quarta-feira, 28 de setembro de 2011

" Gago Coutinho e Sacadura Cabral, travessia aérea do Atlântico Sul e a verdade incontestável dos conhecimentos marítimos...


Carlos Viegas Gago Coutinho (1869-1959)
Almirante.
Insigne geógrafo e navegador, concluiu o curso da Escola Naval em 1888.
Após o que passou por vários navios, entre os quais o couraçado «Vasco da Gama», as canhoneiras «Liberal», «Zambeze», «Limpopo» e «Douro».
Comandou as canhoneiras «Sado» e «Pátria» e a lancha canhoneira «Loge».
De 1898 a 1918 trabalhou como geógrafo em trabalhos geodésicos, topográficos e de delimitação das fronteiras dos territórios ultramarinos.
Em 1918 foi nomeado vogal da Comissão de Cartografia de que veio a ser presidente em 1925.
Em 1922, com a colaboração de Sacadura Cabral, efectuou a primeira travessia aérea entre a Europa e a América do Sul, que lhe trouxe reconhecimento mundial.
Criou, para o efeito, um sextante com horizonte artificial.
Em 1926 foi nomeado director honorário da Aeronáutica Naval Portuguesa.
Em 1928 foi escolhido pelo Ministério da Guerra para presidir à comissão encarregada de reorganizar os serviços geográficos, cadastrais e cartográficos.
Em 1933 executou diversos projectos hidrográficos em Timor, regressando a Moçambique com o objectivo de efectuar trabalhos geográficos.
Como presidente da Comissão de Cartografia concorreu eficazmente para a criação da Missão Geográfica de Moçambique e para a solução definitiva da fronteira Luso-Belga na região do Dilolo e Luau .
Das suas inúmeras obras destaca-se "A Náutica dos Descobrimentos".
Fonte: Teixeira da Silva, Reis Arenga, Silva Ribeiro, Santos Serafim, Alburquerque e Silva e Melo e Sousa. “A Marinha na Investigação do Mar. 1800-1999”. Instituto Hidrográfico, Lisboa 2001.
O Dr. Manuel Luciano da Silva , médico (n.1926 -f. 2012), como Secretário Fundador da “Miguel Corte Real Memorial Society” de Nova Iorque escreveu ao Almirante Gago Coutinho a pedir-lhe a sua opinião científica sobre as viagens dos Corte Reais e a descoberta da América.
Eis na íntegra, o documento do investigador que durante sessenta anos estudou os descobrimentos navegando no Oceano Atlântico mais de 31 mil milhas e não comodamente sentado na sua biblioteca.

Carta do Almirante Gago Coutinho:

Lisboa 9 de Março de 1952
Exmo. Senhor Secretário da “Miguel Corte Real Memorial Society, Inc.”
Vou responder à vossa interessante carta de 30 de Janeiro passado, que vinha acompanhada dos fascículos “The Portuguese World”, muito interessante, o que muito vos agradeço. Já pelo correio passado vos enviei uma dezena de folhetos sobre a viagem dos Corte-Reais, que concretiza algumas ideias inéditas a tal respeito. A vossa remessa, por causa de demoras na Alfândega daqui, só há uma semana me veio às mãos.

Peço vossa atenção para as minhas ideias náuticas sobre o descobrimento americano, realizado muito provavelmente mesmo antes de Colombo, possuído de ideias portuguesas, ter chegado às Antilhas (Caraíbas) em 1492. Só chegou ao Continente Sul-americano na sua exploração de 1498.

Desde que os navegadores portugueses foram aos Açores, em 1431, notaram que lá iam dar restos de vegetais estranhos na Europa e levados por ventos e correntes de Oeste, lá dominados. 
Tais terras ocidentais, que os “Doutores” da Península tinham fortes razões para suporem não indianas, interessaram alguns aventureiros Portugueses – citados por H. Harrisse - a começar com Teive em 1452, antes de o Infante falecer em 1460.
Aconteceu, porém, que essas terras misteriosas não interessavam os Reis de Portugal - que nunca financiaram as expedições para Oeste, porque estavam convencidos de que o ambicionado “Plano da Índia”, só era praticável a contornar a África pelo Sul. 
O caso foi lucidamente preparado desde o tempo do Infante – desde, digamos, 1434 – mas só foi afinal realizado por Vasco da Gama em 1498, depois de estudada a maneira de vencer o vento Sudeste, oposto a viagens directas de Cabo-Verde para o da Boa-Esperança.
Reconhecido que tinham sido tais ventos o “Monstro” que tinha impedido o sucesso das tentativas de Cartagineses, Fenícios, Catalães, Normandos e Genoveses, o Infante resolveu começar o estudo pelo princípio convencido de que as viagens de Alto Mar estavam interditas aos barcos do Mediterrâneo – às Galés – por causa de numerosa chusma de remadores, que era preciso alimentar bem, o Infante, ouvindo Doutores e Mareantes – segundo a versão do conhecido quadro do pintor Sousa-Lopes conclui que se impunha a criação de um barco próprio para reconhecimentos no Alto-Mar, pequeno, maneio, de tripulação reduzida.
Assim, nasceu a chamada “Caravela Portuguesa”.
Para a orientar quando fora da vista de terra, sem receio de os navios não poder voltar -- receio que Colombo, meio século depois não levava – recorreu-se, a observação da única coisa que lá podia servir – os Astros – como se faz hoje. 
Para o que bastou simplificar o Astrolábio e tornar os Almanaques astronómicos, conhecidos na Península havia séculos, extraindo deles, manuscritos e os Regimentos da Estrela do Norte e do Sol.
Armados com este novo recurso, os “Caravelistas” passaram além das Canárias, do Cabo Bojador. 
Ventos e correntes eram contrários ao regresso. 
Mas descobriu-se que ao largo da costa se faziam de Leste, permitindo ganhar Norte, até que, no Mar dos Açores, os ventos de Oeste, e depois de Norte, permitiam o regresso a Sagres.
Tal navegação era apoiada nas observação astronómicas, que indicavam os erros das agulhas e, também as Latitudes. 
Só desde o século 1700, com os instrumentos de “duplas reflexão”, criados por Newton, é que foi praticável a determinação da hora no alto mar e se melhorou a Navegação, com a longitude.
Mas os recursos usados no século de 1400 - com os quais se contornavam os ventos contrários, passando ao largo da África pelo chamado “Mar de Sargaço” --permitiram ir-se a toda a parte, à vela. 
Naquela volta larga, descobriu-se o vento de Leste, dominante no Atlântico-Central, ao qual já me referi.
E assim se tornaram praticáveis as viagens ao Ocidente, com o regresso garantido pelos Açores sempre com ventos favoráveis.
Isto era conhecido dos Pilotos aventureiros, e, foi com estes, que o nome falso de "Colombo", (o verdadeiro Colon, ou melhor Salvador Fernandes Zarco) aprendeu a maneira segura de ir e voltar das falsas Antilhas (Caraíbas), o que não poderia ter adivinhado.
E, embora isto não seja considerado por alguns Professores americanos, como George Nunn, W. Greenlee, Samuel Eliot Morison, etc., todos desprezando a Arte-Náutica, e tão “colombianos” que admitem que Colombo os conheceu por inspiração ou instinto, e não por ter navegado entre 1480 e 1490 com Pilotos Portugueses, para quem tais princípios tinham sido bebidos a bordo das “Caravelas Portuguesas”, é certo 
De sorte que, por os Aventureiros Portugueses, não subsidiados como Colombo por uma Rainha-Aventureira e Ambiciosa – D. Isabel de Castela – e por saberem navegar melhor que escrever, é pouco claro para letrados o rasto que eles deixaram, ao contrário do que aconteceu com Colombo.
Henry Harrisse, no seu estudo, “Les Corte Real”, como júris-consulto, não dá valor a estas considerações, e duvida da passagem de JOÃO VAZ  CORTE REAL pela Terra Nova em 1472, portanto antes de Caboto ter chegado a uma terra ocidental que não sabemos bem onde fica e que, teria, talvez, sido costa dos actuais Estados Unidos da América do Norte.
Acontece, porém, que o conhecido mapa Português, ainda existente, e levado para Itália por Cantino, secretamente, apresenta já em 1502 a característica Península da Flórida, indicando que Pilotos Portugueses lá chegaram idos pelo Sul com só mesmo ventos favoráveis que levaram Colombo às Caraíbas, muito antes de os espanhóis lá terem chegado em 1511.

Certo, é mais lícito supor que nas conhecidas e numerosos viagens portuguesas à Guiné, repetidas, desde 1445, os Pilotos Portugueses descobriram aquilo que é gratuitamente atribuído em geral ao génio de Colombo, como os ventos dominantes, todo o ano – os “alisados” – de “corrente” de Oeste – o “Gulf Stream” - e até à “variação da agulha” , sem dúvida conhecida dos Astrólogos, por ser essencial para os “Relógios de Sol”.
Esta e outras conclusões infantis, são facilmente desfeitas por quem tenha viajado à vela “com olhos de ver” como me aconteceu a mim desde 1892, há sessenta anos.
E o ‘talent’ do instinto de Colombo, como o do acaso de Cabral, estão tão arreigados no espírito dos letrados terrestres, que quem começar por escrever sobre Colombo, como é frequente em Itália – onde é acatada a fantasia dos descobrimentos de Vespúcio pelo Professor Magnaghi – aqueles partem sempre em principio por aceitar as “conceptions” de George Nunn!
Em resumo, há provas de que os Pilotos que frequentaram o “Mar dos Sargaços”, desde pelo menos 1446 -- antes o nome falso  de Colombo nascer -- tinham experiência para muito antes dele, e mesmo antes de 1472, poderem ir à costa americana. 
Nauticamente, tal costa foi descoberta pelos experientes pilotos portugueses muito antes de 1492.
Tal é o comentário técnico-náutico, com que apoio a versão das navegações dos Corte Reais como os Pioneiros incontestáveis do descobrimento da América.
Assinou, Gago Coutinho

GASPAR CORTE-REAL

Pelo Almirante Gago Coutinho (Separata do BOLETIM DA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA,11- Novembro- 1933)
 É tradição muito antiga, repetida pelos cronistas e geralmente aceite, que Gaspar Corte-Real, cerca de 1500, descobrir a Terra Nova,. Da última das suas viagens não voltou, e os que o foram procurar tão pouco trouxeram notícias dele. Para investigação das suas viagens apenas dispomos de poucos documentos, e esses incompletos, exagerados, ou mesmo contraditórios. Por um lado, fazia-se segredo da navegação ocidental, possivelmente na zona de Espanha; por outro lado, ele não as pode vir esclarecer. Partirei do estudo desses escassos elementos, assim como da aplicação do princípio geral tantas vezes posto de parte na História da Navegação, princípio que é o de não esquecer que as viagens de descobrimento, seja das ilhas, do continente americano, ou do caminho marítimo para a Índia, foram realizadas em navios de vela, dependentes das rotas oceânicas que aos navios impõem os ventos gerais, O presente artigo foi objecto de uma comunicação apresentada pelo eminente geógrafo e glorioso almirante Gago Coutinho, na sessão comemorativa do dia dos Corte ·Reais em 2 de Julho do ano findo na SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA tanto no Passado, como actualmente aos nossos veleiros. Além disso, é sabido, pelos roteiros da Índia e outros, que havia nos primitivos pilotos a preocupação de navegar pelas regiões cujos ventos mais probabilidades ofereciam de assegurar a derrota. Assim, apesar de, no inverno não ser essencial ir buscar, barlavento à Guiné, para depois, com mais segurança, se monta a costa do Brasil, era aconselhada a todos os navios de vela a bordada de Cabo Verde ao Sueste, até às alturas da Serra Leoa. O desconhecimento desses princípios levou os antigos historiadores a grandes erros: tal é o que se passa com Américo Vespúcio, que foi considerado grande descobridor, quando das suas cartas se conclui até que ele talvez nem fosse náutico I Enfim, para estudar as viagens de descobrimento, temos de nos imaginar dentro delas, dispondo apenas dos recursos da época. E, nesta orientação, é de crer que Gaspar Corte-Real, na sua primeira viagem ao Ocidente, ignorando o regime dos ventos ao Noroeste dos Açores, tivesse seguido o critério náutico mais prudente, qual é o de procurar ganhar Oeste indo pelas latitudes ao sul das Canárias, onde dominam os ventos entre Norte e Leste, neste caso favoráveis No fim do século XV, era em Portugal que se encontravam os mais experientes navegadores de alto mar. Porque havia mais de 80 anos que, com sucesso, os mareantes portugueses se ocupavam nas trabalhosas viagens de descobrimentos de além mar, tal sucesso animou outras empresas, e, embora nos faltassem recursos para ocupar todo o mundo, o facto é que as viagens de Colon às Caraíbas mais excitaram os esforços portugueses. De facto os nossos mareantes tinham-se provado capazes das mais difíceis viagens: Desde que, em 1470, se cortara o Equador, a navegação do Atlântico tornara-se-lhes familiar. Toda a costa de África fora rapidamente reconhecida; em 1487, Bartolomeu Dias, passando além do Cabo da Boa Esperança, entrava no Oceano Índico; e, em 1497, Vasco da Gama, depois da travessia do Atlântico Sul, em arco pelo largo, navegando três meses sem ver terra- o que ainda hoje seria considerado uma viagem grande ia demandar o Cabo, e encontrava o caminho marítimo, que ligava Lisboa à Índia. Por outro lado, era antiga a suspeita da existência de terras ao largo dos Açores, fundada, não só na tradição, como também no testemunho dos detritos vegetais que as correntes marítimas para lá .arrastavam. Foi esta suspeita que motivou as numerosas concessões de cartas régias, para navegar, não à procura do caminho da Ásia. Colombo propusera a D. João II umas das terras ou ilhas do Ocidente, a que se dera o nome de Brasil, Antilia e Sete Cidades. Não sabemos que resultado prático tiveram essas tentativas; mas não eram auxiliadas pelos Reis, desinteressados dessas terras longínquas. E mais tarde, depois do Tratado de Tordesilhas, a convicção geral era que, no hemisfério Norte, nada nos ficara aquém do meridiano, ou entre a parte do Atlântico reservada a Portugal, e aquela que fora abandonada à Espanha. Esta mesma crença nas terras de Oeste levou um veneziano, residente em Inglaterra, João Cabotto, a tentar, no fim do século XV, .a descoberta da terra das Sete Cidades. Sobre as viagens de João Cabotto, sabe-se muito menos que a respeito das dos Corte-Reais. As suas viagens foram duas. Da primeira vez partiu de Bristol com um pequeno navio de 18 homens de tripulação, em .Maio de 1497. Conta-se que começou por navegar da Irlanda para o Norte, até que encontrou gelos flutuantes. Só então aproaram a Oeste. tendo navegado 400 ou, segundo outra informação, 700 léguas- viu-se terra, da qual foram costeadas 300 léguas. O clima era temperado, e havia muito peixe. l Desembarcando, não encontraram gente, mas só vestígios dela, como armadilhas de caça e uma agulha de fazer rede de pescar. As marés tinham pequena amplitude. Na volta para Inglaterra avistaram-se duas ilhas por estibordo; chegaram em três meses de viagem. É de crer que os rumos indicados sejam da agulha magnética; mas, com o importante nordestear que ela tinha  naquela época nas regiões a Oeste da Irlanda, não é fácil conciliar esta navegação, que deveria ser nos mares do Norte, muito frios, com a informação sobre o clima temperado. João Cabotto, depois do sucesso desta primeira viagem em que se supôs ter atingido as Sete Cidades- propôs-se dirigir outra, continuando ao logo da terra já descoberta, sempre para Oeste, até se aproximar da ilha Cipango que ele situava na região equatorial, e que supunha rica de joalharia e de especiarias. Partiu, de facto, no verão de 1498 com carta de Henrique VII, e parece que com cinco navios, de armadores particulares; ignora-se quantos navios voltaram, quando foi, e onde estiveram. Somente, por um despacho de 25 de Junho de 1498, do Embaixador Espanhol em Londres, Pedro de Ayala, consta que Cabotto tinha feito um mapa mundo tendo partido em busca das ilhas do Brasil e das Sete Cidades, naturalmente marcadas por ele no seu mapa. Ligando-se com esta informação, chegou até nós o plano do piloto espanhol La Cosa, feito em 1500. Neste mapa, entre as longitudes 30 e 60 graus M Gr., aparece desenhada uma costa, corrida de Leste a Oeste, e ligada com uma outra costa vaga, a qual passa cerca de 150 léguas ao Norte de Cuba. Esta última parte da carta não se pode identificar com verdade, e corresponde portanto a uma conjectura; mas as 300 léguas em Leste, da mesma costa, têm alguma nomenclatura e cinco bandeiras inglesas, além da legenda, 'Mar descoberta por ingleses. Daqui se conclui que o cartógrafo teve informações sobre a descoberta de uma costa, anteriormente a·1500, provavelmente por João Cabotto. Mas o desenho é tão vago que não deve corresponder a um reconhecimento hidrográfico. Nota-se que não há nesta carta indicação da existência, nem da ilha da Terra Nova, nem da península da Flórida. Donde se pode inferir que o navegador só avistou terra fora daqueles dois pontos. Nota-se mais, com admiração, que, apesar de a terra ao norte de Cuba estar toda francamente a Oeste do marco de Tordesilhas, lá estejam, num mapa feito por um espanhol, bandeiras inglesas indicando mais alguma coisa que a simples descoberta. Como explicá-lo? Enfim, encontram-se mais notícias sobre as viagens de João Cabotto,Pedro Mártir, que, cerca de 1511, escreveu as Décadas. Nelas reproduz informações recebidas de um filho de João Cabotto, Sebastião Cabotto, que foi piloto mor em Espanha. Este contou que, tendo partido com dois navios e trezentos homens navegou tanto ao Norte que em Julho havia gelos flutuantes, e o dia durava quase 24 horas. A terra estava livre, e foram-na contornando para Oeste e um pouco para o Sul, até atingir a latitude de Gibraltar, e a longitude de Cuba. O país tinha alguns habitantes, e também ursos. No mar havia tanto peixe, principalmente Bacalhau que por vezes retardava a marcha dos navios! · Este mesmo Sebastião Cabotto, em 1544- quando toda a costa atlântica da América já era conhecida- fez um mapa, ainda existente em Paris, no qual escreveu «prima tierra vista» num cabo, que é provável identificar com o actual Cabo Breton. Mas não se pode confiar nas suas declarações de maravilhosas descobertas, por ele ser reconhecidamente mentiroso e desonesto, a ponto de se atribuir as navegações reconhecidamente de outros, como a do estreito de Magalhães, e até as do próprio pai, João Cabotto. Não nos restam pois elementos para poder afirmar por que pontos da América teria passado Cabotto, não havendo tão . pouco indicação de ele ter sido o descobridor da Terra Nova. No estudo das viagens de Gaspar Corte-Real começaremos por analisar os documentos que sobre elas nos restam. O mais antigo, de que dispomos, é a carta datada de 12 de Maio de 1500, de doação de D. Manuel a «Gaspar Corterreal, da jurisdição sobre quaisquer ilhas ou terra firme que, pela obra que quer?' ainda agora continuar, novamente achar. Nesta carta fez-se referência a trabalhos anteriores de Gaspar

SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA

Côrte-Real, com homens e navios, à sua custa, para o descobrimento de « algumas ilhas e terra firme. Não podemos deixar de deduzir daqui que obedecer ao mesmo espírito de forte suspeita sobre a existência de terras no Atlântico Ocidental, desde a concessão feita por D. Afonso V em 1457, ao Infante Fernando, até às concessões de 1475, a Telles, e a de 1485. a João do Estreito e Dulmo- Gaspar Côrte-Real já, antes de 1500, tentara também a navegação em busca das terras do Ocidente. Como estes navegadores são em espírito açorianos, deduz-se que era exactamente nos Açores onde a suspeita das terras de Oeste era. mais forte, fundada naturalmente no facto de lá irem dar à costa frequentes vezes detritos vegetais, que a corrente do Gulf-Stream trazia. do Golfo do México. Daquela carta de D. Manuel pode deduzir-se que Gaspar Côrte-Real foi o primeiro navegador ocidental bem sucedido nas pesquisas, porque a sua insistência em as continuar à sua custa é sinal de já ter encontrado algumas terras novas. Um outro documento, mencionado por Varnhagen em 1854, revela-nos que, em 21 de Abril de 1501, G. Côrte-Real recebeu dos fornos nacionais 72 quintais e meio (290 arrobas) de Bizcoyto, a que hoje se chama bolacha de embarque. Côrte-Real só partiu, portanto, cerca de fins de Abril, para a viagem de 1591, da qual não voltou. Aquela quantidade de biscoito, dividida por três navios, aos quais não podemos atribuir uma tripulação total muito inferior a cem pessoas, representa mantimentos para cerca de três meses; de onde se deduz que, desta vez, Gaspar Côrte-Real já não ia à aventura, mas em demanda de terras de recursos, conhecidas. Há ainda no  Esmeraldo de Duarte Pacheco, a vulgarizada afirmação de que, em 1498, D. Manuel «mandou descobrir ha parte ocidental», onde há uma grande terra firme com muitas e grandes ilhas adjacentes, que se estende a mais de 70 graus de latitude Norte e, no hemisfério Sul, a mais de 28 graus, sem se lhe conhecer o fim Está situada «além todo o oceano, ao Ocidente de Portugal e de--------

17 de Junho de 1922: Gago Coutinho e Sacadura Cabral chegam ao Rio de Janeiro, completando a primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

A primeira travessia aérea do Atlântico Sul foi concluída com sucesso pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, a 17 de Junho de 1922, no contexto das comemorações do Primeiro Centenário da Independência do Brasil.

A épica viagem iniciou-se em Lisboa, ao largo da Torre de Belém, às 16:30h de 30 de Março de 1922, empregando um hidroavião mono motor Fairey F III-D MkII, especialmente concebido para a viagem e equipado com motor Rolls-Royce. Sacadura Cabral exercia as funções de piloto e Gago Coutinho as de navegador.

Este último havia criado, e empregaria durante a viagem, um horizonte artificial adaptado a um sextante a fim de medir a altura dos astros, invenção que revolucionou a navegação aérea à época. 

Embora a viagem tenha consumido setenta e nove dias, o tempo de voo foi de apenas sessenta e duas horas e vinte e seis minutos, tendo percorrido um total de 8.383 quilómetros.
Em 1991, um monumento da autoria dos arquitectos Martins Bairrada e Leopoldo Soares Branco e do escultor Domingos Soares Branco, é inaugurado próximo da Torre de Belém. 

Consiste numa réplica exacta em inox de um dos hidroaviões que fez a viagem, o Santa Cruz, tendo no seu interior os bustos, em tamanho natural, dos dois aviadores.


Percurso da primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul

Na manhã de 30 de Março de 1922, às 7 horas, o FAIREY II, tripulado por Gago Coutinho e Sacadura Cabral descolou do Rio Tejo, com destino ao Rio de Janeiro. Cinco dias antes, a 25 de Março, largaram os navios de guerra República, Cinco de Outubro e Bengo, que iriam prestar assistência de voo.

A travessia realizou-se em várias fases, no intervalo das quais os hidroaviões eram assistidos. Contudo, consideram-se quatro etapas na viagem, visto que, devido a problemas mecânicos e condições naturais adversas, foram utilizados três hidroaviões.

A primeira etapa da viagem decorreu sem percalços de maior, durando 8 horas e 17 minutos de Lisboa até Las Palmas da Grã-Canária. Daqui voaram para Guando para conseguirem melhores condições de descolagem. Todavia o traçado do percurso teve ainda de ser revisto porque a provisão de combustível não seria suficiente para um voo sem escala de Cabo Verde a Fernando Noronha.

A segunda etapa iniciou, assim, na madrugada de 5 de Abril com uma descolagem da ilha de Guando, alcançando S. Vicente de Cabo Verde, após 10 horas e 43 minutos, amarando em mar calmo e sem dificuldades. 

 Monumento de Cutileiro na cidade do Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde.

Apesar do sucesso destas duas primeiras fases de voo, que originara o baptismo do avião por decreto, como Lusitânia, adivinhava-se praticamente impossível um voo directo entre S. Vicente e Fernando de Noronha, devido aos elevados consumos de combustível. Perante a vontade de continuar a viagem e provar a precisão do voo aéreo, bem como a cientificidade dos instrumentos utilizados, Gago Coutinho e Sacadura Cabral decidiram fazer escala nos Penedos de S. Pedro, onde o cruzeiro República lhes prestaria assistência.

Na terceira etapa da viagem, cuja partida se deu a 18 de Abril, persistiam as dificuldades a nível do combustível e o vento não ajudava numa deslocação mais rápida do avião. A precisão dos cálculos de Gago Coutinho permitiu que o avião iniciasse a sua descida até aos penedos quando apenas restavam dois a três litros no tanque. Verificou-se ,assim, uma descida forçada sobre o mar cavado, que arrancou um dos flutuadores, o que levou a que o hidroavião se inclinasse para bombordo, tendo, por isso, entrado água na proa.

O cruzeiro República socorre ao acidente, salvando os pilotos, livros, o sextante, o cronómetro e outros instrumentos, transportando, seguidamente, Gago Coutinho e Sacadura Cabral para Fernando Noronha.

Para perpetuar o ocorrido, os aviadores deixaram nos penedos um padrão de chapa de ferro, onde está cravado a letras de latão: "Hidroavião Lusitânia – Cruzador República.

A Nação portuguesa entrou em delírio e o clima emocional levou o Governo a enviar outro avião, oferecido pelo Ministério da Marinha. Durante estes contratempos, os dois heróis ficaram ancorados na ilha de Fernando de Noronha, a bordo do República., onde decidiram que a nova etapa não devia iniciar naquela ilha, sendo preciso voltar atrás e sobrevoar os Penedos de S. Pedro, rumo ao Brasil.

O novo Fairey, para o qual foram transplantadas as asas do outro avião, a fim de lhe proporcionar uma maior sustentação, levantou voo da ilha de Fernando Noronha, na manhã de 11 de Maio.

O voo prosseguiu sem problemas de maior, mas, após sobrevoar os penedos e já em direcção ao Brasil, o motor parou provocando uma amaragem de emergência. Embora esta tenha sido perfeita e em mar calmo, a longa espera por auxílio teve como consequência uma situação trágica, na qual os flutuadores metiam água , afundando-se o aparelho lentamente. Com a chegada do cargueiro britânico Paris-City, solicitado pelo comandante do República, mais uma vez os pilotos foram resgatados e, consequentemente, louvados na sua pátria. Aquando da chegada a Fernando de Noronha, o Governo Português foi novamente procurado para enviar um outro avião.
Hidroavião Fairey F III-D nº 17 "Santa Cruz" (Museu de Marinha de Lisboa).

A quarta e última etapa teve início com o envio do Fairey 17, o único de dispunha agora a Aviação Naval Portuguesa, mais pequeno e com menos autonomia do que os outros, mas considerado suficiente para que a viagem prosseguisse em modestas etapas até ao Rio de Janeiro.

No dia 5 de Junho, Sacadura Cabral e Gago Coutinho levantaram voo de Fernando de Noronha e iniciaram o final desta histórica e gloriosa viagem, já sem quaisquer problemas ou incidentes mecânicos.

Recife, Baía, Porto Seguro, Vitória, e, finalmente, Rio de Janeiro, onde o terceiro Fairey, baptizado de Santa Cruz, desce, ao princípio da tarde de 17 de Junho, na enseada da Guanabara, levando os corações de portugueses e brasileiros baterem alvoraçadamente e em uníssono.

NÚMEROS FINAIS DO "RAID"
Locais
Data
Partida
Chegada
Duração
Distância
Vel. média
Lisboa-Las Palmas
30 de Março
7h00m
15h37m
8h37m
703m
62m/ph
Las Palmas- Gando
2 de Abril
11h13m
11h34m
0h21m
15m
--
Gando - S. Vicente
5 de Abril
8h35m
19h18m
10h43m
849m
79m/ph
S. Vicente-S. Tiago
17 de Abril
17h35m
19h50m
2h15m
170m
77m/ph
S.Tiago-Penedos
18 de Abril
7h55m
19h16m
11h21m
908m
80m/ph
Fernando de Noronha- Mar
11 de Maio
11h01m
17h35m
6h34m
480m
72m/ph
Fernando de Noronha-Recife
5 de Junho
10h48m
15h20m
4h32m
300m
67m/ph
Recife-Baía
8 de Junho
11h05m
16h35m
5h30m
380m
69m/ph
Baía- Porto Seguro
13 de Junho
10h30m
14h33m
4h03m
212m
52m/ph
Porto Seguro-Vitória
15 de Junho
10h55m
14h35m
3h40m
260m
71m/ph
Vitória-Rio
17 de Junho
12h42m
17h32m
4h50m
250m
52m/ph
Tudo horas médias de Greenwich e milhas náuticas.
Total: 4527 milhas, em 62h 26m, com velocidade média de 72,5 milhas náuticas por hora

Desaparecidos para sempre no Mar do Norte

O dia 15 de Novembro já foi feriado, há 90 anos. A razão foi o desaparecimento de Sacadura Cabral algures no Mar do Norte. Depois de fazer mais de oito mil quilómetros de Lisboa ao Rio de Janeiro, o aviador pioneiro não conseguiu completar o voo entre a cidade holandesa de Amesterdão e a capital portuguesa. Ainda hoje, não se sabe o que aconteceu ao companheiro de Gago Coutinho e tio-avô de Paulo Portas, a quem o Expresso pediu um sms. 
A primeira notícia diz encontrar-se são e salvo, ao lado dos outros pilotos que foram à Holanda buscar três hidro-aviões. "O aparelho pilotado pelo comandante Sacadura Cabral, segundo nos comunicam do Centro de Aviação Marítima, já está em Cherburgo", lê-se no vespertino "A Capital" de 17 de Novembro de 1924. 
Durante um mês, as novas serão menos precisas. Afinal, ninguém sabe, nem saberá, do aviador que dois anos antes fizera, com Gago Coutinho, a primeira travessia aérea do Atlântico, usando um revolucionário instrumento de navegação aérea. Ou a informação do Centro de Aviação Marítima não está correcta ou "A Capital" transformou a hipótese numa realidade. 
A Havas, a primeira agência de notícias do mundo, criada em 1835 e "avó" da France-Press, emitiu nesse dia 17 um telegrama dando apenas conta da amaragem forçada em Cherburgo, por "panne no motor" (como se traduzia na altura), do hidro-avião pilotado pelo tenente Pedro Ferreira Rosado. Os jornais da manhã dessa segunda-feira acrescentavam à nota uma paragem normal da terceira aeronave, a do tenente Santos Mota, em Brest, na Bretanha, a paragem prevista antes da chegada a Lisboa. 
O comandante de 43 anos, piloto com feitos sem igual, deslocara-se à cidade holandesa com cinco colegas da Marinha a fim de levantarem três dos cinco hidro-aviões da Fokker - uma empresa pioneira fundada em 1919 e fechada ao fim de 77 anos - comprados por Portugal, através de subscrição pública, para proporcionar uma volta ao mundo aos dois heróis da travessia do Atlântico em 1922. 
Como todos os companheiros, Artur Sacadura Freire Cabral e o cabo artilheiro mecânico José Pinto Correia saíram de Amesterdão no sábado, dia 15, mas não chegaram à cidade da Normandia nem à da Bretanha, nem jamais ali pousarão. 
A ligação entre Amesterdão e Lisboa não apresenta qualquer grau de dificuldade. Carlos Viegas Gago Coutinho, que conhecia muito bem o capitão-de-fragata Sacadura Cabral, dirá ao "Diário de Lisboa", quatro dias depois do desaparecimento, que o voo era insignificante, "tanto assim que o único que chegou a Brest foi o Mota, exactamente o que tinha menos prática. 
O Rosado, aviador já experimentado, ficou em Cherburgo. E o Sacadura..." O contra-almirante não termina a frase, o jornalista pergunta-lhe o que pensa, vê-lhe "uma sombra no olhar", o aviador acaba por dizer que "ainda há quem pense que esteja vivo". 
Nesta notícia escrita pela hora de almoço de quarta-feira 19 e que ocupa toda a primeira página do vespertino, diz-se ser impossível afirmar que o comandante e o mecânico morreram. "Cem postos de telegrafia sem fios não recolhem uma notícia, Gago Coutinho está abatido. 
O sr. ministro da Marinha diz 'desgraça!'". No outro vespertino, publica-se uma informação "fresca" vinda de Paris: "Dizem-nos particularmente de Ostende ter aparecido o cadáver do vosso glorioso aviador Sacadura Cabral".
Não se confirma, a verdade é que foram encontrados destroços do hidro-avião nº 496, por uma chalupa, e o estado em que apareceram "levam a pensar que se tenha produzido uma explosão", mas nada de corpos. 
As notícias são contraditórias de dia para dia. Tanto se diz que apareceu o corpo do aviador como se desmente a informação. 
É possível que o comandante esteja vivo, que tenha sido recolhido por um barco que não possuísse Telegrafia Sem Fios (T.S.F.) para comunicar, como também referem os jornais e os amigos de Sacadura desejam que tenha acontecido. 
"Eu continuo a pedir a Deus que ele continue ainda com vida e esteja a bordo de algum barco veleiro e que nós possamos vê-lo ainda", diz o aeronauta e inventor brasileiro Santos Dumont numa carta para Gago Coutinho, lamentando: "Porque não seguiu ele os meus conselhos de descansar depois de tão grande feito que foi a viagem Portugal-Brasil?" 
A travessia até ao Brasil foi dura: mais de oito mil quilómetros percorridos, quase 80 dias de viagem, embora a voar tenha sido "pouco mais" de 60 horas. 
Nesta aventura, Sacadura aos comandos e Coutinho na navegação, com o instrumento que inventou, o Corrector, sofreram vários tormentos, entre eles uma espera por socorro no meio do Oceano, dentro do hidro-avião a meter água e rodeado por dois tubarões... Parece que nada conseguia domar o espírito do pioneiro português, nem o facto de lhe terem detectado problemas oftalmológicos e aconselhado a deixar de pilotar aviões. 
O seu sonho era dar a volta ao mundo nos hidro-aviões da Fokker. Artur Sacadura Freire Cabral, nascido em Celorico da Beira, a 23 de Maio de 1881, fez a escola politécnica e aos 16 anos tornou-se aspirante de Marinha. Três anos depois foi promovido a guarda-marinha, iniciando uma série de missões hidrográficas e geodésicas em África até passar a ser adjunto do comissário da missão portuguesa de limites de Angola e a ser nomeado subdirector de agrimensura da, à época, colónia portuguesa. "É um africanista", como diz o seu sobrinho-neto Paulo Portas. Só aos 35 anos se efectivará na aviação, ficando a depender do Ministério da Guerra, após arrancar um "Trés bon pilote" (Muito bom piloto) no curso de aeronáutica militar da Escola Militar de Chartres, em França.Tem um espírito aventureiro, audaz, também solidário. 
Em 1902, o rei dom Carlos louva-o por escrito ao tomar conhecimento de que o marinheiro, quando navegava por Moçambique, se atirou ao mar para salvar um grumete que se afogava, desprezando o risco que corria. O seu companheiro de viagem, o cabo Correia, era igualmente um homem voluntarioso, valente, fora ele quem pedira para ir nesta missão; o piloto Santos Mota deve-lhe a vida, se não fosse Pinto Correia, que o arrastou a nado, teria morrido afogado daquela vez, em Aveiro, quando o hidro-avião chocou com a água não dando qualquer hipótese ao piloto. 
O Ministério da Marinha irá promovê-lo a segundo sargento "como se tivesse sido morto em combate".
"No seu caso, toda a vaidade era legítima e todo o orgulho era desculpável", escreve Norberto Lopes, que foi ao Brasil cobrir para o "Diário de Lisboa" a chegada da equipa de heróis a 26 de Outubro de 1922. 
O jornalista, na altura com 22 anos e a três décadas de se tornar o director do vespertino, diz que, perante este "homem mais baixo do que alto, de olhos difíceis de definir entre o azul e o verde", se "justifica plenamente aquele dito de Pepino-o-Breve: os homens não se medem aos palmos". E diz mais: "a sua fisionomia é a do homem que nasceu para mandar, que está habituado a mandar, que sabe mandar, serenamente, friamente, sem uma precipitação, sem um arrebatamento, sem um entusiasmo"."Alguém, que muito de perto privou com ele, dizia-me que o seu segredo, uma das razões porque estava destinado a andar sempre de automóvel, enquanto os outros andam a pé, é a maneira indiferente, fria e pouco expansiva como trata os homens e a excessiva delicadeza com que distingue as mulheres", conta ainda Norberto Lopes sobre este pioneiro da aviação que é "um típico herói do amanhecer do século XX", como refere o actual vice-primeiro-ministro. Sacadura é um homem charmoso, diz-se que só mostra o sorriso a mulheres, não será assim tão radical mas é de lembrar que uma das promessas que deixou por cumprir foi baptizar um dos aviões que pilotasse com o nome de uma atriz com quem se cruzou em Inglaterra, Manora Thew, que lhe disse que o seu nome próprio significava boa sorte. Nesta ida a Amesterdão, o ímpeto de Sacadura mantém-se, apesar da fase difícil que atravessa. A perícia do primeiro director do curso de aviadores em Portugal não está em causa. Os seus olhos, porém, é que já não veem o mesmo, sofrem de oftalmia. E o seu vício de fumar pode ter contribuído para o desastre, como algumas vozes fizeram circular. São muitas as dúvidas sobre o sucedido. "Qualquer viagem aérea é um ponto de interrogação", dizia Sacadura (leia uma entrevista dada pelo comandante em 1922, no nº 2 da colecção do Expresso "Grandes Entrevistas da História"). Pedro Rosado contaria mais tarde que "estava um nevoeiro denso que se pegava com o mar". E, defensor da tese do acidente, pormenorizou: "Voei sempre baixo, por vezes a dez metros da água, que estava tranquila, sem carneirada, um mar que se confundia com o nevoeiro". O sucedido nessa manhã de Sábado de intenso nevoeiro entrará para o rol dos mistérios, levando o nome deste homem à galeria dos heróis desaparecidos tragicamente, sem explicação. A Fokker disse que fora um choque violento do hidroavião com a água, mas, tendo em conta a pane da máquina de Pedro Rosado, havia quem defendesse que o avião saíra avariado da fábrica. Quem contribuiu para alarmar ainda mais os espíritos foi António Ferro, o futuro secretário da Propaganda do Estado Novo. Na altura com 29 anos e jornalista do "Diário de Notícias", foi enviado a Ostende e de lá escreveu que um engenheiro da empresa holandesa tinha guardado três parafusos dos destroços, que pareciam ter sido cortados à tesoura, dando assim lastro à tese da explosão. Ainda a 27 de Novembro, na "Capital", dizia-se que se continuava a ignorar o que sucedera ao aviador, mas lamentava-se a "perda irreparável". Nessa mesma notícia, revelavam-se planos pessoais para o futuro: o casamento com uma jovem recém-viúva de um escritor que também era oficial da marinha. Mas a 2 de Dezembro, as esperanças perdiam-se e a notícia é que o Governo aguardava que se completassem 30 dias sobre o acidente para declarar a morte da tripulação do Fokker."O desaparecimento de Sacadura Cabral e do seu bravo companheiro nas brumas do Passo de Calais, sem uma testemunha, quase sem um vestígio, tem o sabor heróico de uma lenda de glória", escreve-se em "A Capital" de 15 Dezembro, o dia decretado de luto nacional e feriado oficial e em que o Governo autorizou a "abertura dos créditos necessários para esse fim, bem como a fornecer o bronze necessário ao monumento a erigir, por subscrição pública, em Lisboa".
* O texto da mensagem de Paulo Portas transcrito acima está em "linguagem sms". Fica aqui a "tradução":

"O meu tio-avô era um típico herói do amanhecer do século XX: altivo na confiança que tinha nele próprio, arrojado quanto aos feitos por fazer e arejado pelo mundo que conhecia. A ideia familiar que tenho dele e que não só não tinha medo como não tinha medo de ter medo, o que é uma qualidade pouco frequente. Era também de um patriotismo irrepreensível mas vivido a meias com a consciência da nossa exiguidade continental. Parece-me que morreu a fazer aquilo que adorava: voar e de preferência voar até mais além." Paulo Portas