é evidente) ao factor
de correcção ou ângulo permanente entre os ferros e a flor-de-lis.
A
afirmação de João de Lisboa segundo a qual existem agulhas que “fazem mais afastamento que outras por serem
feitas umas orientais outras ocidentais” fica assim perfeitamente
justificada.
Quando
João de Lisboa fez esta afirmação o fenómeno do noroestear e do nordestear das
agulhas já era perfeitamente conhecido, não se conheciam as razões para a sua
existência mas o fenómeno era conhecido. Ao contrário das agulhas com os
ferros na flor-de-lis,
as que tinham os ferros afastados da
flor-de-lis de acordo com a declinação magnética que se observava no local de
construção das mesmas agulhas ou onde estas eram cevadas, eram orientais ou ocidentais de acordo com o sinal
da correcção (E ou W) implementada. Logo o afastamento observado ao longo das viagens seria obviamente
afectado por esta correcção.
Nas
agulhas com os ferros na flor-de-lis
o afastamento era nulo quando se navegava em zonas de declinação magnética
nula, mas nas agulhas com os ferros fora de flor-de-lis, na mesma situação o
afastamento seria exactamente igual ao factor de correcção.
Fig.
nº30 – Agulha com os ferros fora da flor-de-lis em Génova (ano 1500)
Na figura nº 30 está
representada a agulha com o factor de correcção para cancelamento da declinação
magnética em Génova. Na figura nº 31 está representada a mesma agulha
mas numa zona de declinação magnética nula (linha agónica). O afastamento observado é de facto
igual à correcção implementada no lugar de construção e montagem da agulha.
Fig.
nº31 – A mesma agulha numa zona de declinação nula
Alguma
razão, ou um somatório de várias razões, terá contribuído para a ideia de
evoluir para um tipo de agulhas de marear com os ferros fixos na rosa,
desta forma a flor-de-lis estava sempre alinhada com a agulha magnética. Foi
esta a opção adoptada pelos Portugueses eventualmente ainda no século XV sendo
de utilização corrente no século XVI. Estamos profundamente convencidos que a
generalização da utilização do Sol na navegação astronómica terá tido um papel
preponderante nesta opção dos construtores portugueses de agulhas de marear.
Vejamos
o que diz o espanhol Alonso de Santa Cruz, famoso cartógrafo espanhol do Século
XVI que visitou Portugal em 1545, na sua obra “Libro de Longitudes” (publicada
em 1555) sobre o facto de os pilotos espanhóis utilizarem agulhas com ferros
ferrados fora da
flor-de-lis ao contrário dos pilotos portugueses que utilizavam agulhas com os
ferros ferrados na flor-de-lis.
“
[comparando com os portugueses] lo que no hacen los pilotos [espanhóis] que
navegan el poniente, por llevar los hierros debaxo da la rosa media quarta más
al levante de la flor de lis de las 32 em que está repartida el aguja que es la
diferança que la aguja hace hacia al nordeste de Sevilla”.
Alonso
de Santa Cruz diz que os pilotos espanhóis que navegavam para as Índias
Ocidentais [poniente]
com agulhas com ferros ferrados fora da flor-de-lis, iniciavam as suas viagens
(de Sevilha, Huelva, etc.) com a ponta norte da agulha a apontar [por llevar los
hierros debaxo da la rosa] para levante (leste, oriente,
nascente) com um desvio em relação à flor-de-lis (norte do cartão da rosa-dos-ventos)
igual a cerca de 5,625 graus [media quarta más al levante de la flor de lis de
las 32 em que está repartida el aguja]. Este ângulo seria o valor da
declinação magnética (5,625 graus Leste) que seria observado em Sevilha naquela
época, por quem montava ou cevava as
agulhas de marear naquela zona.
Na
figura nº 32 tentamos ilustrar esta situação não respeitando a escala face
ao ângulo (meia quarta) para tornar a figura mais legível.
Fig.
Nº32 – À saída de Sevilha
Mas
Alonso de Santa Cruz disse mais ainda:
“es que los
portugueses traen más verdad y que lo han notado más curiosamente, porque
llevan los hierros cebados debajo da la flor de lis de la rosa del aguja u asi
há lugar de hacerse mejor las consideraciones…”
Alonso
de Santa Cruz basicamente diz que os portugueses, por utilizarem os ferros
ferrados na flor-de-lis, obtinham melhores resultados com a utilização das suas
agulhas, isto em comparação com os marinheiros espanhóis. Em que se baseava o
espanhol para fazer esta afirmação?
Seguidamente
apresentamos uma tabela que tenta representar uma hipotética viagem com a
duração de 30 dias de Sevilha a um porto das Caraíbas em meados do século XVI.
Considerámos a declinação à saída de Sevilha como sendo igual a seis graus
Oeste, e utilizámos os valores estimados para a declinação magnética da época
ao longo da travessia do Atlântico. Os rumos da agulha são absolutamente
hipotéticos, não considerando as normais singraduras dos navios da época, assim
sendo tentámos utilizar valores médios para os rumos. Fizemos a comparação dos
rumos verdadeiros caso tivéssemos optado entre utilizar uma agulha com os
ferros na flor-de-lis ou uma agulha com ferros fora da flor-de-lis (como era o
caso dos navios espanhóis).
Nota:
Ferros na flor-de-lis - Rumo verdadeiro = Rumo da
agulha + declinação (+ E, - W)
Ferros fora da flor-de-lis - Rumo verdadeiro = Rumo
da agulha + declinação (+ E, - W) + factor de correcção (-6)
Como
se pode facilmente observar, após uma fase inicial de menor erro, a agulha com
os ferros fora da
flor-de-lis começa a apresentar erros de grandeza muito superiores aos
apresentados pela agulha com os ferros na flor-de-lis, isto porque houve uma mudança de sinal, ou
seja a declinação que era Leste à saída de Sevilha passou a ser de Oeste a
partir de certa altura durante a travessia do Atlântico. Nos primeiros dias os
erros nos rumos acabam por se anular entre si mas mudando o sinal da declinação
então os erros das agulhas com os ferros fora da flor-de-lis passam a ser muitos mais
significativos.
Como conclusão, podemos afirmar que as agulhas de
ferros fora da flor-de-lis eram muito eficazes enquanto a declinação não
variasse ou variasse pouco quando comparada com a declinação magnética do local
de construção/montagem, o factor de correcção implementado anulava a declinação
magnética, daí resultando a navegação por rumos verdadeiros. No entanto, assim
que a declinação variasse significativamente ou de sinal, os resultados
deterioravam-se rapidamente com consequências bem visíveis para a navegação
estimada.
Em
termos práticos, à saída de Sevilha os pilotos espanhóis verificavam que as
agulhas apontavam correctamente em direcção ao Norte mas, nos seus destinos nas
Caraíbas, as agulhas “afastavam-se” do Norte (noroesteavam) em mais de uma
quarta, o dobro do que se observava nas agulhas com os ferros na flor-de-lis.
Esta
situação era muito visível nas travessias do Atlântico com destino às Caraíbas,
dada a contínua alteração da declinação magnética ao longo dessa travessia,
pensamos que seja esta a razão principal para a afirmação “es
que los portugueses traen más verdad ……… asi há lugar de hacerse mejor las
consideraciones…”.
Tratado da Agulha de Marear de João de Lisboa
Regressemos
ao Tratado da Agulha de Marear no ponto em que João de Lisboa apresenta o
seguinte raciocínio:
“…e porque os
antigos não sentiram esta variação,
andavam mudando os ferros das agulhas fora da flor de liz, para que naqueles
meridianos onde as cevavam fossem fixas nos pólos do mundo; e por esta razão
achamos nas cartas todas as costas falsas por uma quarta e por duas”.
Esta
afirmação de João de Lisboa é composta por várias componentes. Identifica a
existência de uma variação, fala das agulhas com os ferros fora da flor-de-lis
e identifica-as como causadoras de erros na qualidade da cartografia da época.
No
capítulo VII do Tratado da Agulha de Marear, “Regra para saberes cevar a tua agulha de
marear”, destacamos a seguinte afirmação:
“saberei que para cevar a agulha perfeitamente, conforme aos padrões de Portugal,
há-de ter os ferros da rosa no meio da flor-de-lis, e não afastados dele coisa
alguma, como tem algumas que se fazem em Flandres, que não são certas…..”
É
interessante a observação que o João de Lisboa faz sobre a existência de
“padrões de Portugal” em relação aos ferros da rosa, facto confirmado em
absoluto pelo espanhol Alonso de Santa Cruz quando afirma “lo que no hacen los pilotos [espanhóis]”.
Variação
A variação aqui identificada por
João de Lisboa é descrita também pelo mesmo desta forma:
“…se forem do meridiano vero [suposto meridiano onde a declinação magnética
seria zero] para o oriente
fazem conhecimento para nordeste tanto quanto vos dele afastais seguindo do
meridiano para o ocidente fazem conhecimento para noroeste… a isto se
chama noroestear e nordestear”.
Esta
afirmação contém o suporte fundamental da (falsa) teoria de João de Lisboa
segundo a qual a longitude estaria directamente relacionada com os desvios que
as agulhas sofriam em relação ao norte geográfico (pólos fixos). Ora, segundo João de Lisboa, os antigos não sentiram esta variação,
continuando a utilizar agulhas de marear com ferros fora da flor-de-lis.
João
de Lisboa parece dar uma indicação que o conhecimento do fenómeno do noroestear e nordestear das agulhas esteve directamente relacionado
com a ideia que então surgiu em Portugal, de ferrar os ferros de forma a estes
ficarem coincidentes com a flor-de-lis.
Para João de Lisboa, as agulhas com os ferros fora da flor-de-lis invalidavam a utilização
da sua (falsa) teoria sobre o cálculo da longitude.
As
agulhas com os ferros fora da
flor-de-lis cancelavam o efeito da declinação local quando era efectuado o
cevar das agulhas, originando a navegação por rumos verdadeiros enquanto a
declinação magnética se mantivesse constante. Com a variação da declinação
magnética com o local e com a data, o noroestear e nordestear das
agulhas também se detectava, mas os rumos verdadeiros estavam afectados pela
correcção inicial (umas mais
ocidentais, outras mais orientais) que era efectuada na operação de
construção e montagem da agulha (a flor-de-lis ficava a apontar para o norte
geográfico), pelo que os resultados da navegação estimada dos pilotos eram
forçosamente diferentes.
Nas
agulhas de ferros fixos ou ferrados na flor-de-lis, o noroestear e nordestear era em relação à flor-de-lis, e segundo
João de Lisboa era possível através de leitura directa destes desvios calcular
a longitude. Para João de Lisboa, com a utilização de agulhas com os
ferros ferrados na flor-de-lis, o cálculo da longitude era simples e directo,
bastava medir a variação local apresentada pela agulha.
Para
João de Lisboa a conclusão era simples e óbvia:
Nas
agulhas de ferros fixos ou ferrados na flor-de-lis, após a operação de cevar,
se a agulha noroesteasse ou nordesteasse em relação
aos pólos fixos, então a
longitude onde se encontrava a embarcação estava proporcionalmente afastada do
meridiano Vero, se pelo contrário a agulha estivesse fixa nos pólos então a
embarcação estava no meridiano Vero. Esta regra mantinha-se ao longo do tempo
em que se utilizava a agulha na navegação da embarcação, até nova operação de
cevar.
Nas
agulhas com os ferros fora da
flor-de-lis, a rosa-dos-ventos era orientada de forma que a flor-de-lis
apontava em direcção ao norte geográfico com um ângulo face à agulha que
respeitava o desvio (declinação) observado localmente no local de construção e
montagem da agulha (ou onde os ferros eram magnetizados), o cálculo da
longitude ficava comprometido.
Costas Falsas
Voltaremos
a este assunto mais adiante neste trabalho mas gostaríamos de abordar este tema
utilizando o que João de Lisboa diz no capítulo I do Tratado.
“e em a flor de lis se hão de pôr os ferros
sem tomar de nordeste nem de noroeste; porque costumavam alguns, como dito é,
fora da flor de liz por uma quarta ou duas ou mais, segundo era fora do
meridiano fixo
João
de Lisboa identifica agulhas de marear cujos ferros chegavam a estar ferrados
fora da flor-de-lis em ângulos superiores às duas quartas. Esta e outras
observações irão ser alvo de um estudo mais detalhado.
Concluímos,
dizendo que no último quartel do século XV, em relação aos Descobrimentos Portugueses
e às agulhas de marear, parece ter existido uma sequência de eventos que
podemos resumir da seguinte forma:
detecção
de que as agulhas noroesteavam e nordesteavam com a
navegação em longitude, nomeadamente durante as navegações efectuadas no Atlântico
Norte pelos marinheiros portugueses;
(falsa)
percepção que a longitude estaria proporcionalmente relacionada com o noroestear e nordestear; e,
utilização
generalizada da agulhas com os ferros ferrados na flor-de-lis de forma a evitar
as deficiências das
agulhas com os ferros fora da flor-de-lis.
09.03.18
Na segunda
metade do Século XV, já era evidente para os navegadores que o norte das
agulhas de marear e o norte geográfico não eram coincidentes na maior parte dos
casos. A identificação do momento da culminação do Sol, condição fundamental
para o cálculo da latitude, permitiu evidenciar de forma clara este facto. A
culminação teria que se verificar a norte ou a sul do local de observação, e
isso não se verificava. Mais tarde, os navegadores da época começaram
sistematicamente a medir a diferença entre os dois pólos, obtendo desta forma o
valor da declinação magnética local (sem que conhecessem a sua existência).
No
Tratado da Agulha de Marear, Capítulo VIII - Que declara a causa e noroestear a nordestear das agulhas,
João de Lisboa escreve o seguinte:
" Convém saber: o
mundo é redondo, como ele mesmo se mostra e por muitas experiências é sabido, e
os pólos sobre que estes céus se movem são dois, pólos árctico e antárctico.
E temos sabido que a dita
agulha de marear tem um ferro de norte e sul; e sendo este ferro cevado na
pedra de cevar, assim o pólo norte como o pólo sul são tão sujeitos aos pólos árctico
e antárctico do mundo, pelo dito cevamento da pedra, por Nosso Senhor influir
nela uma tão singular virtude, que em nenhuma parte repousa nem descansa, senão
quando direitamente com a flor de lis se enfiam (*) em direito com os ditos
pólos do mundo".
(*) -
os ferros
Ainda
no mesmo capítulo VIII, continua João de Lisboa :
" E quando a dita
agulha se acha em parte onde se diante põe a redondeza da terra e mar entre a
agulha e pólo, pelos desejos naturais que tem o dito pólo, se inclina aquela
onde lhe é mais propínquo (*) o que lhe causa o seu noroestear e
nordestear........e se no Cabo das Agulhas, que está junto do Cabo da Boa
Esperança, 28 léguas a leste dele, e no Cabo de São Agostinho [nota-Recife,
Brasil], e
em outra alguma parte a dita agulha está com os pólos o mundo fixa, é porque
ali está recebendo o seu descanso....."
(*)
- próprio
No
Tratado da Agulha de Marear, João de Lisboa tenta sustentar a teoria segundo a
qual as linhas isogónicas teriam uma correspondência directa com os meridianos
terrestres. Segundo esta teoria, a declinação magnética estava directamente relacionada
com a longitude através de uma simples regra de proporcionalidade de acordo com
o desvio para nordeste ou noroeste que as agulhas apresentavam em relação ao
meridiano dos pólos, o meridiano “vero”, a linha agónica, linha que une todos
os lugares onde a declinação magnética é nula.
No
Tratado da Agulha de Marear, Capítulo IX - Em que se declara onde havemos de tomar este meridiano vero, e assim a
quantidade da quarta; e depois das outras, começando da equinocial(*) para os
pólos do Mundo, João de Lisboa escreve o seguinte:
(*)
- equador
" Hás-de
saber que este meridiano vero, onde as agulhas verdadeiramente ferem (*) o pólo
do mundo ártico, divide a Ilha de Santa Maria e a Ponta da Ilha de São Miguel,
que são nas Ilhas dos Açores; e divide a esfera em duas partes iguais,e passa
entre as Ilhas de Cabo Verde, por cima da Ilha de São Vicente, e assim passa
entre o Cabo da Boa Esperança e o Cabo Frio [nota-Rio
de Janeiro, Brasil]. E aqui neste meridiano, achei sempre as fixa no pólo do mundo......"
(*)
- fazem, indicam
É
desta forma que João de Lisboa identifica geograficamente o meridiano vero, ou linha isogónica. Como
facilmente se pode verificar, João de Lisboa desconhecia que os lugares que ele
identificava como fazendo parte do meridiano vero, na realidade não se encontravam no mesmo meridiano.
No
capítulo VI, é identificada a regra de proporcionalidade de acordo com o
desvio para nordeste ou noroeste que as agulhas apresentavam em relação ao
meridiano dos pólos, o meridiano “vero”.
"......aquela é a
diferença da tua agulha, e assim verás o afastamento; se é para o oriente ou
para o ocidente; e assim verás o paralelo em que estás, para saberes quanto
hás-de dar por quarta, porque as quartas não são iguais em léguas, por respeito
da estreitura da esfera.
Estes são os paralelos, e
quanto vale cada quarta da agulha que te noroestear ou nordestear:
Na equinocial (*) vale a
quarta....................................................350 léguas
A cinco graus da
equinocial vale a quarta......................................347 léguas
A dez graus da
equinocial vale a quarta........................................342 léguas
A quinze graus
da equinocial vale a quarta....................................336 léguas
A vinte graus
da equinocial vale a quarta......................................329 léguas
A vinte e cinco graus da
equinocial vale a quarta............................320 léguas
A trinta graus da
equinocial vale a quarta.....................................304 léguas
A trinta e cinco
graus da equinocial vale a quarta...........................280 léguas
A quarenta graus da
equinocial vale a quarta.................................264 léguas
A quarenta e
cinco graus da equinocial vale a quarta.......................249 léguas
A cinquenta graus
da equinocial vale a quarta................................226 léguas
A cinquenta e cinco graus
da equinocial vale a quarta......................203 léguas
A sessenta graus
da equinocial vale a quarta.................................175 léguas
A sessenta e cinco
graus da equinocial vale a quarta.......................164 léguas"
(*)
- equador
Em
1500, a declinação magnética em Lisboa era aproximadamente igual a 5º Leste, as
agulhas nordesteavam. Sendo a latitude de Lisboa aproximadamente igual a 38º
Norte (a 38 graus da equinocial)
, e consultando a tabela supra, podemos considerar a quarta como igual a 270
léguas. Como 5º (valor do desvio) é um pouco menor que metade de uma quarta,
podemos então considerar que de acordo com esta teoria, Lisboa estava cerca de
130 léguas para leste do meridiano vero, quando a distância real é um pouco
menor que 800 milhas.
Incoerências do próprio Tratado
Como
já referido, a mais antiga versão que se dispõe do Tratado da Agulha de Marear
data de meados de Quinhentos quando o tratado é de 1514, o que significa que
existirão diversas cópias entre o original e a cópia mais antiga conhecida.
Como teremos oportunidade de verificar, no capítulo X do Tratado, são
atribuídos ás quartas valores diferentes dos que são identificados no capítulo
VI, o que demonstra que o Tratado sofreu diversas alterações ao longo dos anos.
No
Capítulo X - Para saberes
quantas léguas estás arredado do meridiano vero, João de
Lisboa escreve o seguinte:
" Se quiseres saber quanto estás arredado do meridiano vero dos pólos
fixos, a saber, de 30 graus até aos 45 de entre ambos os pólos, saberás que em
qualquer quarta que vai fora do meridiano, releva por quarta 250 léguas; e
assim vai em todas as quatro quartas que não é mais larga nem baixa, nem
para leste nem para oeste, que as ditas 250 léguas, e isto desde o meridiano
até chegar às quatro quartas, quer para a parte de leste quer para a parte de
oeste, porque só chega às quatro quartas, e logo torna a buscar seu meridiano
de grau em grau..............as quatro quartas é o mais alto, e dali logo vai
buscar o seu meridiano e desfaz o que subiu......."
O
que é afirmado no parágrafo anterior, pode ser representado desta forma:
Como
primeiro facto a realçar, destaque para a regra das 250 léguas por quarta entre
os paralelos 30 e 45. O segundo facto digno de nota é que o autor do referido
parágrafo usa como base de raciocínio uma rosa dos ventos dividida em 16
quartas, o que coloca sérias dúvidas sobre a data original desta porção do
texto.
A
reforçar esta nossa convicção, vejamos o parágrafo seguinte, no mesmo Capítulo
X:
" e há deste
meridiano a este pólo movível 2000 léguas, e deste meridiano até o outro
meridiano há 4.000 léguas por esta altura dos 30 graus até os 45
graus...................."
Não
se pode ter a certeza absoluta que tenha sido João de Lisboa o responsável pela
divulgação desta teoria, que estabelecia uma relação directa e proporcional
entre a declinação magnética e a longitude. D. João de Castro, ao abordar
esta teoria em 1538, após ter concluído, após diversas observações, que o
desvio magnético não tinha relação com as diferenças de meridiano, chegou mesmo
a referir que o facto de Ptolomeu ter feito passar pelas Canárias o meridiano
para o início da contagem das longitudes, poderia estar na origem desta
falsa teoria pois
"do que me parece
que naceo o engano de alguns pilotos cuidarem que, na parajem destas ilhas, não
varião as agulhas cousa alguma"
Apesar
de D. João de Castro, ter negado a veracidade da teoria identificada no
Tratado da Agulha de Marear em 1538, muitos pilotos continuaram
a utilizar a teoria proposta por João de Lisboa até meados do
século XVII.
05.03.18
Em actualização
Na segunda
metade do Século XV, já era evidente para os navegadores que o norte das
agulhas de marear e o norte geográfico não eram coincidentes na maior parte dos
casos. A identificação do momento da culminação do Sol, condição fundamental
para o cálculo da latitude, permitiu evidenciar de forma clara este facto. A
culminação teria que se verificar a norte ou a sul do local de observação, e
isso não se verificava. Mais tarde, os navegadores da época começaram
sistematicamente a medir a diferença entre os dois pólos, obtendo desta forma o
valor da declinação magnética local (sem que conhecessem a sua existência).
No
Tratado da Agulha de Marear, Capítulo VIII - Que declara a causa e noroestear a nordestear das agulhas,
João de Lisboa escreve o seguinte:
" Convém saber: o
mundo é redondo, como ele mesmo se mostra e por muitas experiências é sabido, e
os pólos sobre que estes céus se movem são dois, pólos árctico e antárcticos.
E temos sabido que a dita
agulha de marear tem um ferro de norte e sul; e sendo este ferro cevado na
pedra de cevar, assim o pólo norte como o pólo sul são tão sujeitos aos pólos árctico
e antárctico do mundo, pelo dito cevamento da pedra, por Nosso Senhor influir
nela uma tão singular virtude, que em nenhuma parte repousa nem descansa, senão
quando direitamente com a flor de lis se enfiam (*) em direito com os ditos
pólos do mundo".
(*) -
os ferros
Ainda
no mesmo capítulo VIII, continua João de Lisboa :
" E quando a dita
agulha se acha em parte onde se diante põe a redondeza da terra e mar entre a
agulha e pólo, pelos desejos naturais que tem o dito pólo, se inclina aquela
onde lhe é mais propínquo (*) o que lhe causa o seu noroestear e
nordestear........e se no Cabo das Agulhas, que está junto do Cabo da Boa
Esperança, 28 léguas a leste dele, e no Cabo de São Agostinho [nota-Recife,
Brasil], e
em outra alguma parte a dita agulha está com os pólos o mundo fixa, é porque
ali está recebendo o seu descanso....."
(*)
- próprio
No
Tratado da Agulha de Marear, João de Lisboa tenta sustentar a teoria segundo a
qual as linhas isogónicas teriam uma correspondência directa com os meridianos
terrestres. Segundo esta teoria, a declinação magnética estava directamente
relacionada com a longitude através de uma simples regra de proporcionalidade
de acordo com o desvio para nordeste ou noroeste que as agulhas apresentavam em
relação ao meridiano dos pólos, o meridiano “vero”, a linha agónica, linha que
une todos os lugares onde a declinação magnética é nula.
No
Tratado da Agulha de Marear, Capítulo IX - Em que se declara onde havemos de tomar este meridiano vero, e assim a quantidade
da quarta; e depois das outras, começando da equinocial(*) para os pólos do
Mundo, João de Lisboa escreve o seguinte:
(*)
- equador
" E
quando a dita agulha se acha em parte onde se diante põe a redondeza da terra e
mar entre a agulha e pólo, pelos desejos naturais que tem o dito pólo, se
inclina aquela onde lhe é mais propínquo (*) o que lhe causa o seu noroestear e
nordestear........e se no Cabo das Agulhas, que está junto do Cabo da Boa
Esperança, 28 léguas a leste dele, e no Cabo de São Agostinho [nota-Recife, Brasil], e em outra alguma
parte a dita agulha está com os pólos o mundo fixa, é porque ali está recebendo
o seu descanso....."
Um
dos mecanismos cujo conhecimento chegou aos nossos dias e cuja utilização
associada à agulha de marear permitia a determinação mais rigorosa do momento
da passagem pelo meridiano do lugar de um determinado astro, era constituído
por uma semicircunferência de arame que era montada sobre a caixa da
bússola, com as suas extremidades colocadas em pontos opostos, com o
objectivo de que o plano da semicircunferência ficasse perpendicular ao da
rosa-dos-ventos, ou seja coincidente com o plano vertical que continha a agulha
de marear.
Mantendo
a base da caixa da agulha em posição horizontal, esta devia ser orientada
(rodada) de modo que o plano da semicircunferência coincidisse com o círculo
vertical do astro em observação. Esta operação tinha a designação de bornear a
agulha. Nesta posição era possível comparar o azimute da estrela com o valor
indicado pela agulha, sendo o ângulo obtido directamente através da leitura na
rosa-dos-ventos. De facto, nesta posição e caso o astro observado estive a
culminar, o plano vertical da semicircunferência de arame era o meridiano do
lugar e o ângulo observado era o valor da declinação magnética local. A estrela
Polar e a constelação do Cruzeiro do Sul, foram intensivamente e durante muitos
anos utilizadas neste processo.
A operação
de bornear era delicada pois a caixa da agulha de marear tinha de ser
mantida numa posição que garantisse que a sua base estivesse horizontal. A
própria leitura do ângulo observado era difícil de efectuar para quem rodava em
simultâneo a agulha de marear, existem vários relatos que demonstram de forma
inequívoca que esta operação era feita por duas pessoas. Por outro lado, quanto
mais elevado estivesse o astro em relação a horizonte, maior era o erro do
processo, isto porque a caixa também teria que ser colocada numa posição mais
elevada para permitir o "bornear" do astro.
É
fácil concluir que deverá ter existido um número elevado de variantes deste
mecanismo. Pensamos que em alguns casos a semicircunferência em arame (figura
nº.15) possa ter sido constituída por duas semicircunferências, paralelamente
ajustadas entre si para que existisse um pequeno intervalo (ranhura) entre os
dois arames que facilitasse o correcto alinhamento visual com o astro a
observar.
.Fig. nº15 – Utilização da semicircunferência em arame
João
de Lisboa, no capítulo VI – “em que se declara como hás-de ter a agulha nas mãos” - do
Tratado da Agulha, e quando se debruça sobre o Regimento do Cruzeiro do Sul
(que não iremos abordar mas que era o equivalente aos Regimentos da Polar
mas no hemisfério Sul), faz a seguinte descrição da aplicação de um aparelho ou
artefacto que permitia medir a declinação da agulha :
“Ao tomar esta
agulha na mão, hás-de olhar que a tenhas sempre ao nível (*), porque estando
acostada (*) é falsa, e não se fará a verdadeira conta. E assim mesmo hás-de
ver que o seu circulo não jaza acostado (*), mas antes do zénite dela caia uma
linha com chumbo pelo meio da rosa (*); e, vindo assim, então está para se
fazer verdadeira operação ”
(*)
– preocupação em garantir a horizontalidade e estabilidade da agulha de marear
Prossegue
João de Lisboa:
“Então bornearás
pelos furos do semi-circulo o pé do Cruzeiro, até que seja metido pela
abertura; então verás onde aponta a flor-de-lis da agulha …”
Quando
se afirma "bornearás pelos furos" significa que a caixa da agulha
seria rodada até que os furos estivessem
alinhados. Esse alinhamento deveria coincidir com o alinhamento do astro no
plano vertical do semi-circulo...."até que seja metido pela abertura; então
verás onde aponta a flor-de-lis da agulha …”.
Só
nesse preciso momento é que a operação era considerada como concluída, "então verás onde
aponta a flor-de-lis da agulha …”.
A
utilização deste tipo de aparelho teve início na segunda metade do Século
XV, quando já era evidente para os navegadores que o norte das agulhas de
marear e o norte geográfico não eram coincidentes na maior parte dos casos.
Recorrendo à Polar ou ao Cruzeiro do Sul, com o intuito de medir a diferença
entre os dois pólos, obtendo desta forma o valor da declinação magnética local,
os navegadores da época começaram a perceber que as diferenças observadas
variavam não apenas entre os diversos locais por onde navegavam mas também
com o passar do tempo.
A construção e montagem a bordo deste tipo de
mecanismos de leitura de azimutes e de sombras surge com o início da utilização
do Sol na navegação astronómica. O conhecimento do momento da passagem
meridiana do Sol era um factor crítico para o cálculo da latitude. No
caso da Polar e do Cruzeiro do Sul, se as condições atmosféricas o
permitissem, os respectivos regimentos eram aplicados através de uma simples
observação dos céus, não era necessário qualquer tipo de leitura mais ou menos
rigorosa de azimutes.
A
aplicação de aparelhos de sombras nas agulhas já seria prática relativamente
comum, mais antiga, e que era feita para identificar a passagem meridiana do
Sol, tendo esta operação com o tempo evoluído para a avaliação dos ângulos
associados à declinação magnética, passando a ser feita utilizando a Polar e o
Cruzeiro do Sul, com a intenção de medir o "afastamento entre os pólos".
por
Lusitanian Express, em 21.03.16, Luís D. Lopes
fonte:
Sabemos que os ferros que faziam
parte do conjunto de elementos que compunham a agulha de marear não eram ímanes
permanentes, necessitavam de ser periodicamente magnetizados, utilizando-se
para o efeito um íman natural que existia a bordo, efectuando-se o cevar da
agulha, operação destinada a conferir magnetização aos referidos ferros.
É importante destacar que as características
magnéticas das pedras de cevar que eram levadas a bordo, resultavam do
efeito do campo magnético do local onde estas pedras estiveram depositadas
ao longo de muitos milhares de anos.
Concluída a operação de
cevar, a flor-de-lis alinhava com a direcção
Norte-Sul (pólos magnéticos) dos ferros. A agulha ficaria ou não fixa
nos pólos em função do valor da declinação magnética no local.
Deve ser salientado que desde longa data que existiam processos que permitiam
determinar a direcção do norte geográfico, como por exemplo através das sombras
na culminação do Sol ou pelo culminar da Polar, processos que serão detalhados
noutros capítulos.
Em relação à disposição dos ferros
(ímanes) face à flor-de-lis (norte da rosa-dos-ventos) vamos identificar duas
situações possíveis nas agulhas da época:
Agulhas com os ferros ferrados na flor-de-lis, resultando que
a orientação da rosa-dos-ventos era exactamente igual à orientação dos ferros,
com estes permanentemente alinhados com a direcção Norte-Sul gravada na
rosa-dos-ventos, a flor-de-lis. A flor-de-lis apontava sempre na
direcção do norte magnético;
Agulhas com os ferros ferrados fora da
flor-de-lis, enquanto os ferros magnetizados alinhavam
naturalmente com o norte magnético, o cartão da rosa-dos-ventos era rodado
de tal forma que a flor-de-lis apontava ao norte geográfico no local de
construção e montagem da agulha. Os ferros faziam um ângulo com a flor-de-lis
cujo valor era igual ao valor(*) da declinação magnética. Na realidade,
estas agulhas tinham um factor de correcção para a declinação magnética mas
esse factor de correcção era apenas válido precisamente no local de construção
e montagem da agulha (ou quando se cevavam os ferros), isto porque a declinação
varia conforme a localização geográfica e com o tempo.
(*) - tal como já referido, na realidade o
ângulo observado resultava do efeito combinado da declinação magnética no
local, de eventuais anomalias magnéticas locais e do campo magnético do navio.
As agulhas de marear com os ferros ferrados
na flor-de-lis foram utilizadas pelos Portugueses, de forma
generalizada, seguramente ainda antes do século XVI. A não utilização das
agulhas com os ferros ferrados fora da flor-de-lis, em oposição às genovesas,
poderá ter sido motivada pelo facto de que no nosso território e nos mares
navegados pelos portugueses durante grande parte do século XV, a declinação
magnética era muito pequena, quase residual. O Sol culminava praticamente no
Norte (ou Sul) magnético. O desvio existente entre o Norte Geográfico e
Magnético seria de muito difícil detecção, se considerarmos que as agulhas
de marear estavam dividas em quartas. Em termos práticos, as navegações dos
marinheiros na costa portuguesa e no norte da África era feita utilizando rumos
que poderemos considerar como verdadeiros. Esta terá sido a principal razão
para a excepcional qualidade das cartas marítimas portuguesas da época, tema
que aprofundaremos num outro texto.
Fenómeno da
declinação magnética desconhecido ou ignorado
Na fase de montagem de uma agulha de
marear, e após a operação de cevar, não se conhecendo que existia um desvio
face à direcção do Norte geográfico (ou sendo o desvio observado localmente
muito pequeno), optava-se por rodar o cartão da rosa até a flor-de-lis
coincidir com a direcção definida pelos ferros magnetizados (ferros
eram então ferrados na flor-de-lis).
Se a declinação magnética fosse igual a
15ºW, caso o piloto da embarcação decide-se governar para norte (360º) na
realidade a embarcação iria navegar por 345º. A navegação estimada do
piloto teria logo um erro inicial de 15º em relação ao rumo.
A equação é simples:
Rumo
verdadeiro = Rumo da agulha + declinação (+ E, - W)
360⁰ – 15⁰ (w) = 345⁰
Vejamos com mais detalhe:
Considerando não existir mais nenhum
efeito (vento, correntes marítimas, mau governo, etc.) além da declinação
magnética, o navegador iria calcular (e colocar na carta de marear) a sua
posição estimada segundo um rumo de 360 graus, à velocidade Y durante X tempo,
e estaria a cometer um erro que é representado na figura nº 22. Não devemos
ignorar que a velocidade também era estimada.
Fig. nº 22 – Erros de estima
Assumindo uma hipotética viagem entre os
pontos A e B, cujo rumo seria sempre igual a 270 graus, e caso a declinação
variasse no intervalo entre 5 graus oeste e 5 graus leste, os resultados
obtidos, em termos de rumos verdadeiros, seriam os seguintes:
Como
se pode facilmente compreender, a variação da declinação
magnética poderia acabar por compensar os erros cometidos em fases
anteriores de navegação estimada (ver matriz acima) mas nem sempre
era assim. Os desvios iniciais poderiam ser anulados pelos desvios
finais mas isso dependia muito da forma como a declinação variava
ao longo da viagem.
Norte
Geográfico conhecido
Conhecida a direcção do norte geográfico
e caso a declinação magnética local fosse sensivelmente diferente de zero,
ao rodar o cartão da rosa-dos-ventos até que a flor-de-lis coincidisse
com a direcção definida pelos ferros magnetizados verificava-se que a
agulha não “estava fixa” nos pólos, o norte geográfico
não estava na mesma direcção da flor-de-lis da rosa. (fig. nº23).
Fig. nº23 – Agulha não estava fixa nos
pólos
Verificada a diferença rodava-se o cartão
pelo valor desta diferença, ou seja até que a flor-de-lis ficasse a apontar
para o norte geográfico (fig. nº24). Concluída esta rotação, os ferros
eram fixados (ferrados) na parte inferior do cartão da rosa-dos-ventos. (ferros
ferrados fora da flor-de-lis).
Fig.
nº24 – Flor-de-lis coincidente com os pólos
Através deste
engenhoso processo de correcção da declinação magnética, na leitura na
rosa-dos-ventos a flor-de-lis coincidia com os pólos. A flor-de-lis estaria desviada para leste ou para oeste em relação à
direcção definida pelos ferros magnetizados caso o norte magnético estivesse
para oeste ou para leste do norte geográfico.
Os ferros eram então fixados (ferrados) na
rosa-dos-ventos com um desvio permanente em relação à flor-de-lis. Esta
correcção seria eficaz caso a declinação magnética fosse constante.
Os responsáveis pela montagem e instalação
deste tipo de agulhas de marear, ao anular o efeito da declinação magnética
local, estavam a fazer com que temporariamente os rumos
navegados através destas bússolas fossem verdadeiros, situação que
se mantia enquanto o valor da declinação magnética não alterasse (com o
local e com o tempo).
Vamos novamente considerar uma hipotética
viagem entre os pontos A e B. Sendo a declinação do local de partida (A) igual
a 5 graus Oeste, vamos considerar que esta correcção foi introduzida na agulha
de marear, ou seja os ferros foram ferrados na rosa-dos-ventos de uma forma tal
que a flor-de-lis ficou a apontar para o norte geográfico, fazendo um ângulo de
5 graus (para leste) com o norte da agulha (fig. nº25).
Fig. nº25 – Declinação 5º Oeste
Recordemos que na viagem entre os pontos A
e B, o rumo será sempre igual a 270 graus, e a declinação irá variar no
intervalo entre 5 graus oeste e 5 graus leste.
Rumo
verdadeiro = Rumo da agulha + declinação (+ E, - W) + factor de correcção
Como se pode verificar, os rumos iniciais
aproximam-se do rumo verdadeiro mas esta situação deteriora-se com a alteração
continuada da declinação.
Na época não se conhecia a existência da
declinação magnética, e que esta variava de acordo com os diversos locais por
onde o navio iria navegar e com o tempo. Se a declinação magnética fosse única
e constante, então este tipo de agulhas forneceria sempre rumos verdadeiros.
Existem evidências que indicam que a
operação de rodar o cartão da rosa-dos-ventos era efectuada a bordo, durante a
vida útil da agulha.
“…e porque os antigos não sentiram esta
variação, andavam mudando os ferros das agulhas fora da flor de liz,
para que naqueles meridianos onde as cevavam fossem fixas nos pólos do mundo;
e por esta razão achamos nas cartas todas as costas falsas por uma quarta e por
duas” -. João de Lisboa, Tratado da Agulha de Marear, 1514.
Noutro texto iremos aprofundar o
significado desta afirmação, mas João de Lisboa deixa claro que após cada operação
de cevar, a orientação da rosa-dos-ventos era ajustada constituindo
um factor de correcção que acompanhava a agulha de marear enquanto ela
fosse sendo utilizada até nova operação de cevar. Os ferros eram fixados
(ferrados) com um determinado ângulo face à flor-de-lis e assim permaneciam
durante algum tempo.
João
de Lisboa foi um dos grandes pilotos portugueses na época em que viveu, e
atendendo às datas e factos conhecidos da sua vida terá seguramente nascido na
segunda metade do século XV, muito provavelmente entre 1470 e 1480. Ficou
imortalizado na História dos Descobrimentos Portugueses por ser o autor de um
livro de Marinharia que continha o célebre Tratado da Agulha de Marear de 1514.
A
datação do Livro de Marinharia constitui um enorme desafio visto conter mapas
cujas datas de publicação são consideravelmente posteriores a 1514.
Existem
bons indícios que terá participado na expedição à costa brasileira, em 1501,
capitaneada por Gonçalo Coelho. A sua passagem por terras brasileiras é quase uma certeza pois em várias
cartas do século XVI se encontra referenciado, no norte do Brasil, um rio com o
seu nome.
Em
1506 João de Lisboa terá partido para o Oriente, não se sabe
se pela segunda vez, na armada de Tristão da Cunha.
Em
data incerta (1513?) foi nomeado piloto-mor de Portugal e participou, na
expedição contra Azamor, comandada
pelo duque de Bragança, D. Jaime.
Após
a elaboração do Tratado em 1514, parte novamente para a Índia em 1518, na
armada que transportou o governador Diogo Lopes de Sequeira.
Entre
1521 e 1525 terá feito outras viagens à Índia, tendo sido nomeado piloto mor da navegação da Índia e mar
oceano, com a morte de Gonçalo Álvares
por carta de 12 de Janeiro de 1525. Voltou a embarcar para o Oriente onde
provavelmente faleceu, em 1526, isto pelo facto de o seu cargo ter sido entregue,
em 15 de Novembro desse mesmo ano, a Fernão de Afonso.
A
leitura do “Tratado da Agulha de Marear”
de João de Lisboa, incorporado num documento mais extenso,
o Tratado de Marinharia, oferece sérias dificuldades na compreensão da
linguagem técnica utilizada, não esquecendo as dificuldades resultantes dos
erros que foram sendo introduzidos e acumulados por sucessivos copistas deste
Tratado.
A
participação de João de Lisboa
na elaboração do Tratado de Marinharia parece estar mais focada no papel
de compilador de diversas fontes, sendo forte a possibilidade de João de
Lisboa ter trabalhado sobre um conjunto de
documentos mais antigos que estariam incompletos, associando o seu nome apenas
ao Tratado da Agulha de Marear.
Sendo
um documento de grande importância e significado, a mais antiga versão que se
dispõe data de meados de Quinhentos quando o tratado é de 1514, o que significa
que existirão diversas cópias entre o original e a cópia mais antiga que
dispomos. A obtenção de um texto tanto quanto possível mais próximo do original
deve-se em grande medida ao extraordinário esforço do Prof. Dr. Luís
Albuquerque, através de comparações entre cópias existentes e a leitura de
outros manuscritos que reproduzem, com variações e alterações, parágrafos ou
capítulos inteiros da obra. Este trabalho terá permitido recuperar capítulos
omissos em cópias mais antigas.
Na
página 26 do Tratado de Marinharia surge a primeira indicação sobre a sua data:
“Aqui se começa o tratado da agulha de
marear achado por João
de Lisboa no ano de 1514 - pelo que se pode saber em qualquer parte que
homem estiver quanto é arredado do meridiano verdadeiro pelo variar das
agulhas.
Muito
provavelmente, João de Lisboa,
durante o processo de elaboração do seu Tratado, poderá ter tido acesso a
documentos mais antigos e incompletos, pelo que é muito provável que sejam
diversos os inspiradores do texto do tratado, nomeadamente o piloto Perô Anes e um cosmógrafo alemão conhecido por Mestre Diogo. A contribuição de Perô Anes no Regimento do Cruzeiro do Sul (incorporado no
Tratado de João de Lisboa) é normalmente considerada como indiscutível.
No
Tratado da Agulha de Marear, João de
Lisboa tenta sustentar a (falsa) teoria segundo
a qual as linhas isogónicas teriam
uma correspondência directa com os meridianos terrestres. Segundo esta teoria,
a declinação magnética estava directamente relacionada com a longitude através
de uma simples regra de proporcionalidade de acordo com o desvio para nordeste ou noroeste que as agulhas apresentavam em relação ao meridiano dos
pólos, o meridiano “vero”, a linha agónica, linha que une todos os
lugares onde a declinação magnética é nula. Na defesa desta teoria, João de
Lisboa aborda temas como a Agulha de Marear, a
esfericidade da Terra, não esquecendo os processos astronómicos que permitiam
identificar o Norte Geográfico, destacando-se neste conjunto de processos o Regimento do Cruzeiro do Sul.
Como
já referimos, conhecida a direcção do Norte geográfico e se a declinação
magnética local fosse diferente de zero, era possível verificar que a
agulha não “estava
fixa” nos pólos, o Norte geográfico não estava na mesma direcção da
agulha. Isto significa que as agulhas “noroesteavam” (desviavam para
oeste) ou “nordesteavam” (desviavam para leste) em relação à flor-de-lis
(ferros fora da
flor-de-lis) ou em relação ao Norte geográfico (ferros na flor-de-lis).
Recordemos
a seguinte regra:
se
a declinação é Leste então o Norte magnético está para Leste do Norte
geográfico, se a declinação for Oeste então o Norte magnético está para Oeste
do Norte geográfico.
Afirma
João de Lisboa logo no início do Tratado da Agulha:
““Primeiramente
hás-de saber que as agulhas todas, assim genovesas como flamengas, nordesteam e
noroesteam segundo o lugar onde estão…porém hás de saber que umas [agulhas] fazem mais afastamento que outras, por serem feitas umas mais orientais e outras mais
ocidentais”
Vejamos
o que João de Lisboa pretende transmitir:
“……. feitas umas mais Orientais” (nordesteam)
“……feitas
outras mais Ocidentais” (noroesteam)
João
de Lisboa refere-se claramente às agulhas com os ferros ferrados fora da
flor-de-lis quando diz por serem “feitas umas mais orientais e outras mais
ocidentais”, além de as definir como sendo genovesas ou flamengas, ora
sabemos que as agulhas com esta origem utilizavam os ferros fixos fora da flor-de-lis.
Uma
agulha de ferros ferrados na
flor-de-lis noroesteava, em 1500, cerca de 9º Leste, se estivesse
em Génova. Se viajasse para Lisboa essa mesma agulha continuaria a noroestear,
mas por cerca de 5º Leste, valor estimado para a declinação de Lisboa na época.
Assim
sendo, se uma embarcação saísse de Génova a navegar por um rumo inicial na rosa
de 180 º (figura nº 26), na realidade o seu rumo verdadeiro seria de 189 º (+
9º Este).
Ao
aproximar-se de Lisboa (figura nº 27), se navegasse pela agulha para Norte
(360º) na realidade estava a navegar por 005º (+ 5º Leste).
Fig.
nº27 – Chegando a Lisboa
O
mesmo já não se passa com as agulhas com os ferros ferrados fora da flor-de-lis. O
afastamento que apresentam em qualquer momento é sempre igual ao valor da
correcção que foi aplicada no local de construção e montagem da agulha
(apontando a flor-de-lis na direcção dos pólos nesse local), daí João de Lisboa
afirmar que existem agulhas que “fazem
mais afastamento que outras por serem feitas umas orientais outras ocidentais”.
Repliquemos
então a mesma situação anterior agora para o caso de agulhas com os ferros
ferrados fora da
flor-de-lis (agulha genovesa com um factor de correcção oposto à declinação
local que é de 9º leste).
Neste
caso, se uma embarcação saísse de Génova a navegar por um rumo inicial na rosa
de 180 º (figura nº 28), na realidade o seu rumo verdadeiro seria também de
180º, situação que se manteria enquanto a declinação magnética se mantivesse
igual a 9º leste (isto porque o efeito de correcção permanente igual
a -9 graus tinha sido aplicado).
Fig.
nº28 – Saindo de Génova para Sul
Ao
aproximar-se de Lisboa (figura n. 29), se navegasse pela agulha para norte
(360º) na realidade estava a navegar por 356º (+ 5 graus Leste – 9 graus
correcção = - 4 graus).
Fig.
nº29 – Chegando a Lisboa
No
quadro seguinte tentamos representar, numa versão muito simplificada, uma
hipotética viagem de Génova para Lisboa comparando os rumos verdadeiros para
cada um dos dois tipos de agulha.
Nota:
Ferros
na flor-de-lis - Rumo verdadeiro = Rumo da agulha + declinação (+ E, - W)
Ferros
fora da flor-de-lis - Rumo verdadeiro = Rumo da agulha + declinação (+ E, - W)
+ factor de correcção (-9)
Da
comparação do quadro anterior concluímos de imediato o seguinte: a diferença
nos rumos verdadeiros entre as agulhas com ferros na flor-de-lis e as agulhas
com ferros fora da flor-de-lis é exactamente igual (como é evidente) ao factor
de correcção ou ângulo permanente entre os ferros e a flor-de-lis.
A
afirmação de João de Lisboa segundo a qual existem agulhas que “fazem mais afastamento que outras por serem
feitas umas orientais outras ocidentais” fica assim perfeitamente
justificada.
Quando
João de Lisboa fez esta afirmação o fenómeno do noroestear e do nordestear das
agulhas já era perfeitamente conhecido, não se conheciam as razões para a sua
existência mas o fenómeno era conhecido. Ao contrário das agulhas com os
ferros na flor-de-lis,
as que tinham os ferros afastados da
flor-de-lis de acordo com a declinação magnética que se observava no local de
construção das mesmas agulhas ou onde estas eram cevadas, eram orientais ou ocidentais de acordo com o sinal
da correcção (E ou W) implementada. Logo o afastamento observado ao longo das viagens seria obviamente
afectado por esta correcção.
Nas
agulhas com os ferros na flor-de-lis
o afastamento era nulo quando se navegava em zonas de declinação magnética
nula, mas nas agulhas com os ferros fora de flor-de-lis, na mesma situação o
afastamento seria exactamente igual ao factor de correcção.
Fig.
nº30 – Agulha com os ferros fora da flor-de-lis em Génova (ano 1500)
Na figura nº 30 está
representada a agulha com o factor de correcção para cancelamento da declinação
magnética em Génova. Na figura nº 31 está representada a mesma agulha
mas numa zona de declinação magnética nula (linha agónica). O afastamento observado é de facto
igual à correcção implementada no lugar de construção e montagem da agulha.
Fig.
nº31 – A mesma agulha numa zona de declinação nula
Alguma
razão, ou um somatório de várias razões, terá contribuído para a ideia de
evoluir para um tipo de agulhas de marear com os ferros fixos na rosa,
desta forma a flor-de-lis estava sempre alinhada com a agulha magnética. Foi
esta a opção adoptada pelos Portugueses eventualmente ainda no século XV sendo
de utilização corrente no século XVI. Estamos profundamente convencidos que a
generalização da utilização do Sol na navegação astronómica terá tido um papel
preponderante nesta opção dos construtores portugueses de agulhas de marear.
Vejamos
o que diz o espanhol Alonso de Santa Cruz, famoso cartógrafo espanhol do Século
XVI que visitou Portugal em 1545, na sua obra “Libro de Longitudes” (publicada
em 1555) sobre o facto de os pilotos espanhóis utilizarem agulhas com ferros
ferrados fora da
flor-de-lis ao contrário dos pilotos portugueses que utilizavam agulhas com os
ferros ferrados na flor-de-lis.
“
[comparando com os portugueses] lo que no hacen los pilotos [espanhóis] que
navegan el poniente, por llevar los hierros debaxo da la rosa media quarta más
al levante de la flor de lis de las 32 em que está repartida el aguja que es la
diferança que la aguja hace hacia al nordeste de Sevilla”.
Alonso
de Santa Cruz diz que os pilotos espanhóis que navegavam para as Índias
Ocidentais [poniente]
com agulhas com ferros ferrados fora da flor-de-lis, iniciavam as suas viagens
(de Sevilha, Huelva, etc.) com a ponta norte da agulha a apontar [por llevar los
hierros debaxo da la rosa] para levante (leste, oriente,
nascente) com um desvio em relação à flor-de-lis (norte do cartão da rosa-dos-ventos)
igual a cerca de 5,625 graus [media quarta más al levante de la flor de lis de
las 32 em que está repartida el aguja]. Este ângulo seria o valor da
declinação magnética (5,625 graus Leste) que seria observado em Sevilha naquela
época, por quem montava ou cevava as
agulhas de marear naquela zona.
Na
figura nº 32 tentamos ilustrar esta situação não respeitando a escala face
ao ângulo (meia quarta) para tornar a figura mais legível.
Fig.
Nº32 – À saída de Sevilha
Mas
Alonso de Santa Cruz disse mais ainda:
“es que los
portugueses traen más verdad y que lo han notado más curiosamente, porque
llevan los hierros cebados debajo da la flor de lis de la rosa del aguja u asi
há lugar de hacerse mejor las consideraciones…”
Alonso
de Santa Cruz basicamente diz que os portugueses, por utilizarem os ferros
ferrados na flor-de-lis, obtinham melhores resultados com a utilização das suas
agulhas, isto em comparação com os marinheiros espanhóis. Em que se baseava o
espanhol para fazer esta afirmação?
Seguidamente
apresentamos uma tabela que tenta representar uma hipotética viagem com a
duração de 30 dias de Sevilha a um porto das Caraíbas em meados do século XVI.
Considerámos a declinação à saída de Sevilha como sendo igual a seis graus
Oeste, e utilizámos os valores estimados para a declinação magnética da época
ao longo da travessia do Atlântico. Os rumos da agulha são absolutamente
hipotéticos, não considerando as normais singraduras dos navios da época, assim
sendo tentámos utilizar valores médios para os rumos. Fizemos a comparação dos
rumos verdadeiros caso tivéssemos optado entre utilizar uma agulha com os
ferros na flor-de-lis ou uma agulha com ferros fora da flor-de-lis (como era o
caso dos navios espanhóis).
Nota:
Ferros na flor-de-lis - Rumo verdadeiro = Rumo da
agulha + declinação (+ E, - W)
Ferros fora da flor-de-lis - Rumo verdadeiro = Rumo
da agulha + declinação (+ E, - W) + factor de correcção (-6)
Como
se pode facilmente observar, após uma fase inicial de menor erro, a agulha com
os ferros fora da
flor-de-lis começa a apresentar erros de grandeza muito superiores aos
apresentados pela agulha com os ferros na flor-de-lis, isto porque houve uma mudança de sinal, ou
seja a declinação que era Leste à saída de Sevilha passou a ser de Oeste a
partir de certa altura durante a travessia do Atlântico. Nos primeiros dias os
erros nos rumos acabam por se anular entre si mas mudando o sinal da declinação
então os erros das agulhas com os ferros fora da flor-de-lis passam a ser muitos mais
significativos.
Como conclusão, podemos afirmar que as agulhas de
ferros fora da flor-de-lis eram muito eficazes enquanto a declinação não
variasse ou variasse pouco quando comparada com a declinação magnética do local
de construção/montagem, o factor de correcção implementado anulava a declinação
magnética, daí resultando a navegação por rumos verdadeiros. No entanto, assim
que a declinação variasse significativamente ou de sinal, os resultados
deterioravam-se rapidamente com consequências bem visíveis para a navegação
estimada.
Em
termos práticos, à saída de Sevilha os pilotos espanhóis verificavam que as
agulhas apontavam correctamente em direcção ao Norte mas, nos seus destinos nas
Caraíbas, as agulhas “afastavam-se” do Norte (noroesteavam) em mais de uma
quarta, o dobro do que se observava nas agulhas com os ferros na flor-de-lis.
Esta
situação era muito visível nas travessias do Atlântico com destino às Caraíbas,
dada a contínua alteração da declinação magnética ao longo dessa travessia,
pensamos que seja esta a razão principal para a afirmação “es
que los portugueses traen más verdad ……… asi há lugar de hacerse mejor las
consideraciones…”.
Tratado da Agulha de Marear de João de Lisboa
Regressemos
ao Tratado da Agulha de Marear no ponto em que João de Lisboa apresenta o
seguinte raciocínio:
“…e porque os
antigos não sentiram esta variação,
andavam mudando os ferros das agulhas fora da flor de liz, para que naqueles
meridianos onde as cevavam fossem fixas nos pólos do mundo; e por esta razão
achamos nas cartas todas as costas falsas por uma quarta e por duas”.
Esta
afirmação de João de Lisboa é composta por várias componentes. Identifica a
existência de uma variação, fala das agulhas com os ferros fora da flor-de-lis
e identifica-as como causadoras de erros na qualidade da cartografia da época.
No
capítulo VII do Tratado da Agulha de Marear, “Regra para saberes cevar a tua agulha de
marear”, destacamos a seguinte afirmação:
“saberei que para cevar a agulha perfeitamente, conforme aos padrões de Portugal,
há-de ter os ferros da rosa no meio da flor-de-lis, e não afastados dele coisa
alguma, como tem algumas que se fazem em Flandres, que não são certas…..”
É
interessante a observação que o João de Lisboa faz sobre a existência de
“padrões de Portugal” em relação aos ferros da rosa, facto confirmado em
absoluto pelo espanhol Alonso de Santa Cruz quando afirma “lo que no hacen los pilotos [espanhóis]”.
Variação
A variação aqui identificada por
João de Lisboa é descrita também pelo mesmo desta forma:
“…se forem do meridiano vero [suposto meridiano onde a declinação magnética
seria zero] para o oriente
fazem conhecimento para nordeste tanto quanto vos dele afastais seguindo do
meridiano para o ocidente fazem conhecimento para noroeste… a isto se
chama noroestear e nordestear”.
Esta
afirmação contém o suporte fundamental da (falsa) teoria de João de Lisboa
segundo a qual a longitude estaria directamente relacionada com os desvios que
as agulhas sofriam em relação ao norte geográfico (pólos fixos). Ora, segundo João de Lisboa, os antigos não sentiram esta variação,
continuando a utilizar agulhas de marear com ferros fora da flor-de-lis.
João
de Lisboa parece dar uma indicação que o conhecimento do fenómeno do noroestear e nordestear das agulhas esteve directamente relacionado
com a ideia que então surgiu em Portugal, de ferrar os ferros de forma a estes
ficarem coincidentes com a flor-de-lis.
Para João de Lisboa, as agulhas com os ferros fora da flor-de-lis invalidavam a utilização
da sua (falsa) teoria sobre o cálculo da longitude.
As
agulhas com os ferros fora da
flor-de-lis cancelavam o efeito da declinação local quando era efectuado o
cevar das agulhas, originando a navegação por rumos verdadeiros enquanto a
declinação magnética se mantivesse constante. Com a variação da declinação
magnética com o local e com a data, o noroestear e nordestear das
agulhas também se detectava, mas os rumos verdadeiros estavam afectados pela
correcção inicial (umas mais
ocidentais, outras mais orientais) que era efectuada na operação de
construção e montagem da agulha (a flor-de-lis ficava a apontar para o norte
geográfico), pelo que os resultados da navegação estimada dos pilotos eram
forçosamente diferentes.
Nas
agulhas de ferros fixos ou ferrados na flor-de-lis, o noroestear e nordestear era em relação à flor-de-lis, e segundo
João de Lisboa era possível através de leitura directa destes desvios calcular
a longitude. Para João de Lisboa, com a utilização de agulhas com os
ferros ferrados na flor-de-lis, o cálculo da longitude era simples e directo,
bastava medir a variação local apresentada pela agulha.
Para
João de Lisboa a conclusão era simples e óbvia:
Nas
agulhas de ferros fixos ou ferrados na flor-de-lis, após a operação de cevar,
se a agulha noroesteasse ou nordesteasse em relação
aos pólos fixos, então a
longitude onde se encontrava a embarcação estava proporcionalmente afastada do
meridiano Vero, se pelo contrário a agulha estivesse fixa nos pólos então a
embarcação estava no meridiano Vero. Esta regra mantinha-se ao longo do tempo
em que se utilizava a agulha na navegação da embarcação, até nova operação de
cevar.
Nas
agulhas com os ferros fora da
flor-de-lis, a rosa-dos-ventos era orientada de forma que a flor-de-lis
apontava em direcção ao norte geográfico com um ângulo face à agulha que
respeitava o desvio (declinação) observado localmente no local de construção e
montagem da agulha (ou onde os ferros eram magnetizados), o cálculo da
longitude ficava comprometido.
Costas Falsas
Voltaremos
a este assunto mais adiante neste trabalho mas gostaríamos de abordar este tema
utilizando o que João de Lisboa diz no capítulo I do Tratado.
“e em a flor de lis se hão de pôr os ferros
sem tomar de nordeste nem de noroeste; porque costumavam alguns, como dito é,
fora da flor de liz por uma quarta ou duas ou mais, segundo era fora do
meridiano fixo
João
de Lisboa identifica agulhas de marear cujos ferros chegavam a estar ferrados
fora da flor-de-lis em ângulos superiores às duas quartas. Esta e outras
observações irão ser alvo de um estudo mais detalhado.
Concluímos,
dizendo que no último quartel do século XV, em relação aos Descobrimentos Portugueses
e às agulhas de marear, parece ter existido uma sequência de eventos que
podemos resumir da seguinte forma:
detecção
de que as agulhas noroesteavam e nordesteavam com a
navegação em longitude, nomeadamente durante as navegações efectuadas no Atlântico
Norte pelos marinheiros portugueses;
(falsa)
percepção que a longitude estaria proporcionalmente relacionada com o noroestear e nordestear; e,
utilização
generalizada da agulhas com os ferros ferrados na flor-de-lis de forma a evitar
as deficiências das
agulhas com os ferros fora da flor-de-lis.
09.03.18
Na segunda
metade do Século XV, já era evidente para os navegadores que o norte das
agulhas de marear e o norte geográfico não eram coincidentes na maior parte dos
casos. A identificação do momento da culminação do Sol, condição fundamental
para o cálculo da latitude, permitiu evidenciar de forma clara este facto. A
culminação teria que se verificar a norte ou a sul do local de observação, e
isso não se verificava. Mais tarde, os navegadores da época começaram
sistematicamente a medir a diferença entre os dois pólos, obtendo desta forma o
valor da declinação magnética local (sem que conhecessem a sua existência).
No
Tratado da Agulha de Marear, Capítulo VIII - Que declara a causa e noroestear a nordestear das agulhas,
João de Lisboa escreve o seguinte:
" Convém saber: o
mundo é redondo, como ele mesmo se mostra e por muitas experiências é sabido, e
os pólos sobre que estes céus se movem são dois, pólos árctico e antárctico.
E temos sabido que a dita
agulha de marear tem um ferro de norte e sul; e sendo este ferro cevado na
pedra de cevar, assim o pólo norte como o pólo sul são tão sujeitos aos pólos árctico
e antárctico do mundo, pelo dito cevamento da pedra, por Nosso Senhor influir
nela uma tão singular virtude, que em nenhuma parte repousa nem descansa, senão
quando direitamente com a flor de lis se enfiam (*) em direito com os ditos
pólos do mundo".
(*) -
os ferros
Ainda
no mesmo capítulo VIII, continua João de Lisboa :
" E quando a dita
agulha se acha em parte onde se diante põe a redondeza da terra e mar entre a
agulha e pólo, pelos desejos naturais que tem o dito pólo, se inclina aquela
onde lhe é mais propínquo (*) o que lhe causa o seu noroestear e
nordestear........e se no Cabo das Agulhas, que está junto do Cabo da Boa
Esperança, 28 léguas a leste dele, e no Cabo de São Agostinho [nota-Recife,
Brasil], e
em outra alguma parte a dita agulha está com os pólos o mundo fixa, é porque
ali está recebendo o seu descanso....."
(*)
- próprio
No
Tratado da Agulha de Marear, João de Lisboa tenta sustentar a teoria segundo a
qual as linhas isogónicas teriam uma correspondência directa com os meridianos
terrestres. Segundo esta teoria, a declinação magnética estava directamente relacionada
com a longitude através de uma simples regra de proporcionalidade de acordo com
o desvio para nordeste ou noroeste que as agulhas apresentavam em relação ao
meridiano dos pólos, o meridiano “vero”, a linha agónica, linha que une todos
os lugares onde a declinação magnética é nula.
No
Tratado da Agulha de Marear, Capítulo IX - Em que se declara onde havemos de tomar este meridiano vero, e assim a
quantidade da quarta; e depois das outras, começando da equinocial(*) para os
pólos do Mundo, João de Lisboa escreve o seguinte:
(*)
- equador
" Hás-de
saber que este meridiano vero, onde as agulhas verdadeiramente ferem (*) o pólo
do mundo ártico, divide a Ilha de Santa Maria e a Ponta da Ilha de São Miguel,
que são nas Ilhas dos Açores; e divide a esfera em duas partes iguais,e passa
entre as Ilhas de Cabo Verde, por cima da Ilha de São Vicente, e assim passa
entre o Cabo da Boa Esperança e o Cabo Frio [nota-Rio
de Janeiro, Brasil]. E aqui neste meridiano, achei sempre as fixa no pólo do mundo......"
(*)
- fazem, indicam
É
desta forma que João de Lisboa identifica geograficamente o meridiano vero, ou linha isogónica. Como
facilmente se pode verificar, João de Lisboa desconhecia que os lugares que ele
identificava como fazendo parte do meridiano vero, na realidade não se encontravam no mesmo meridiano.
No
capítulo VI, é identificada a regra de proporcionalidade de acordo com o
desvio para nordeste ou noroeste que as agulhas apresentavam em relação ao
meridiano dos pólos, o meridiano “vero”.
"......aquela é a
diferença da tua agulha, e assim verás o afastamento; se é para o oriente ou
para o ocidente; e assim verás o paralelo em que estás, para saberes quanto
hás-de dar por quarta, porque as quartas não são iguais em léguas, por respeito
da estreitura da esfera.
Estes são os paralelos, e
quanto vale cada quarta da agulha que te noroestear ou nordestear:
Na equinocial (*) vale a
quarta....................................................350 léguas
A cinco graus da
equinocial vale a quarta......................................347 léguas
A dez graus da
equinocial vale a quarta........................................342 léguas
A quinze graus
da equinocial vale a quarta....................................336 léguas
A vinte graus
da equinocial vale a quarta......................................329 léguas
A vinte e cinco graus da
equinocial vale a quarta............................320 léguas
A trinta graus da
equinocial vale a quarta.....................................304 léguas
A trinta e cinco
graus da equinocial vale a quarta...........................280 léguas
A quarenta graus da
equinocial vale a quarta.................................264 léguas
A quarenta e
cinco graus da equinocial vale a quarta.......................249 léguas
A cinquenta graus
da equinocial vale a quarta................................226 léguas
A cinquenta e cinco graus
da equinocial vale a quarta......................203 léguas
A sessenta graus
da equinocial vale a quarta.................................175 léguas
A sessenta e cinco
graus da equinocial vale a quarta.......................164 léguas"
(*)
- equador
Em
1500, a declinação magnética em Lisboa era aproximadamente igual a 5º Leste, as
agulhas nordesteavam. Sendo a latitude de Lisboa aproximadamente igual a 38º
Norte (a 38 graus da equinocial)
, e consultando a tabela supra, podemos considerar a quarta como igual a 270
léguas. Como 5º (valor do desvio) é um pouco menor que metade de uma quarta,
podemos então considerar que de acordo com esta teoria, Lisboa estava cerca de
130 léguas para leste do meridiano vero, quando a distância real é um pouco
menor que 800 milhas.
Incoerências do próprio Tratado
Como
já referido, a mais antiga versão que se dispõe do Tratado da Agulha de Marear
data de meados de Quinhentos quando o tratado é de 1514, o que significa que
existirão diversas cópias entre o original e a cópia mais antiga conhecida.
Como teremos oportunidade de verificar, no capítulo X do Tratado, são
atribuídos ás quartas valores diferentes dos que são identificados no capítulo
VI, o que demonstra que o Tratado sofreu diversas alterações ao longo dos anos.
No Capítulo X - Para saberes quantas léguas estás arredado do meridiano vero, João de Lisboa escreve o seguinte:
" Se quiseres saber quanto estás arredado do meridiano vero dos pólos fixos, a saber, de 30 graus até aos 45 de entre ambos os pólos, saberás que em qualquer quarta que vai fora do meridiano, releva por quarta 250 léguas; e assim vai em todas as quatro quartas que não é mais larga nem baixa, nem para leste nem para oeste, que as ditas 250 léguas, e isto desde o meridiano até chegar às quatro quartas, quer para a parte de leste quer para a parte de oeste, porque só chega às quatro quartas, e logo torna a buscar seu meridiano de grau em grau..............as quatro quartas é o mais alto, e dali logo vai buscar o seu meridiano e desfaz o que subiu......."
O
que é afirmado no parágrafo anterior, pode ser representado desta forma:
Como
primeiro facto a realçar, destaque para a regra das 250 léguas por quarta entre
os paralelos 30 e 45. O segundo facto digno de nota é que o autor do referido
parágrafo usa como base de raciocínio uma rosa dos ventos dividida em 16
quartas, o que coloca sérias dúvidas sobre a data original desta porção do
texto.
A
reforçar esta nossa convicção, vejamos o parágrafo seguinte, no mesmo Capítulo
X:
" e há deste
meridiano a este pólo movível 2000 léguas, e deste meridiano até o outro
meridiano há 4.000 léguas por esta altura dos 30 graus até os 45
graus...................."
Não
se pode ter a certeza absoluta que tenha sido João de Lisboa o responsável pela
divulgação desta teoria, que estabelecia uma relação directa e proporcional
entre a declinação magnética e a longitude. D. João de Castro, ao abordar
esta teoria em 1538, após ter concluído, após diversas observações, que o
desvio magnético não tinha relação com as diferenças de meridiano, chegou mesmo
a referir que o facto de Ptolomeu ter feito passar pelas Canárias o meridiano
para o início da contagem das longitudes, poderia estar na origem desta
falsa teoria pois
"do que me parece
que naceo o engano de alguns pilotos cuidarem que, na parajem destas ilhas, não
varião as agulhas cousa alguma"
Apesar
de D. João de Castro, ter negado a veracidade da teoria identificada no
Tratado da Agulha de Marear em 1538, muitos pilotos continuaram
a utilizar a teoria proposta por João de Lisboa até meados do
século XVII.
05.03.18
Em actualização
Na segunda
metade do Século XV, já era evidente para os navegadores que o norte das
agulhas de marear e o norte geográfico não eram coincidentes na maior parte dos
casos. A identificação do momento da culminação do Sol, condição fundamental
para o cálculo da latitude, permitiu evidenciar de forma clara este facto. A
culminação teria que se verificar a norte ou a sul do local de observação, e
isso não se verificava. Mais tarde, os navegadores da época começaram
sistematicamente a medir a diferença entre os dois pólos, obtendo desta forma o
valor da declinação magnética local (sem que conhecessem a sua existência).
No
Tratado da Agulha de Marear, Capítulo VIII - Que declara a causa e noroestear a nordestear das agulhas,
João de Lisboa escreve o seguinte:
" Convém saber: o
mundo é redondo, como ele mesmo se mostra e por muitas experiências é sabido, e
os pólos sobre que estes céus se movem são dois, pólos árctico e antárcticos.
E temos sabido que a dita
agulha de marear tem um ferro de norte e sul; e sendo este ferro cevado na
pedra de cevar, assim o pólo norte como o pólo sul são tão sujeitos aos pólos árctico
e antárctico do mundo, pelo dito cevamento da pedra, por Nosso Senhor influir
nela uma tão singular virtude, que em nenhuma parte repousa nem descansa, senão
quando direitamente com a flor de lis se enfiam (*) em direito com os ditos
pólos do mundo".
(*) -
os ferros
Ainda
no mesmo capítulo VIII, continua João de Lisboa :
" E quando a dita
agulha se acha em parte onde se diante põe a redondeza da terra e mar entre a
agulha e pólo, pelos desejos naturais que tem o dito pólo, se inclina aquela
onde lhe é mais propínquo (*) o que lhe causa o seu noroestear e
nordestear........e se no Cabo das Agulhas, que está junto do Cabo da Boa
Esperança, 28 léguas a leste dele, e no Cabo de São Agostinho [nota-Recife,
Brasil], e
em outra alguma parte a dita agulha está com os pólos o mundo fixa, é porque
ali está recebendo o seu descanso....."
(*)
- próprio
No
Tratado da Agulha de Marear, João de Lisboa tenta sustentar a teoria segundo a
qual as linhas isogónicas teriam uma correspondência directa com os meridianos
terrestres. Segundo esta teoria, a declinação magnética estava directamente
relacionada com a longitude através de uma simples regra de proporcionalidade
de acordo com o desvio para nordeste ou noroeste que as agulhas apresentavam em
relação ao meridiano dos pólos, o meridiano “vero”, a linha agónica, linha que
une todos os lugares onde a declinação magnética é nula.
No
Tratado da Agulha de Marear, Capítulo IX - Em que se declara onde havemos de tomar este meridiano vero, e assim a quantidade
da quarta; e depois das outras, começando da equinocial(*) para os pólos do
Mundo, João de Lisboa escreve o seguinte:
(*)
- equador
" E
quando a dita agulha se acha em parte onde se diante põe a redondeza da terra e
mar entre a agulha e pólo, pelos desejos naturais que tem o dito pólo, se
inclina aquela onde lhe é mais propínquo (*) o que lhe causa o seu noroestear e
nordestear........e se no Cabo das Agulhas, que está junto do Cabo da Boa
Esperança, 28 léguas a leste dele, e no Cabo de São Agostinho [nota-Recife, Brasil], e em outra alguma
parte a dita agulha está com os pólos o mundo fixa, é porque ali está recebendo
o seu descanso....."
Um
dos mecanismos cujo conhecimento chegou aos nossos dias e cuja utilização
associada à agulha de marear permitia a determinação mais rigorosa do momento
da passagem pelo meridiano do lugar de um determinado astro, era constituído
por uma semicircunferência de arame que era montada sobre a caixa da
bússola, com as suas extremidades colocadas em pontos opostos, com o
objectivo de que o plano da semicircunferência ficasse perpendicular ao da
rosa-dos-ventos, ou seja coincidente com o plano vertical que continha a agulha
de marear.
Mantendo
a base da caixa da agulha em posição horizontal, esta devia ser orientada
(rodada) de modo que o plano da semicircunferência coincidisse com o círculo
vertical do astro em observação. Esta operação tinha a designação de bornear a
agulha. Nesta posição era possível comparar o azimute da estrela com o valor
indicado pela agulha, sendo o ângulo obtido directamente através da leitura na
rosa-dos-ventos. De facto, nesta posição e caso o astro observado estive a
culminar, o plano vertical da semicircunferência de arame era o meridiano do
lugar e o ângulo observado era o valor da declinação magnética local. A estrela
Polar e a constelação do Cruzeiro do Sul, foram intensivamente e durante muitos
anos utilizadas neste processo.
A operação
de bornear era delicada pois a caixa da agulha de marear tinha de ser
mantida numa posição que garantisse que a sua base estivesse horizontal. A
própria leitura do ângulo observado era difícil de efectuar para quem rodava em
simultâneo a agulha de marear, existem vários relatos que demonstram de forma
inequívoca que esta operação era feita por duas pessoas. Por outro lado, quanto
mais elevado estivesse o astro em relação a horizonte, maior era o erro do
processo, isto porque a caixa também teria que ser colocada numa posição mais
elevada para permitir o "bornear" do astro.
É
fácil concluir que deverá ter existido um número elevado de variantes deste
mecanismo. Pensamos que em alguns casos a semicircunferência em arame (figura
nº.15) possa ter sido constituída por duas semicircunferências, paralelamente
ajustadas entre si para que existisse um pequeno intervalo (ranhura) entre os
dois arames que facilitasse o correcto alinhamento visual com o astro a
observar.
.Fig. nº15 – Utilização da semicircunferência em arame
João
de Lisboa, no capítulo VI – “em que se declara como hás-de ter a agulha nas mãos” - do
Tratado da Agulha, e quando se debruça sobre o Regimento do Cruzeiro do Sul
(que não iremos abordar mas que era o equivalente aos Regimentos da Polar
mas no hemisfério Sul), faz a seguinte descrição da aplicação de um aparelho ou
artefacto que permitia medir a declinação da agulha :
“Ao tomar esta
agulha na mão, hás-de olhar que a tenhas sempre ao nível (*), porque estando
acostada (*) é falsa, e não se fará a verdadeira conta. E assim mesmo hás-de
ver que o seu circulo não jaza acostado (*), mas antes do zénite dela caia uma
linha com chumbo pelo meio da rosa (*); e, vindo assim, então está para se
fazer verdadeira operação ”
(*)
– preocupação em garantir a horizontalidade e estabilidade da agulha de marear
Prossegue
João de Lisboa:
“Então bornearás
pelos furos do semi-circulo o pé do Cruzeiro, até que seja metido pela
abertura; então verás onde aponta a flor-de-lis da agulha …”
Quando
se afirma "bornearás pelos furos" significa que a caixa da agulha
seria rodada até que os furos estivessem
alinhados. Esse alinhamento deveria coincidir com o alinhamento do astro no
plano vertical do semi-circulo...."até que seja metido pela abertura; então
verás onde aponta a flor-de-lis da agulha …”.
Só
nesse preciso momento é que a operação era considerada como concluída, "então verás onde
aponta a flor-de-lis da agulha …”.
A
utilização deste tipo de aparelho teve início na segunda metade do Século
XV, quando já era evidente para os navegadores que o norte das agulhas de
marear e o norte geográfico não eram coincidentes na maior parte dos casos.
Recorrendo à Polar ou ao Cruzeiro do Sul, com o intuito de medir a diferença
entre os dois pólos, obtendo desta forma o valor da declinação magnética local,
os navegadores da época começaram a perceber que as diferenças observadas
variavam não apenas entre os diversos locais por onde navegavam mas também
com o passar do tempo.
A construção e montagem a bordo deste tipo de
mecanismos de leitura de azimutes e de sombras surge com o início da utilização
do Sol na navegação astronómica. O conhecimento do momento da passagem
meridiana do Sol era um factor crítico para o cálculo da latitude. No
caso da Polar e do Cruzeiro do Sul, se as condições atmosféricas o
permitissem, os respectivos regimentos eram aplicados através de uma simples
observação dos céus, não era necessário qualquer tipo de leitura mais ou menos
rigorosa de azimutes.
A
aplicação de aparelhos de sombras nas agulhas já seria prática relativamente
comum, mais antiga, e que era feita para identificar a passagem meridiana do
Sol, tendo esta operação com o tempo evoluído para a avaliação dos ângulos
associados à declinação magnética, passando a ser feita utilizando a Polar e o
Cruzeiro do Sul, com a intenção de medir o "afastamento entre os pólos".