Este texto é
uma resposta ao vídeo “Kony 2012” que com mais de 100 milhões de visualizações
em apenas seis dias, tornou-se o maior viral da história. Um comentarista pediu
que antes que se fizesse qualquer julgamento sobre o assunto é necessário
conhecer como era o sistema de vida dos africanos antes do contacto com os
brancos e indicou o seguinte texto:
The Slave Trade in Congo Basin
Um artigo de
1890, escrito por E. J. Glave, um dos oficiais pioneiros do jornalista
explorador, Henry Morton Stanley, atesta que os negros não foram simplesmente
arrancados mas resgatados da África.
Este artigo
foi publicado originalmente no “The Century Magazine” em Abril de 1890. Todas
as ilustrações são do artigo original
A região do
coração da África está a ser rapidamente despovoada em consequência da enorme
lista de mortos causada pelo bárbaro comércio de escravos.
Não é apenas a
servidão que a escravidão implica clamando o interesse do mundo civilizado,
mas o derramamento de sangue, a crueldade e a miséria que isso
envolve.
Durante a
minha residência na África Central, por várias vezes viajei pelas aldeias ao
longo do Rio Zaire ou Congo e dos seus quase desconhecidos afluentes.
Nas aldeias por onde passei, testemunhei evidências da
terrível natureza do mal.
Não porque
tivesse procurado testemunhar os sofrimentos que o tráfico transmite à
humanidade, mas pela crueldade encontrada por todos os lugares, que
visitava e inevitavelmente a presenciava.
Não são
apenas os árabes os únicos que praticam raides escravistas na África
Central.
O limite
ocidental dessas práticas é o rio Aruwhimi, pouco abaixo das cataratas de
Stanley. O esclavagismo inter-tribal existe a partir desse ponto, atravessa
todo o Congo em direcção ao Oeste, alcançando o Oceano Atlântico.
Durante os
seis anos que residi na região do Rio Congo, vi poucos árabes.
Neste
relatório divulgarei apenas as minhas experiências relacionadas com “o assunto
da escravatura entre os próprios nativos”.
Fui para o
Congo em 1883. Viajei sem parar com destino ao interior. Ao chegar
a Stanley Pool, recebi ordens de meu chefe, Mr.
Henry M. Stanley para acompanhá-lo no seu pequeno barco En Avant.
Naqueles dias, Stanley estava envolvido no estabelecimento
de alguns postos de observação em pontos estratégicos e importantes juntos às
margens do alto Congo.
Lukolela, mil
e duzentos e quarenta quilómetros interior adentro, foi uma das escolhidas.
Tive a honra
de ser seleccionado por ele para ser o chefe desse posto. Como nunca houve um
homem branco vivido nesse lugar, comecei por ter um imenso trabalho para me
estabelecer.
O local
escolhido do nosso futuro acampamento seria uma densa floresta, que até ao
momento estava mais familiarizado com o trombetear dos elefantes e do rugido do
leopardo do que dos seres humanos.
De início os
nativos se opuseram à minha permanência, e rapidamente passaram a
questionar Stanley.
Disseram :
"Nós
prometemos-te aceitar um homem branco aqui, mas voltamos a falar sobre o
problema, e concluímos que seria melhor instalar o homem branco
noutro lugar. Nós os chefes, reunimos e conversamos. Chegamos à
conclusão de que não é desejável ter uma criatura tão terrível na região".
Stanley disse:
"Porque razão? O que tem ele de mau por vocês se oporem? Se
nunca o viram!!". (Ainda não tinha desembarcado, porque estava muito
enjoado e incapaz de sair do barco). Eles disseram: "Não, nós não o vimos,
mas já ouvimos falar dele".
Stanley então
disse: "O que você ouviu sobre ele?".
Eles
responderam: "Ele é metade leão e metade búfalo, tem um olho no meio da
testa, e vem armado com dentes afiados e pontiagudos, e está continuamente a
abater e devorar seres humanos, é verdade?"
Stanley
respondeu-lhes: "Não sabia que ele era uma criatura tão terrível,
mas vou chamá-lo, e deixar que vocês façam seus próprios
julgamentos".
Após a minha
presença, essa ilusão imediatamente foi dissipada, afinal, após vários dias de
sofrimento por essa doença aguda, realmente essa criatura não
parecia muito formidável e sanguinário.
Ali vivi
durante vinte meses, o único homem branco, de modo que tive todas as
oportunidades para estudar o carácter e os costumes dos nativos.
VIDA DOS
NATIVOS
Para colocar
diante do leitor um retrato da vida selvagem, intocada pela civilização, basta
esboçar uma aldeia típica de Lukolela da maneira
que intimamente conheci. O distrito contém cerca de três mil
pessoas, a terra ocupada por eles se estende ao longo da margem por três
quilómetros, as aldeias pontilham esta distância em grupos de cinquenta ou
sessenta casas. As casas são construídas em ambos os lados de uma rua comprida
ou em praças. São cobertas com folhas de palmeira ou grama, sendo as paredes
feitas de bambu rachado ao meio. Algumas dessas moradias contêm dois ou três
compartimentos, com apenas uma entrada; enquanto outras são estruturas longas,
divididas até dez ou doze quartos, cada uma tem uma entrada independente. Na
parte de trás das habitações possuem grandes plantações de
bananeiras, enquanto por cima delas se vêem altas e imponentes
palmeiras cobrindo as ruas e as cabanas com sua própria sombra.
É no frescor
da manhã que a maior parte dos serviços da aldeia é executada. A maior parte
das mulheres, depois das seis horas, vai às suas plantações, trabalhar até o
meio-dia. Outras permanecem na aldeia para cuidar da culinária e
outros assuntos domésticos. Grandes caldeirões de barro contendo peixes,
bananas, ou mandiocas, ficam a ferver sobre fogueiras, em torno das
quais se agrupam os meninos e, meninas e também idosos aproveitando
o calor, até que os raios quentes do Sol da manhã apareçam.
Enquanto isso,
os pescadores juntam suas armadilhas. Coam as suas armas, remam em direcção aos locais
de pesca. Os caçadores preparam suas lanças, arcos e flechas e saem à procura
das trilhas de suas caças. O ferreiro da vila acende o fogo, o enxó
(desbastador de madeira) do carpinteiro ocupado no trabalho é ouvido; as redes
de caça e pesca são desenroladas e examinadas, o curandeiro está ocupado
gesticulando com seus feitiços.
Conforme o Sol
se eleva no horizonte, a azáfama
tornar-se-á mais animada. O calor do fogo é descartado,
todos os departamentos dessa indústria se enchem de vida - o cenário rende-se
alegremente aos rostos felizes e sorridentes dos pequeninos que correm aqui e
ali, entretidos nas suas brincadeiras.
Ao meio dia o
calor sufocante do Sol tropical obriga a uma parada do trabalho. Uma quietude
preguiçosa prevalece em todos os lugares. Todos os recantos sombreados da vila
são ocupados pelos grupos que dormem, outros iniciam uma conversa, outros
passam o tempo a cuidar dos cabelos ou participam na ajuda dos problemas da
higiene pessoal conforme o seu costume nativo, como por exemplo raspar as
sobrancelhas ou arrancar os cílios - cuidam também de todos os pêlos
da face, excepto os do queixo, que são trançados sob a forma da cauda de rato.
Quanto mais
rentes forem cortadas as unhas das mãos melhor, ficam mais elegantes
e vistosas. Até à ponta do dedo, a unha fica cortada até à polpa,
se alguém quiser postar de belo ou de bela sempre tem
alguma graça as unhas das mãos ou dos pés inteiramente aparadas.
À hora de
almoçar, a aldeia assume um ar de calmaria, quebrada apenas por ocasionais
risadas de grupos que discutem os méritos do vinho nativo.
Toda a gente
tem a mesma fraqueza de exigir, a maior parte das vezes, bebidas mais fortes
que a água. A natureza providenciou ao africano o suco de palmeira, uma bebida
muito palatal, que quando fresca se assemelha a uma soda limonada bem forte,
mas embriagante nos seus efeitos.
É obtida da
seguinte forma: os aldeões encarregados dessa indústria particular sobem à
árvore, aparam algumas dos ramos com folhas, e de seguida, fazem três ou quatro
furos de meia polegada de diâmetro no pé da copa até o cerne da árvore.
De cada um
destes furos fluirão a cada dia cerca de meio litro de suco, uma pequena cabaça
é colocada para recolher o líquido. O conteúdo destas cabaças é
recolhido todas as manhãs. A bebida é denominada pelos nativos
como malafu, bem conhecida por todos os viajantes europeus, como vinho de
palma.
Entre três e
quatro horas da tarde a vila novamente retoma o seu ar de actividade, que é
mantido até o anoitecer. Nesta região, perto do Equador, o Sol se põe às seis
horas. Todas as ferramentas são deixadas de lado, o trabalho é suspenso. As
fogueiras são novamente acesas, tapetes são levados para fora e espalhados ao
redor, e a principal refeição do dia é saboreada, depois os nativos se reúnem
em torno do fogo para conversar sobre os acontecimentos do dia e os planos para
o futuro. Os jovens vão para os terreiros e se embalam em suas danças nativas
até meia-noite.
Esta dança à
noite é um espectáculo para ser lembrado. Os artistas se organizam em círculos
e dançam no ritmo da batida dos tambores, seu único acompanhamento, e só
ocasionalmente cantam suas canções nativas. A paisagem tropical em volta
permanece delineada em forte contraste, as árvores mais próximas, às vezes,
reflectem a sensacional luz das fogueiras, que também atinge os corpos
reluzentes dos dançarinos, criando um contraste violento de luz e sombra, e
toda a cena se faz impressionante pela música selvagem, porém harmoniosa.
À meia-noite,
quando todos os moradores já se retiraram para suas cabanas, reina o silêncio,
quebrado, às vezes, pelo piado de um estranho pássaro, o rugido de um leopardo
rondando por ali, ou algum outro animal selvagem, e os variados sons dos
insectos tropicais.
O EFEITO
ESCRAVIDÃO
Este é um
retrato fiel do dia a dia da vida levada em uma centena de aldeias do Congo, e
se não fosse pela existência da escravidão, isso atravessaria de um ano ao
outro sem nenhum distúrbio. É a presença do escravo na aldeia que brutaliza uma
comunidade ora inofensiva e pacífica. É a influência venenosa, que um homem
recebe por seu poder de vida e morte sobre o infeliz que ele comprara, e que
estimula seu instinto selvagem para derramar, durante as execuções e
cerimónias, o sangue vivo do homem, mulher ou criança que ele obteve - talvez
em troca de algumas barras de latão, alguns metros de pano de Manchester. Aqui
em Lukolela, por exemplo, mal tinha se estabelecido em meu acampamento,
quando fui apresentado a uma daquelas cenas horríveis de derramamento de sangue
que ocorrem com frequência em todas as aldeias ao longo do Congo, e que será
apregoada enquanto a vida de um escravo for contada como nada, e o derramamento
do seu sangue contar tanto quanto o de uma cabra ou de uma galinha.
Neste caso
particular a mãe de um chefe tinha morrido, foi decidido, como de costume,
comemorar o evento com uma execução. No primeiro sinal da madrugada a batida
lenta e compassada de um grande tambor anunciava a todos o que iria acontecer,
e avisava ao pobre escravo, que haveria de ser a vítima, que seu fim está
próximo. Havia muita evidência que algo incomum estava prestes a acontecer, e
que o dia seria dedicado a alguma cerimónia. Os nativos se reuniram em grupos e
começaram cuidadosamente a preparar suas vestes, vestir seus alegres panos de
ombro, e enfeitar suas pernas e braços com pulseiras de metal brilhante, e
sempre se deliciando com gestos e risadas selvagens quando discutem o evento.
Após tomarem uma leve refeição, trouxeram de suas casas todos os instrumentos
musicais disponíveis. Os tambores são fortemente batidos, enquanto grupos de
homens, mulheres e crianças formam-se em círculos e animadamente desempenham
danças, que consistem em contorções violentas dos membros, acompanhadas com
cânticos selvagens e com repetidos toques das cornetas de guerra feitas de
chifre, cada bailarino tentando superar seu companheiro na violência do
movimento e na força do pulmão.
Por volta do
meio-dia, por pura exaustão combinada com o calor do sol, eles são forçados a
parar, quando grandes jarros de vinho de palma são apresentados e começam as
rodadas embriagantes, aumentando o entusiasmo geral, mostrando sua natureza
selvagem em cores marcantes. O pobre escravo, que todo esse tempo ficou deitado
no canto de alguma cabana, com os pés e as mãos algemados, sendo vigiado de
perto, sofrendo a agonia e o suspanse que este tumulto selvagem sugere a ele, é
agora levado para alguma parte proeminente da aldeia, onde vai receber as vaias
e zombarias da multidão embriagada de selvagens. Os assistentes do carrasco,
depois de terem seleccionado um local adequado para a cerimónia, trouxeram um
toco de madeira de mais ou menos um palmo e meio, onde o escravo é
então colocado sentado sobre isso, suas pernas são esticadas em linha recta
para frente, seu corpo é amarrado a uma estaca por detrás, cuja altura chega
próximo dos ombros. E uma estaca é colocada por baixo de cada axila para
escorar o corpo, onde seus braços são firmemente amarrados; outras amarrações
são feitas em pequenas estacas cravadas no chão, perto dos tornozelos e
joelhos.
Uma vara é
agora fincada em frente da vítima numa distância de três metros, no topo estão
amarrados vários cordões, que estão presos pela outra ponta, a um anel de
bambu. A vara é então curvada como uma vara de pesca, e o anel é fixado ao
pescoço do escravo, o qual se mantém rígido e imóvel pela tensão. Durante esse
preparo, as danças são retomadas, agora mais selvagem e brutal ao extremo pela
condição de embriaguez do povo. Um grupo de dançarinos cercam a vítima e começam
a imitar as contorções do seu rosto que a dor causada por esta tortura cruel a
obriga a mostrar. Mas ela não deve esperar nenhuma simpatia deste bando
impiedoso.
Nesse momento,
a certa distância, se aproxima duas linhas de jovens, cada um segurando uma folha
de palmeira, de modo que um arco é formado entre eles, por onde o carrasco é
escoltado. A procissão passa num passo lento, mas dançante. Ao chegar perto do
escravo condenado, todas as danças, cantos e tambores cessam, e a turba
embriagada toma seus lugares para testemunhar o último acto do drama.
Um silêncio
sobrenatural acontece. O carrasco usa um capacete feito de penas negras de
galo, o seu rosto e pescoço estão escurecidos com carvão, excepto os olhos,
cujas pálpebras são pintadas com gesso branco. Suas mãos e braços até o
cotovelo, e os pés e pernas até o joelho, também estão escurecidos. Suas pernas
estão profusamente adornadas com largas tornozeiras metálicas, e ao redor da
cintura possui peles de gato selvagem amarradas. Então ele executa uma dança
selvagem em torno de sua vítima, de vez em quando faz uma finta com a faca, um
murmúrio de admiração acontece vindo da multidão reunida. Ele se aproxima e faz
uma marca de gesso fino no pescoço do homem predestinado. Depois de duas ou
três gingadas de sua faca para obter o balanço certo, ele prepara o golpe
fatal, e com um golpe de sua arma super-afiada, ele separa a cabeça do corpo.
A visão de
sangue traz um clímax de frenesi aos nativos: alguns deles furam selvaticamente
com suas lanças o tronco ainda tremendo, outros o cortam com suas facas,
enquanto o restante entra numa luta medonha pela posse da cabeça, que foi
arremessada para o ar pela tensão liberada da vara. Quando aquele que consegue
segurar o troféu é perseguido pela turba embriagada, o horrível tumulto se
torna ensurdecedor; um lambuza a face do outro com sangue, e como resultado
sempre surgem brigas, onde facas e lanças são utilizadas livremente. A razão
dessa ansiedade em possuir a cabeça é esta: o homem, que ficar com a cabeça
contra todos os concorrentes até o pôr do Sol, receberá um presente do chefe da
aldeia pela sua bravura. É dessa maneira que eles testam os bravos da aldeia, e
eles dirão com admiração, em relação ao herói local, "Ele é um homem
corajoso, ele manteve duas cabeças até o anoitecer".
Quando o gosto
por sangue tem sido de certa forma satisfeito, eles novamente voltam ao seu
canto e dança enquanto outra vítima é preparada, e a mesma chocante exibição é
repetida. Às vezes até vinte escravos são abatidos num único dia. A dança
e o tumulto geral dos bêbados continua até meia-noite, quando mais uma vez
reina o silêncio absoluto, em contraste ao abominável tumulto do dia.
Eu
frequentemente ouço os nativos se vangloriarem da habilidade de seus carrascos,
mas duvidava da sua capacidade de decapitar um homem com um único golpe da faca
que usam, feita com um metal mole. Imaginava que seriam obrigados a dar golpes
para separar a cabeça do corpo. Quando testemunhei esse espectáculo nauseante
estava sozinho, desarmado e absolutamente impotente para interferir. Mas a
silenciosa agonia deste pobre mártir negro, que morreu sem cometer nenhum
crime, mas simplesmente porque era um escravo, - cujos movimentos comoventes
foram ridicularizados pelos selvagens frenéticos, e a cada grito de agonia era
um sinal para a explosão desenfreada dum Carnaval hediondo daquela selvajaria -
apelou tão fortemente ao meu senso de dever que decidi impedir pela força
qualquer repetição desta cena. Declarei a minha resolução numa assembleia dos
principais chefes, e apesar de terem feito várias tentativas, não houve mais
execuções durante o resto da minha estadia naquele distrito.
Algumas
palavras são necessárias para definir a posição dos chefes de aldeia, como o
mais importante factor na vida selvagem africana, pois de uma forma ou de
outra, eles estão intimamente ligados com as piores características do sistema
esclavagista, e são responsáveis por quase todas as atrocidades praticadas
nesse imbróglio.
Tais chefes
são os líderes das aldeias, e são classificados de acordo com o número de seus
guerreiros. O título de chefia não é hereditário, e sim adquirido por um membro
da tribo por provar a sua superioridade em relação a seus companheiros. O chefe
mais influente numa vila tem necessariamente o maior número de combatentes, e
estes são principalmente escravos, pois a fidelidade de um homem livre pode não
perdurar. A ideia do chefe sobre riqueza é - escravos. Qualquer tipo de
dinheiro que ele possa ter será convertido em escravos logo na primeira
oportunidade. A poligamia é regra em toda a África Central, e um chefe compra
quantas escravas pode pagar. Também se casa com mulheres livres -
que é, afinal, apenas outra forma de compra.
MODOS DE
TORTURA.
Todas as
tribos que conheci têm uma ideia de imortalidade. Eles acreditam que a morte
que os leva para outra vida, é uma continuação das mesmas condições da vida que
estão a levar agora; Um chefe acha que, quando entra nessa nova
existência, será acompanhado de um número suficiente de escravos que o
credenciará a ter o mesmo valor no outro mundo que tem no presente.
A partir desta crença é que emana um dos seus costumes mais bárbaros - a
cerimónia de sacrifícios humanos após a morte de alguém importante. Após a
morte de um chefe, certo número de seus escravos é seleccionado para serem
sacrificados, para que seus espíritos possam acompanhá-lo para o outro mundo.
Se este chefe possui trinta homens e vinte mulheres, sete ou oito dos primeiros
e seis ou sete dos últimos morrerão. Os homens serão decapitados, e as mulheres
serão estranguladas.
Quando uma
mulher está para ser sacrificada, ela será adornada com pulseiras de metal
brilhante, suas vestes serão cuidadosamente preparadas, seus cabelos serão
perfeitamente trançados, e seu corpo será coberto por tecidos fortemente
coloridos.
Suas mãos
serão então atadas para trás, uma corda será passada em volta de seu pescoço e
a outra extremidade será passada por cima do galho de uma árvore mais próxima,
e um sinal é dado para o inicio da zombaria; e enquanto o corpo pendurado no ar
realiza seus movimentos convulsivos, os selvagens o seguem imitando
primorosamente. Muitas vezes acontece de uma criança também se tornar vítima
dessa terrível cerimónia, sendo enterrada viva na sepultura, servindo de
travesseiro para o chefe morto. Estas execuções ainda são perpetradas em todas
as aldeias do Alto Congo.
Mas o escravo
não é privado de sua vida apenas com a morte do chefe da tribo, quando sua
sorte é lançada. Vamos supor que a tribo à qual ele pertence esteja numa guerra
auto-destrutiva com outra tribo do mesmo distrito, e por alguma razão política
o chefe resolve declarar o fim da disputa, então um encontro é organizado com o
seu rival. Na conclusão do encontro, para que o tratado de paz seja solenemente
ratificado, sangue deve ser derramado.
Um escravo é,
portanto, seleccionado e o modo de tortura antes de sua morte varia entre os
distritos. No distrito de Rio Ubangi o escravo é suspenso de cabeça
para baixo no galho de uma árvore, e ali é deixado até morrer. Porém, bem mais
horrível é o destino desses miseráveis em Chumbiri, Bolobo, ou nas grandes
aldeias ao lado do rio Irebu, onde a vítima expiatória é enterrada viva,
com a cabeça deixada acima do solo. Mas antes, todos os seus ossos são
esmagados ou quebrados, e numa silenciosa agonia ele espera por sua morte.
Geralmente é enterrado numa encruzilhada, ou ao lado dum caminho bem trilhado
na saída da aldeia, e todos os moradores que passam por lá, mesmo que sintam
uma pontinha de pena momentânea, nunca se atrevem a aliviar ou acabar com a
miséria do condenado, pois seriam punidos com as mais severas penalidades.
Como os
nativos são escravizados.
Os prémios da
guerra entre tribos fornecem os mercados com escravos, cuja marca cicatrizada,
mostra que eles são membros de diferentes famílias e de aldeias muito
distantes.
Mas há algumas
tribos, as mais inofensivas e mais pacíficas, cuja fraqueza os coloca,
frequentemente, à mercê de seus vizinhos mais poderosos.
Sem excepção,
a raça mais perseguida no território Congo Free State é a Balolo com
suas tribos, que habitam a área que envolve os
rios Lulungu, Malinga, Lupuri, e Ikelemba.
Eu quero aqui
mencionar que o prefixo "Ba" na língua dessas pessoas designa o
plural, por exemplo, Lolo significa um Lolo - Ba-lolo,
significa o povo Lolo.
Essas pessoas
são naturalmente meigas e inofensivas. Suas pequenas, e desprotegidas aldeias
são constantemente atacadas pelas poderosas e ociosas tribos
do Lufembe e Ngomb.
Estas duas
tribos são vorazes canibais.
Cercam as
aldeias dos Lolos à noite, e ao primeiro sinal do alvorecer invadem
as aldeias dos distraídos Lolos, matando todos aqueles homens que resistem
e aprisionando todos os demais. Depois os mais fortes são seleccionados,
algemados pelas mãos e pés para impedir sua fuga. O restante eles matam, e sua
carne é distribuída entre si.
Como regra
geral, após o raide eles formam um pequeno acampamento, acendem suas fogueiras,
apoderam-se de todas as bananas da aldeia, e devoram a carne humana. Em
seguida, marcham para um dos numerosos mercados de escravos, onde eles trocam
os cativos do Rio Lulungu por colares, roupas, fios de latão, e
outras bugigangas com os traficantes de escravos. E esses traficantes, por sua
vez, agrupam seus escravos em suas canoas e os levam às aldeias do rio
Lulungu onde estão os mercados mais importantes.
Masankusu,
situado na junção dos afluentes Lupuri e Malinga, é de longe o
mais importante centro de comércio de escravos. O povo
de Masankusu compram seus escravos dos assaltantes
de Lufembe e Ngombe, e os vendem aos nativos e comerciantes do
rio abaixo. Em Masankusu, os escravos são expostos para venda em longos
galpões abertos, cobertos de grama presa em madeira lavrada. É
comovente ver os barracões num desses galpões de escravos. Onde são amontoados
como animais
NO
GALPÃO DOS ESCRAVOS.
As imagens que
acompanham, a partir de esboços que tracei em Masankusu, dão uma
ideia do sofrimento que é suportado pelos cativos em inúmeros mercados. Eles
são amarrados em troncos cortados grosseiramente que lhes causam enormes
feridas em seus membros, às vezes algum é imobilizado pelo peso de um tronco de
árvore sobre seu corpo, enquanto seu pescoço é preso numa forquilha de madeira.
Outros permanecem sentados por dias com seus membros amarrados numa única
posição, presos ao pilar por um cordão amarrado a um anel de bambu que envolve
seus pescoços ou são entrelaçados com seus cabelos lanosos.
Muitos morrem
por pura fome, enquanto que outros recebem alimentação o suficiente para
sobreviverem, e mesmo assim com muita relutância. Essas famintas criaturas, de
facto, formam uma visão verdadeiramente deplorável.
Depois de
sofrer nesse cativeiro por um curto período de tempo eles se tornam meros
esqueletos. Ali se pode ver: mães com seus bebés, jovens de ambos os sexos,
meninos e meninas, e até mesmo bebés que ainda não sabem andar, cujas mães
morreram de fome, ou foram mortas pelos Lufembes. Raramente se vêem
velhos, estes são todos mortos nos ataques: seu valor comercial é muito
pequeno, nenhum fardo é carregado por eles.
Ao testemunhar
os grupos desses infelizes pobres e indefesos, com suas aparências definhadas
de olhos afundados, seus rostos com semblantes de muita tristeza, não é difícil
perceber a dor intensa que sofrem internamente, mas eles sabem muito bem que
nada adianta apelar para a simpatia de seus impiedosos senhores, que foram
acostumados, desde sua infância, a testemunhar actos de crueldade e
brutalidade, de modo que para satisfazer sua insaciável ganância eles próprios
vão cometer ou permitirão que seja cometido, qualquer atrocidade, até mesmo
pior. Essa lamentável visão num desses barracões de escravos não representa nem
a metade da miséria causada pelo tráfico – casas destruídas, mães separadas de
seus bebés, maridos de suas esposas e irmãos de suas irmãs.
Na minha
última passada por Masankusu vi uma mulher escrava que tinha com ela
seu filho, cujo esfomeado corpo, ela carregava enquanto mamava em seu exaurido
seio. Fui atraído pela tristeza do seu rosto, que demonstrava um enorme
sofrimento. Perguntei-lhe a causa disso, e ela soluçando me respondeu em voz
baixa o seguinte: "Eu vivia com meu marido e meus três filhos numa aldeia
do interior, a poucos quilómetros daqui. Meu marido era um caçador. E dez dias
atrás, os Lufembes atacaram a nossa vila; meu marido defendeu-se como
pôde, mas foi dominado e ferido com lanças até à morte junto com vários outros
moradores. Fui trazida para cá com meus três filhos, dois dos quais já foram
comprados pelos comerciantes. Eu nunca mais os verei. Talvez eles vão matá-los
após a morte de algum chefe, ou, talvez, para servir de alimento. Meu filho
restante, você vê, está doente, morrendo de fome, e eles não nos dão nada para
comer. Imagino até que ele seja tirado de mim em poucos dias, pois o chefe,
temendo que ele morra e se torne uma perda total, o tem oferecido por um preço
muito pequeno. Quanto a mim", disse ela "eles vão me vender para uma
das tribos vizinhas, para trabalhar nas lavouras, e quando eu me tornar velha e
incapacitada para o trabalho, então serei sacrificada".
Havia
certamente quinhentos escravos expostos à venda nesta única aldeia. Grandes
canoas estavam constantemente chegando vindas do rio abaixo, com mercadoria de
todos os tipos para trocar pelos escravos. Outro grande comércio é realizado
entre os rios Ubangi e Lulungu. As pessoas que habitam o pontal
do Ubangi compram os
escravos Balolos em Masankusu e em outros mercados, os
levam até o rio Ubangi para trocá-los por marfim com outros nativos.
Estes nativos compram os escravos apenas para alimento. Após comprá-los, os
escravos são alimentados com bananas maduras, peixes e azeite, e quando
estiverem em boas condições são mortos. A cada mês, centenas de
escravos Balolos são levados para o rio e sacrificados. Outra grande
quantidade de escravos é vendida para as grandes aldeias do Congo, para suprir
as vítimas das cerimónias de execução.
Muitas vidas
são perdidas durante a captura, e muitas sucumbem no cativeiro por fome. Do
restante, uma parte é vendida para se tornarem vítimas do canibalismo e das
cerimónias dos sacrifícios humanos. Poucos são os que realmente conseguem
sobreviver e prosperar.
CANIBALISMO
O canibalismo existe entre todos os povos do Alto Congo a Leste da
longitude 16 ° E, e isso prevalece numa extensão ainda maior entre os povos que
habitam as margens dos seus numerosos afluentes. Durante uma viagem de dois
meses pelo rio Ubangi, fui constantemente posto em contacto com o
canibalismo. Os nativos orgulham-se do número de caveiras que possuem, quando
mostram o número de vítimas que foram capazes de obter.
Vi uma cabana
indígena, em torno da qual fora construída uma mureta feita de barro com 30
centímetros de largura, onde havia fileiras de crânios humanos, formando um
quadro horripilante. Aquilo que o chefe mais se orgulhava, pela maneira com que
demonstrava e mais chamava a minha atenção, eram as pencas formadas com vinte
ou trinta caveiras, dependuradas em posições de destaques da aldeia.
Perguntei a um
jovem chefe, cuja idade, certamente, não passava de vinte e cinco anos, quantos
homens ele havia comido na sua aldeia, e respondeu: trinta. Se
espantou com o horror que demonstrei pela sua resposta. Também numa aldeia, ao
comprar uma presa de marfim, os nativos pensaram que talvez pudesse comprar
crânios e várias braçadas dessa mercadoria foram trazidas para o meu barco em
poucos minutos. Senti que seria um pouco difícil negociar no rio Ubangi,
pois o padrão de valor por ali era a vida humana - carne humana. Recebi em
diversas ocasiões, ofertas para trocar um homem da minha tripulação por uma presa
de marfim, e também me lembro duma oferta para trocar um dos tripulantes do meu
barco por uma cabra. "Carne por carne", disseram eles. Fui muitas
vezes convidado, também, para ajudá-los na luta contra outras tribos vizinhas.
Eles diziam: "Você pode levar todo o marfim, que ficaremos com a
carne", ou seja, é claro, todos os seres humanos que poderiam ser mortos
na luta. Os mais hostis deles frequentemente ameaçam que iriam nos comer, e eu
não tenho dúvida de que eles teriam feito isso se não fossemos forte o
suficiente para cuidar de nós mesmos.
Durante a
minha primeira visita às águas do alto Rio Malinga, o canibalismo chamou
minha atenção pela forma diabólica que foi realizado. Numa noite eu ouvi gritos
penetrantes duma mulher, seguido por um abafado gemido, então ouvi gargalhadas
e tudo voltou ao silêncio novamente. De manhã fiquei horrorizado ao ver um
nativo oferecendo aos meus homens um pedaço de carne humana, em cuja pele havia
a tatuagem que marcava a tribo Balolo. Mais tarde me contaram que o grito
que ouvi durante a noite era de uma escrava cuja garganta havia sido cortada.
Eu fiquei ausente desta vila de Malinga por dez dias. Na minha volta,
eu perguntei se algum derramamento de sangue havia acontecido, e fui informado
de que outras cinco mulheres haviam sido mortas.
Na minha
estada no rio Ruki, no início deste ano, fui apresentado à outra
prova do terrível destino dos escravos. Em Esenge, uma aldeia onde eu
parei a fim de cortar lenha para o meu barco, ouvi sinistras batidas de
tambores e sons de muita alegria e animação. Fui informado por um dos nativos
da vila que uma execução estava acontecendo. Pela minha indagação se eles
tinham o hábito de comer carne humana, ele respondeu: "Nós comemos o corpo
inteiramente." Eu ainda perguntei o que eles faziam com a cabeça.
"Comemos", ele replicou, "mas primeiro a colocamos no fogo para
queimar o cabelo".
Existe um
pequeno rio situado entre o Ruki e Lulungu, o
chamado Ikelemba. Na sua foz não possui mais do que 130 metros de largura.
Suas águas são navegáveis por 220 quilómetros através das terras dos Lolos. Em
proporção ao seu tamanho ele fornece mais escravos do que qualquer outro rio.
Ao observar no mapa, vê-se que o Ikelemba, Ruki,
e Lulungu correm paralelos um ao outro. As grandes tribos esclavagistas
que habitam as terras entre esses rios, trazem seus escravos aos mercados mais
próximos descendo qualquer um desses rios.
O MERCADO
LOCAL DE ESCRAVOS
Há algumas
clareiras em certos intervalos ao longo das margens do Ikelemba, onde em
determinados dias são realizados os pequenos mercados locais para a troca de
escravos. Na medida em que se sobe o rio nota-se que os pequenos assentamentos
às margens do rio vão se tornando cada vez mais frequentes, e oitenta
quilómetros acima de seu pontal, sua margem esquerda torna-se densamente
povoada. É notório que as vilas são todas do lado esquerdo do rio, pois seu
lado direito é infestado por tribos saqueadoras e itinerantes que atacam
qualquer assentamento praticado em sua margem. Todos os escravos deste rio são Balolos,
uma tribo que é facilmente reconhecida pelas exageradas tatuagens marcadas na
testa, nas têmporas e no queixo.
Durante minha
visita de dez dias a esse rio encontrei dezenas de canoas das regiões da foz
do rio Ruki e do distrito Bakute, cujos proprietários vieram
para a compra de escravos, e estavam retornando com suas mercadorias
adquiridas.
Quando são
transportados pelo rio, por conveniência, os escravos são aliviados dos seus
pesados grilhões. Os comerciantes sempre levam consigo, pendurados nas bainhas
de suas facas, algemas leves feitas de corda e bambu. O escravo quando comprado
é colocado no assoalho da canoa numa postura de agachamento com as suas mãos à
frente, atadas por essas algemas. Durante a viagem ele é cuidadosamente
guardado pela equipe de remadores que trabalham em pé, e quando vem a noite, a
canoa é aportada nas margens, suas mãos são mudadas para trás e amarradas para
evitar que tente fugir roendo a corda. Para tornar qualquer tentativa de fuga
impossível enquanto dormem, seu pulso é atado ao de um de seus mestres. Numa
das canoas notei que havia cinco comerciantes, e sua carga de miseráveis
humanos era composta de treze magros escravos Balolos entre homens, mulheres e
crianças pequenas, todos mostrando, inequivocamente, através de seus olhos
fundos e corpos definhados a fome e a crueldade, a que foram submetidos. Esses
escravos são levados para as grandes aldeias no pontal do rio Ruki, onde
são trocados por marfim com as pessoas do Ruki ou do
distrito Ubangi, que os compram para abastecer suas orgias canibais.
Alguns, no
entanto, são vendidos pela redondeza, os homens para serem usados como
guerreiros, e as mulheres como esposas, mas em comparação com os números
daqueles que sofrem com a perseguição dos caçadores de escravos, muito pouco de
facto sobrevivem para alcançar uma posição segura, porém muito humilde numa
vila.
O estado
deplorável destes Balolos sempre me entristeceu, intelectualmente
falando eles possuem um grau bem acima de seus vizinhos; e realmente é devido à
sua natureza mansa, e à sua disposição pacífica, confiante, que facilmente caem
como presa das hordas degradadas e selvagens de seu distrito.
Eles têm gosto
artístico e genialidade mecânica, fazem escudos primorosamente tecidos, e
curiosas lanças e facas moldadas e decoradas. São extremamente inteligentes,
fiéis, e, quando devidamente treinados, são corajosos.
NO EXTREMO
INTERIOR.
Nos meses
que viajei pelo Alto Congo e seus afluentes, em várias ocasiões
tive que defender-me contra a hostilidade dos nativos. Minha equipe era
composta por quinze homens, a maior parte dos quais eram Balolos, e nunca
fui enganado por eles. Quando os empreguei, chegaram às minhas mãos como
pedra bruta. Eram selvagens, alguns deles canibais, mas são de natureza muito
maleável, e com uma política firme e justa fui capaz de convertê-los em
servidores dedicados e fiéis.
Como prova do
que pode ser feito por ganhar a confiança dos nativos, através de uma política
de firmeza e justiça, acho que posso, seguramente, citar a minha experiência na
Estação Equador. Permaneci por lá quase um ano, com apenas um soldado Zanzibar,
todo o resto do meu povo eram nativos que recrutei pelas aldeias vizinhas.
Estava cercado por todos os lados por pessoas poderosas, que, se quisessem,
poderiam facilmente ter-me superado e pilhado o meu posto. Mas nunca houve
tentativa do menor acto de hostilidade ou de natureza hostil, senti-me
tão seguro entre eles como sinto na cidade de Londres ou Nova Iorque.
É verdade que
os nativos não tinham nada a ganhar por me molestarem, eles eram
inteligentes o suficiente para perceber esse facto. Na realidade, minha
presença era, em boa dose, benéfica para seus interesses. Tinha pano, colares,
espelhos, colheres, copos, e outras bugigangas, as trocava com eles, e sempre
que organizava uma pequena caçada atrás de elefantes e hipopótamos, a minha
parte no consumo desses animais era muito pequena, a maior parte da carne
dava aos nativos.
Minha vida
durante a minha estada na Estação Equador foi muito agradável. As pessoas eram
duma disposição feliz e alegre, todos foram simpáticos e falantes. Sentavam-se
por horas e ouviam atentamente os meus contos da Europa, e suas perguntas
inteligentes provavam que eram dotados de profundo entendimento. Não há público
mais atento em todo o mundo que um grupo de selvagens africanos, se puder
falar a sua língua e os fazer entender.
Quando me
cansava de falar, passava a fazer-lhes perguntas sobre os seus modos, costumes
e tradições. Como sempre ficava muito impressionado pela sua crueldade,
sempre fizera questão de expressar a minha repulsa, e até mesmo
dizia-lhes que um dia lideraria um levante dos escravos. Minha audiência
em tais ocasiões consistia principalmente de escravos, e esses pobres
miseráveis sempre ficavam muito satisfeitos por ouvir minhas opiniões
favoráveis a eles.
Meus
argumentos, pude ver muitas vezes, atraía fortemente os interesses dos
próprios chefes, quando lhes perguntava: "Por que vocês matam essas
pessoas? Vocês pensam que eles não têm nenhum sentimento, porque são escravos?
Como gostariam de ver seus próprios filhos levados para longe de vocês e
vendidos como escravos, para satisfazer os desejos de canibalismos, ou de
execução?". Alguns deles, na época, até disseram que não iriam mais
realizar execuções. Estas execuções continuaram a acontecer, mas de forma
secreta, e as notícias desses acontecimentos ficavam longe dos meus ouvidos até
algum tempo depois, quando ficava s saber através dos meus próprios
homens. Embora fosse incapaz de impedir a realização de tais cerimónias,
com a força que tinha à minha disposição dum único soldado Zanzibar.
ALGUNS
COSTUMES BÁRBAROS.
Lembro-me de
uma execução que aconteceu, e os detalhes que fiquei a saber bem depois.
Foi para celebrar a morte dum chefe que morrera afogado durante uma expedição
comercial.
Tão logo a
notícia de sua morte chegou à aldeia, vários dos seus escravos foram amarrados
pelas mãos e pés, e presos no fundo de uma canoa. À noite, essa canoa foi
rebocada para o meio do rio, buracos foram feitos na mesma, e foi deixada para
afundar com sua carga humana.
Quando formos
capazes de proibir essa terrível perda de vidas, que as crianças de hoje são obrigadas,
constantemente, a testemunhar, sentimentos mais humanos poderão se desenvolver,
e cercado por influências mais saudáveis - pelo menos longe das exposições
abertas da crueldade - eles crescerão no meio de uma geração muito mais nobre.
Nativos que
sofriam nas mãos dos traficantes de escravos, repetidamente, pediam-me para
ajudá
No Malinga,
onde a carne humana fora-me ofertada para venda, os chefes reunidos votaram
numa oferta para mim de várias presas de marfim se vivesse entre eles e os ajudasse
a se defenderem dos Lufembes, e prepará-los a resistir às perseguições que
sofriam das tribos vizinhas, que continuamente realizavam incursões em seus
territórios, capturando seus povos
Eles alegaram:
"Nós vamos acabar morrendo de fome, pois não podemos mais fazer
plantações, porque quando nossas mulheres vão para a lavoura elas são
capturadas, mortas e comidas pelos argilosos Lufembes, que vivem,
constantemente, rondando por perto e levam qualquer desgarrado que
encontram". Um velho chefe, Isekiaka, disse-me que 12 das suas
mulheres haviam sido roubadas, uma a uma, e várias de suas crianças.
Na verdade, a
condição de vida das pessoas na região dos Malingas é tão miserável,
que vários deles foram expulsos, pelos Lufembes, de suas plantações, e realmente
compelidas a viverem no rio, em palafitas apoiadas sobre estacas. Nessas
miseráveis habitações lançam suas redes, e quando o rio está cheio de
peixes subsistem quase inteiramente do produto de suas pescas.
Isto deu
origem a um curioso estado de coisas, pois, como os Lufembes cultivam
apenas mandioca e produzem mais raízes do que consome a tribo, então ficam
felizes em trocar esse produto pelo pescado capturado pelas suas vítimas. E
assim, quando esse mercado é realizado, uma trégua armada é declarada, então
os Lufembes e os Malingos se misturam e negociam, os seus
produtos mantidos numa mão e uma faca de espera na outra. Assim, facilmente se
imagina que a perseguição é incessante, as quais esses nativos sofrem, os torna
cruéis e impiedosos.
Em todas as
regiões do Malinga se tornaram tão brutalizados pela fome que comem
os seus próprios mortos, a aparência de qualquer uma das suas aldeias,
sempre denota numa degradante miséria e fome. Tenho visto repetidas vezes,
crianças pequenas comendo raízes de bananeira, tentando em vão obter algum tipo
de alimento de sua seiva. O facto deles permanecerem vivos é um mistério.
Qualquer coisa viva que eles são capazes de pegar é visto como alimento; vários
tipos de moscas, lagartas, grilos são todos consumidos por essas pessoas.
Somente quem
vive durante algum tempo na África Central, pode entender a imagem da vida, que
resulta nas mentes dos selvagens pelas mais atrozes e desenfreadas crueldades.
Cercados desde
a infância por cenas de derramamento de sangue e tortura, seus feriados e
grandes cerimónias marcadas por massacres de escravos, a mais branda e mais
sensível das naturezas torna-se brutalizada e insensível, e se isto acontece
com o livre, qual deve ser o efeito sobre o escravo, arrancado de sua mãe quando
ainda criança, talvez com a idade de dois anos, e ainda, em sua infância
obrigada a sofrer privações. Se realmente esta criança participa do desafio do
canibalismo e das cerimónias de execução, não se pode esperar que ele pudesse
se apiedar com qualquer sofrimento.
As pessoas na
parte inferior do alto Congo raramente praticam captura de escravos. É somente
quando vamos ao distrito Bakute que temos contacto com isso. As
grandes aldeias ao redor de Stanley Pool, - Chumbiri, Bolobo, Lukolela,
Butunu, Ngombe, Busindi, Irebu, - Lago Mantumba, e o Rio Ubangi todos
contam principalmente com as tribos Balolos para obterem seus
escravos. Todas essas aldeias, excepto Stanley Pool fazem diariamente
sacrifícios humanos, seja pela morte de algum chefe ou por algum outro motivo
cerimonial.
Qualquer tipo
de comércio realizado nesta parte da África só aumenta o derramamento de
sangue, porque a ambição do nativo é ter o maior número possível de escravos ao
seu redor, e quando ele vende uma presa de marfim ou qualquer outro artigo,
dedica quase todas as bagatelas que obteve na compra de novos escravos.
Assim, estará cercado por muitas mulheres e guerreiros durante sua vida,
e terá sua importância marcada na sua morte pela execução da metade do número
de seu povo.
A ABOLIÇÃO DA
ESCRAVIDÃO
Frequentemente
conversava com essas pessoas, e explicava-lhes a iniquidade da escravidão, mas
eles argumentavam: "Nós trabalhamos duro demais em nossas expedições
comerciais para obtermos esses escravos, por que deveríamos abandoná-los para
que outros que não trabalham os tomem? Nós os compramos, são nossos
escravos, temos o direito de fazer o que quiser com eles".
A cerimónia de
execução, com sua brutalidade resultante, deveria ser, e pode ser extinta. O
derramamento de sangue é ainda maior hoje, do que quando Stanley viu esse povo
pela primeira vez em 1877; a razão disso, como já foi mencionada anteriormente,
é que o contacto com os brancos tornou os nativos mais ricos, e permitiu-lhes
obter mais escravos. As grandes potências do mundo civilizado estão agora a
discutir o movimento abolicionista, e caso tais discussões resultem em alguma
acção conjunta voltada para a supressão do comércio no interior, existem
algumas características peculiares que podem ser transformadas em vantagens:
Primeira, e
mais importante, este tráfico não possui complicação de qualquer tipo de
fanatismo religioso.
Segunda. Esse povo é desunido; cada aldeia de cinquenta ou sessenta casas é
independente da sua vizinha e pequenas guerras familiares estão frequentemente
a acontecer.
Terceira. Não
há nada tão convincente para o selvagem Africano como a superioridade física.
Agora, todos estes pontos são a favor do movimento anti-esclavagista. A
ausência de fanatismo religioso, a condição de desunião entre os nativos e seu
reconhecimento da superioridade física devem ser todos aproveitados, e sempre
ter isso em mente quando do projecto dos planos para a supressão do tráfico de
escravos e sua barbárie resultante.
Em minha
opinião, levará alguns anos antes que o tráfico de escravos realizado pelos
árabes venha ser combatido com êxito, mas não há nenhuma razão para atrasar o
levante contra o comércio inter-tribal.
O Congo Free
State deu um passo na direcção certa instalando próximo à Stanley Falls um
acampamento com trincheiras, com o objectivo de formar uma barreira para manter
os árabes, com seus bandidos de Manyema, a leste dessa posição.
Cada país no
mundo deve apoiar o CFS a concretizar esse objectivo, pois isso representará o
papel mais importante na história da África Central. Quando Stanley
deixou Wadelai, os mahdistas (africanos islâmicos) já estavam por lá. Se
essas hordas se juntarem com os de Stanley Falls isso exigirá esforços muito
mais enérgicos, para salvar toda a Bacia do Congo de suas devastações.
Enquanto somos
capazes de manter os árabes ao leste das Cataratas, não devemos perder tempo
para iniciar a erradicação do derramamento de sangue existente ao oeste daquele
ponto. É um trabalho enorme, mas é uma dívida que o mundo civilizado tem para
com o escravo indefeso. Embora seja um selvagem, é um ser humano.
Deve ser sempre lembrado que a supressão da escravidão na África não significa
apenas combater os grilhões dos membros do escravo; a substituição do trabalho
forçado pelo pagamento não é seu único objectivo, mas também o alívio, da
humanidade escravizada em todas essas regiões, duma vida de horror
indescritível, de torturas que só o Africano selvagem pode inventar, e duma
morte certa e violenta.
Desde Banana
Point até Stanley Pool a escravidão realmente existe, mas com um
carácter mais brando que, quando as operações realmente começarem, Stanley
Pool deve ser o ponto de partida. Se meia dúzia de barcos rápidos forem
colocados no rio em Stanley Pool, cada um armado com vinte soldados
negros, treinados e comandados por dois ou três europeus que tenham comprovados
por seus serviços passados que são capazes de lidar com a questão, e se tal
força tiver o reconhecimento dos poderes civilizados e for autorizado a
combater o mal, milhares de vidas humanas serão salvas.
Estes barcos
estariam constantemente a mover-se pelo rio, os que estão no comando
começariam por fazer um estudo cuidadoso da política local. Teriam de convencer
os nativos da sua determinação em impedir essas cerimónias diabólicas de
derramamento de sangue. Os nativos devem ser advertidos de que as aldeias que, no
futuro, sejam consideradas culpadas de realizarem tais cerimónias, serão muito
severamente punidas.
Alguns dos
chefes nativos com melhor predisposição teriam suas cabeças feitas para
apoiarem o lado do homem branco. Espiões devem ser contratados em todos os
distritos, de modo que um barco ao chegar a um porto imediatamente sua
tripulação ouvirá se alguma execução esta prestes a ocorrer ou já ocorreu, e eu
gostaria de sugerir que qualquer aldeia que continuasse com esses actos de
crueldade, depois de ter sido legalmente advertida, deverá ser atacada, e um
forte exemplo seria feito aos principais infractores. As punições logo teria um
efeito muito salutar. Estas operações recomendaria a se realizarem
entre Stanley Pool e as cataratas. Postos de observações também devem
ser estabelecidos em posições estratégicas para controlar os pontais dos rios
usados pelos caçadores de escravos.
Cada ponto
deve ser suprido com um barco, igual ao que recomendei para o baixo rio. Outras
estações devem ser estabelecidas no centro do distrito que praticar o raide
escravo. Escravos encontrados nos mercados poderão ser resgatados e colocados
num assentamento, onde podem ser treinados como soldados ou aprender
algum ofício útil; Tenho comprado, sempre que possível, o resgate de escravos.
a conclusão da compra, sempre tive a precaução de colocar nas mãos do homem
libertado uma declaração afirmando sua liberdade resgatada por mim, e que a
expedição que representei fará um determinado pagamento mensal, enquanto ele
permanecer a seu serviço.
EFEITO DA
LIBERTAÇÃO.
Foi curioso
observar os diferentes efeitos que o anúncio da redenção teve nos escravos
libertados de forma tão inesperada. Como regra, o homem perplexo fazia todos os
tipos de perguntas a cada um dos homens da tripulação do meu barco,
qual seria o significado da cerimónia! Qual seria o seu destino?
Seria trocado por marfim? Ou seria comido? Levei algum tempo e
paciência para explicar! Passado algum tempo o susto passou da primeira
surpresa. A importância do papel que e tinha foi colocado na sua mão.
Outros, mais
inteligentes, imediatamente compreenderam a sorte que tiveram; era
estranho ver a mudança surpreendente na expressão de seus rostos, num momento
antes nada indicava, a não ser uma submissão sem resistência ao seu destino
miserável, seus corpos inertes e cansados. De repente parecia ao
mesmo tempo tornarem-se erectos e vigorosos, quando libertados daqueles
degradantes grilhões.
Depois de
comprarmos todos os escravos que estiverem expostos para venda, uma advertência
foi feita, Alertou-se que qualquer tentativa de compra de seres humanos para
escravidão seria considerada um sinal de guerra, que os compradores
seriam severamente punidos.
O mais
importante do movimento é convencer os escravos na nossa seriedade e sinceridade.
Sinto-me confiante que as operações executadas da maneira
como sugerimos, teríamos mais resultados satisfatórios.
A razão para o
facto das aldeias nativas serem desunidas é que, raramente aparece um chefe
suficientemente forte para liderar uma união. Esta fraqueza deve ser
aproveitada, incumbindo competentes homens brancos para liderá-los, e através
da sua influência pessoal, unir as tribos sob sua liderança.
Mais cedo ou
mais tarde teremos que combater os árabes em Stanley Falls. Actualmente, permanecem
por lá não porque os homens brancos não lhes permitam descer o rio,
mas porque estão no centro dum campo rico, sabem que, descendo o rio devem
confiar inteiramente nas suas canoas, as estradas no interior são poucas e distantes
entre si, devido à natureza pantanosa do terreno. Também teriam pela frente os
populosos e belicosos distritos de Upoto, Mobeka e Bangala para lutar contra, o
que não seria tão fácil de superar como são as pequenas aldeias espalhadas ao
redor de Stanley Falls, que no momento são frequentemente perseguidas.
Todos os
nativos do Alto Congo, até os actuais limites sob a influência dos árabes,
devem ser controlados tanto quanto possível por europeus. Devem permanecer
alinhados com os europeus, de modo que quando chegar o momento dos árabes
decidirem avançar rumo ao Oeste, encontrarão nas suas fronteiras uma barreira
de nativos bem armados e decididos. O comércio de escravos de hoje é quase
totalmente confinado à África. Os escravos são capturados e eliminados no
próprio continente, o número daqueles que são enviados para a
Turquia e outras partes é realmente pequeno em comparação com o enorme tráfego
exercido no interior. Nós temos a autoridade de Stanley e Livingstone e outros
exploradores a cuidar da iniquidade existente na porção Oriental da África
Equatorial.
Na Índia temos
um exemplo daquilo que a determinação e resolução podem realizar, como as
cerimónias desumanas do sati, carro de Juggernaut, o infanticídio, e a
sociedade secreta dos Bandidos foram todas reprimidas pelo governo britânico.
As oportunidades para alcançar o centro da África estão anualmente a melhorar.
Desde que
Stanley expôs pela primeira vez ao mundo a história manchada de sangue do
Continente Negro, rápidos avanços foram feitos na abertura daquele país. O
trabalho para o bem estar da África, tão determinadamente perseguido por
Livingstone, foi agora mais nobremente realizado por Stanley, e o rápido
progresso que está actualmente acontecendo é inteiramente devido aos esforços
de Stanley. Um grande obstáculo sempre existiu entre o mundo exterior e a
África Central, no trecho de águas não navegáveis entre Matadi e Stanley Pool.
A ferrovia que está a ser construída agora vai superar esta dificuldade.
E, J. Glave